Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6/21.6PEAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ QUARESMA
Descritores: CRIME DE FURTO
PENA DE PRISÃO
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Nº do Documento: RP202402076/21.6PEAVR.P1
Data do Acordão: 02/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - O fenómeno dos furtos em estabelecimentos comerciais é representativo de uma criminalidade de massa, com milhares de microlesões patrimoniais que são bagatelares, quando individualmente consideradas, mas que, no conjunto, representam um problema social e económico não despiciendo, ainda que com cifras negras importantes, sobrecarregando os sistemas de justiça e consumindo recursos importantes.
II - Pese embora a existência, no caso, de alguns fatores de proteção do risco de reincidência, aqueles nunca impediram a arguida de praticar plúrimos crimes de furto, com dispersão geográfica, homotropia de procedimentos e assinalável planeamento, denotativos de uma dedicação importante a este tipo de procedimento e de uma completa indiferença às anteriores condenações.
III - A atuação da arguida, vista em plano isolado, seria expressiva de uma criminalidade quase bagatelar mas que se torna impressiva e indutora de uma resposta reativa consistente quando enquadrada pela sucessiva reiteração de procedimentos e pela evidente insensibilidade às penas aplicadas, compreendendo-se por isso, no caso, a opção pela pena de prisão efetiva, ante as fortes exigências de prevenção especial e o insucesso das anteriores penas aplicadas, detentivas e não detentivas, tendo os factos sido cometidos em período de liberdade condicional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 6/21.6PEAVR.P1



Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I.
I.1

Nos autos de processo comum n.º 6/21.6PEAVR, que correu termos no Juízo Local Criminal de Aveiro – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por sentença de 07.06.2023 decidiu-se, além do mais e na procedência da acusação:
a) condenar AA na pena de 2 anos e 6 meses, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1 do Código Penal;
b) condenar BB na pena de 2 anos e 3 meses, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1 do Código Penal;
c) condenar CC na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €6,50, no montante global de €390,00, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1 do Código Penal;
d) condenar DD na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €6,50, no montante global de €390,00, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º1 do Código Penal.
*

I.2
Inconformada, veio a arguida AA interpor o recurso ora em apreciação (Ref.ª 14816139) referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve:
1. O art. 50º, n.º 1 do C.P. estabelece como pressuposto formal da aplicação do regime jurídico da suspensão da execução da pena de prisão, que a medida desta aplicada ao agente não exceda 5 (cinco) anos.
2. A suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples, com a imposição de deveres, com a imposição de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, podendo haver lugar à sua imposição cumulativa (art. 50º, n.º 2 e 3 C.P).
3. À recorrente foi aplicada uma pena de prisão efetiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
4. Entendemos, pois, ser ainda possível realizar um juízo de prognose favorável sobre a arguida, no sentido que a ameaça de pena de prisão entendida desta vez como última oportunidade, constitui incentivo bastante para a afastar da prática de novo crime.
5. Nos presentes autos e desde o seu início a arguida sempre demonstrou ter uma atitude de absoluto respeito e colaboração com o tribunal, contribuindo para a descoberta da verdade material dos factos, objetivo supremo que se pretendia alcançar.
6. Demonstrou também arrependimento pelos atos que assumidamente praticara, querendo por isso redimir-se dessa mesma prática e aceitando as consequências que daí sabia necessariamente lhe adviriam.
7. Na comunidade em que se insere, a arguida sempre logrou ter uma imagem bastante positiva de cidadã bem inserida, base de apoio da família e trabalhadora.
8. A arguida é pessoa empenhada e responsável na sua vivência assim provendo pela obtenção dos recursos para a sua subsistência e do seu agregado familiar que engloba os filhos adultos e netos, que com ela vivem e repartem as despesas.
9. Os objetos subtraídos foram logo restituídos à sua proprietária, A..., não tendo havido um aproveitamento ou fruição efetivo dos mesmos pela arguida.
10. Aliás, os jogos furtados mantiveram na íntegra as suas embalagens intactas e invioladas, pelo que não sofreram qualquer depreciação de valor e puderam voltar a ser introduzidos no mercado.
11. Donde não resultou ter-se verificado um prejuízo patrimonial efetivo para a ofendida.
12. O douto tribunal a quo deveria, assim, e face ao tipo legal de crime em causa e aos circunstancialismos deixados descritos, ter optado pela aplicação do regime previsto no artigo 50º do Código Penal, suspendendo a execução da pena de prisão aplicada à arguida por, ser devidamente fundamentada a existência de um juízo de prognose de que a mera ameaça de aplicação de uma pena de prisão mediante a imposição de deveres ou não, seria suficiente para a manter afastada da comissão de novos factos delituosos.
13. E tal podia retirar-se da personalidade da arguida, pela sua postura global, da sua atitude em sede de julgamento, da comprovada boa inserção de que goza em termos familiares, laborais e sociais, sendo que a mera ameaça de sujeição ao cumprimento de uma pena de prisão será efetivamente suficiente para a manter afastada da comissão de novos factos ilícitos.
14. Não tendo optado pela aplicação deste regime, violou o Tribunal a quo o estatuído no art. 50º C.P.
15. E, sendo certo que não o deveria ter feito, seria legitimamente de esperar que a recorrente pudesse gozar do regime da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada, ainda que tal suspensão fosse subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, conforme estipula o art. 50º, n.º 2 e 3 do Código Penal, cabendo ao douto tribunal a opção por qual destes regimes a aplicar em concreto à arguida.
16. Pelo que, nesta sede de recurso, à recorrente deverá ser aplicado o regime da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada, ainda que para o efeito seja sujeita ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou ainda a regime de prova, como bem preceitua o art. 50º, n.º 2 e 3 do Código Penal, cabendo ao douto tribunal a opção por qual destes regimes a aplicar em concreto à arguida.
Nestes termos e melhores de direito, cujo douto suprimento se invoca, deverão V. Exas. conceder provimento ao presente recurso nos termos enunciados nas conclusões, devendo à recorrente ser aplicado o regime da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenada, ainda que para o efeito seja sujeita ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou ainda a regime de prova, como é de direito e bem preceitua o art. 50º, n.º 2 e 3 do Código Penal, com o que V. Exas. farão, como sempre, a serena, objetiva e necessária JUSTIÇA
*
I.3
Da sentença proferida veio igualmente a arguida BB interpor recurso (Ref.ª 14825557) concluindo a sua motivação da seguinte forma (súmula):
1. O Tribunal ad quo condenou a arguida, na prática, em co-autoria, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, n.º 1 do Código Penal; na pena de 2 anos e 3 meses de prisão efetiva.
2. Recurso tem como único objeto de apreciação por V. Exª. da bondade da medida da pena cuja a execução não se suspendeu.
3. Foram os seguintes os factos dados como provados:
(…)
4. A recorrente prestou declarações, onde declara o seguinte:
(…)
5. Na douta fundamentação do Tribunal a quo, a “BB, esta arguida, admitiu que num primeiro momento estava de acordo com a prática dos factos e que participou activamente nos mesmos, mas que receando consequências e estando preocupada com o seu marido (acamado), decidiu sair do estabelecimento comercial de venda a retalho sem sequer informar as demais das razões que a levavam a esse comportamento. Este silêncio foi confirmado pelas demais arguidas. Conforme se irá explanar infra, o Tribunal não encontrou sustentação para retirar credibilidade às declarações das arguidas quanto a este último conspecto. (sic)
6. O comportamento da arguida, independentemente no seu consciente ter mostrado arrependimento no ilícito que iria praticar, o certo é que não conseguiu lograr junto do Tribunal a quo, uma atitude para as demais co-arguidas, não praticarem o facto ilícito, razão pela qual não beneficiou do regime da tentativa.
7. Entende a recorrente que estava reunida todas as condições para lhe ser aplicado uma medida, não privativa da liberdade, independentemente dos seus antecedentes criminais, sendo este o motivo principal da pena de prisão efetiva.
8. Não atendeu o Tribunal a quo, para valorização da suspensão da penda os factos dados como provado.
9. Número 12., abandonou a intenção de se apropriar dos objectos;
10.- Número 18. A arguida BB é casada e vive com o marido, que se encontra acamado e 19 encontra em situação de desemprego e se dedica a cuidar do mesmo e por último o facto de desde o ano de 2016, não ter no seu registo criminal mais ilícitos, ou seja há mais 7 anos a esta parte.
11. É sabido, que o sistema penal português dá assumidamente preferência à aplicação sanções não privativas da liberdade, relativamente a sanções carcerárias. (art.º 50).
12. Ao abrigo do n.º art. 53º do C.P:
(…)
13. Por sua vez, determina o art. 56º do CP:
(…)
14. Em sede das declarações da arguida, essa confessou atos de execução e a final não os executou, pela desistência, o que demonstra o seu arrependimento, consequentemente a ideia, da suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, a simples ameaça da prisão, era suficiente para o cumprimento das finalidades da punição.
15. Acresce, pelas condições pessoais e sociais, aqui, descritas nomeadamente está desempregada, pelo fato de o marido estar acamado, factos dados como provados, a suspensão da execução da pena, revela-se apta a afastá-la da criminalidade, e assim, salvaguardando as exigências mínimas de prevenção geral, sendo certo que a mesma se revogará, reafirma, nos casos previstos no citado art. 56º do CP.
16. Violou assim, o Tribunal a quo o disposto nos artigos 40º, 50º 53 e 71º todos do C.P.
17. Assim, e em conformidade, o recorrente reclama que lhe seja suspensa a execução da pena que lhe foi aplicada ou que lhe venha a ser aplicada em substituição desta nos termos e moldes por nós preconizados, com aplicação de regime de prova a caucionar essa suspensão.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso de acordo com o exposto em sede de motivação, assim sendo feita Justiça
*
I.4
Admitidos os recursos, por tempestivos e legais, veio o Ministério Público apresentar resposta conjunta aos dois recursos, pugnando pela manutenção do decidido, referindo, além do mais, que:
No que respeita à possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão entendemos não existir a mínima possibilidade de formular um juízo de prognose favorável.
É evidente que nenhuma das anteriores penas, que incluem prisões efectivas, demoveram as recorrentes de novamente praticar crimes.
A opção pela prisão efectiva e a inviabilidade de qualquer pena substitutiva encontra-se devidamente explicitada na sentença recorrida, sendo absolutamente perceptível o juízo operado pela Meritíssima Juíza a quo que, ao considerar a personalidade das arguidas, expressa também nos seus antecedentes criminais, concluiu que qualquer outra pena não surtiria aqui o efeito pretendido pelo nosso ordenamento jurídico.
Recorde-se que as arguidas, residentes em Lisboa, deslocaram-se mais de duas centenas de quilómetros para cometerem um furto em co-autoria.
Afigura-se-nos inequívoco que a suspensão da execução da pena de prisão não iria satisfazer minimamente as finalidades de prevenção geral positiva e as finalidades de prevenção especial positiva, criando sim um sentimento de total impunidade.
(…)
Assim, entendemos que a sentença recorrida respeitou integralmente as regras e princípios legais atinentes e que as penas em que as recorrentes foram condenadas são adequadas e proporcionais ao caso dos autos.
*
I.4
Neste Tribunal a Digna Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, tendo emitido parecer (Ref.ª 17546706) subscrevendo a posição do Ministério Público em primeira instância.
Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., tendo a recorrente AA exercido o contraditório, mantendo a sua pretensão recursória (Ref.ª 379919).
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
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II.
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória e em ambos os casos, constitui objeto do presente recurso apreciar da possibilidade de suspensão das penas de prisão aplicadas às recorrentes, análise que faremos conjuntamente.
*
III.
Apreciando.
III.1
Da decisão recorrida (na parte relevante)
Relembrando os factos em causa e a fundamentação da determinação das penas:
(…)
III. Fundamentação
A. De Facto
Factos provados
Produzida a prova e discutida a causa, com relevo para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 05 de Março de 2021, cerca das 14h 00m, AA, BB, CC e DD, que se faziam transportar no veículo automóvel, marca “...”, com a matrícula ..-..-SB, pararam na área de serviço de ..., na auto-estrada A1, no sentido Norte-Sul e aí, mediante um plano previamente delineado entre todas, forraram um saco com plástico, folha de alumínio e fita cola.
2. Após, AA, BB, CC e DD seguiram viagem até Aveiro, e nesse mesmo dia, cerca das 16h 20m, dirigiram-se ao supermercado “A...”, sito no Centro Comercial ..., na Rua ... e ..., nesta cidade, com o intuito de se apropriarem de artigos que ali encontrassem sem efectuar o respectivo pagamento.
3. Chegadas ao referido supermercado, AA, BB, CC e DD dirigiram-se para junto do expositor dos jogos de consolas electrónicas.
4. Seguidamente, BB, melhor ponderando sobre a sua actuação, afastou-se das demais, saiu do referido supermercado, sem dirigir qualquer palavra às demais, e manteve-se nas imediações da entrada daquele supermercado, mantendo conversação telefónica com pessoa cuja identidade não se apurou.
5. Enquanto isso, AA, CC e DD, permaneceram junto ao referido expositor de jogos e daí retiraram jogos de consolas que depositaram no saco que previamente haviam forrado, nos termos descritos no ponto 1., de forma a permitir a sua saída do supermercado sem serem detectados pelos alarmes ali existentes.
6. AA, CC e DD, retiraram do expositor e depositaram no referido saco os seguintes jogos, no valor total de €497,23:
- Jogo PS5 Marvel S SP, no valor de €79,89;
- Jogo Deso PS5, no valor de €79,89;
- Jogo PS5 Sackboy:A, no valor de €69,89;
- Jogo Ass. Creed Valhàlla, no valor de €69,89;
- Jogo Just Dance 2021 no valor de €59,89;
- Jogo PS5 Dirt 5, no valor de €69,89;
- Jogo PS5 Godfall, no valor de €67,89;
7. Após, AA, CC e DD afastaram-se do expositor e saíram do referido supermercado, separadamente, sendo que CC saiu daquele local levando consigo o supra referido saco contendo os jogos mencionados, sem terem procedido ao respectivo pagamento.
8. De seguida AA, CC e DD dirigiram-se ao veículo automóvel identificado em 1, que se encontrava estacionado no exterior do Centro Comercial, onde guardaram o mencionado saco com os jogos, momento em que foram interceptadas por agentes da Policia de Segurança Pública de Aveiro.
9. BB veio a ser interceptada no exterior do Centro Comercial ... a cerca de 50 metros do local onde se encontrava estacionado o veículo automóvel identificado em 1.
10. Os jogos identificados em 6, vieram a ser apreendidos no mesmo dia, pelas 17h 00m, no interior do veículo mencionado, tendo sido entregues ao respectivo proprietário.
11. As arguidas actuaram mediante acordo de vontades e em união de esforços, com o propósito concretizado de fazerem seus os referidos jogos, bem sabendo que tais bens não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do respectivo proprietário, a quem não tinham pago o preço dos jogos, o que bem sabiam.
12. A arguida BB abandonou a intenção de se apropriar dos objectos.
13. As arguidas agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
*
14. A arguida AA é divorciada e trabalha como empregada de limpeza por conta de sociedade denominada “B..., S.A.”, com sede nos ... e aufere mensalmente €578,11.
15. A arguida AA tem dois filhos maiores de idade e, à data da prática dos factos vivia com os filhos, o genro, a nora e 3 netos.
16. Como habilitações literárias tem o 9.º ano de escolaridade.
17. A arguida AA já foi condenada na pena de:
a) 80 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 26-04-2004, proferida no âmbito do processo n.º2000/03.0PSLSB, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Matosinhos, pela prática, em 19-11-2003, de um crime de furto;
b) 30 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 10-12-2004, proferida no âmbito do processo n.º319/01.3S6SLB, da 1.ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pela prática, em 22-05-2001, de um crime de furto;
c) 100 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 05-04-2005, proferida no âmbito do processo n.º891/03.3GCAVR, do 2.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, pela prática, em 28-11-2003, de um crime de furto;
d) 120 dias de multa e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano, por sentença transitada em julgado em 09-05-2005, proferida no âmbito do processo n.º295/02.5PBVNO, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, pela prática, em 01-09-2002, 01-09-2003, de um crime de injúria agravada e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário;
e) 150 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 29-09-2005, proferida no âmbito do processo n.º426/03.8TAVFX, do 2.º Juízo, 3.ª secção do Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 12-09-2002, de um crime de emissão de cheque sem provisão;
f) 200 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 29-09-2005, proferida no âmbito do processo n.º1533/03.2GAMAI, do 2.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Maia, pela prática, em 12-11-2003, de um crime de furto;
g) 120 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 18-01-2006, proferida no âmbito do processo n.º650/03.3PCSTB, do 3.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, pela prática, em 27-05-2003, de um crime de furto;
h) 170 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 02-05-2006, proferida no âmbito do processo n.º1215/03.5PBFIG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, pela prática, em 02-11-2003, de um crime de furto;
i) 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 10-04-2007, proferida no âmbito do processo n.º554/05.5GCBRG, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, pela prática, em 11-04-2005, de um crime de furto;
j) 18 períodos de prisão por dias livres, por sentença transitada em julgado em 28-02-2008, proferida no âmbito do processo n.º673/06.0PEOER, do 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, pela prática, em 26-06-2006, de um crime de furto;
k) 2 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, por sentença transitada em julgado em 27-03-2003, proferida pelo Juzgado Penal de Mostoles, pela prática, em 28-06-2003, de um crime de furto;
l) 10 meses de prisão, suspensa na execução pelo prazo de 12 meses, por sentença transitada em julgado em 16-09-2008, proferida no âmbito do processo n.º754/06.0PBVIS, do 1.º Juízo criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, pela prática, em 04-06-2006, de um crime de furto;
m) 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 17-09-2008, proferida no âmbito do processo n.º231/07.2PBCVL, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, pela prática, em 09-09-2007, de um crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços;
n) 10 meses de prisão, por sentença transitada em julgado em 30-09-2010, proferida no âmbito do processo n.º1363/10.5GACSC, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, pela prática, em 20-08-2010, de um crime de furto;
o) 1 ano e 6 meses de prisão, por sentença transitada em julgado em 14-10-2013, proferida no âmbito do processo n.º1727/12.0GACSC, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, pela prática, em 08-12-2012, de um crime de furto;
p) 10 meses de prisão, suspensa na execução pelo prazo de 1 ano, por sentença transitada em julgado em 31-10-2014, proferida no âmbito do processo n.º1208/05.8PBFAR, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Faro - Juiz 2, pela prática, em 19-07-2005, de um crime de furto;
q) 14 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, por sentença transitada em julgado em 07-12-2015, proferida no âmbito do processo n.º5316/10.5TALRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Loures - Juiz 2, pela prática, em 10-08-2010, de um crime de furto;
r) 2 anos de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, por sentença transitada em julgado em 11-12-2017, proferida no âmbito do processo n.º345/16.8SJPRT, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Local Criminal de Leiria - Juiz 2, pela prática, em 27-05-2016, de um crime de furto;
s) 6 meses de prisão e na pena acessória de perda/suspensão do direito de voto ou de elegibilidade com a duração de 6 meses com obrigação de reparar o ofendido, por sentença transitada em julgado em 22-02-2018, proferida no âmbito do processo PAB-0000217/2016, por Tribunal do Reino de Espanha, pela prática, em 17-11-2012, de um crime de furto;
t) 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova e à condição de ressarcir a lesada, por sentença transitada em julgado em 21-12-2018, proferida no âmbito do processo n.º149/15.5SVLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 1, pela prática, em 30-10-2015, de um crime de abuso de confiança.
18. A arguida BB é casada e vive com o marido, que se encontra acamado.
19. A arguida BB tem dois filhos maiores de idade que a ajudam economicamente, dado que em virtude da situação de saúde do marido se encontra em situação de desemprego e se dedica a cuidar do mesmo.
20. A arguida BB já foi condenada na pena de:
a) 2 meses de prisão, por sentença transitada em julgado em 30-06-2003, proferida no âmbito do processo n.ºOJ-0000006/2003, de Tribunal do Reino de Espanha, pela prática, em 28-06-2003, de um crime de furto;
b) 160 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 10-02-2004, proferida no âmbito do processo n.º224/02.6PBVNO, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, pela prática, em 21-06-2002, de um crime de ofensa à integridade física e de um crime de ameaça;
c) 240 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 18-06-2004, proferida no âmbito do processo n.º849/02.0PBCSC, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e da Comarca de Cascais, pela prática, em 07-05-2002, de um crime de furto;
d) 80 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 26-04-2004, proferida no âmbito do processo n.º2000/03.0PSLSB, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Matosinhos, pela prática, em 19-11-2003, de um crime de furto;
e) 200 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 03-08-2005, proferida no âmbito do processo n.º1533/03.2GAMAI, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Maia, pela prática, em 12-11-2003, de um crime de furto;
f) 2 meses de prisão, suspensa na execução por decisão proferida pelo Julgado Penal de Mostoles n.º3, pela prática, em 28-06-2003, de um crime de furto na forma tentada;
g) 150 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 27-03-2006, proferida no âmbito do processo n.º2311/04.7PBAVR, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, pela prática, em 01-12-2004, de um crime de furto;
i) 7 meses de prisão, suspensa na execução pelo prazo de 1 ano, por sentença transitada em julgado em 30-06-2010, proferida no âmbito do processo n.º2049/09.9PAVNG, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, pela prática, em 07-11-2009, de um crime de furto;
j) 12 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, por sentença transitada em julgado em 09-12-2010, proferida no âmbito do processo n.º798/07.5PASXL, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e Comarca do Seixal, pela prática, em 27-12-2007, de um crime de furto;
k) 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, por sentença transitada em julgado em 12-06-2021, proferida no âmbito do processo n.º233/09.4SKLSB, da 8.ª Vara Criminal das Varas Criminais de Lisboa, pela prática, em 09-04-2009 e 04-03-2009, de dois crimes de furto;
l) 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na execução opor igual período de tempo, por sentença transitada em julgado em 13-01-2012, proferida no âmbito do processo n.º2237/04.4PFLRS, da 2.ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Família e Menores e Comarca de Loures, pela prática, em 14-12-2004, de um crime de furto;
m) 4 anos e 6 meses de prisão, por sentença transitada em julgado em 01-09-2015, proferida no âmbito do processo n.º95/13.7SHLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 7, pela prática, em Outubro de 2013, de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de tráfico de estupefacientes;
n) 6 meses de prisão, com obrigação de reparação do lesado, por decisão proferida no âmbito do processo n.ºPAB-0000217/2016, de Tribunal do Reino de Espanha, pela prática, em 17-11-2012, de um crime de furto.
21. A arguida CC é divorciada e tem dois filhos maiores de idade.
22. A arguida CC é gerente de sociedade denominada “C..., Unipessoal, Lda.” e, a tempo parcial, trabalha como empregada de limpeza, auferindo rendimento mensal não apurado, mas não inferior a €250,00.
23. Dos autos não constam antecedentes criminais registados relativamente à arguida CC.
24. A arguida DD é divorciada e dedica-se à venda ambulante, auferindo rendimento mensal não apurado.
25. Dos autos não constam antecedentes criminais registados relativamente à arguida DD.
Factos não provados
Não se provou qualquer outro facto constante da acusação ou alegado durante a discussão da causa, com pertinência para a decisão desta ou que se mostre em oposição com os dados como provados.
Nomeadamente, não se provou:
A. Que nas circunstâncias referidas em 2 dos factos provados, BB, ao sair do supermercado se manteve em posição de alerta, designadamente verificando a movimentação dos seguranças daquele espaço comercial.
B. As demais condições pessoais, sociais e económicas das arguidas.
*
Motivação
Para formação da respectiva convicção, o Tribunal gizou-se no teor dos meios de prova produzidos e examinados em sede de audiência de discussão e julgamento, sempre com recursos a juízos de experiência comum e de normalidade (artigo 127.º do Código de Processo Penal).
Concretamente, relevaram as declarações prestadas pelas arguidas, não só quanto à factualidade em si, mas igualmente no que tange às respectivas condições pessoais sociais e económicas.
As arguidas AA, CC e DD admitiram de forma integral e sem reservas os factos que lhes eram imputados, dando uma explicação (globalmente conexionada com dificuldades económicas) para a sua prática, nada tendo levantado reservas ao Tribunal quanto a tais confissões.
No que respeita a BB, esta arguida, admitiu que num primeiro momento estava de acordo com a prática dos factos e que participou activamente nos mesmos, mas que receando consequências e estando preocupada com o seu marido (acamado), decidiu sair do estabelecimento comercial de venda a retalho sem sequer informar as demais das razões que a levavam a esse comportamento. Este silêncio foi confirmado pelas demais arguidas. Conforme se irá explanar infra, o Tribunal não encontrou sustentação para retirar credibilidade às declarações das arguidas quanto a este ultimo conspecto.
Para além das declarações prestadas pelas arguidas, o Tribunal valorou o teor da prova testemunhal, genericamente credível, apesar de em alguns momentos sem efectiva sustentação para as ilações e presunções que expuseram ao Tribunal, mormente no que respeita à participação de BB, tal como adiante se irá concretizar.
No que tange ao depoimento prestado por EE, inquirido na qualidade de legal representante da sociedade ofendida, revelou-se sereno e sem qualquer motivação para prejudicar as arguidas ou qualquer demonstração de interesse na forma como o Tribunal viesse a decidir. Revelou que não presenciou os factos e que foi alertado para os mesmos após a intervenção da Polícia de Segurança Pública e da detenção das arguidas no momento subsequente à saída do supermercado. Confirmou o valor dos jogos que havia sido feito constar do talão junto aos autos a fls. 5, bem como que tais objectos foram imediatamente restituídos sem qualquer dano.
Os depoimentos prestados por FF, GG e HH, agentes da Policia de Segurança Pública, mantiveram depoimentos isentos e claros, sem que evidenciassem qualquer motivação – pessoal ou profissional – para causar prejuízo à situação jurisdicional das arguidas. Os esclarecimentos por estes prestados foram de suma relevância para a apreensão dos factos que antecederam a vinda das arguidas para a cidade de Aveiro, mas principalmente para o esclarecimento da prévia combinação e preparação conjunta da prática dos factos ilícitos que vieram a ser detectados em flagrante delito – desde logo tendo em consideração que previamente se muniram de um saco forrado a alumínio para passarem sem serem detectadas pela zona de alarmes de estabelecimentos comerciais e que se foram mantendo muito próximas umas das outras, excepção feita a BB que saiu do estabelecimento comercial num momento em que ainda não havia sido retirado qualquer jogo das prateleiras.
Finalmente, o teor do depoimento restado por II, agente da Polícia de Segurança Pública, que procedeu ao visionamento e tratamento das imagens constantes do DVD de fls. 339. O seu depoimento revelou-se absolutamente credível, pese embora os normais lapsos decorrentes da identificação das arguidas, pois que confundiu AA com BB.
*
Conjuntamente, analisou-se e valorou-se o teor da prova documental nos termos infra expostos:
- o auto de apreensão de fls. 23, que se conjugou com o auto de exame e avaliação de objectos de fls. 24 e a factura de fls. 25, que comprovam os objectos concretos que foram retirados do interior do estabelecimento comercial e o respectivo valor monetário;
- quanto à restituição dos objectos à sociedade ofendida, o Tribunal fundamentou-se no termo de entrega constante de fls. 26;
- a fls. 39, 40-42 e 320-325 mostram-se juntos relatórios e reportagens fotográficas que foram aptos a determinar o modo de actuação das arguidas;
- o relatório social elaborado a fls. 344-345 que retracta a situação de vida de AA;
- para determinação dos antecedentes criminais registados, gizou-se o Tribunal nos Certificados do Registo Criminal que se mostram juntos aos autos a fls. 472, 473, 474-492 e 493-502;
- as pesquisas efectuadas junto da base de dados do Instituto da Segurança Social sob as referências electrónicas 14627429, 14627430, 14627431 e 14627432, de 29-05-2023.
Relativamente à intenção subjectiva das arguidas, a mesma deu-se como provada com recurso a juízos de experiência comum, os quais permitiram inferir, com base nos factos objectivos dados como provados, a intenção subjectiva das mesmas ao praticar tais factos, pois que se trata de presunção natural que quem subtrai e se apropria de objectos que não lhe pertencem, sem o consentimento ou o conhecimento do legitimo proprietário, sabe o que está a fazer, que é um ilícito criminal e tem vontade de praticar tal facto.
Acresce que, baseando-se a co-autoria no principio da divisão de trabalho e distribuição funcional de papéis, por acordo expresso ou tácito, com vista à obtenção de um resultado, mesmo que qualquer uma das arguidas se limitasse a estar presente, a vigiar a aproximação de terceiros, estaria a contribuir para aquela produção, pelo que não se poderia ter por afastada a comparticipação dolosa. Aliás, se assim não fosse, as arguidas AA, BB, CC e DD também não se teriam retirado simultaneamente do local após terem almejado o que pretendiam (embora tenha saído de forma ligeiramente distanciada).
*
No que respeita especificamente aos factos dados como não provados, haverá que plasmar que a prova produzida não foi suficiente ou apta a criar no espirito da julgadora convicção diversa daquela que se fez plasmar.
Assim, num primeiro momento, principalmente em virtude de juízos de normalidade em situações análogas e face ao teor do relatório de visionamento e tratamento de imagens constante de fls. 40-52, ficou o Tribunal com dúvidas sobre se BB efectivamente havia desistido, de forma relevante, de continuar a auxiliar as demais arguidas, pois que a posição em que se manteve é característica de quem se encontra a vigiar as imediações para poder alertas os restantes agentes caso se aproximasse alguém para “fiscalizar” o que estavam a fazer.
Sucede que nenhum outro meio de prova conseguiu infirmar a versão que todas as arguidas apresentaram quanto à inicial comparticipação de BB nos factos e à desistência que presumiram ter existido, dado que não explicitou previamente à sua saída as razões da mesma.
Vejamos:
Não obstante não se retirar em nada a credibilidade dos depoimentos prestados pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, também não poderá deixar de se evidenciar que trouxeram para o domínio da audiência de discussão e julgamento conclusões que decorrem de “vícios” da profissão, já que presumiram que a saída de BB do interior do estabelecimento comercial, a sua permanência em zona próxima daquela em que habitualmente se situa o segurança e o uso do telemóvel enquanto aí permaneceu, se devia a actos de coadjuvação e participação na prática do ilícito criminal de furto que estava a ocorrer no interior do estabelecimento. Se é possível dizer-se que assim é em muitas situações, a verdade é que das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância se afere que nenhuma das co-arguidas que se encontravam no interior do estabelecimento comercial estava a fazer uso do telemóvel, para além de que os senhores agentes não verificaram se existia alguma chamada efectuada nos minutos anteriores à detenção, nem para que número teria sido efectuada. Desta forma, não se poderá infirmar a versão carreada para os autos pelas arguidas.
Ponto assente é o estatuído pelo n.º5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa quanto ao principio da presunção de inocência, sem esquecer que as declarações prestadas pelos arguidos não são um mero meio de prova, são, na verdade um meio de defesa, tal como o é o exercício do direito ao silêncio e, não se estando já na fase de inquérito nem de instrução, o Tribunal não pode decidir recorrendo a meras provas circunstanciais, nem com base em indícios suficientes, tem que existir uma convicção fundada na prova produzida quanto ao que aconteceu em concreto e quanto à intervenção de cada um dos agentes.
Pelo que, subsistindo ao Tribunal dúvida séria e razoável, não poderá o Tribunal concluir que, isoladamente, BB, não tenha desistido de praticar os factos de forma activa e participativa.
*
(…)
IV. Escolha e medida concreta da pena
(…)
AA tem vastos antecedentes criminais registados, todas transitadas em julgado antes da prática destes factos, sendo que nessas 20 condenações se contabiliza a prática de 13 crimes de furto. A arguida já foi condenada em penas privativas e não privativas da liberdade, o que não a demoveu de reiterar a conduta, o que faz com que tenha sérias necessidades de reeducação para o Direito e de ressocialização, razão pela qual não se poderá deixar de concluir que apenas a pena de prisão é suficiente e adequada quanto à mesma.
BB, tem também vastos antecedentes criminais registados, pela prática de variados crimes, contabilizando-se 14 condenações, todas com transito em julgado em data anterior à da prática do ilícito criminal em apreço nos autos. Se é certo que a última condenação tem o trânsito em julgado no ano de 2016 (ou seja, cerca de 5 anos antes da prática dos factos em apreço nos autos) e que a mesma desistiu da intenção de se apropriar dos objectos, também é inelutável que já cumpriu penas de prisão, que recidivou na prática do mesmo ilícito criminal 12 vezes e que as necessidades de prevenção especial se situam em patamar muito elevado e que não se cogita que uma pena de multa seja suficiente ou adequada no caso concreto, pelo que se decide impor uma pena de prisão.
(…)
Procedendo agora à determinação da medida concreta das penas a impor a cada uma das arguidas, desde já se plasma que se dá por reproduzido (por questões de economia processual) o que acima se referiu quanto às necessidades de prevenção e pondera-se relativamente a todas as arguidas:
- a circunstância de manifestarem um grau de ilicitude e de desvalor da acção elevados, dada a prévia preparação para a subtracção de coisas móveis em estabelecimentos comerciais, bem como o facto de terem saído da sua zona de residência para o efeito;
- o dolo directo com que actuaram, pois que estavam perfeitamente cientes das respectivas condutas e, mesmo assim, prosseguiram com os respectivos intentos;
- a recuperação dos objectos, se bem que nesta parte não se poderá falar em restituição voluntária, desde logo porque se não tivesse existido actuação dos agentes da Polícia de Segurança Pública certamente que os jogos teriam sido vendidos na feira da Ladra tal como as arguidas haviam projectado e combinado;
- a postura que assumiram em audiência de discussão e julgamento no sentido de admitirem a prática dos factos que, apesar da existência de flagrante delito lhe conferir um valor residual, se pondera. Essa ponderação resulta igualmente para BB dado que não escamoteou a sua inacção para impedir a violação do bem jurídico;
- as razões que determinaram a prática do ilícito criminal que são absolutamente fúteis, já que dificuldades económicas, ainda que sérias não são justificação para querer locupletar-se de objectos de terceiros, principalmente quando o valor que iam obter com a venda dos jogos não seria suficiente para, cada uma delas, manter qualidade de vida ou pagar as respectivas despesas por período distendido no tempo.
Agora, concretamente no que respeita a cada uma das arguidas:
- AA, o seu comportamento anterior e posterior aos factos, dando-se especial enfoque aos antecedentes criminais registados, nos termos já acima expostos, mas igualmente ao facto de manter actividade laboral estável, nada indiciando que não esteja inserida na família e na sociedade.
Também o seu grau de escolaridade da arguida é ponderado, apesar de não ser tão baixo que impeça a compreensão da conduta praticada ou das suas consequências para a sociedade ofendida e para a comunidade em geral.
Assim, face ao supra ponderado, o Tribunal julga o grau de culpa evidenciado pela arguida com a prática dos factos de nível elevado e, como tal, julga-se adequada e suficiente a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
A suspensão da execução da pena de prisão
Atendendo ao determinado pelo artigo 50.º do Código Penal no sentido de que “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às circunstâncias da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Haverá que dar por reproduzido o que acima se expôs quanto à escolha e determinação da medida concreta da pena.
Na situação dos autos, decide-se não suspender a execução desta pena de prisão, por se entender que a personalidade da arguida, revelada no cometimento dos vários crimes por que já foi condenada, tal como resulta dos factos dados como provados, não permite fazer um juízo favorável no sentido de que a suspensão da execução da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição de molde a prevenir a prática de novas infracções, tanto mais que praticou os factos aqui em causa após já ter sido condenada em várias penas de prisão (até de cumprimento efectivo), o que não a dissuadiu da prática de novos crimes.
Nitidamente o Tribunal não foi insensível às circunstâncias de vida da arguida, nem à sua idade, nem à sua integração laboral. Mas, a censura ético-social revelada na solene advertência decorrente das anteriores condenações não se mostrou suficiente para que a arguida compreendesse a gravidade da sua conduta e se mantivesse afastada da prática de ilícitos criminais, pelo contrário, vem revelando desrespeito pelas condenações anteriores e uma manifesta incapacidade de se adequar às regras do Direito.
Nenhuma ponderação há a fazer quanto a penas de substituição ou cumprimento em regime de permanência na habitação face à medida concreta da pena, o que redunda na conclusão de que será de cumprimento efectivo.
*
- BB, o seu comportamento anterior e posterior aos factos, dando-se especial enfoque aos antecedentes criminais registados, nos termos já acima expostos, mas igualmente ao facto de ter desistido dos seus intentos de apropriação (o que seria muito relevante caso estivesse sozinha), muito embora nada tenha feito para impedir a concretização do ilícito. Pondera-se igualmente a sua inserção familiar, sendo a principal cuidadora do seu marido (o que já acontecia à data da prática dos factos e, mesmo assim, não a dissuadiu de dar inicio a actos de execução), o que ocasiona impossibilidade de manter integração laboral.
Nada indicia que a arguida não esteja inserida na sociedade.
Encontrava-se em período de liberdade condicional até 17-07-2021, o que faz crer que não se consciencializou verdadeiramente da gravidade das consequências das suas condutas e que não tem o menor respeito pelas normas legais, nem pelas solenes advertências que já recebeu anteriormente.
Os demais factos relacionados com as suas condições sociais e económicas são desconhecidos do Tribunal.
Assim, face ao supra ponderado, o Tribunal julga o grau de culpa evidenciado pela arguida com a prática dos factos de nível elevado e, como tal, julga-se adequada e suficiente a pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
A suspensão da execução da pena de prisão
Atendendo ao determinado pelo artigo 50.º do Código Penal no sentido de que “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às circunstâncias da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Haverá que dar por reproduzido o que acima se expôs quanto à escolha e determinação da medida concreta da pena.
Na situação dos autos, decide-se não suspender a execução desta pena de prisão, por se entender que a personalidade da arguida, revelada no cometimento dos vários crimes por que já foi condenada, tal como resulta dos factos dados como provados, não permite fazer um juízo favorável no sentido de que a suspensão da execução da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição de molde a prevenir a prática de novas infracções, tanto mais que praticou os factos aqui em causa após já ter sido condenada em várias penas de prisão (efectivas) e quando se encontrava em período de liberdade condicional, o que não a dissuadiu da prática de novos crimes.
Nitidamente o Tribunal não foi insensível às circunstâncias de vida da arguida (por ser cuidadora do seu marido), nem à sua idade. Mas também não se poderá entender que o Tribunal deverá substituir instituições de solidariedade social e muito menos substituir-se à arguida, pois que é esta quem tem de fazer um verdadeiro esforço no sentido de alterar o rumo da sua vida.
Aliás, a censura ético-social revelada na solene advertência decorrente das anteriores condenações não se mostrou suficiente para que a arguida compreendesse a gravidade da sua conduta, pelo contrário, vem revelando desrespeito pelas condenações anteriores e uma manifesta incapacidade de se adequar às regras do Direito.
Nenhuma ponderação há a fazer quanto a penas de substituição ou cumprimento em regime de permanência na habitação face à medida concreta da pena, o que redunda na conclusão de que será de cumprimento efectivo.
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(…)
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III.2
Para além das questões de que possa este Tribunal conhecer oficiosamente, constitui objeto do recurso, tão só, a dissonância de entendimento quanto às penas concretamente aplicadas, no ver das recorrentes desadequadas, quanto à não suspensão das mesmas, acrescendo quanto à arguida BB a breve referência à possibilidade de lhe ser aplicada outra pena em substituição da determinada, ainda que suspensa na sua execução.
Vejamos.
Incidindo o recurso sobre a medida da pena, a extensão dos poderes deste Tribunal para conhecer a questão em sede de recurso merece uma nota introdutória.
A sindicância do decidido não se efetivará como se inexistisse decisão recorrida ou como se este Tribunal da Relação se predispusesse a aplicar as penas pela primeira vez. Ademais, note-se que “(…) o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” [cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.03.2015, proc. 109/14.3GATBU.C1, Rel. Inácio Monteiro, consultado em www.dgsi.pt].
Como se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.03.2018 [proc. n.º 827/17.4GAEPS.G1, Rel. Armando Azevedo, consultado em www.blook.pt], em alinhamento com a doutrina e jurisprudência aí citada, “(…) quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.
Efetivamente e tendo existido, a montante, um julgamento – com contraditório pleno, oralidade e imediação – e uma atividade jurisdicional de fixação concreta da pena no culminar daquela audiência, na dependência do Tribunal ad quem não estará a realização de nova e originária determinação da pena mas, tão só, a sindicância do quantum da pena e a sua natureza, seguindo e tendo por referencial os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal a quo, respetiva motivação, escrutinando a eventual existência de falhas ou omissões, exercendo a sua função corretiva se o resultado da operação se revelar ilegal ou manifestamente desproporcionado.
Do exposto resulta que a intervenção em segunda instância deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, intercedendo se o processo determinativo se revelar insuficiente ou desajustado à luz dos critérios legais de determinação da pena, tendo por matriz os factos assentes.
Na verdade, a individualização judiciária da pena não é imune a um grau controlado de discricionariedade, inexistindo uma pena concreta inquestionável ou uma sentença certa e ideal, mas, antes, uma gama de decisões que, numa faixa de razoabilidade e proporcionalidade, poderão ser adequadas, conquanto os tribunais, aplicando os mesmos critérios de determinação das penas concluam, em casos semelhantes, por penas aproximadas.
Regressando ao caso em apreço, como é consabido e resulta expressamente do estatuído no art.º 40.º, n.º 1, do C.P., a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em síntese e pela sua clareza, retenha-se o constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.2010 [proc. n.º 1687/04.0GDLLE.E1.S1, Rel. Pires da Graça, www.dgsi.pt]: - “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto ótimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, Temas Básicos…, p. 117, 121): Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo, contudo, o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Neste conspecto e atentas aquelas finalidades, o art.º 71.º do C.P. estabelece os critérios da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação desta, dentro dos limites definidos na moldura legal, efetua-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, valorando o Tribunal todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, tendo sempre por limite a culpa que, axiologicamente estranha a finalidades retributivas, estabelece o limite superior da pena que ainda seja concordante com as exigências de preservação da dignidade da pessoa humana.
No caso que nos ocupa, o Tribunal a quo individualizou a pena aplicada às recorrentes em:
- 2 anos e 6 meses de prisão para AA.
- 2 anos e 3 meses de prisão para BB
Tratando-se da prática, em coautoria material, de um crime de furto, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do C.P., prevê aquele preceito a aplicação, em alternativa, de uma pena de 1 mês a 3 anos de prisão ou multa de 10 a 360 dias (cfr. art.ºs 203, n.º 1, 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, todos do C.P.).
Sendo o crime punível com pena de prisão ou multa, a primeira operação efetuada foi a da escolha da pena para cujos efeitos dispõe o art.º 70.º do C.P. que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” sendo que, segundo o estipulado no artigo 40º - que estabelece as finalidades das penas e das medidas de segurança - a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
O Tribunal a quo afastou liminarmente a adequabilidade da pena não detentiva – a multa – à satisfação dos precípuos fins das penas – decisão com a qual concordamos – considerando que as recorrentes têm plúrimas condenações anteriores e por crimes violadores do mesmo bem jurídico, sendo que a pena de multa, quando aplicada, não logrou evitar a reiteração de comportamentos semelhantes, não constituindo, pois, advertência suficiente com poderes conformadores.
Sendo óbvia a inadequação da multa, pela manifesta falta de sensibilidade das recorrentes àquela medida, o Tribunal individualizou as penas seguindo os critérios operativos do art.º 71.º do C.P., com o resultado líquido acima indicado, em ambos os casos em regime de efetividade.
A recorrente AA não contesta a adequação da pena de prisão determinada, mesmo na sua medida concreta, apenas não se conformando com o facto de aquela não ter sido suspensa na sua execução. Efetivamente e em seu entender:
“Nos presentes autos e desde o seu início, a arguida foi demonstrando ter uma atitude de absoluto respeito e colaboração com o tribunal, contribuindo para a descoberta da verdade material dos factos que se pretendia alcançar, ao reconhecer e assumir desde sempre, de forma livre, integral e sem reservas, a prática dos factos de que vinha acusada; mais demonstrando arrependimento pelos mesmos, querendo por isso redimir-se dessa mesma prática e aceitando as consequências que daí sabia necessariamente lhe adviriam. Acresce que está devidamente documentada nos autos e consta expressamente da sentença recorrida que, em termos da comunidade em que se insere, a arguida está inserida familiar, social e laboralmente porquanto trabalha como empregada de limpeza por conta da sociedade denominada “B..., S.A.”, com sede nos ... e aufere mensalmente € 578,11 (quinhentos e setenta e oito euros, onze cêntimos), desta forma provendo, através do seu trabalho e do respetivo salário, pela obtenção de recursos necessários à sua subsistência De não descartar é também, nesta sede, o relatório social elaborado sobre a arguida, donde consta que “reside com os dois filhos (maiores de idade), o genro e os três netos, mantendo uma relação próxima com os vários elementos do agregado... repartindo-se as despesas entre todos.” (…) Por outro lado, também não foi considerada a circunstância concreta de que os objetos subtraídos foram logo restituídos à sua legitima proprietária - A..., não tendo havido um aproveitamento ou fruição efetivo dos mesmos pela arguida. Aliás, os jogos furtados mantiveram na íntegra as suas embalagens intactas e invioladas, pelo que não sofreram qualquer depreciação de valor e puderam voltar a ser introduzidos no mercado; donde não resultou ter-se verificado um prejuízo patrimonial efetivo para a ofendida. Assim sendo, e mediante tudo o que assim se deixa dito, justificar-se-ia, como vimos defendendo, a aplicação à arguida de uma suspensão da execução da pena de prisão em que a mesma foi condenada, ainda que tal suspensão fosse subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.”.
Em epítome a recorrente, não pondo em causa a aplicação de uma pena de prisão, na medida concretamente determinada, entende que, ante a sua colaboração e arrependimento, a inserção social de que beneficia e os filhos menores a cargo e, ainda, a circunstância de os bens terem sido recuperados em condições de ulterior venda, tudo concorre no sentido de concluir que a suspensão (ainda) constitui medida de substituição adequada às finalidades da prevenção, permitindo que a arguida não volte a praticar crimes.
Já no que concerne à recorrente BB, também sem por em causa o quantum concreto da pena determinada, afirma que o seu comportamento, ao desistir da execução, mostra arrependimento, não tendo o Tribunal, na enunciação do potencial juízo de prognose, valorizado o facto provado em 12 segundo o qual a recorrente abandonou a intenção de se apropriar de objetos. Acresce que está socialmente inserida, cuida do seu marido que se encontra acamado e desde o ano de 2016 que não tem averbadas outras condenações, ou seja, há mais de 7 anos.
Conclui pela suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada ou que lhe venha a ser aplicada em substituição daquela, considerando também violado o disposto no art.º 71.º do C.P.
Apreciando, então, quanto a esta recorrente, a adequação da pena concreta determinada a fim de aquilatar da existência de eventuais desvios ou a afirmação de um resultado desproporcional que importe, no âmbito da intervenção sindicante deste Tribunal, corrigir.
O Tribunal a quo considerou os seguintes fatores de graduação:
Quanto a todas as arguidas
(i) - a circunstância de manifestarem um grau de ilicitude e de desvalor da ação elevados, dada a prévia preparação para a subtração de coisas móveis em estabelecimentos comerciais, bem como o facto de terem saído da sua zona de residência para o efeito;
(ii) - o dolo direto com que atuaram, pois que estavam perfeitamente cientes das respetivas condutas e, mesmo assim, prosseguiram com os seus intentos;
(iii) - a recuperação dos objetos, se bem que nesta parte não se poderá falar em restituição voluntária, desde logo porque se não tivesse existido atuação dos agentes da Polícia de Segurança Pública certamente que os jogos teriam sido vendidos na feira da Ladra tal como as arguidas haviam projetado;
(iv) - a postura que assumiram em audiência de discussão e julgamento no sentido de admitirem a prática dos factos que, apesar da existência de flagrante delito lhe conferir um valor residual, se pondera.
(v) - as razões que determinaram a prática do ilícito criminal que são absolutamente fúteis, já que dificuldades económicas, ainda que sérias não são justificação para querer locupletar-se de objetos de terceiros, principalmente quando o valor que iam obter com a venda dos jogos não seria suficiente para, cada uma delas, manter qualidade de vida ou pagar as respetivas despesas por período distendido no tempo.
Específicos da recorrente BB:
(vi) - não escamoteou a sua inação para impedir a violação do bem jurídico;
(vii) - vastos antecedentes criminais registados, pela prática de variados crimes, contabilizando-se 14 condenações, todas com transito em julgado em data anterior à da prática do ilícito criminal em apreço nos autos. Se é certo que a última condenação tem o trânsito em julgado no ano de 2016 (ou seja, cerca de 5 anos antes da prática dos factos em apreço nos autos) e que a mesma desistiu da intenção de se apropriar dos objetos, também é inelutável que já cumpriu penas de prisão, que recidivou na prática do mesmo ilícito criminal 12 vezes e que as necessidades de prevenção especial se situam em patamar muito elevado;
(viii) - o seu comportamento anterior e posterior aos factos, dando-se especial enfoque aos antecedentes criminais registados mas igualmente ao facto de ter desistido dos seus intentos de apropriação (o que seria muito relevante caso estivesse sozinha), muito embora nada tenha feito para impedir a concretização do ilícito.
(ix) - Pondera-se igualmente a sua inserção familiar, sendo a principal cuidadora do seu marido (o que já acontecia à data da prática dos factos e, mesmo assim, não a dissuadiu de dar inicio a atos de execução), o que ocasiona impossibilidade de manter integração laboral.
(x) - Nada indicia que a arguida não esteja inserida na sociedade.
(xi) - Encontrava-se em período de liberdade condicional até 17.07.2021, o que faz crer que não se consciencializou verdadeiramente da gravidade das consequências das suas condutas e que não tem o menor respeito pelas normas legais, nem pelas solenes advertências que já recebeu anteriormente.
Considerados os fatores de ponderação mencionados, a fixação da pena concreta em 2 anos e 3 meses de prisão, entre um mínimo de 1 mês e o máximo de 3 anos, afigurar-se-á desproporcionada?
Vista a argumentação recursória, é certo que a arguida confessou os factos. Tal confissão, contudo, e quanto à sua relevância para o apuramento dos factos, tem uma relevância relativa já que as arguidas foram intercetadas, na posse dos objetos subtraídos e dentro de sacos forrados a papel de alumínio (procedimento habitual na tentativa de dificultar ou inibir a ação de deteção e de alarme).
Foi valorada, também, a circunstância de esta recorrente se ter afastado das demais, saindo do supermercado mas mantendo-se nas imediações e, como se refere na decisão recorrida, não ter encetado qualquer esforço no sentido de evitar o desfecho da conduta que havia planeado conjuntamente com as demais, simplesmente abandonando a sua participação ativa sem transmitir o que quer que fosse às restantes, mantendo-se a punibilidade da sua comparticipação.
Neste particular importa referir que desde que o agente acorde na realização integral do crime, com a consciência de colaboração na atividade dos demais, torna-se por essa via co-responsável pelos atos que levam ao resultado consumado, desde que inseridos previsivelmente no plano prévio acordado. Por força disso e em defluência lógica, cada agente responde, não de forma atomizada e apenas na medida da sua atuação parcelar, mas pela atuação global dos comparticipantes, em execução da resolução prévia comum e em vista da obtenção de um resultado por todos querido (art.º 26.º do C.P.). Nesta medida, não é pela circunstância de se ter afastado a meio da execução conjunta e concretizada pelas outras comparticipantes que se pode afastar a coautoria sendo, ainda, necessário que a aparente desistência produzisse efeitos inibidores na consumação.
Por outro lado, os bens foram integralmente recuperados e o seu valor não era irrelevante, até acima do que se enquadra no tipo de criminalidade em causa (shoplifting) que não envolve, normalmente, quantias avultadas.
Foi considerado a favor desta arguida as suas condições pessoais.
As exigências de prevenção geral não são despiciendas. Trata-se de criminalidade recorrente que, embora geralmente com pouco valor associado, tem impacto nas perdas dos operadores comerciais afetados.
Embora as estatísticas oficiais não destaquem, em particular, os furtos em estabelecimentos comerciais, o crime de furto representa uma parcela maioritária da criminalidade registada em Portugal. A Checkpoint Systems, empresa multinacional sediada no Reino Unido que se dedica à gestão de quebras e soluções de etiquetagem e dispositivos de segurança, produziu um relatório (Global Retail Theft Barometer), no qual vêm registadas e analisadas as perdas dos estabelecimentos comerciais resultantes da atividade de furto em vários países da Europa e do mundo, referindo-se que em Portugal, em 2011, o furto em estabelecimentos comerciais causou um prejuízo da ordem dos 372 milhões de euros. No Reino Unido, em 2019, o furto em estabelecimentos comerciais cometido por clientes, representava um prejuízo para os retalhistas na ordem dos £ 1,993 milhões, com uma estimativa de aumento para 2023 de 25% a 37% [cfr. dados do Centre for Retail Research - https://www.retailresearch.org/].
Os números em perspetiva (que no Reino Unido levaram à criação de uma unidade especial de polícia e ao desenvolvimento, em colaboração com os retalhistas, da operação Pegaso) apontam para uma criminalidade de massa, com milhares de microlesões patrimoniais que são bagatelares, quando individualmente consideradas (o que aqui nem era o caso), mas que, no conjunto, representam um problema social e económico não despiciendo, ainda que com cifras negras importantes, sobrecarregando os sistemas de justiça e consumindo recursos importantes [cfr. Silva Sanchez, Delincuencia patrimonial leve: una observación del estado de la cuestion, in Estudios Penales y Criminológicos, vol. XXV (2005), pág. 334, apud. Augusto Silva Dias, A proposta de alteração do Código Penal sobre o furto em estabelecimentos comerciais, acedido em www.idpcc.pt – Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais, assinalando que esta característica explica os elevados prejuízos materiais globais, a sensação de insegurança social e a sobrecarga da administração da justiça penal causados por esta delinquência].
No caso e quanto às exigências de prevenção especial, estas situam-se num plano relevante. Pese embora alguns fatores de proteção do risco de reincidência, como sejam a inserção familiar e o facto de ser cuidadora do seu marido, aqueles nunca impediram a recorrente da prática de plúrimos crimes de furto, com dispersão geográfica, apresentando-se na loja já munida de sacos adaptados com forro em papel de alumínio, o que denota planeamento e, dada a reiteração, uma dedicação importante a este tipo de procedimento, completamente indiferente às anteriores condenações.
Nesta parte refere a recorrente que desde 2016 que não regista novas condenações. O que não refere é que, entretanto, esteve privada da liberdade encontrando-se, aquando da prática dos factos, em liberdade condicional.
A arguida, em 2002, 2003, 2004, 2009, 2010, 2012, 2013 foi praticando vários crimes, com prevalência de furto, em Portugal e em Espanha, vindo ao longo dos anos e até 2016 a ser sucessivamente condenada em penas de multa, penas de prisão suspensas na sua execução e penas de prisão, numa sucessão que impediu o funcionamento do disposto no art.º 11.º da Lei n.º 37/2015, de 05.05 quanto ao cancelamento dos registos.
Dir-se-á que a atuação da recorrente, ao longo dos anos, revela uma homotropia de procedimentos que a aproxima do conceito de “modo de vida”. Se atentássemos na atuação isolada da recorrente estaríamos, como há pouco se identificou, no campo da criminalidade quase bagatelar. Porém a reiteração de procedimentos e a completa insensibilidade que a recorrente vem demonstrando às sucessivas condenações apela a uma resposta reativa mais assertiva que, vista de forma descontextualizada, pode parecer desproporcionada, mas que, no plano geral e dadas as fortes exigências de prevenção especial, se compreende como forma de estabilização comportamental.
Se, examinada a situação retiradamente, poderíamos identificar alguma severidade, ancorada na inexpressividade da lesão e na pouca perigosidade social da ação, no caso, porém, a multireincidência específica, direcionada ao crime de furto, impõe que se encare o comportamento reiterado de forma adequada a responsabilizar a arguida e a incutir-lhe a necessidade de mudança.
Chamando à colação a nota introdutória e referente ao princípio de intervenção mínima, reservando a função corretiva desta instância para os casos de manifesta desproporcionalidade, a mesma aqui não se alcança de forma evidente (sendo que a recorrente não discute enfaticamente a pena de prisão aplicada, no seu quantum, reservando os argumentos e a sua assertividade para a possibilidade de suspensão).
Destarte e quanto às penas de prisão aplicadas, manter-se-á o decidido.
Resta a questão fulcral da possibilidade de suspensão da execução das penas de prisão aplicadas, pretensão comum a ambas as recorrentes.
O art.º 50.º do C.P. determina que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para além da medida concreta da pena de prisão aplicada (que não pode ser superior a 5 anos), é pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão a formulação de um juízo de prognose favorável, relativamente ao comportamento futuro do candidato, no sentido de, quanto a ele, a simples censura do facto e a ameaça da prisão se mostrarem adequadas a dissuadi-lo da prática de crimes.
Assim, os pressupostos subjetivos de que depende a suspensão da execução são determinados pelas finalidades político-criminais das penas e pela possibilidade de se poder aquilatar, com conclusão afirmativa, da capacidade de o arguido se afastar, no futuro, da prática de novos crimes e, por esta via, alcançar a socialização sem efetivamente ingressar em meio carcerário.
São assim sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto da suspensão, assentando o referido juízo de prognose favorável na análise das circunstâncias do caso, em correlação com a personalidade do agente.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2002, [processo n.º 3026/01, Rel. Franco de Sá, in www.dgsi.pt], a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado. Na base de uma decisão de suspender a execução de uma pena está sempre uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial.
A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar o delinquente - tendo em conta as concretas condições do caso – da ulterior prática de crimes, assentando o juízo de prognose, não numa absoluta certeza, mas numa esperança fundada de que a socialização em liberdade seja realizada, importando sempre um risco para o julgador, calculado a partir dos elementos de facto a que tem acesso [vd. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993 pág. 344].
Porém, só haverá lugar à suspensão da execução da pena de prisão desde que, obviamente, a tal não se oponham as exigências de prevenção geral. Do acabado de referir não deflui que, na ponderação da possibilidade de suspensão, estejam em causa considerações de culpa. Apenas se expressa que aquele juízo poderá sofrer limitações porquanto, a par de considerações de prevenção especial coexistem outras de prevenção geral que tornarão a suspensão da execução da pena de prisão admissível apenas quando (também) não coloque em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e o sentimento de reprovação social do crime.
Em todas as hipóteses, porém, acrescenta-se que a questão jurídica subjacente à suscetibilidade e adequação da pena de substituição em causa não pode consistir num mero juízo conclusivo, mas, antes, deve ser a decorrência de uma sólida fundação factual de suporte, escorada nos factos provados que, no final da exegese, permita definir se a efetividade da prisão é, ou não, reclamada pela necessidade de assegurar as finalidades da punição ou se, ao invés, estas podem ser suficientemente acomodadas com a suspensão da execução da pena, eventualmente com o reforço readaptativo proporcionado pelo estabelecimento de determinadas condições ou sujeição a regime de prova.
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Regressando ao caso em apreço.
Vista a decisão recorrida e sendo pacífico que se encontra verificado o requisito formal de as penas aplicadas serem elegíveis, porquanto inferiores a 5 anos, vejamos se existem razões objetivas, assentes em factos provados, que permitam sustentar o juízo de prognose favorável que é pressuposto da suspensão.
Como já acima referimos o Tribunal ensaiou a possibilidade de suspensão, alinhando a postura das arguidas, a recuperação dos objetos, a colaboração, os fatores de proteção, enfim os elementos que a julgadora havia previamente exposto e analisado a propósito da determinação das penas.
Porém, concluiu pela impossibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável (entendimento com o qual as recorrentes expressam forte dissídio) porquanto, no caso da recorrente AA, “(…) praticou os factos aqui em causa após já ter sido condenada em várias penas de prisão (até de cumprimento efetivo), o que não a dissuadiu da prática de novos crimes. Nitidamente o Tribunal não foi insensível às circunstâncias de vida da arguida, nem à sua idade, nem à sua integração laboral. Mas, a censura ético-social revelada na solene advertência decorrente das anteriores condenações não se mostrou suficiente para que a arguida compreendesse a gravidade da sua conduta e se mantivesse afastada da prática de ilícitos criminais, pelo contrário, vem revelando desrespeito pelas condenações anteriores e uma manifesta incapacidade de se adequar às regras do Direito”.
Relativamente à recorrente BB (e a situação e percurso de ambas as recorrentes tem bastantes semelhanças) também foi referido que “a personalidade da arguida, revelada no cometimento dos vários crimes por que já foi condenada, tal como resulta dos factos dados como provados, não permite fazer um juízo favorável no sentido de que a suspensão da execução da pena realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição de molde a prevenir a prática de novas infracções, tanto mais que praticou os factos aqui em causa após já ter sido condenada em várias penas de prisão (efectivas) e quando se encontrava em período de liberdade condicional, o que não a dissuadiu da prática de novos crimes. Nitidamente o Tribunal não foi insensível às circunstâncias de vida da arguida (por ser cuidadora do seu marido), nem à sua idade. Mas também não se poderá entender que o Tribunal deverá substituir instituições de solidariedade social e muito menos substituir-se à arguida, pois que é esta quem tem de fazer um verdadeiro esforço no sentido de alterar o rumo da sua vida. Aliás, a censura ético-social revelada na solene advertência decorrente das anteriores condenações não se mostrou suficiente para que a arguida compreendesse a gravidade da sua conduta, pelo contrário, vem revelando desrespeito pelas condenações anteriores e uma manifesta incapacidade de se adequar às regras do Direito.”.
Ora, no caso, não obstante a argumentação das recorrentes (argumentos que o Tribunal a quo teve presentes, mas que não considerou suficientes) concordamos com o juízo contestado e firmado na sentença.
Como referem Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette [Código Penal anotado e comentado, pág. 178] não há um dever de suspender, mas sim um poder vinculado de decretar a suspensão, conquanto, claro está, estejam reunidos os necessários pressupostos formais e materiais já analisados supra. Se assim for, deverá o Tribunal suspender a execução da pena de prisão, conhecida a aposta do legislador na prisão como medida de ultima ratio e a preferência pela ressocialização em liberdade, sendo que a finalidade político-criminal que a lei visa alcançar é a prevenção da reincidência (que a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão seja suficiente para o afastamento da práticas ulterior de crimes), sem ingresso em meio carcerário, desde que a tal não se oponham as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Considerado, então, o requisito material para a suspensão, existirão elementos que permitam a formulação de um juízo prudente de que, por aquela via, se cumprirão as finalidades da punição?
Para a formulação de um tal juízo não bastará a consideração, ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto, devendo atender-se, também, às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto e assim, apoiadamente, prognosticar o comportamento futuro.
Analisando.
Para caracterizar a personalidade das recorrentes interessa aferir o seu passado conhecido, as circunstâncias que caracterizaram a prática do crime e o seu comportamento após tais factos.
Ora, analisado o registo criminal de ambas, estas têm consistentemente praticado crimes, maioritariamente de furto, sendo-lhes aplicadas penas não privativas e privativas da liberdade, em nenhum caso obstando à reiteração das condutas e sem que tenham produzido nas condenadas qualquer efeito readaptativo ou estabilizador.
No caso, como já se analisou a propósito da adequação do quantum da pena, as arguidas foram regularmente praticando crimes, tendo sido condenadas em medidas não detentivas e tendo beneficiado, inclusivamente, da pena de substituição que agora almejam. Não obstante, aquelas reações penais (e mesmo a prisão efetiva) nunca se mostraram suficientes para o sucesso do processo readaptativo e para o cumprimento, na plenitude, das finalidades da punição, já que não evitaram a comissão de novos crimes. Aliás, a arguida BB praticou o crime em causa em período de liberdade condicional (por decisão de 28.04.2020, proferida nos autos de liberdade condicional n.º 1948/15.3TXLSB-A, do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa – Juiz 4, foi-lhe concedida liberdade condicional pelo tempo que lhe faltava cumprir da pena aplicada no processo 95/13.7SHLSB, ou seja, até 17.07.2021) e, ainda assim, tendo beneficiado daquele juízo de prognose próximo e recente de que, em liberdade, estaria em condições de manter um comportamento conforme ao direito, acabou por praticar os factos agora em discussão. Também a arguida AA acabara de beneficiar de medida substitutiva.
Este trajeto pregresso – comum a ambas - não obstante os fatores de proteção de que poderão beneficiar no exterior e que convocam (lembre-se que antes da prática do crime as arguidas tinham situação semelhante que não constituiu fator preventivo ou inibidor), é denotativo de traços de personalidade adversos a um comportamento normativo e, no limite, preditor do insucesso da medida pretendida.
As arguidas, pelo seu procedimento conhecido, persistiram na prática de comportamentos tipificados como crime, já tendo beneficiado diversas vezes da medida ora pretendida sem que a mesma tivesse produzido o efeito de interromper, definitivamente, o comportamento delitual.
Em conclusão se, nos termos do art.º 50.º, n.º 1, do C.P., o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos quando, "atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", no caso concreto, retendo as características de personalidade evidenciadas pelas arguidas, a sua conduta anterior ao crime e as circunstâncias deste, acima descritas, entende-se, como entendeu o Tribunal a quo, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Entender o contrário seria um mero ato de fé, louvado na atitude de contrição e promessa de mudança afirmadas pelas recorrentes que, em síntese, corresponderiam à asseveração de que desta vez é que mudam. Só que a pena de substituição pretendida, embora envolva um risco, é um risco prudencial, calculado e prognosticado com base em preditores de sucesso que aqui não existem.
Improcedem, pois, as pretensões recursórias.
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IV.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelas arguidas AA e BB, confirmando totalmente a decisão recorrida.
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Custas pelas recorrentes, fixando a taxa de justiça em 3 UC (art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P., com referência à Tabela III).
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Porto, 7 de fevereiro de 2024
José Quaresma (Relator)
Eduarda Lobo (1.ª Adjunta)
Castela Rio (2.º Adjunto)