Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3501/21.3T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE CUSTAS
DECISÃO CONSIDERANDO INAPLICÁVEL
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RP202207133501/21.3T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Na interpretação da alínea h) do nº2 do artigo 644º do Código de Processo Civil - cabe recurso de apelação «Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil» - calham também as situações em que está em causa a necessidade de pagamento de custas intercalares ao longo do processo, nomeadamente da taxa de justiça.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3501/21.3T8MAI-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira – Juiz 1
4ª secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador António Luís de Oliveira Carvalhão
2ª Adjunta: Paula Leal de Carvalho

1. Relatório:
Nos autos de Impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, de que os presentes são apensos são partes a Trabalhadora, AA e Entidade empregadora, Santa Casa da Misericórdia ...
Em 14.02.2022, pela Mm.ª Juiz a quo foi proferido o seguinte despacho:
“Dispõe o art.º 4.º, al. f) do Regulamento das Custas Processuais que:
1 - Estão isentos de custas:
(…)
f) As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
No seu articulado motivador do despedimento, veio a Ré, Santa Casa da Misericórdia ..., referir que “…por natureza e finalidade do escopo prosseguido e múnus público está subjetivamente isenta de custas - Artigo 4º, nº 1, al. f), do Regulamento das Custas Judiciais.
O Ministério Público, com vista nos autos, pronunciou-se no sentido de a Ré não se encontrar na prossecução dos seus interesses, não estando abrangida pelo disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 4º, do Regulamento das Custas Processuais, pelo que deverá ser indeferida a sua pretensão.
Cumpre decidir:
Os presentes autos consistem numa ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em que a Ré surge como entidade empregadora.
Considerando a finalidade da presente ação, a Ré não atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.
Não lhe é, pois, aplicável a isenção prevista no art.º 4.º, n.º 1, al. f) do RCP.
Termos em que determino a notificação da Ré para, em 10 dias, proceder ao pagamento da respetiva taxa de justiça.”

A Ré, notificada deste despacho, dele veio interpor recurso, indicando ser de apelação, com subida imediata e em separado.

Em 05.04.2022, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte.
“Veio a Ré interpor recurso do despacho que considerou não lhe ser aplicável a isenção prevista no artº 4.º, n.º 1, al. f) do RCP e que a notificou para, em 10 dias, proceder ao pagamento da respetiva taxa de justiça.
O despacho recorrido não faz parte do elenco de decisões que admitem, recurso imediato, previsto no art.º 644.º, n.º 1 e 2 do C.P.C..
Assim, não admito o recurso interposto pela Ré.”

A Ré notificada veio apresentar Reclamação contra essa rejeição, concluindo nos seguintes termos:
“1. Ao invés do sentido que presidiu ao reclamado despacho que não admitiu o recurso da Recorrente/Reclamante, referindo o despacho recorrido não faz parte do elenco de decisões que admitem, recurso imediato, previsto no Artigo 644, nºs 1 e 2 do C.P. Civil
2. Deveria o Tribunal a quo ter justificado o motivo de desconsiderar a previsão legal do artigo 644 n.º 2 alínea h) do Código Civil, invocado pela Apelante no recurso atempadamente interposto, que não fez, bastando-se com menção genérica da norma, que a lei não contempla.
3. Ficando a recorrente sem perceber, em concreto, qual a motivação da não admissão do recurso que motivou e justificou legalmente.
Por outro lado,
4. A não admissão do recurso do despacho judicial que considerou inaplicável, nos autos, à Ré/Reclamante, a isenção de custas prevista no art.º 4.º, n.º 1, al. f) do RCP, aparece errónea porque tal possibilidade e oportunidade de subida aparecem contempladas nos artigos 644 n.º 2 alínea h), 645 n.º 2 do Código de Processo Civil;
5. A utilidade da questão sub juditio a isenção do pagamento de custas judiciais - não se compadece com interposição e subida a final, tornando inútil, por natureza e alcance, a esperada pronúncia sobre a impugnada decisão artigo 644, nº 2, ah. h), do C.P. Civil e artigo 87.º do C.P. Trabalho.
6. A impugnação/Recurso desse despacho, pós sentença, ou até pós trânsito da mesma, sempre permitiria a produção de efeitos de direito e de facto do mesmo, obrigando ao pagamento imediato de custas e até a eventual agravamento no cálculo de custas de parte a imputar pela parte vencedora à contraparte;
7. Sendo que eventual procedência recursória, pronunciada apenas diferidamente a final, não permitiria afastar esses efeitos, esvaziando o efeito útil à decisão a proferir.
8. Deve pois, ser admitido o Recurso nos termos propugnados, aliás, na senda de diversa jurisprudência, designadamente Acórdão da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 22455/16.1T8LSB.L1- co Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 2734/16.9T8BCL-A.G1, entre outros.
9. Vinculando-se o entendimento que não resulta da lei querida aplicar, mas como se dela derivasse, incorre o despacho reclamado em vício de erro de julgamento, quanto à questão de direito.
Deverá, pois, e suprido o omitido, ser deferida à Impetrante a presente reclamação e, sob prévia e legal tramitação, ser admitido o recurso, por legal, nos termos do disposto no artigo 644, nº 2, h) do C.P Civil.
Justiça” (sublinhado nosso).

Em 19.05.2022, foi proferida decisão singular, pela relatora, confirmando a decisão recorrida:
“A Reclamante carece em absoluto de razão.
Como bem se afirma no despacho de não admissão do recurso, o despacho recorrido que considerou não ser aplicável a isenção prevista no artigo 4º, nº1, alínea f) do RCP, por a Apelante atuar fora das condições referidas na alínea f) do nº 1 do artigo 4º do RCP e determinou a notificação da Ré para, em 10 dias, proceder ao pagamento da respetiva taxa de justiça, não é uma decisão recorrível, atento o disposto no artigo 644º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, designadamente não tendo na mesma sido cominada nenhuma sanção processual, nem impedido a pratica do ato (interposição do recurso), (alíneas e) e h) do nº2 do artigo 644º, nº2 do CPC).
Em conformidade, confirma-se a decisão reclamada.
D.n.”.

A Santa Casa da Misericórdia ... veio apresentar reclamação para a Conferência, nos termos do artigo 652º do Código de Processo Civil, com o seguinte teor:
“1. A Recorrente objetivou a Reclamação do despacho de não admissão do recurso, imputando a decisão do Tribunal “a quo” de erro de julgamento e errónea subsunção legal.
Ora,
2. Ao Tribunal “ad quem”, e adentro do cometido poder cognitivo, deverá o tema impugnatório decidendo ser pronunciado, como de direito e no alcance do sentido objetivado nas conclusões 4 a 9, com conhecimento das questões versadas através de acórdão em conformidade.
3. Fará sentido ter de pagar taxa de justiça e custas no iterim processual ainda que haja direito a isenção? E a haver reconhecimento de isenção essa questão no âmbito do processo não se tornou inútil?
Pelo que, REQUER:
Junção aos autos e deferido à Impetrante a Reclamação, deverá ser pronunciado em Conferência, como de Direito.”.

São dispensados os vistos.

Cumpre decidir:
Antes de mais, cumpre referir que a motivação da não admissão do recurso ficou consignada no concernente despacho do tribunal a quo: “O despacho recorrido não faz parte do elenco de decisões que admitem, recurso imediato, previsto no art.º 644.º, n.º 1 e 2 do C.P.C..”
Foi esse também o fundamento da decisão sumária da aqui relatora, considerando-se que nele foi dada resposta às conclusões da Reclamante. Isto é, o decidido nos termos previstos no artigo 656º do Código de Processo Civil foi no sentido de não ser admissível o recurso do despacho recorrido que considerou não ser aplicável a isenção prevista no artigo 4º, nº1, alínea f) do RCP, por a Apelante atuar fora das condições referidas na alínea f) do nº 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.
Conclui a Reclamante que a isenção do pagamento de custas judiciais não se compadece com interposição e subida a final, tornando inútil, por natureza e alcance, a esperada pronúncia sobre a impugnada decisão.
Ainda que a impugnação/Recurso desse despacho, pós sentença, ou até pós trânsito da mesma, sempre permitiria a produção de efeitos de direito e de facto do mesmo, obrigando ao pagamento imediato de custas e até a eventual agravamento no cálculo de custas de parte a imputar pela parte vencedora à contraparte.
Impõe-se considerar, contrariamente aquela que foi a posição inicial da aqui relatora, o recurso imediato da decisão, em causa, pelos fundamentos que se passam a expor.
Nos termos do disposto no artigo nº2 alínea h) do Código de Processo Civil, cabe recurso de apelação «Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil».
Não ignoramos que só a absoluta inutilidade justifica a imediata recorribilidade de uma decisão interlocutória: o advérbio ‘absolutamente’ realça o uso limitado que o mesmo necessariamente impõe.
Ora, sendo certo que o pagamento imediato das custas não retira em termos extremos a utilidade da impugnação da decisão – na qual foi decidido não ser “aplicável à Ré a isenção prevista no art.º 4.º, n.º 1, al. f) do RCP” e determinada a sua “notificação para, em 10 dias, proceder ao pagamento da respetiva taxa de justiça” - com o recurso da decisão final, por o resultado que a respetiva procedência acarretaria, se o pagamento não fosse devido, ser a devolução dos respetivos montantes, sempre se refere que a antecipação que resulta da isenção prévia ficava sem dúvida comprometida.
Ou seja, na interpretação da alínea h) do nº2 do artigo 644º do Código de Processo Civil cabem também as situações em que está em causa a necessidade de pagamento de custas intercalares ao longo do processo, nomeadamente da taxa de justiça.
Dito de outro modo, em relação à necessidade destes pagamentos intercalares, o protelamento do recurso torna-se absolutamente inútil, uma vez que teriam que ser efetuados, podendo o espírito da norma que concede a isenção ficar frustrado com o ‘adiantamento’ dos pagamentos, se tal comprometer a prática processual da parte forçada a efetuá-los.
Em suma: ainda que, a final, as custas pagas possam ser restituídas, a não admissão do recurso frustra e torna inútil um dos objetivos do legislador ao prever isenções de pagamento de custas, que é o de evitar o pagamento "intercalar" das custas, designadamente da taxa de justiça e nessa medida a não admissão do recurso, torná-lo-ia inútil.
Em conformidade, revoga-se o despacho reclamado e decide-se ser de admitir com subida imediata o recurso interposto pela Entidade empregadora, do despacho proferido em 14.02.2022.
D.n., solicite à 1ª instância o envio do apenso relativo aos autos de recurso.

Porto, 13 de Julho de 2022
Teresa Sá Lopes
António Luís de Carvalhão
Paula Leal de Carvalho