Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
454/19.1T8OBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PRESCRIÇÃO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
FREQUÊNCIA DE CRECHE
QUEDA DE ARMÁRIO
CULPA
NEGLIGÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP20210714454/19.1T8OBR.P1
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de prescrição do artigo 498.º do Código Civil não é aplicável ao direito de indemnização por danos à integridade física numa criança que frequenta uma creche ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado entre o encarregado de educação e a entidade titular da creche a quem é imputável o comportamento gerador dessa obrigação de indemnização.
II- Esse contrato de prestação de serviços compreende necessariamente a obrigação da creche de zelar pela saúde e integridade física das crianças que lhe são confiadas.
III - Existe culpa efectiva da creche sob a forma de negligência se numa sala afecta a criança com cerca de dois anos de idade possui armários que não estão fixos ou presos e podem cair sobre as crianças, ainda que essa queda esteja relacionada com o comportamento ou a movimentação da criança.
IV - Esse contrato tem como partes igualmente os progenitores da criança, cujas responsabilidades a creche substitui no respectivo período laboral, pelo que estes têm igualmente direito de indemnização pelos danos não patrimoniais próprios derivados das lesões sofridas pelo filho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2021:454.19.1T8OBR.P1
*
Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B…, titular do cartão de cidadão n.º …….. e contribuinte fiscal n.º ………, e companheira C…, titular do cartão de cidadão nº …….. e contribuinte fiscal n.º ………, por si e em representação da filha menor de ambos D…, titular do cartão de cidadão nº …………. e contribuinte fiscal n.º ………, todos residentes em …, instauraram acção judicial contra a E…, pessoa colectiva nº ………, com sede em …, …, e contra a F…, SA – Sucursal em Portugal, S.A., pessoa colectiva nº ………, com sede em Lisboa, pedindo a condenação das rés no seguinte:
i) a reconhecer a responsabilidade pelo sinistro objecto dos autos, sendo a ré F… por via da responsabilidade transferida na apólice subscrita pela ré E…;
ii) a pagar aos autores pais as despesas de €408,00 com a avaliação do dano corporal e de €299,52 com despesas de deslocação, e ainda à autora mãe a compensação de €721,84 por perdas salariais;
iii) a pagar a cada um dos autores pais a indemnização €2.500,00 por danos não patrimoniais;
iv) à pagar à autora menor as indemnizações de €3.500,00 por danos não patrimoniais, de €20.000,00 pelo dano biológico permanente, de €5.000,00 pelo dano estético permanente e de €5.000,00 por danos patrimoniais futuros.
Para o efeito alegaram, em suma, que a autora D… frequentava a creche da ré E… e que em 19 de Janeiro de 2016, nas instalações daquela, foi vítima de um acidente que consistiu na queda sobre ela de um armário/estante que não se encontrava fixo, o qual lhe esmagou o polegar direito, causando à autora lesões que exigiram internamento hospitalar e a realização de intervenções cirúrgicas e tratamentos clínicos, dos quais decorreram dores e lesões com caracter permanente, obrigando os autores pais a despenderem tempo e suportarem despesas com o acompanhamento da sua filha e causando-lhes a eles o inerente sofrimento.
A ré E… contestou por excepção e por impugnação. Por excepção arguiu a ilegitimidade activa dos autores e a prescrição do direito dos autores por entre o acidente e a instauração da acção terem decorrido mais de três anos e a acção se fundar no instituto da responsabilidade civil. Por impugnação alega que a autora D… recuperou totalmente do acidente, não apresenta qualquer trauma ou alteração do comportamento decorrente do mesmo, impugnou os valores indemnizatórios peticionados, e defendeu que cabe à ré F… suportar a indemnização que for devida até ao limite do respectivo capital seguro.
A ré F… contestou igualmente aceitando a existência de um contrato de seguro do ramo de acidentes pessoais que apenas garante dano morte, incapacidade permanente, responsabilidade civil e despesas de tratamento, razão pela qual quando o sinistro lhe foi participado pagou ao Centro Hospitalar Universitário … o valor de €979,80 de despesas de tratamento, restando apenas €20,20 do capital da apólice para a cobertura de despesas de tratamento, tal como comunicou aos autores que face à percentagem de incapacidade fixada pelo médico da ré de 4% terá direito ao valor de €200,00 (4% de €5.000,00) de indemnização pela cobertura da incapacidade permanente.
Após julgamento foi proferida sentença.
Nesta julgou-se improcedente a excepção da prescrição e julgou-se parcialmente procedente a acção, condenando-se as rés a pagarem aos autores pais as indemnizações de €408,00, €299,52 e €721,84 por danos patrimoniais, a cada um dos autores pais a indemnização de €1.750,00 por danos não patrimoniais e à autora D… as indemnizações de €3.000,00 pelo quantum doloris, de €5.000,00 pelo dano estético, de €10.000,00 pelo dano biológico e de €1.000,00 pelos danos patrimoniais futuros, tudo acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Mais se especificou que a condenação da ré F… era «na devida proporção do capital seguro e da desvalorização estabelecida, ou seja, no montante de €100,00, tudo o mais sendo assegurado pela 1ª ré».
Do assim decidido, a ré E… interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. Ao contrário do que conclui o tribunal a quo, as causas do acidente a que se refere os autos não se enquadram no domínio da «culpa in vigilando», já que no caso concreto foram observados todos os cuidados e cautelas que possam ter-se por idóneos para evitar a prática daquele concreto acto danoso e que um «bom pai de família» teria necessariamente adoptado naquelas circunstâncias concretas.
2. Cuidados e cautelas que, para além do mais, os autores não põem em causa tanto mais que, em parte alguma da sua exposição das razões de direito que servem de fundamento à acção, aludem a um hipotético incumprimento do dever de vigilância da ré como causa do acidente.
3. Tal como resulta do «Acordo de Cooperação» estabelecido com o Centro Distrital de Aveiro do Instituto de Segurança Social, I.P. - cfr. doc. junto aos autos em 8.10.2019 -, a capacidade da creche da E… é de 24 utentes, distribuídos por salas distintas e à qual estão adstritas a tempo inteiro, uma educadora de infância e uma ajudante de acção educativa;
4. No momento do acidente, estava uma ajudante de acção educativa na sala, com 11 crianças - cf. doc. n.º 5 junto à petição inicial;
5. E numa altura em que a ajudante de acção educativa estava mais próxima de duas outras crianças, que se tinham «desentendido entre si», e enquanto as demais se encontravam a brincar, a D… «pendurou-se» num armário, o que fez com que o mesmo de imediato tombasse sobre o seu polegar direito - cf. doc. n.º 5 junto à petição inicial;
6. Esta descrição do acidente foi, aliás, feita pela própria menor aos pais, aqui autores, tal como consta da missiva enviada pela autora mãe à 1.ª ré, onde se refere que «A D…, no dia 20 de Janeiro, pela manhã, descreveu o acidente, relatando que tinha “trepado o móvel e que este tinha caído e que a D.- G… tinha gritado muito e que a D… tinha chorado muito”» - cf. doc. n.º 4 junto à petição inicial.
7. Não há por isso razões para que seja posta em causa esta «dinâmica» do acidente.
8. Mais resulta da dita missiva que a autora mãe «já tinha alertado, pelo menos quatro vezes, para o perigo daquele móvel, da sua estabilidade (...) Já no verão passado tinha alertado a Educadora H… para o facto de o móvel ser um perigo onde estava» - cf. doc. n.º 4 junto à petição inicial.
9. Ora, no dia do acidente, esta G…, ajudante de acção educativa da 1.ª ré, não estava distraída, desatenta, a conversar com estranhos ou à janela a ver os aviões;
10. Estava, isso sim, no seu posto de trabalho; mas por não ter o dom da ubiquidade, e por estar naquele exacto momento, mais próxima de duas outras crianças, não podia, obviamente, estar tão próxima das demais.
11. Tivesse o armário tombado, não sobre a extremidade do dedo da D…, mas sobre o chão, e as consequências não passariam de um susto.
12. E tal como consta da sentença, «a testemunha G…, ajudante da 1.ª ré há 19 anos, recordou o dia do acidente por estar na sala, manifestando desconhecer se o móvel estava ou não preso ao chão ou à parede (.).»
13. E assim, não obstante o tribunal a quo aludir a um vínculo contratual que os progenitores da autora D… celebraram com a 1.ª ré, o que é certo é que o contrato pelo qual tal vínculo foi estabelecido não foi reconhecido pelo tribunal, não constando dos factos provados que entre os autores e a 1.ª ré tenha sido estabelecido qualquer contrato.
14. O dever de vigilância deve ser interpretado casuisticamente, tendo ainda em conta as concepções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas com dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações, não podendo considerar-se culpado a tal título quem, de acordo com tais concepções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe.
15. Esta abertura sofre limitações quando estamos perante uma educadora de infância, a cargo da qual se encontram menores, porquanto a sua actividade profissional está precisamente centrada na guarda e educação dos mesmos.
16. Para a compreensão do «dever de vigilância» deve pois apelar-se ao «padrão de conduta exigível», com suficiente plasticidade, impondo-se a indagação casuística e a convocação do «pensamento tópico», pelo que importa valorar, designadamente, que no momento do acidente, estava uma ajudante de acção educativa na sala, com 11 crianças.
17. Não basta afirmar um dever de vigilância a cargo desta responsável, sendo indispensável que o poder de controlo abranja a possibilidade de influir sobre as condições que estiveram na origem do acidente e dos danos causados pelo móvel que tombou, de molde a que lhe fosse possível adoptar as medidas preventivas especificamente necessárias para os evitar.
18. E como resulta evidenciado, a dinâmica do acidente consubstancia-se no facto de a menor D… ter-se «pendurado» no móvel, tendo este tombado por não estar preso ao chão ou à parede, facto que a vigilante G… desconhecia.
19. E assim, não havendo, portanto, qualquer incúria ou desleixo da ajudante de acção educativa, no cumprimento do seu dever, não pode concluir-se, como concluiu tribunal a quo, que houve incumprimento do dever de vigilância da menor D….
20. O acidente a que os autos se referem resultou da queda de um armário da ré, nas instalações desta, sobre o polegar da mão direita da menor D…, em virtude de esta se ter «pendurado» no dito móvel.
21. Tal actuação, que configuraria uma situação de culpa da menor lesada, uma vez que concorreu decisivamente para a produção dos danos (cfr. artigo 570.º do CC), não pode, contudo, ser-lhe imputada, dada a sua manifesta incapacidade para entender o perigo da sua actuação;
22. Sem prejuízo, e não podendo assacar-se à D… qualquer culpa pela eclosão desse evento lesivo, é à E… que tal culpa deve ser atribuída, pela eventual negligência na manutenção e vigilância do armário que caiu, tal como decorre do previsto no n.º 1 do artigo 493.º do CC.
23. Assim sendo, ao não ter eliminado o perigo de queda do armário, desse modo inobservando normas legais e regulamentares destinadas a proteger interesses alheios, de que resultou a violação de um direito subjectivo da menor D…, é a E…, enquanto dona do móvel e das instalações, a responsável pelos danos resultantes desse acidente.
24. Do que se deixa supra exposto, e tendo em conta que o tribunal a quo não deu como provados quaisquer factos relativos ao contrato estabelecido entre os autores e a 1.ª ré pela qual esta ficasse sujeita a um dever de vigilância, conclui-se que a responsabilidade civil da ré de que resulta a alegada obrigação de indemnizar os autores, emerge de uma omissão de actos que, por ter violado um direito subjectivo da menor D…, se encontra assim subordinada aos princípios que regem a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
25. Acontece porém, que a imputação dessa responsabilidade à ré E…, estando sujeita às regras que regem a responsabilidade civil, extracontratual, prescreve no prazo de três anos, excepção que a E… oportunamente invocou e que a sentença recorrida, pelas razões de facto e de direito aí expostas, julgou «improcedente, por não verificada, a invocada excepção peremptória de prescrição do direito de acção dos autores.»
26. Trata-se, no entanto de decisão nula porquanto, não só os respectivos fundamentos estão em oposição com a decisão, como ocorre ambiguidade que torna a decisão ininteligível.
27. São os seguintes os momentos do conhecimento dos danos cuja indemnização é peticionada pelos autores:
a) o relatório de avaliação do dano corporal da menor, com um custo de 408,00 €, tem data de 15.04.2019;
b) As deslocações dos autores no montante de € 299,52 para tratamentos e deslocações ao hospital, foram realizadas em 19.01.2016, 20.01.2016, 21.01.2016, 22.01.2016, 23.02.2016, 15.03.2016, 13.09.2016 e 22.03.2017;
c) As perdas salariais da autora mãe no montante de € 721,84 relativas ao período em que ficou temporariamente impossibilitada de trabalhar para prestar assistência à sua filha em período de convalescença, reportam-se ao período entre 19 de Janeiro de 2016 e 20 de Fevereiro de 2016;
d) O sofrimento, angústia, transtorno e preocupação dos autores pais com o acidente da sua filha menor, revelaram-se no dia do acidente, em 19.01.2016;
e) O quantum doloris sofrido pela criança revelou-se no dia do acidente, em 19.01.2016;
f) O dano biológico permanente das lesões revelou-se no dia do acidente, em 19.01.2016;
g) O dano estético permanente sofrido revelou-se no dia do acidente, em 19.01.2016;
i) A existência de danos patrimoniais futuros revelou-se no dia do acidente, em 19.01.2016.
28. Cerca de dois meses depois do acidente (ou seja em finais de Março de 2016) os autores ficaram a saber pela equipa médica que não havia necessidade de cuidados de medicina física e de reabilitação (como decorre dos factos provados sob os n.ºs 6, 7, 8, 9, 10 e 14).
29. Nesta altura, em finais de Março de 2016, os autores desconheciam apenas as despesas com a realização do relatório de avaliação do dano corporal (408,00€), datado de 15.04.2019, e com as deslocações que realizaram em 13.09.2016 e 22.03.2017 [(104 Kms x 0,36 €] x 2 = 74,88 €).
30. Os danos antecedentemente referidos, nem são novos nem são supervenientes, pelo que, ao concluir que «só em 6.07.2018, os autores detinham o conhecimento exigível mas também suficiente quanto à natureza, conteúdo e repercussões futuras dos danos sofridos pela autora D…, conhecimento esse adquirido na sequência das consultas frequentadas por esta última e dos exames pela mesma efectuados, bem como, pela análise da evolução de recuperação da sintomatologia manifestada», o tribunal a quo vai mesmo para além daquilo que os próprios autores defendem, na medida em que estes, o que afirmam no artigo 9.º da sua resposta às excepções de 11.11.2019 é que, «nesta data a Autora menor tomou pleno conhecimento da extensão dos seus danos biológicos, geradores da responsabilidade que ora imputa à Ré E….»
31. Esta conclusão do tribunal a quo tem, necessariamente de ser alterada, porquanto constam do processo elementos - maxime o reconhecimento dos próprios autores - que implicam a reforma da sentença.
32. Assim, em finais de Março de 2016 os autores já sabiam que:
a) Em 19 de Janeiro de 2016, pelas 16h50, a autora D…, à data com dois anos de idade, encontrava-se na creche, quando um armário/estante que não estava fixo (nem ao chão, nem à parede) caiu em cima da sua mão direita.
b) Na sequência do sinistro, a autora foi imediatamente transportada para o serviço de urgências do Centro Hospitalar ….
c) Por apresentar fractura exposta do 1º dedo da mão direita e provável lesão da cartilagem do crescimento, a autora foi transferida para o Hospital Pediátrico …, onde foi sujeita a cirurgia.
d) Após a cirurgia, a autora D… foi sujeita a imobilização gessada antebraqui-palmar.
e) Em virtude do evento ocorrido a autora D… sofreu uma fractura exposta, cominutiva, com desvio da falange proximal do 1º dedo da mão direita (grau III B), com provável lesão da cartilagem de crescimento, secção do extensor pollicis longus e lesão do rolo vasculonervoso ulnar.
f) A autora D… esteve internada no serviço de ortopedia pediátrica do Hospital Pediátrico - Centro Hospitalar e Universitário … de 19 a 22 de Janeiro de 2016.
g) Teve alta para o domicílio a 22 de Janeiro de 2016.
h) Em decorrência do evento referido, a autora D… não pode frequentar o Jardim Escola até 29 de Fevereiro de 2016.
i) Decorridos dois meses do acidente, a imobilização com gesso foi retirada à autora D… e foi substituída por uma tala gessada, tendo a equipa médica informado que não havia necessidade de cuidados de medicina física e de reabilitação.
j) A autora D… regressou à escola no início de Março de 2016, estando a actividade escolar limitada apenas durante duas horas por dia, com limitação de actividades como correr, desenhar e pintar com os seus colegas, o que lhe causou ansiedade.
k) Em 23.02.2016 e 15.03.2016 a autora D… frequentou consultas na especialidade de ortopedia infantil no Centro Hospitalar e Universitário … - Hospital Pediátrico …, acompanhada pela a autora C….
l) Em virtude do sinistro ocorrido, a autora D… sofreu dores e irritabilidade por ter estado limitada nas suas acções, tendo sido, durante o período de recuperação, uma criança inquieta, angustiada e traumatizada.
m) Em virtude do sinistro ocorrido e durante a sua fase de recuperação, a autora D… tinha dificuldade em pegar em objectos com a mão direita e não conseguia escrever ou desenhar com esta mão, motivo pelo qual teve de adaptar-se a utilizar a mão esquerda, o que lhe causou ansiedade.
n) No período compreendido entre 19 de Janeiro de 2016 e 20 de Fevereiro de 2016 a autora C… ficou temporariamente impossibilitada de trabalhar para prestar assistência à autora D…, deixando de auferir o montante respeitante a salário, subsídio de alimentação e proporcionais de subsídio de férias e de Natal.
o) O autor pai teve deslocações diárias durante o período de internamento hospitalar no Centro Hospitalar … - Hospital Pediátrico, num total de 04 dias (19 de Janeiro a 22 de Janeiro de 2016).
p) A autora C… acompanhou a autora D… em todas as consultas que efectuou em consultas da especialidade após a alta clínica, o que sucedeu, pelo menos, em 23.02.2016 e 15.03.2016.
33. Perante esta factologia, dúvida não há que pelo menos no dia do acidente, em 19.01.2016, mas seguramente decorridos cerca de dois meses, ou seja até finais de Março de 2016, os autores já eram conhecedores, não apenas dos elementos constitutivos do seu direito à indemnizar ou seja, dos pressupostos que integram a responsabilidade civil das rés, mas também de praticamente todos os danos cuja indemnização viriam a reclamar;
34. Os autores podiam, pois, logo no dia do acidente, em 16.01.2016, mas seguramente decorridos cerca de dois meses (em finais de Março de 2916) quando ficaram a saber pela equipa médica que não havia necessidade de cuidados de medicina física e de reabilitação (como decorre dos factos provados sob os n.ºs 6, 7, 8, 9, 10 e 14), exigir das rés o pagamento de cada um desses créditos, e ampliar depois o seu pedido, em conformidade com o permitido pelo artigo 569.º do CC, quer pedindo o pagamento das despesas com a realização do relatório de avaliação do dano corporal (408,00€), datado de 15.04.2019, e das deslocações que realizaram em 13.09.2016 e 22.03.2017 [(104 Kms x 0,36 €] x 2 = 74,88 €), quer reclamando quantia mais elevada relativamente aos danos não patrimoniais, se o processo viesse a revelar danos superiores aos que tivessem inicialmente previsto.
35. Tendo presentes os factos provados, pode dar-se por assente que até final de Março de 2019, ou seja até três anos depois de serem conhecedores dos elementos constitutivos do seu direito à indemnizar, os autores não haviam feito cessar o prazo entretanto decorrido, através do recurso a um qualquer acto postulativo legalmente idóneo, ou à propositura de uma acção ou notificação judicial avulsa, tal como prevê o artigo 323.º do CC.
36. Por esta razão, e tendo os autores tomado conhecimento do seu direito pelo menos no dia do acidente, em 16.01.2016, mas seguramente até finais de Março de 2016, quando ficaram a saber pela equipa médica que não havia necessidade de cuidados de medicina física e de reabilitação (como decorre dos factos provados sob os n.ºs 6, 7, 8, 9, 10 e 14), e tendo a acção sido proposta em 26.07.2019, há-de o tribunal ad quem concluir pela prescrição do seu direito ao recebimento de uma indemnização pelos danos que reputam ter sofrido, dessa forma absolvendo a E… do pedido deduzido.
37. Tal entendimento decorre da mais actualizada jurisprudência sobre o caso acessível em www.dgsi.pt, entre a qual se realçam os seguintes arestos: a) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2011, processo n.º 1343/04.0TCSNT.L1.S1; b) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.09.2016, processo n.º 125/06.9TBMMV-C.C1.S1; c) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19.06.2015, processo n.º 00436/09.1BEMDL; d) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25.05.2017, processo n.º 7605/08.0TBBRG-AN.G1; e) Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21-03-2019, processo n.º 755/07.1BELRA.
38. Do que vem de se expor, conclui-se assim que, concordando o tribunal a quo com o entendimento de «para a valoração da contagem desse prazo interessa o conhecimento da existência de dano, não sendo necessário o conhecimento da sua amplitude integral, mas esse conhecimento ainda que não integral, tem de ser suficiente, satisfatório, não só quanto à dimensão/natureza/conteúdo desse dano, mas também quanto à noção de que o dano foi causado por um terceiro e qual o concreto facto causador do dano», acaba por decidir que «só nesta última data, 06.07.2018, os autores detinham o conhecimento exigível mas também suficiente quanto à natureza, conteúdo e repercussões futuras dos danos sofridos pela autora D….» quando o certo é que, tal como os próprios autores afirmam na sua resposta às excepções, «nesta data a Autora menor tomou pleno conhecimento da extensão dos seus danos biológicos, geradores da responsabilidade que ora imputa à Ré E….»
39. Do que se deixa exposto, é perfeitamente identificável a contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo equívoco o sentido desta e dos seus fundamentos, mostrando-se até ininteligível, pois lendo os seus fundamentos não é de fácil compreensão a decisão que encerra.
40. Mas ainda que assim não fosse sempre a sentença se teria por nula por violação de normas legais substantivas, por erro de interpretação, ou seja, por erro de direito.
41. Mas ainda que não se conclua pela prescrição do direito dos autores, o que só por hipótese meramente académica se concede, nunca a 1.ª ré deve ser condenada no pagamento dos montantes que resultam da sentença.
42. Sobre o valor de 408,00€ relativo a despesas com a realização do relatório de avaliação do dano corporal da menor sinistrada, o documento junto pelos autores é uma factura;
43. Acontece que em relação ao pagamento de facturas, a prova da respectiva quitação só pode ser feita pelo recibo/comprovativo de pagamento, enquanto documento específico de como o cumprimento foi realizado;
44. Daí que, nos termos que se deixam expostos, não podendo o tribunal a quo concluir, com a segurança que se impõe, pela prova de factos que permitam sustentar a verificação deste dano alegado pelos autores, não pode o mesmo ser dado como provado.
45. Assim, por se tratar de facto com interesse para a decisão da causa, deve o ponto 33 dos factos provados ser alterado passando a ter o seguinte teor: 33. Esse relatório de avaliação médico-legal de dano corporal foi elaborado pelo Instituto Nacional de Medicinal Legal e Ciências Forenses de Coimbra a pedido dos autores.
46. Face ao exposto, sempre a 1.ª ré deve ser absolvida do pagamento da quantia de 408,00 € referente ao custo do relatório de avaliação médico-legal de dano corporal da menor.
47. Quanto ao valor de 299,52 € referente a oito deslocações, o documento que as suporta e que está junto à petição inicial sob o n.º 6, consubstancia um conjunto de declarações de presença da D… em 4 consultas, acompanhada pela autora mãe;
48. Contudo, tais declarações, nem provam que os autores efectuaram essas deslocações em viatura própria, gerando a dita despesa, nem, pelo contrário, se essas deslocações foram concretizadas em transporte público, ou até mesmo em viatura de terceiros.
49. Assim, por se tratar de facto com interesse para a decisão da causa, devem os pontos 36 e 37 dos factos provados ser eliminados.
50. Face ao exposto, sempre a 1.ª ré deve ser absolvida do pagamento da quantia de 299,52 € referente a oito deslocações.
51. Quanto ao valor de 721,84€ relativo a perdas salariais da autora, os documentos juntos são dois recibos de vencimento, que referem que a autora terá tido, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2016, descontos por faltas com perda de remuneração, num total de 583,84€ e não de 721,84 € como o tribunal a quo dá como provado.
52. Assim, por se tratar de facto com interesse para a decisão da causa, deve o ponto 21 dos factos provados ser alterado passando a ter o seguinte teor: 21. No período compreendido entre 19 de Janeiro de 2016 e 20 de Fevereiro de 2016 a autora C… ficou temporariamente impossibilitada de trabalhar para prestar assistência à autora D…, deixando de auferir o montante global de €583,84 respeitante a salário, subsídio de alimentação e proporcionais de subsídio de férias e de Natal.
53. Ao condenar a 1.ª ré no pagamento da quantia de 721,84€ relativo a perdas salariais da autora, o tribunal a quo condena em valor superior àquele que consta do doc. n.º 3 junto pelos próprios autores à petição inicial.
54. Face ao exposto, e por ser esse que consta do referido documento, não pode a 1.ª ré ser condenada no pagamento da quantia superior a 583,84€ relativo a perdas salariais da autora C….
55. Por não se ter provado a lateralidade direita da D…, ou sequer que a mesma tenha passado a ser canhota por adaptação, e por se tratar de facto com interesse para a decisão da causa, deve o ponto 42 dos factos provados ser alterado e harmonizado com o ponto 20, passando a ter o seguinte teor: 42. A autora D… era dextra e, em virtude do sinistro, e durante a sua fase de recuperação, teve de adaptar-se a ser esquerdina para manipular e prensar, designadamente, escrever.
56. Na audiência, a testemunha «I…, psicólogo clínico em exercício de funções na 1.ª ré, narrou não ter sinalizado qualquer comportamento específico na autora D…, acreditando que esta ultrapassou o trauma.»
57. Trata-se de um depoimento coerente e convincente, prestado por quem, revelando conhecimento do assunto, se mostrou desinteressado e credível, contribuindo por isso para a descoberta da verdade material.
58. Assim, e por se tratar de facto com interesse para a decisão da causa, deve aos factos provados ser aditado o ponto 44 com o seguinte teor: 44. A autora D… não apresenta qualquer alteração comportamental, nem denuncia trauma ou afectação psicológica.
59. Por terem sido alegados pelos autores em 54 da petição inicial, e não ter sido feita prova dos mesmos, e por se tratar de facto com interesse para a decisão da causa deve aos factos não provados, ser aditado o seguinte: b) A D… tem lesões que afectam e afectarão a sua vida laboral e pessoal resultando numa clara diminuição da sua capacidade física, não podendo praticar desporto e não conseguindo trabalhar como anteriormente, acrescendo a isso dores crónicas (dor lombar, cefaleias frequentes, crises de ansiedade, diminuição da capacidade de memória e concentração, etc.) que reduzem substancialmente a sua qualidade de vida.
60. Relativamente ao quantum doloris, e, tal como resulta do exame pericial, o mesmo é temporariamente circunscrito ao período entre as datas do acidente e da consolidação da lesão, não perdurando daí em diante;
61. Quanto ao dano futuro, importa esclarecer que o mesmo não é indemnizável, porque não provado;
62. Na verdade, o que do relatório de avaliação de dano corporal se extrai é uma mera hipótese, uma eventualidade, aludindo que «caso se verifique algum agravamento com o crescimento, poderá ter necessidade de ser reavaliada no final do crescimento ósseo» (negrito sublinhado nossos)
63. Por último, uma referência ao valor do rendimento dos autores o qual deve ser minimamente contemporâneo com o da ocorrência do acidente;
64. Assim, e por se tratar de facto com interesse para a decisão da causa, e tendo em conta o que resulta dos docs. n.ºs 4 e 5 juntos à contestação, deve o ponto 38 dos factos provados ser alterado, passando a ter o seguinte teor: 38. Os autores B… e C… tinham um rendimento anual bruto que em 2012 foi de 16.592,73€, e que em 2013 foi de 8.672,62€.
65. Face ao exposto, por se terem por excessivas as quantias fixadas pelo tribunal a quo, e tendo em conta que na compensação por danos não patrimoniais, os valores são fixados na plena afirmação das exigências da equidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da igualdade e do ajustamento à situação concreta no confronto com situações com alguma similitude versadas nas diversas decisões dos tribunais superiores, conferindo, pois, o devido relevo ao tipo de bem violado e à natureza, intensidade e extensão dos danos, nunca as compensações deveriam ser fixadas em valor superior a: a) 750,00€ para cada um dos autores pais, a título de compensação pelos danos não patrimoniais; b) 1.500,00€ para a autora D…, a título de compensação pelo quantum doloris; c) 2.000,00€ para a autora D…, a título de compensação pelo dano estético; d) 5.000,00 € para a autora D…, a título de dano biológico.
66. Quanto aos juros moratórios relativos à compensação por danos não patrimoniais, os mesmos devem ser contabilizados desde a data do respectivo trânsito em julgado, sob pena de violação do dispôs no n.º 3 do artigo 805.º do CC.
67. E isto porque no que respeita, ao juro da compensação pelo dano não patrimonial, a mesma é objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do CC.
68. E ainda que assim se entenda, sempre a 2.ª ré, enquanto responsável pelo pagamento do montante indemnizatório até ao limite do capital seguro.
69. O que resulta do documento junto pela 2.ª ré respeitante à apólice do contrato de seguro e suas condições particulares é seguinte:
70. À 2.ª ré incumbia provar que a sua responsabilidade pelo pagamento da parte do capital da cobertura, correspondente ao grau de desvalorização resultante do acidente, na devida proporção.
71. Prova que a 2.ª ré não fez, até porque, não obstante o referido no artigo 4.º da sua contestação, não juntou aos autos as condições gerais, especiais e particulares da apólice que se propôs juntar mas que não juntou.
72. Não obstante resulte da sentença que «A testemunha J…, arrolada pela 2.ª ré, explicou de forma prolixa a relação contratual estabelecida entre as rés», o que é certo é que, sendo o contrato de seguro um contrato formal, necessariamente reduzido a escrito através da respectiva apólice, como decorre do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do RJCS, a prova das respectivas condições não pode ser feita testemunhalmente, não podia o tribunal a quo, admitir a produção de prova testemunhal sobre esta matéria, por ser é inadmissível a prova testemunhal de tal facto nos termos previstos no artigo 393.º, n.º 1 do CC.
73. Colocado perante o teor das garantias contratadas que constam do único documento junto pela 2ª ré respeitante à apólice do contrato de seguro e suas condições particulares, qualquer declaratário médio interpreta que o capital seguro em caso de incapacidade permanente é de 5.000,00 €;
74. Por isso, e salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento, tem-se este capital de 5.000,00 € como patrimonialmente fixado para a concreta cobertura no caso de verificação do risco coberto (incapacidade permanente), devendo o contrato de seguro ser interpretado, na dúvida, contra a parte que o redigiu e enunciou as respectivas cláusulas, mormente cláusulas contratuais gerais, valendo, neste âmbito, o princípio in dubio contra stipulatorum.
75. Assim, e por se tratar de facto com interesse para a decisão da causa, e tendo em conta o teor do doc. junto pela 2.ª ré respeitante à apólice do contrato de seguro e suas condições particulares, deve o ponto 3 dos factos provados ser alterado eliminando-se em cada um dos riscos cobertos a expressão «até ao capital de», passando a ter o seguinte teor: 3. A 1.ª e 2.ª rés celebraram entre si contrato de seguro do ramo de acidentes pessoais, titulado pela apólice n.º ………., com garantias contratadas nos seguintes termos: morte - €500,00; incapacidade permanente - €5.000,00; responsabilidade civil - €2.500,00; despesas de tratamento e repatriamento - €1.000,00.
76. A sentença recorrida interpreta erradamente o teor do doc. junto pela 2.ª ré respeitante à apólice do contrato de seguro e suas condições particulares, ao decidir que esta é responsável, em virtude do contrato de seguro, pelo pagamento da parte do capital da cobertura, correspondente ao grau de desvalorização resultante do acidente, na devida proporção, ou seja, € 100,00, em tudo o mesmo sendo assumido pela 1.ª ré.
77. Ao decidir nestes termos o tribunal a quo ocorre em excesso de pronúncia.
78. Face ao exposto, e tendo em conta que o capital seguro pela verificação de incapacidade permanente é de 5.000,00 €, a 2.ª ré é, em caso de condenação da 1.ª ré, responsável pelo pagamento deste valor na sua integralidade.
79. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos: i) 4.º, al. e), 11.º, al. l), e 14.º da Portaria n.º 262/2011, de 31 de Agosto; ii) 25.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 33/2014 de 4 de Março; iii) 1.º, n.º 1, 10.º, 11.º, 12.º, do Regulamento do Seguro Escolar, aprovado pela Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho; iv) 11.º, al. l) da Portaria n.º 262/2011, de 31 de Agosto; v) 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 254-A/2015, de 31 de Dezembro; vi) 13.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; vii) 32.º, n.º 2, 175.º, 176,° 179.º e 210.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril; viii) 236.º, 237.º, 295.º, 306.º, n.º 1, 342.º, n.º 2, 444.º, n.º 2, 483.º, n.º 1, 498.º, n.º 1, 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 3, 786.º, n° 3, 787.º, n.º 2, e 1154.º do Código Civil (CC): ix) 608.º, 615.º, n.º 1, als. c) e d), e 616.º, n.º 2, als. a) e b) do Código de Processo Civil (CPC).
Termos em que, e nos melhores de direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido e julgado totalmente procedente, por provado, revogando a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que julgue a acção improcedente;
Mas ainda que não se conclua pela prescrição do direito dos autores, o que só por hipótese meramente académica se concede, nunca a condenação da 1.ª ré deve ultrapassar os montantes a seguir indicados, caso em que a 2.ª ré será responsável pelo pagamento do capital seguro de €5.000,00 na sua integralidade: a) 583,84 € relativo a perdas salariais da autora C…; b) 750,00 € para cada um dos autores pais, a título de compensação pelos danos não patrimoniais; c) 1.500,00 € para a autora D…, a título de compensação pelo quantum doloris; d) 2.000,00 € para a autora D…, a título de compensação pelo dano estético; e) 5.000,00 € para a autora D…, a título de dano biológico; f) juros contabilizados desde a data do trânsito em julgado da decisão.
Os autores e a ré F… responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
I. Se a decisão recorrida é nula;
II. Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;
III. Se é necessário ampliar a matéria de facto;
IV. Se o direito dos autores se encontra prescrito;
V. Se a ré está obrigada a indemnizar os autores;
VI. Como devem ser calculados os juros de mora;
VII. Qual a medida da responsabilidade da ré F… resultante do contrato de seguro.

III. Os factos:
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. A ré E… (doravante designada 1ª ré) é uma instituição de solidariedade social, proprietária de um estabelecimento de ensino destinado a creche, que acolhe crianças até aos três anos de idade.
2. A ré F1…, SA foi incorporada na F2…, S.A., com sede …, Espanha e, em consequência dessa incorporação, alterou a sua denominação social para F…, S.A - Sucursal em Portugal (doravante designada 2ª ré).
3. A 1ª e 2ª rés celebraram entre si contrato de seguro do ramo de acidentes pessoais, titulado pela apólice nº ………., com garantias contratadas nos seguintes termos: «por morte - até ao capital de €500,00; «por incapacidade permanente - até ao capital de €5.000,00»; «responsabilidade civil - até ao capital de €2.500,00»; «despesas de tratamento e repatriamento - até ao capital de €1.000,00».
4. A autora D…, nascida a 5 de Setembro de 2013, encontra-se registada como filha dos autores B… e C….
5. A autora D… frequentou a creche/infantário da 1ª ré.
6. Em 19 de Janeiro de 2016, pelas 16h50, a autora D…, à data com dois anos de idade, encontrava-se na creche, quando um armário/estante que não estava fixo (nem ao chão, nem à parede) caiu em cima da sua mão direita.
7. Na sequência do sinistro, a autora foi imediatamente transportada para o serviço de urgências do Centro Hospitalar ….
8. Por apresentar fractura exposta do 1º dedo da mão direita e provável lesão da cartilagem do crescimento, a autora foi transferida para o Hospital Pediátrico …, onde foi sujeita a cirurgia.
9. Após a cirurgia, a autora D… foi sujeita a imobilização gessada antebraqui-palmar.
10. Em virtude do evento ocorrido a autora D… sofreu uma fractura exposta, cominutiva, com desvio da falange proximal do 1º dedo da mão direita (grau III B), com provável lesão da cartilagem de crescimento, secção do extensor pollicis longus e lesão do rolo vasculonervoso ulnar.
11. A autora D… esteve internada no serviço de ortopedia pediátrica do Hospital Pediátrico - Centro Hospitalar e Universitário … de 19 a 22 de Janeiro de 2016.
12. Teve alta para o domicílio a 22 de Janeiro de 2016.
13. Em decorrência do evento referido, a autora D… não pode frequentar o Jardim Escola até 29 de Fevereiro de 2016.
14. Decorridos dois meses do acidente, a imobilização com gesso foi retirada à autora D… e foi substituída por uma tala gessada, tendo a equipa médica informado que não havia necessidade de cuidados de medicina física e de reabilitação.
15. A autora D… regressou à escola no início de Março de 2016, estando a actividade escolar limitada apenas durante duas horas por dia, com limitação de actividades como correr, desenhar e pintar com os seus colegas, o que lhe causou ansiedade.
16. Em 23.02.2016, 15.03.2016, 13.09.2016 e 22.03.2017 a autora D… frequentou consultas na especialidade de ortopedia infantil no Centro Hospitalar e Universitário … - Hospital Pediátrico …, acompanhada pela autora C….
17. A autora efectuou a última avaliação clínica e radiológica a 06.07.2018 no serviço ortopedia infantil no Centro Hospitalar e Universitário … - Hospital Pediátrico ….
18. Nessa data (06.07.2018) o quadro clínico da autora encontrava-se estabilizado, mantendo deformidade em flexo interfalângico rígido, mas não doloroso e radiograficamente apresentava remodelação com a deformidade descrita, mas com aparente manutenção da cartilagem de crescimento da falange proximal.
19. Em virtude do sinistro ocorrido, a autora D… sofreu dores e irritabilidade por ter estado limitada nas suas acções, tendo sido, durante o período de recuperação, uma criança inquieta, angustiada e traumatizada.
20. Em virtude do sinistro ocorrido e durante a sua fase de recuperação, a autora D… tinha dificuldade em pegar em objectos com a mão direita e não conseguia escrever ou desenhar com esta mão, motivo pelo qual teve de adaptar-se a utilizar a mão esquerda, o que lhe causou ansiedade.
21. No período compreendido entre 19 de Janeiro de 2016 e 20 de Fevereiro de 2016 a autora C… ficou temporariamente impossibilitada de trabalhar para prestar assistência à autora D…, deixando de auferir o montante global de €721,84 respeitante a salário, subsídio de alimentação e proporcionais de subsídio de férias e de Natal.
22. Os autores B… e C… enviaram missiva, em 03 de Fevereiro de 2016, para a direcção da 1ª ré, apresentando uma exposição e solicitando explicações quanto ao sinistro, no sentido de determinar as causas do acidente, nomeadamente, a razão do armário/estante não estar fixo ao chão ou à parede, para mais, quando tal já tinha sido referenciado pela autora mãe.
23. A 1ª ré, por missiva datada de 22 de Fevereiro de 2016, confirmou que já tinha sido alertada para a situação da perigosidade do armário/estante, inclusive pela própria autora C…, mas que “lamentavelmente, não foram devidamente avaliadas”.
24. Nessa mesma missiva, a 1ª ré assumiu que se responsabilizava por todas as despesas e com os tratamentos da criança.
25. Os autores B… e C…, aquando da alta clínica da sua filha, reportaram a situação à 1ª ré para realizar a participação deste sinistro ao seguro escolar.
26. Este acidente foi participado à 2ª ré, a quem havia transferido a responsabilidade, apólice n.º ………., tendo sido atribuído ao processo de sinistro o n.º ………….
27. Quando os autores B… e C… encetaram diligências junto da 2ª ré, esta informou que a 1ª ré tinha contratualizado uma apólice com o capital de risco de €5.000,00 (cinco mil euros).
28. Aqueles autores ainda tentaram obter um acordo extrajudicial com as rés, para pagarem uma indemnização justa e equitativa para compensar os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente sofrido pela sua filha menor, mas não tiveram sucesso.
29. Os autores B… e C…, a suas expensas, solicitaram um relatório de avaliação médico-legal do dano corporal da criança decorrente do evento reportado em 6 supra junto do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses de Coimbra.
30. Do teor desse relatório, datado de 15 de Abril de 2019, derivam, para além do mais, as seguintes menções: “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 06.07.2018; Período de défice funcional temporário total fixável num período total de 42 dias; Período de défice funcional temporário parcial fixável num período total de 858 dias; Período de Repercussão Temporária na Actividade Escolar Total sendo assim fixável num período total de 42 dias; Período de Repercussão Temporária na Actividade Escolar Parcial fixável num período total de 858 dias; Quantum doloris fixável no grau 4/7; Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 pontos; Dano Estético Permanente fixável no grau 3/7; Poderá ter necessidade de ser reavaliada no final do crescimento ósseo.”
31. Também desse relatório deriva a seguinte menção: “A Examinada apresenta: Membro superior direito: cicatriz nacarada, não hipertrófica e não retrátil, com vestígios de pontos de sutura, sobre a face dorsal da falange proximal e articulação interfalângica do 1º dedo, em forma de “L” de abertura medial, medindo o ramo vertical dezassete milímetros de comprimento e o horizontal quinze milímetros de comprimento; rigidez da articulação interfalângica do polegar com flexão limitada a 15º e extensão conservada; sem limitação da mobilidade da articulação metacarpofalângica do 1º dedo; sem alterações da força muscular; motricidade fina mantida; sem edema ou deformidade clinicamente objectiváveis.”
32. Observa-se ainda do teor do referido relatório que no âmbito da ponderação do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi considerado como sequela permanente a limitação da mobilidade da articulação interfalângica do 1º dedo da mão direita no movimento de flexão, o que, ainda que não afectando a autora D… em termos de autonomia e independência, é causa de sofrimento físico, limitando-a em termos funcionais.
33. Esse relatório de avaliação médico-legal de dano corporal foi elaborado pelo Instituto Nacional de Medicinal Legal e Ciências Forenses de Coimbra a pedido dos autores, tendo importado o custo de €408,00, por aqueles pago integralmente.
34. O autor pai teve deslocações diárias durante o período de internamento hospitalar no Centro Hospitalar … - Hospital Pediátrico, num total de 4 dias (19 de Janeiro a 22 de Janeiro de 2016).
35. A autora C… acompanhou a autora D… em todas as consultas que efectuou em consultas da especialidade após a alta clínica, o que sucedeu, pelo menos, em 4 datas distintas, como descrito em 16 supra.
36. Durante esse período, os autores residiam em …, percorrendo, assim, entre este local e a cidade de … a distância de 104 km em viatura própria.
37. Perfazendo um total de 832 km percorridos (104 km x 08 dias de deslocação), em viatura própria.
38. Os autores B… e C… tinham um rendimento anual bruto que, à data da alta médica (06.07.2018), perfazia o valor de €56.114,11.
39. Os autores B… e C… sofreram durante todo o período de recuperação da autora D…, e ainda sofrem, por verem a sua filha triste, angustiada e traumatizada com o acidente e com uma deformidade no dedo para o resto da sua vida.
40. A 2ª ré efectuou pagamentos ao Centro Hospitalar Universitário … no valor de €979,30 respeitante a despesas de tratamento.
41. As rés foram citadas para a presente acção a 30.07.2019.
42. A autora D… era dextra e, em virtude do sinistro, teve de adaptar-se a ser esquerdina para manipular e prensar, designadamente, escrever.
43. Ainda hoje a autora D… sente dor na sua mão direita, o que a leva a ocultar o dedo na palma da mão ou com a mão esquerda.

IV. O mérito do recurso:
A] da nulidade da sentença:
A recorrente começa por suscitar a nulidade da sentença recorrida ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil[1], alegando que os respectivos fundamentos se encontram em oposição com a decisão.
Cremos que o vício acusado pela recorrente existe de facto porquanto na sentença se confundem e misturam os institutos da responsabilidade civil e da responsabilidade contratual, sendo a excepção da prescrição conhecida no pressuposto de ser aplicável aquele instituto quando depois se considera que a responsabilidade da ré emerge afinal da violação do contrato, o que naturalmente arredaria a discussão sobre a aplicação do prazo de prescrição do artigo 498.º do Código Civil.
Para além disso, argumenta-se que para começar a correr o prazo de prescrição não é necessário o conhecimento integral dos danos decorrentes do acto ilícito e depois se acaba por decidir que esse início de contagem do prazo apenas ocorreu num momento posterior indexado ao conhecimento de parte dos danos advindos do acidente.
Sucede que nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a Relação, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, deve conhecer do objecto da apelação. Por conseguinte, uma vez que do objecto do recurso faz parte quer o decidido sobre a excepção da prescrição quer o decidido quanto ao mérito da acção, a declaração de nulidade da decisão recorrida é absolutamente inútil e pode ser dispensada uma vez que de qualquer modo aquelas questões irão ser apreciadas e decididas de seguida.
B] impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto no que respeita a pontos concretos cuja modificação reclama, indicando os meios de prova em que fundamenta a sua pretensão e indicando a decisão que sobre eles deve ser proferida.
Procedendo à análise da impugnação pela ordem daqueles pontos, comecemos pelo facto do ponto 3.
Foi julgado provado que «a 1ª e 2ª rés celebraram entre si contrato de seguro do ramo de acidentes pessoais, titulado pela apólice nº ………., com garantias contratadas nos seguintes termos: «por morte - até ao capital de €500,00; «por incapacidade permanente - até ao capital de €5.000,00»; «responsabilidade civil - até ao capital de €2.500,00»; «despesas de tratamento e repatriamento - até ao capital de €1.000,00».
A recorrente reclama que desta redacção seja eliminada a expressão «até ao capital de».
Lamentavelmente, entre as diversas deficiências com que os autos foram tramitados, não se cuidou de obrigar a ré seguradora a juntar aos autos, conforme solicitado pelos autores, a apólice do contrato de seguro, designadamente a totalidade das respectivas condições gerais, especiais e particulares.
O único documento que se encontra junto é o documento apresentado com a contestação da ré seguradora como doc. 1 e que é somente uma carta a comunicar alguns elementos da cobertura do seguro que abrangia a autora menor e no qual são especificados os valores que o tribunal a quo verteu para o aludido ponto da matéria de facto mas onde não se vislumbra a expressão «até ao capital de», a qual foi, por isso indevidamente transposta para a matéria de facto.
É evidente que o valor de capital garantido é um limite: se a garantia vai até esse valor, está limitada a esse valor. Coisa totalmente diferente, consiste em saber como se aplica esse limite. Como quer que seja, qualquer que seja ou não a consequência dessa modificação, certo é que por respeito ao meio de prova junto aos autos a redacção do ponto 3 é alterada no sentido defendido pela recorrente, isto é, elimina-se da mesma a expressão «até ao capital de».
Segue-se o ponto 21 que se refere ao valor que a autora C… deixou de auferir a título de salário, subsídio de alimentação e proporcionais de subsídios de Férias e de Natal em resultado do período de tempo que necessitou de afectar à prestação de assistência à filha D…. O tribunal a quo julgou provado o valor de €721,84, a recorrente defende que apenas está provado o valor de € 583,84.
Se bem interpretamos os documentos a que a recorrente se refere, ou seja, os recibos de vencimento juntos com a petição inicial, o valor julgado provado pelo tribunal a quo está correcto. Nos recibos constam as deduções de €228,46 e €355,38 por faltas ao trabalho com perda de remuneração e de €54,00 e €84,00 de dias de subsídio de alimentação não pago; o total são €721,84, tal como se julgou provado, decisão que por isso se mantém.
Quanto ao ponto 33 pretende a recorrente que se elimine da respectiva redacção que o relatório de avaliação médico-legal custou €408,00 que os autores pagaram. O argumento usado é o que apenas está junta aos autos a factura do exame e não o recibo, sendo que apenas o recibo comprova o pagamento.
Trata-se de um argumento que denota um preciosismo notável e um nível de exigência probatória a todos os títulos assinalável que a ser aplicado de modo genérico condenaria ao insucesso a esmagadora maioria das acções judiciais. O argumento pressupõe que todas as pessoas que fazem pagamentos exigem e guardam o respectivo recibo, o que todos sabemos não corresponder às exigência da vida comum.
Se o INML realiza estes exames e cobra o respectivo custo, aliás de acordo com uma tabela, conforme reconhece a recorrente, por que razão haveria o exame de ter ficado por pagar? Se foram os autores que pediram o exame quem pode tê-lo pago senão os autores? Basta estas duas simples perguntas e algum apelo às regras da experiência para acreditar de forma fundamentada que a factura constitui meio de prova suficiente do custo do exame e do respectivo pagamento pelos autores (que de qualquer modo são responsáveis por esse pagamento e este pode ser-lhes exigido pelo credor). A decisão proferida pelo tribunal a quo deve pois ser mantida.
O mesmo preciosismo se detecta na impugnação da decisão sobre os pontos 36 e 37, em cuja redacção se dá conta da deslocação dos pais da menor D… entre a sua residência em … e … nos dias em que aquela esteve internada no Hospital Pediátrico e em que foi a consultas médicas aí realizadas. Sinceramente não se compreende que seja difícil de aceitar à luz das regras da experiência que os pais hajam deixado de fazer essas deslocações para dar assistência à sua filha que à data tinha … 2 anos de idade! Ou que seja difícil de aceitar que é mais fácil, cómodo, comum e útil fazê-lo com recurso aos meios de deslocação próprios, evitando os incómodos de horários e transbordos dos transportes públicos. A decisão só pode pois ser mantida.
No que concerne à redacção do facto do ponto 38 a discordância da recorrente situa-se no ano que o tribunal a quo usou como referência para assinalar os rendimentos brutos dos autores. A recorrente não aceita que o tribunal a quo tenha indicado os rendimentos do ano de 2018, ou seja, o ano fiscal anterior ao da instauração da acção cujos impostos já estavam liquidados e pretende que sejam referidos os rendimentos dos anos de … 2012 e 2013, isto é, uma situação … três anos anterior à data do acidente! Não é necessário mais que esta incredulidade para justificar que a decisão deve ser mantida.
Passando ao facto do ponto 42, de cuja redacção transparece que «a autora D… era dextra e, em virtude do sinistro, teve de adaptar-se a ser esquerdina para manipular e prensar, designadamente, escrever», a recorrente defende que apenas deve ser julgado provado que essa necessidade de adaptação para uso da mão esquerda apenas ocorreu «durante a fase de recuperação».
Aos dois anos de idade é muito provável que a criança ainda não tenha uma mão dominante e que use ambas até uma delas se tornar dominante, razão pela qual seria muito difícil julgar provado que a autora D… tinha a mão direita como dominante. Por outro lado, é evidente que a necessidade de passar a usar a mão esquerda surgiu durante a fase de recuperação das lesões porque durante boa parte desse período a menor esteve impossibilitada de usar a mão direita cujo polegar ficou fracturado no acidente. Coisa diferente é saber se essa necessidade desapareceu após a consolidação das lesões que é no fundo o aspecto que a recorrente pretende que seja julgado provado.
O que o relatório do INML indica é que a autora ficou com uma limitação da mobilidade da articulação interfalângica do 1.º dedo da mão direita no movimento de flexão, o que se traduz num défice funcional permanente. É por isso precisamente que ela refere que lhe dá mais jeito fazer coisas com a mão direita. Nessa medida, a especificidade que a recorrente pretende que seja julgada provada não o pode ser, devendo manter-se a decisão do tribunal a quo.
Reclama ainda a recorrente o aditamento de um novo facto (44) com a seguinte redacção: «A autora D… não apresenta qualquer alteração comportamental, nem denuncia trauma ou afectação psicológica.» Este facto foi alegado na contestação da ré recorrente e tem efectivamente interesse para a decisão de mérito, apesar do que não foi objecto de julgamento pelo do tribunal a quo.
Conforme consta da motivação da decisão impugnada «I…, psicólogo clínico em exercício de funções na 1ª ré, narrou não ter sinalizado qualquer comportamento específico na autora D…, acreditando que esta ultrapassou o trauma». Tratando-se de um profissional da área da psicologia a sua afirmação merece credibilidade, tanto mais que a autora D… era ainda muito pequena e o processo do seu crescimento tenderia a fazê-la esquecer o assunto, sendo certo que não tinha ainda idade para atribuir repercussão subjectiva à limitação e/ou deformidade decorrente da lesão.
Nessa medida decide-se acrescentar à matéria de facto provada o seguinte facto: «44. No seu regresso à creche a autora D… não apresentou alteração de comportamentos ou sinais de trauma ou afectação psicológica
Finalmente, a recorrente reclama que se adite um novo facto aos factos não provados. Salvo o devido respeito, trata-se de uma absoluta inutilidade.
Com efeito, um facto que seja julgado não provado não tem qualquer interesse para as partes porque a aplicação do direito apenas recai sobre os factos que o tribunal julgar provados. Os factos julgados não provados são tratados como se não tivessem sido sequer alegados, apenas servindo para o tribunal, na dúvida sobre um determinado facto, aplicar as regras do ónus da prova e retirar consequências para a parte onerada com o encargo probatório da não demonstração do facto. Logo, para a pretensão da recorrente basta que o facto em causa não tenha sido, como não foi, julgado provado.
Em suma: a decisão sobre a matéria de facto é assim alterada nos termos que acabam de se expor (alteração do ponto 3 e aditamento do ponto 44).
Ainda em sede de decisão sobre a matéria de facto, importa abordar uma questão de conhecimento oficioso, qual seja a da necessidade de ampliar a matéria de facto. Nos termos do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a Relação deve, mesmo oficiosamente, ampliar a matéria de facto quando o considere indispensável e desde que o processo forneça todos os elementos de prova que permitam proferir decisão sobre os factos a ampliar (não se verificando esta condição terá de anular a decisão proferida na 1.ª instância).
A petição inicial apresentava claras insuficiências quanto às circunstâncias em que a autora D… frequentava a creche da ré E….
Apenas estava alegado que «a filha dos autores, nascida a 05 de Setembro de 2013, frequentou a creche/infantário da ré», não se esclarecendo a que título, com base em que relação ou contrato, é que essa frequência ocorria, sendo certo que é das regras da experiência que a colocação de crianças em creches é feita mediante o estabelecimento de um contrato entre os progenitores e a instituição que explora a creche.
Mais à frente, no artigo 30.º daquele articulado afirmava-se de modo absolutamente conclusivo que «a filha dos Autores [estava] à guarda da creche da Ré E…, por via de um negócio jurídico celebrado entre os Autores e a Ré E…», sem todavia fazer qualquer menção ao teor desse contrato que permitisse fazer a respectiva interpretação, qualificação e aplicação.
Esta insuficiência devia ter sido detectada pelo tribunal a quo e sido objecto de um despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial de forma a esclarecer-se as circunstâncias da presença da D… na creche onde o acidente ocorreu. Tal despacho não foi proferido. Todavia, no despacho saneador foi determinado que os autores juntassem aos autos «– caso exista – prova documental do alegado [no artigo 30.º da petição inicial] negócio jurídico celebrado entre as partes».
Em resposta, os autores juntaram aos autos, através de requerimento de 19/12/2019, um documento intitulado «contrato de prestação de serviços» que tem precisamente por objecto a relação ao abrigo da qual a D… frequentava a creche da ré. Este documento não foi impugnado por nenhuma das rés e a ele se refere a recorrente nas suas alegações aceitando o seu conteúdo mas objectando apenas com a circunstância de o mesmo não constar do elenco da matéria de facto provada.
Por tudo isso e com fundamento na aludida norma legal, adita-se à matéria de facto provada o seguinte facto:
«45. Para a autora D… frequentar a creche da ré a sua mãe C…, na qualidade de encarregado de educação/responsável da filha, celebrou com a ré E…, o contrato junto aos autos com o requerimento ref.ª 34369641, que aqui se dá como inteiramente reproduzido, e do qual constam além de outras as seguintes cláusulas:
Cláusula I - Fins
O presente contrato visa regular a prestação de apoio social efectuada pelo segundo contratante ao primeiro contratante, no âmbito da resposta social Creche.
Cláusula II - Objecto do Contrato
Constitui objecto do presente contrato: 1. A prestação de serviços, com vista à promoção do desenvolvimento integral da criança, abrangendo: a) Fornecimento de alimentação; b) Cuidados de higiene; c) Actividades de animação, ocupação e lazer; d) Estimulação adequada; e) Informação contínua aos pais sobre o desenvolvimento da criança; f) Formação parental. 2. A realização das seguintes actividades complementares: a) Passeios pedagógicos e/ou lúdicos; b) Praia; c) Piscina.
Cláusula III - Obrigações do Primeiro Contratante
No âmbito do presente contrato constituem direitos e obrigações do Primeiro Contratante, os constantes no presente no Regulamento Interno de Funcionamento, nos termos dos normativos e legislação em vigor aplicáveis.
Cláusula IV - Direitos dos Encarregados e Educação e/ou Representantes Legais
Constituem direitos do primeiro contratante: 1. Ser informado e participar em todas as situações relacionadas com as suas crianças/jovens, sejam de natureza pedagógica ou outras; 2. Ser atendido individualmente pelos responsáveis da Instituição; 3. Apresentar aos responsáveis de serviços ou à Direção quaisquer problemas, críticas ou sugestões que considerem necessárias ou pertinentes. 4. Conhecer o Regulamento Interno da Creche;
Cláusula V - Deveres dos Encarregados e Educação e/ou Representantes Legais
Constituem deveres do primeiro contratante: 1. Respeitar e cumprir as normas do regulamento interno; 2. Estar disponível para colaborar com a equipa técnica de apoio em tudo o que possa contribuir para a educação integral da criança; 3. Facultar, com veracidade, a informação e documentação necessária relativa ao utente, nomeadamente as respeitantes ao seu estado de saúde; 4. Informar o Responsável da Creche sempre que haja alterações ao processo individual da criança, nomeadamente alterações de residência ou contactos.
Cláusula VI - Local da Prestação de Serviços
No âmbito do presente contrato, o Segundo Contratante compromete-se a prestar serviços nas instalações da E…, sito na Rua … n.°., ….-… ….
Cláusula VII- Duração e Horário da Prestação de Apoio Social
1. Os cuidados a contratualizar, no âmbito de presente contrato, são prestados de segunda a sexta-feira das 7.30 horas às 18.30 horas, encerrando aos sábados e domingos, dias de feriado nacional, Terça-feira de carnaval, e ainda nos dias de Segunda-feira de Páscoa, 24 e 31 de Dezembro e Feriado Municipal.
2. A resposta social encontra-se em funcionamento nos meses de Janeiro a Julho e de Setembro a Dezembro. A abertura da Creche no mês de agosto fica condicionada á necessidade da maioria das famílias requererem em impresso próprio, até 30 de março, a frequência no mês de agosto, indicado qual o período correspondente a 22 dias úteis de férias que a criança deixa de frequentar a Creche, para usufruir das férias em comum.
3. Qualquer alteração ao horário, deve ser acordado previamente, por escrito, entre as partes outorgantes, com a maior antecedência possível.
Cláusula VIII- Interrupção da Prestação de Cuidados
1. Ao 2.º outorgante reserva-se o direito de suspender a prestação de serviços sempre que, ocorra recomendação nesse sentido por organismos oficiais, designadamente por serviços de saúde que verifiquem a ocorrência de surto de doença infecto-contagiosa.
2. A decisão de suspender a prestação de serviços é da competência da direcção da E….
Cláusula IX - Pagamento da Mensalidade/Comparticipação Familiar
1. Pela retribuição dos serviços prestados, o primeiro outorgante obriga-se a pagar ao segundo outorgante a quantia mensal de 70 €, calculada mediante aplicação dos critérios estabelecidos pelo Regulamento Interno da Creche, tendo em conta o rendimento per capita do agregado familiar.
2. A comparticipação mensal será paga até ao dia 8 do mês a que se refere, na secretaria da E…. O não cumprimento desta cláusula implica o pagamento de uma multa correspondente a 0,5% do valor do Salário Mínimo Nacional por cada dia de atraso.
3. No caso de o segundo contratante realizar actividades que careçam de pagamentos suplementares, deve o primeiro contratante ter conhecimento antecipado e autorizar as mesmas, dando o seu aval em impresso próprio da Instituição.»

C] da matéria de direito:
C.1] da prescrição:
A recorrente sustenta que o direito dos autores se encontra prescrito por antes da citação das rés terem decorrido mais que os três anos que o artigo 498.º do Código Civil estabelece como prazo de prescrição do direito de indemnização por responsabilidade civil.
O instituto da prescrição visa dar resposta à preocupação da estabilização das situações jurídicas, de modo a dar às pessoas a segurança e a paz de saberem com antecedência o conteúdo da respectiva esfera jurídica, dando-lhes a oportunidade de fazerem a suas opções de vida, sabendo de antemão quais os direitos que possuem e quais as vinculações jurídicas a que estão sujeitas.
Refere Ana Filipa Morais Antunes, in Estudos de Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, pág. 39 que a «prescrição justifica-se em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas, também, em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reacção à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça (.). Na verdade, a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados. Não existe, pois, uma só razão justificativa do instituto, nem tão-pouco consensos ao nível doutrinário (.). Os seus principais fundamentos são: i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) o imperativo de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a exigência de promover o exercício oportuno dos direitos.»
Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág. 380, escreve que «a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição.»
O artigo 304.º do Código Civil estabelece que uma vez “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”. A prescrição é, portanto, uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cf. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição). A prescrição não extingue o direito de crédito, apenas permite ao devedor recusar o seu cumprimento.
A recorrente tem razão quando defende que para efeitos de início de contagem desse prazo não é indispensável o conhecimento integral de toda a extensão dos danos que geram o direito de indemnização. O prazo de prescrição previsto do direito de indemnização do lesado por responsabilidade civil, previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, começa a contar, segundo estabelece de modo expresso a própria norma, da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
O prazo de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual conta-se a partir do conhecimento, pelo lesado, da verificação dos pressupostos dessa responsabilidade, sendo certo que para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição o lesado tem conhecimento do direito de indemnização quando está em poder dos elementos que integram o instituto da responsabilidade civil: facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano (nesse sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-06-2016, processo n.º 54/14.2TBCMN-B.G1.S1, in www.dgsi.pt, onde se afirma que «o prazo de prescrição inicia-se com o conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização»).
Já Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, vol. II, pág. 298, escrevia em anotação ao artigo 498º do Código Civil que: «O prazo de três anos inicia-se com o conhecimento, por parte do lesado, “do direito que lhe compete”, quer dizer, da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir, quer esta se funde na culpa, quer no risco. Assim, o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele…».
Também Antunes Varela, in Direito das Obrigações, 7.ª edição, vol. I, pág. 620 e segs., escreveu o seguinte: «Sem prejuízo do prazo (de vinte anos) correspondente à prescrição ordinária (contado sobre a data do facto ilícito: cfr. arts. 498.°, nº 1, in fine e 309.°), o direito à indemnização fundada na responsabilidade civil está sujeito a um prazo curto de prescrição (três anos). A prova dos factos que interessam à definição da responsabilidade (an debeatur e quantum debeatur), em regra feita através de testemunhas, torna-se extremamente difícil e bastante precária a partir de certo período de tempo sobre a data dos acontecimentos (…), e por isso convém apressar o julgamento das situações geradoras de dano ressarcível. Fixou-se o prazo da prescrição em três anos (3), a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu (…). E resolveu-se (em sentido oposto ao fixado no assento de 4-X-I966 para o direito anterior) uma questão bastante controvertida na doutrina e nos tribunais (…), que era a de saber se o início da contagem do prazo estava ou não dependente do conhecimento da extensão integral dos danos (…). Na intenção de aproximar, quanto possível, a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificaram, a lei tornou o início do prazo independente daquele conhecimento, atendendo à possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização, cujo montante exacto será nesse caso definido no momento posterior da execução da sentença (…), quando não seja possível determinar logo a extensão exacta do dano (…)».
Sendo assim, tendo o acidente ocorrido no dia 19 de Janeiro de 2016 e tendo os autores tomado conhecimento nessa mesma altura quer das circunstâncias do acidente quer das lesões causadas à autora D…, caso fosse aplicável o prazo de prescrição de três anos do artigo 498.º do Código Civil, quando a acção foi instaurada (em 26 de Julho de 2019) e as rés citadas já o direito dos autores estaria por certo prescrito.
Salvo melhor opinião não é assim.
Com efeito, ao contrário do que é defendido pela recorrente a causa de pedir da acção não é o instituto da responsabilidade civil, é sim a violação dos deveres de prestação emergentes da responsabilidade contratual e esta não está sujeita aos prazos de prescrição do artigo 498.º do Código Civil.
A relação existente entre os autores e a ré E… é uma relação contratual, a confiança da autora D… aos cuidados da ré no âmbito do funcionamento da respectiva creche tem na sua origem um negócio jurídico oneroso, nos termos do qual a ré se obrigou a determinadas prestações em benefício da autora D… e dos respectivos progenitores (substituindo-os no exercícios das responsabilidades parentais durante o período laboral destes) relacionadas com a exploração da creche e o desenvolvimento das actividades próprias de uma estrutura e organização com essa valência, mediante o pagamento por parte dos pais de uma determinada contrapartida monetária.
A circunstância de essa actividade ser desenvolvida pela ré com o financiamento, a supervisão e a regulamentação da segurança social não obsta a que a relação que a ré estabelece com os utentes das suas valências, representados pelos respectivos progenitores, tenham a natureza de puras relações obrigacionais emergentes de negócios jurídicos privados.
Nesse sentido, porque o artigo 498.º do Código Civil não é aplicável foram do âmbito da responsabilidade civil, e a responsabilidade contratual não está sujeita a esse prazo de prescrição mas antes aos prazos de prescrição ordinária, o direito dos autores fundamentado na violação dos deveres de prestação que incumbem à ré em virtude desse contrato não se encontra prescrito.
Note-se que se acaso se vier a entender que do contrato não emerge o dever de zelar pela saúde e integridade física da autora D… e que portanto o dever de indemnização não pode ser extraído do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, então sim podemos ser remetidos para o âmbito da responsabilidade extracontratual, para a violação do disposto no artigo 483.º do Código Civil, só então se colocando a questão da prescrição por decurso do prazo do artigo 498.º do mesmo diploma.
Esta possibilidade, como veremos de seguida, está arredada, pelo que se pode concluir já pela inverificação da excepção da prescrição do direito dos autores.
C.2] da responsabilidade da ré E…:
Nas conclusões das alegações de recurso a ré E… reconhece que é responsável pelas consequências da queda do armário sobre a autora D… e em resultado do que esta sofreu uma fractura exposta, cominutiva, com desvio da falange proximal do 1º dedo da mão direita, com provável lesão da cartilagem de crescimento, secção do extensor pollicis longus e lesão do rolo vasculonervoso ulnar.
Nessa constatação concorda-se com a recorrente.
Com o que não se concorda de todo é com a qualificação jurídica da fonte desse obrigação.
Conforme se referiu, a autora D… frequentava a creche da ré porque os seus pais celebraram com esta um contrato denominado de prestação de serviços, ao abrigo do qual a ré acolhia na sua creche a menor D… e lhe proporcionava todos os serviços inerentes ao normal funcionamento de uma creche.
Literalmente este contrato vincula a ré aos seguintes deveres de prestação: «prestação de apoio social … no âmbito da resposta social Creche», «prestação de serviços, com vista à promoção do desenvolvimento integral da criança, abrangendo: a) fornecimento de alimentação; b) cuidados de higiene; c) actividades de animação, ocupação e lazer; d) estimulação adequada; e) informação contínua aos pais sobre o desenvolvimento da criança; f) formação parental; g) realização de actividades complementares: passeios pedagógicos e/ou lúdicos; praia; piscina.»
Não está aqui incluído qualquer dever de vigilância sobre a criança de modo a zelar pela respectiva saúde e integridade física e evitar lesões de qualquer natureza. Todavia, parece evidente que não apenas a ré está vinculada a esses deveres como os mesmos são absolutamente essenciais num contrato desta natureza.
Não é com efeito imaginável ou concebível sequer que os pais possam entregar uma criança de dois anos numa creche sem esta assumir o dever, que qualificamos mesmo como dever primário por excelência, equivalente aliás ao dever que os próprios pais tinham para com a criança caso continuassem a tê-la sob a sua guarda em vez de a entregar na creche, de cuidar da criança, assegurar a segurança desta, evitar que esta sofra lesões seja de que natureza for e/ou tratá-la em caso de doença. Afinal de contas, o «desenvolvimento integral de uma criança» de dois anos não pode em circunstância alguma prescindir desse dever de vigilância, atenção e ensino sobre os perigos e os modos de os evitar.
A argumentação da recorrente é de tal modo surpreendente que se pode perguntar se entende que uma criança que na creche venha a apresentar sintomas de doença, não lhe cabe a obrigação de fazer nada a esse respeito, não lhe cabe o dever de avisar os pais e proporcionar à criança assistência médica ou medicamentosa? Se entende que uma criança com dois anos de idade, indefesa, sem capacidade para lidar com todo o mundo material que a rodeia, possa assim ser deixada abandonada à sua sorte num espaço físico sendo-lhe apenas proporcionada alimentação e a participação nas actividades da creche?
Aliás, basta atentar no próprio texto do acordo de cooperação entre a ré E… e o Instituto de Segurança Social, IP/Centro Distrital de Aveiro ao abrigo do qual a creche desenvolve a sua actividade sob apoio técnico e financeiro daquele, para nele encontrar o seguinte:
«1. A Creche enquadra-se nos fins estatutários da Instituição:
Artigo 3º - (...) a E… propõe-se criar e manter a título principal as actividades de (...) Creche (...)
2. A Creche presta serviços e desenvolve actividades visando especialmente:
[…] b) Colaborar com a família numa partilha de cuidados e responsabilidades em todo o processo evolutivo da criança;
d) Prevenir e despistar precocemente qualquer inadaptação, deficiência ou situação de risco, assegurando o encaminhamento mais adequado;
e) Proporcionar condições para o desenvolvimento integral da criança, num ambiente de segurança física e afectiva […]». (os negritos e sublinhados são nossos).
Também no Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de Março, que define o regime jurídico de instalação, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos de apoio social geridos por entidades privadas, entre os quais se encontram as creches, sublinha no seu preâmbulo a «preocupação com a qualidade dos equipamentos sociais no que respeita à segurança e ao bem-estar dos cidadãos» e o «rigor na definição e verificação das condições de instalação e de funcionamento dos serviços prestados, que respeitam nomeadamente à segurança e qualidade de vida dos respectivos utentes» particularmente quando «estão em causa serviços prestados aos grupos mais vulneráveis, como sejam crianças, jovens, pessoas com deficiência ou em situação de dependência e idosos» (artigo 3.º, alínea c).
Da mesma forma, a Portaria n.º 262/2011, de 31 de Agosto, que estabelece as normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento das creches, dispõe no seu artigo 3.º que «a creche é um equipamento de natureza socioeducativa, vocacionado para o apoio à família e à criança, destinado a acolher crianças até aos 3 anos de idade, durante o período correspondente ao impedimento dos pais ou de quem exerça as responsabilidades parentais», assinalando, portanto, que se trata de uma instituição que visa substituir os pais no pleno exercício das responsabilidades destes.
No artigo 4.º estabelece-se como objectivos da creche, designadamente, os seguintes: (…) colaborar com a família numa partilha de cuidados e responsabilidades em todo o processo evolutivo da criança; assegurar um atendimento individual e personalizado em função das necessidades específicas de cada criança; prevenir e despistar precocemente qualquer … situação de risco; proporcionar condições para o desenvolvimento integral da criança, num ambiente de segurança física e afectiva (…).
Por sua vez no artigo 5.º, quanto às actividades e serviços a prestar pela creche, o diploma prevê, entre outras coisas, os cuidados adequados à satisfação das necessidades da criança, entre os quais se contarão evidentemente as necessidades de segurança.
Devemos assim, concluir que ao celebrar com os pais da autora D… o contrato de prestação de serviços ao abrigo da qual passou a acolher na sua creche a criança, a ré E… se vinculou perante aqueles a zelar pela saúde e integridade física da criança, ou seja, a possuir instalações e equipamentos compatíveis com a idade das crianças, a sua falta de destreza, a sua curiosidade e ingenuidade naturais e a sua falta de percepção do perigo, de modo a eliminar a possibilidade de os movimentos e comportamentos comuns da criança a colocarem em situações de risco e lhes provocarem lesões da integridade física.
Tratando-se de uma responsabilidade contratual, presume-se a culpa do devedor (artigo 799.º do Código Civil), razão pela qual, para afastar a respectiva culpa na produção das lesões sofridas pela criança, a ré devia ter demonstrado que no caso tinha adoptado todos os cuidados e desenvolvido todas as acções destinados a evitar os riscos previsíveis para a criança e que o acidente apenas se deu por razões de força maior ou incontroláveis.
Não apenas não se fez essa prova, como se demonstrou a culpa efectiva da ré, sob a forma de negligência. Com efeito, está provado que as lesões sofridas pela D… ocorreram porque quando ela estava na creche caiu em cima da sua mão direita um armário/estante que não estava fixo nem ao chão, nem à parede. À luz de um dever de cuidado que tenha especialmente em conta que a criança tinha dois anos de idade e o estado de desenvolvimento próprio dessa idade, afigura-se-nos absolutamente exigível que na sala onde as crianças estão na creche não existam móveis ou equipamentos soltos com peso susceptível de causar lesões físicas e que possam cair e atingir alguém que se encontre no local.
E isso, note-se, mesmo que a queda resulte de um contacto da própria criança (o que, sublinhe-se, não está provado, embora a recorrente argumente com isso) uma vez que esta não tem ainda consciência do perigo nem condições para se autodeterminar em função dele, pelo que quem dirige, orienta e determina a ocupação e gestão do espaço tem de prevenir comportamentos incautos da criança e adoptar as medidas para obviar às respectivas consequências.
Nessa medida, entendemos que a ré incorreu em incumprimento ou cumprimento defeituoso dos deveres de prestação a que está vinculado pelo contrato de prestação de serviços e, consequentemente, demonstrada a respectiva culpa e o nexo de causalidade com os danos sofridos pela D…, está obrigada a indemnizar tais danos (artigo 798.º do Código Civil).
C.3] o montante da indemnização:
A recorrente impugna o valor das indemnizações fixadas pela 1.ª instância.
No que concerne às indemnizações por danos patrimoniais com despesas emergentes e lucros cessantes, os valores indemnizatórios fixados estão correctos: 408,00€ relativos à despesa com o relatório médico-legal, de 299,52€ a título de despesas de deslocação entre … e … para acompanhar a menor durante o internamento hospitalar e às consultas externas, e 721,84€ a título de rendimento laboral perdido pela mãe durante o tempo em que teve de prestar assistência à filha até esta poder voltar a frequentar a creche.
No que concerne aos danos não patrimoniais sofridos pela autora D…, levando em conta os factos provados, a natureza e localização da lesão, que a sequela permanente da lesão é somente a limitação da mobilidade da articulação interfalângica do 1º dedo da mão direita no movimento de flexão, sem afectação da autonomia e independência da D…, que isso determinou um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de somente 2 pontos, que o internamento hospitalar foi de curta duração, que não foi necessário realizar depois tratamentos de medicina física e de reabilitação, afigura-se-nos que os montantes indemnizatórios são efectivamente excessivos em parte.
Aquilo que se designou por dano futuro não pode ser objecto de indemnização porque da matéria de facto provado não resulta qualquer facto que evidencie a existência de um dano que possa ser qualificado como tal ou a probabilidade de sobrevirem danos dessa natureza já que a lesão está consolidada.
O dano estético está excessivamente valorizado porque estamos a falar somente de cicatrizes num dedo e da limitação da respectiva mobilidade. Como tal afigura-se-nos adequada a indemnização de 3.000€.
Quanto ao dano biológico afigura-se-nos que o valor fixado pela 1.ª instância está mais próximo do adequado atenta a circunstância de a mão ser uma parte do corpo continuamente necessária para a realização de todo o tipo de tarefas e por isso o défice permanente adquirir uma relevância que não teria se se tratasse de uma parte do corpo de uso menos frequente ou intenso. Nessa perspectiva afigura-se-nos que a indemnização deve ser fixada em 7.500€.
No que concerne ao dano moral relacionado com o quantum dolloris afigura-se-nos que o valor proposto pela recorrente é adequado tendo em conta essencialmente que o tempo de internamento hospitalar foi reduzido, que foi necessária apenas uma intervenção cirúrgica naturalmente realizada em contexto hospitalar e portanto com uso de medicação para redução das dores e que não foi sequer necessário realizar tratamentos de medicina física e de reabilitação que esses sim seriam dolorosos e estenderiam o sofrimento no tempo. Nessa medida, afigura-se-nos adequada a indemnização de 1.500€.
Isso perfaz uma indemnização total de 12.000€ a favor da autora D….
Quanto ao momento a partir do qual são devidos juros de mora sobre esse montante deve ter-se presente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, publicado no DR, Iª Série, de 27 de Junho de 2002, que uniformizou a jurisprudência do seguinte modo: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
Deste modo não se podem cumular juros de mora e actualização da indemnização; se a decisão que fixa a indemnização opera a actualização do respectivo valor, os juros de mora apenas serão devidos desde a data da decisão actualizadora; ao invés, se a decisão não actualiza o valor da indemnização por referência à respectiva data, os juros de mora já são devidos desde a data da citação.
Uma vez que aquele valor tem por referência a data actual e se encontra fixado segundo uma avaliação contemporânea dos danos, a indemnização correspondente apenas vencerá juros de mora a contar desta decisão.
Resta ver a questão da indemnização atribuída aos pais da D… por danos não patrimoniais, isto é, pela angústia, preocupação, ansiedade e tristeza que lhe causou a situação da filha.
O tribunal a quo atribuiu essa indemnização com o argumento de que «no caso de dano na integridade física de uma criança há, indubitavelmente, um círculo de pessoas a esta ligadas por laços de afeição e que, por esse motivo, a lei concede a compensação quando pessoalmente afectadas».
Ora no âmbito do instituto da responsabilidade civil é controverso se e em que circunstâncias existem terceiros com direito de indemnização por danos não patrimoniais próprios mas relacionados com as lesões sofridas pelos lesados.
Com efeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2014, in Diário da República n.º 98, Série I, de 22-05-2014, apenas consagrou o entendimento de que «os artigos 483.º, n.º1 e 496.º, n.º1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave». A situação dos autos não se enquadra manifestamente na previsão desse Acórdão.
Sucede, contudo, que no caso, a responsabilidade da ré não advém do instituto da responsabilidade civil mas sim do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual a ré acolhia e cuidava da autora D… na sua creche.
Ora no domínio das relações negociais vigora entre nós o regime da relatividade (artigo 406.º, nº 2, do Código Civil), por oposição aos direitos absolutos ou subjectivos que já são dotados de eficácia erga omnes. A natureza relativa das obrigações prende-se com o seu aspecto estrutural e significa que os contratos apenas produzem efeitos entre as partes, que apenas o credor tem o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação e que o devedor só está vinculado a esse cumprimento perante o credor – “res inter alios acta nec nocet nec prodest” –. A consequência lógica da relatividade da obrigação é a de que o devedor só responde pelas consequências do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso da prestação causadas ao credor e só este lhe pode exigir a reparação das consequências danosas.
Por força disso temos de perguntar quem são afinal as partes no contrato de prestação de serviços em causa, se é apenas a criança, embora o contrato tenha sido celebrado pela sua mãe em sua representação, ou é afinal de contas a família da criança. A nosso ver a resposta vai para a última das alternativas.
Embora seja a criança a beneficiária directa da prestação de serviços porque é ela que vai frequentar a creche e usufruir dos respectivos serviços e cuidados, este contrato tem por objecto a substituição do exercício das responsabilidades parentais no período em que os pais são obrigados a desenvolver a sua actividade profissional e não podem ocupar-se directa e pessoalmente da educação, alimentação, desenvolvimento e cuidados de que a criança necessita e que é obrigação sua proporcionar-lhe.
As creches são assim uma resposta social de apoio às famílias com crianças e o contrato celebrado para o aproveitamento dessa valência social visa o estabelecimento de um modo de colaboração com a família através da partilha com esta dos cuidados e responsabilidades do processo evolutivo da criança. Conforme já antes se escreveu o artigo 3.º da Portaria n.º 262/2011, de 31 de Agosto, assinala que «a creche é um equipamento de natureza socioeducativa, vocacionado para o apoio à família e à criança, destinado a acolher crianças até aos 3 anos de idade, durante o período correspondente ao impedimento dos pais ou de quem exerça as responsabilidades parentais.
Concluímos, pois, que os pais da autora D… são igualmente partes no contrato ainda que este formalmente tenha sido subscrito apenas pela progenitora com a qualidade de encarregada de educação, no caso a mãe. Logo, os pais podem exigir igualmente uma indemnização pelos danos que o incumprimento do contrato pela ré E… lhes causou, ainda que esses danos tenham na origem falhas nos cuidados que eram devidos directamente à autora sua filha.
Atendendo a todas as circunstâncias do caso que, repete-se, não relevam uma gravidade significativa, não tiveram uma repercussão temporal significativa, nem se revestiram de incerteza que pudesse prologar a angústia, e sendo certo que do outro lado temos uma instituição com a natureza IPSS que oferece uma resposta social relevante carecida de financiamento público, afigura-se-nos que o valor de 3.000€ de indemnização a favor do conjunto dos pais é excessivo e que se justifica no máximo o valor de 2.000€, (1.000,00€ para cada) fixado por referência ao momento actual.
C.4] a responsabilidade da seguradora:
Na sentença recorrida entendeu-se que a responsabilidade da seguradora não excede o valor de 100.00€.
Fundamentou-se essa decisão do seguinte modo: «(…) a 2ª ré é contratualmente responsável pelos danos verificados e supra melhor elencados, mas somente até ao limite do capital seguro. (…) tomando em apreço que o capital seguro por incapacidade permanente convencionado pelas rés assume o valor de €5.000,00 e a desvalorização apontada pelo dano funcional permanente é de 2 pontos, somos de considerar que, perante a verificação desse dano, constatado por perito, a 2ª ré é responsável, em virtude do contrato de seguro, pelo pagamento da parte do capital da cobertura, correspondente ao grau de desvalorização resultante do acidente, na devida proporção, ou seja, €100,00, em tudo o mesmo sendo assumido pela 1ª ré».
Discorda-se em absoluto desta construção.
Como já se assinalou embora isso lhe tivesse sido determinado, a seguradora não juntou aos autos as condições gerais, especiais e particulares do contrato, pelo que se desconhece de todo a existência de qualquer cláusula do contrato que permita aplicar ao valor da garantia qualquer regra de proporção em função da percentagem da incapacidade.
Se o contrato estabelece o limite da indemnização por morte em €500,00 isso significa que ocorrendo o risco de morte a seguradora deverá pagar ao beneficiário a indemnização de 5.000€. Da mesma forma, se estabelece o limite da indemnização por incapacidade permanente em €5.000,00, isso significa que ocorrendo esse risco a seguradora terá de pagar o valor da indemnização devida por essa incapacidade até esse limite.
Desse modo, se os danos decorrentes da incapacidade superarem 5.000€ ela só terá de pagar os 5.000€, já se os danos ficarem aquém dos 5.000€ (por exemplo forem de apenas 3.000€) ela terá de pagar o valor dos danos efectivamente sofridos (no exemplo dado, os 3.000€). Para o efeito é absolutamente irrelevante se esses danos atingem esse montante porque o défice de incapacidade permanente é de apenas 1% ou atinge os 100%; o que releva é o valor da indemnização devida e o limite assegurado pela seguradora.
Por conseguinte, há que alterar a decisão recorrida também neste aspecto, consignando que a responsabilidade da seguradora pela indemnização devida à autora D… a título de incapacidade permanente (leia-se, dano biológico) se estende aos 5.000€.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, alteram a decisão recorrida e condenam agora as rés nos seguintes termos:
1 - A ré E… a pagar aos autores pais as indemnizações de €408,00, €299,52 e €721,84, acrescidas de juros de mora contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
2 - Ambas as rés, solidariamente, embora a ré seguradora até ao limite de 5.000€, a pagarem a cada um dos autores pais a indemnização de €1.000,00 por danos não patrimoniais e à autora D… as indemnizações de €1.500,00 pelo quantum doloris, de €3.000,00 pelo dano estético, de €7.500,00 pelo dano biológico, tudo acrescido de juros de mora contados desde a data do presente Acórdão até integral pagamento.»

Custas da acção e do recurso por todas as partes na proporção do respectivo decaimento.
*
Porto, 14 de Julho de 2021.
*
Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 631)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com a ortografia antiga e o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
_______________
[1] Na indicação das disposições legais violadas a recorrente menciona igualmente a nulidade da alínea d) do preceito em causa (omissão de pronúncia) mas trata-se de uma citação desgarrada que não encontra respaldo no teor do corpo das alegações de recurso e, por isso, não tem de ser apreciada aqui.