Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
172/11.9TAMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CASTELA RIO
Descritores: AMEAÇA
AMEAÇA GESTUAL
COACÇÃO
VIOLÊNCIA FUTURA
Nº do Documento: RP20150513172/11.9TAMAI.P1
Data do Acordão: 05/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A «ameaça típica» consiste no anúncio – oral / escrito / gestual - de um mal futuro – por a «violência imediata» já constituir acto de execução de um crime – à pessoa do ameaçado – o destinatário do anúncio ou terceiro com vínculo legal ou pelo menos relação afectiva àquele – de ocorrência que dependa ou apareça dependente – para se afastar o simples aviso / advertência - da vontade do agente - ainda que a ser executada por outrem - em ofender a vida / integridade física / liberdade pessoal / liberdade e autodeterminação sexual / bens patrimoniais de considerável valor - tais os únicos bens jurídicos tutelados pela incriminação do art 153-1 do Código Penal.
II - A «ameaça típica» pode consistir no anúncio apenas gestual de um mal futuro à pessoa do ameaçado de ocorrência que dependa ou apareça dependente da vontade do agente em ofender pelo menos a integridade física do ameaçado porque o art 155-1 do CP de 01.01.1983 – art 154-1 no CP desde 01.10.1995 - rompeu com a tradição do «crime de execução vinculada» - apenas «Aquele que, por escrito assinado, ou anónimo ou verbalmente, ameaçar outrem » - in corpo do art 379 do CP de 1886 – este na revisão do DL 39 688 de 05.6.1954 e aquele na redacção do DL 41 074 de 17.4.1957.
III – Assim, a conduta I do agente – a prolação oral aos membros de um casal da proposição «se queriam guerra iam tê-la» - não constitui sequer o elemento objectivo - precludindo a verificação dos elementos subjectivos - do crime doloso de ameaça - sequer simples, precludindo hipótese de discussão se qualificada ou não - porque a impressividade da irrestrita beligerância ou belicidade da proposição prolatada queda-se - por si só - pela inconsequência por não ser possível a um «homem médio» qual «declaratário normal» com as características psicossomáticas do destinatário in concretu apreender qual o «objecto da guerra» que pode quedar-se por uma «guerra de palavras» ou «guerra psicológica» ou «guerra fria» ou «guerra de nervos» que - por si só - se afiguram «guerras atípicas», dizer, não jurígenas de responsabilidade criminal, via disso, civil, à luz do sobredito objecto restrito da incriminação de «ameaça».
IV - Consistindo a «coacção típica» apenas numa conduta do coactor de determinação à prática de uma conduta activa ou omissiva pelo coagido, a conduta II do agente - exibir e até apontar a pistola Astra 6,35 mm aos corpos de um casal – não constitui a autoria material do crime doloso – de natureza pública - de coacção agravada p.p. pelos arts 154-1 e 155-1-a - ex vi a conceptualização do AUJ 7/2013 - pelo facto de não vir provado a quo que o agente tivesse conhecido (elemento cognitivo) e querido (elemento volitivo, do dolo) – com o exibir e até apontar de tal arma de fogo - uma conduta – seja acção ou omissão – por constrangimento do casal – por mínima ou menor que fosse a «conduta pretendida» - como fecharem-se no wc que nem foi acusada como tendo sido querida pelo agente.
V - Fora a «hipótese limite» de uma «declaração não séria» vg do tipo «declaração cénica» ou «declaração crítica» ou «declaração didáctica» ou «declaração jocosa» ou «declaração teatral» ou similar além da hipótese de «brincadeira de péssimo gosto», a conduta II do agente - exibição e até apontar uma pistola real 6,35 mm – ainda que a uma certa distância – aos corpos da Queixosa e seu marido Testemunha - tanto assim que até se aperceberam de tal conduta – é abstractamente idónea - segundo o estalão de um «homem médio» posicionado como «declaratário normal» alvo da linha da boca de arma de fogo como aquela – a provocar dolosamente – medo ou inquietação de verificação de uma lesão efectiva pelo menos da integridade física – quando não in extremis da vida por sua ofensa se lograr através daquela – pela significante explicitação - através daquela conduta gestual - da possibilidade do agente - a qualquer momento – poder efectivar atentado pelo contra aquele bem jus tutelado - quando lhe aprouver - por dispor de instrumento – mercê dos consabidos efeitos destrutivos dos tecidos do corpo humano por penetração de um projéctil 6,35 mm - com tal potencialidade lesiva.
VI – Porém, tal conduta II não é qualificada ut art 155-1-a ex vi AUJ 7/2013 porque a actuação gestual do agente não é demonstrativa de ter querido significar a execução de uma «ameaça de morte» inequívoca por não vir provado expressamente que o agente tivesse apontado a pistola Astra 6,35 mm a ponto/s dos corpos dos Ofendidos onde se alojavam órgãos vitais, como tinha de ser uma vez que uma condenação crime e cível não é suportável num «facto hipotético» mas em «facto histórico» in casu apenas apontar aos corpos dos Ofendidos que não é significante de «ameaça de morte» porque - apesar da lesão da vida se lograr através da lesão da integridade física - aquela perpassa por um «método de matar» recortável entre «métodos de ferir», ora não vem provado que o gesto do agente tivesse ameaçado um «método de matar» por lesão de «órgãos vitais» fossem eles quais fossem vg cabeça, coração, pâncreas, fígado, artéria ou veia de grande calibre
VII – O agente é criminal e civilmente responsável por efectiva «violência actual» como «ameaça simples», não sendo caso de uma «desistência de tentativa» juridicamente relevante por – relativamente a uma «violência futura» - inexistir «acto de execução» mas apenas um «acto preparatório» visto que o agente nem chegou a premir o gatilho da pistola 6,35 mm que - apesar de real e com carregador - nem sequer tinha munições.
VII – Como a conduta I não constitui sequer «ameaça típica» - como decidido a quo - e como a conduta II consubstancia «ameaça típica» apenas «simples» - e não «agravada» como decidido a quo -, a Relação pode e deve ut art 403-3 do CPP reduzir o número de dias de multa crime, bem assim o montante indemnizatório cível, como consequências legalmente impostas da procedência parcial do Recurso por aquelas razões de Direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Recurso Penal 172/11.9TAMAI.P1 vindo do extinto 1º Juízo Criminal da Maia depois Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Local da Maia da Comarca do Porto

Submetido B…[1] a JULGAMENTO por Tribunal SINGULAR no Processo COMUM 172/11.9TAMAI do ex 1JCMAI, a AUDIÊNCIA culminou na SENTENÇA [2] que o condenou em 200 dias de multa a 6 € diários pela autoria material pelas 11:00 de 26.01.2011 de um crime doloso de ameaça agravado p.p. pelos arts 153-1 e 155-1-a do Código Penal [3], nas custas criminais sendo 3 UC de taxa de justiça cfr arts 513 do CPP e 8-5 e tabela III do RCP, no perdimento a favor do Estado ut art 109-1-II da arma apreendida ao Arguido e - na procedência parcial do Pedido Civil de 1 000 € - no pagamento a C… apenas de 400 € sem custas cíveis ex vi a isenção tributária objectiva do art 4-1-n do RCP.

Inconformado com o decidido, em tempo o ARGUIDO interpôs RECURSO pela Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls 426-430 II [4] rematada com as sgs 10 CONCLUSÕES [5]:
1. A expressão que foi dada como provada “se queriam guerra vão tê-la” não enuncia qualquer mal ou prático de um crime futuro, mas sim de guerra imediata, iminente, e mesmo esta dependendo da verificação de uma condição não explicitada, como se extrai da condição “se”.

2. Não resulta pois preenchido o elemento objectivo do tipo do ilícito - ameaça agravada prevista nos arts.° 153º - n° 1 e 155°-n° 1 al. a) do C. Penal.

3. Verifica-se pois o vício previsto na al. a) do n° 2 do art.° 410° do C. P. Penal, uma vez que a factualidade dada como provada não preenche, por óbvia insuficiência, o tipo de ilícito porque foi condenado, como é o caso, ser logicamente extraída a ilação do Tribunal recorrido.

4. A insuficiência da matéria de facto determinou a incorreta formação do juízo, porque a conclusão ultrapassou as respectivas premissas. (Ac. 3/07/2002, Proc. n° 1748/2002 - 3ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, Edição 2002, pg. 242; Ac. do STJ de 13/05/ 1998- Proc. n° 98P212, em ).

5. A expressão “se queriam guerra vão tê-la”, não contém qualquer ameaça de crime muito menos de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos. E isto é evidente e não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, ao homem médio que facilmente compreende que esta expressão não aluda qualquer crime.
6. Não se conhecem as condições de cuja verificação dependia fazer ou não a “guerra”, pelo que o arguido limitou-se a admitir a mera possibilidade de poder vir a haver “guerra”, seja lá o que isso significa (palavras, psicológica, fria ou de nervos).

7. Padece pois a sentença de erro notório na apreciação da prova prevista na al. c) do n° 2 do art.° 410º do C.P.Penal, o que aqui se invoca.

8. A decisão recorrida que condenou o arguido pela prática de um crime de ameaça agravada, deveria ter proferido decisão de absolvição, porque conforme o provado, a expressão “se queriam guerra vão tê-la”, de Per se não conforma nenhum elemento do tipo de ilícito porque o arguido foi condenado, violando pois o disposto na al. b) do n° 3 do art.° 412° do CPP.

9. Inexiste pois crime de ameaça, e menos ainda de ameaça agravada, pelo que ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos arts.° 153º - n° 1, e 155° n° 1 al. a), ambos do C. Penal.

10. Por outro lado não poderá ignorar-se que o arguido beneficia da presunção de inocência prevista no art.° 32- n° 2 da CRP.

● Termos em que, por tudo o supra dito, Requer … a revogação da decisão proferida, com a consequente absolvição do arguido do crime de ameaça agravada, p.p. pelos arts.° 153°-n° 1 e 155°-n° 1 al. a), ambos do C. Penal, bem como do pedido cível que lhe corresponde» [6].

ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo para este TRP ut arts 399, 401-1-b, 406-1, 407-2-a, 408-1-a e 427 do CPP por Despacho a fls 432 II notificado aos Sujeitos Processuais inclusive a MINISTÉRIO PÚBLICO e à AUTORA CIVIL nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP, apenas a Sra Procuradora Adjunta apresentou RESPOSTA a fls 435-442 = 443-450 II concluindo que:

1. B…, arguido nestes autos, não se conformando com a sentença que o condenou, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153º, n.º 1 do Código Penal, com referência ao art. 155º, n.º 1, al. a) do mesmo Código Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, num total de € 1.200,00 e ainda parcialmente no pedido de indemnização civil, veio da mesma interpor recurso, pugnando pela sua absolvição em matéria penal e que se julgue improcedente o pedido cível contra si deduzido.

2. Alega, em síntese, que não se encontra preenchido o elemento objectivo do tipo de ilícito em causa, padecendo a sentença dos vícios previstos na al. a) e também na al. c) do n.º 2 do art. 410º, do Código de Processo Penal, violando assim, o disposto na al. b), do n.º 3 do art. 412º do Código de Proc… Penal, o disposto nos arts. 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a) ambos do Código Penal e o principio de inocência do arguido prevista no art. 32º, n.º 2 da C.R.P..

3. Em nossa opinião, não assiste qualquer razão ao recorrente, entendendo tal recurso apenas por ser um direito de qualquer condenado.
4. Pouco há a acrescentar para além do que consta da motivação da decisão sobre a matéria de facto e de direito da sentença proferida, quanto à parte criminal, única que me vou pronunciar (não me pronunciarei quanto à parte cível), uma vez que o Sr. Juiz a quo fundamentou a sua convicção de uma forma clara, concreta e precisa, baseada em factos, documentos (mormente o auto de apreensão) e depoimentos cuja veracidade só muito dificilmente poderá ser posta em causa, à luz das regras da experiência, já que há que ter em conta quer o principio da livre apreciação da prova de que o julgador dispõe, quer o principio da imediação que só a audiência de julgamento proporciona.

5. Pela leitura atenta da sentença proferida e que aqui foi posta em crise, pode aferir-se da concreta participação do arguido nos factos pelos quais foi condenado, que permitiram a sua condenação pela prática do crime de ameaça agravada pelo qual vinha acusado, o que determinou a pena concreta que, in casu, lhe foi aplicada.

6. A concreta participação do arguido na prática do crime em que foi condenado, está bem concretizada e fundamentada na referida sentença, quer a nível da fundamentação de facto (veja-se a este propósito a esclarecedora motivação da decisão de facto constante de fls. 408 a 411, cujo teor se dá aqui por reproduzido por uma questão de economia processual), quer a nível da fundamentação de direito (cfr. fls. 411 a 413), atentos os factos dados como provados, estando também devidamente fundamentado o elenco das várias circunstâncias que relevaram, in casu, para efeitos da escolha e da medida concreta da pena que foi aplicada ao recorrente (cfr. fls. 414 e 415).

7. A expressão em causa proferida pelo arguido: “se queriam guerra vão tê-la”, revela uma ameaça séria, a concretizar-se no futuro, dependente da vontade do arguido, que depois de ter proferido tal ameaça se ausentou do local, ficando a ofendida sem saber quando é que esse mal se concretizaria, daí se considerar que tal ameaça não se traduziu num mal iminente nem imediato, mas sim futuro.

8. Só num segundo momento é que o arguido volta ao local, e aí sim, munido de uma arma de fogo, calibre 6.35, de marca Astra, que empunhou e apontou aos corpos de C… e a D…, fazendo com que estes e os demais presentes no café se refugiassem, apavorados.

[o arguido só se ausentou do local, fugindo, quando alguém gritou que tinha chamado a polícia]

9. O arguido negou a prática dos factos, mas o Tribunal a quo não baseou a sua decisão apenas nos depoimentos da ofendida e das testemunhas de acusação, que considerou que depuseram de forma credível e genuína, pois também foi dada credibilidade ao depoimento das testemunhas de defesa E… e F… (cfr. fls. 410).

10. Os factos dados como provados e como não provados resultaram da análise que conjugadamente o Sr. Juiz a quo fez da prova produzida em audiência de julgamento com a prova documental dos autos.

11. O enquadramento jurídico que o Sr. Juiz a quo fez perante a situação dos autos afigura-se-me correta, pelo que remetemos para a douta decisão proferida e nesse sentido decidiu bem o Sr. Juiz a quo ao enquadrar a conduta do arguido recorrente na prática do crime supra identificado.

12. Estão reunidos todos os elementos subjectivos e objectivos constitutivos do crime em causa

13. Quanto à medida da pena aplicada ao arguido, considera-se que a mesma é justa e adequada, e nem o arguido recorrente deve ser absolvido, nem deve ver reduzida a pena em que concretamente foi condenado.

14. A medida concreta em que o arguido foi condenado teve em conta o disposto nos arts. 70º e 71º, ambos do Código Penal.

15. Militou a favor do arguido o facto de estar inserido, mas o Sr. Juiz a quo ponderou as outras circunstâncias agravantes previstas no art. 71º do Código Penal considerando, que o arguido agiu com dolo directo e intenso, sendo que no caso considerou que a ilicitude assumiu algum relevo, por se tratar de factos ocorridos num local público e denotar a sua actuação pouco autocontrolo e capacidade de discernimento, dado que o desentendimento em causa era de pouca relevância.

16. Na medida concreta da pena foram também tidos em conta os antecedentes criminais do arguido embora por crime de natureza fiscal, e ainda a ausência de sinais relevantes e visíveis de arrependimento e auto-responsabilização.

17. Entende-se que nenhuma crítica pode ser efectuada à sentença aqui posta em crise quanto à medida concreta da pena em que o arguido foi condenado, uma vez que pelas razões expostas foi tido em conta o disposto nos arts. 70º e 71º, ambos do Código Penal e tal pena não ultrapassou a medida da culpa (art. 40º, n.º 2 do Código Penal).

18. O decidido é pois justo e equitativo.

19. A sentença recorrida não violou qualquer preceito legal ou constitucional, antes tendo efectuado uma correta aplicação do direito aos factos.

● Nestes termos e face todo o exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida …» [7].

Em Vista ex vi art 416-1 do CPP o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu a fls 459-463 II o PARECER no sentido da condenação do Recorrente pela autoria material de um crime doloso coacção simples p.p. pelo art 154-1 – após prévio cumprimento do art 358-3 do CPP - porque:

5. Como se constata apenas da leitura da referida decisão, a mesma não suporta os todos os elementos típicos do crime de ameaça. Com efeito dispõe, o art. 153º, n.º 1 do C.Penal que “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal., a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido...”. Por sua vez, o art. 155° do mesmo Código, sobre o crime de ameaça (e coacção) agravada diz que “1 - Quando os factos previstos nos artigos 153.° e 154.° forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; c) Contra uma das pessoas referidas na alínea L) do n.° 2 do artigo 132.°, no exercício das suas funções ou por causa destas; d) Por funcionário com grave abuso de autoridade; o agente é punido com pena...”.

6. São elementos essenciais do crime de ameaça previsto no art. 153° do C. Penal: o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime; que esse anúncio seja adequado a provocar no visado receio, medo, inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; que o crime anunciado seja contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou contra bens patrimoniais de considerável valor; que o agente actue com dolo; que a ameaça seja de mal futuro, não comportando, por isso, o mal eminente e, muito menos, o mal que acaba por se concretizar no momento mais ou menos a seguir ao seu anúncio.

7. No caso dos autos sobre o conteúdo da alegada ameaça provou-se que o arguido dirigindo-se ao casal identificado nos autos disse-lhes “se querem guerra, vão tê-la” [é este o discurso directo que se retira do texto dos factos provados que, assim, melhor evidencia a realidade].

8. Ora, de tais palavras e do seu contexto, não pode retirar-se que o arguido ameaçou quem quer que seja da prática de qualquer dos crimes acima mencionados. Qual o crime anunciado? O tribunal, em sede de dolo, refere que a ameaça é de um crime contra a vida [“o arguido agiu com intenção de intimidar C…, fazendo crer que podia atentar contra a sua vida”]. Salvo o devido respeito, a referida expressão, notoriamente, não consente qualquer interpretação de que o arguido ameaçou com a prática de qualquer crime contra a vida ou qualquer dos outros a que se refere o n.° 1 do art. 153° do C. Penal.

9. Nem o facto de em seguida àquele anúncio ir buscar uma arma, apontando-a às mesmas pessoas a que dirigiu a mencionada expressão, não significa que com a mesma queria ameaçá-los com a prática de um crime contra a vida [ou qualquer dos outros aludidos no art. 153° do C. Penal].

10. Assim sendo, como nos parece claro, então, desde logo, não se verifica o elemento objectivo de que o mal anunciado constitua crime ou sequer que ele seja um dos mencionados no art. 153° do C. Penal.

11. Em resumo, a decisão sobre a matéria de facto não consente o enquadramento no crime de ameaça agravado pelo qual o arguido foi condenado, nem no crime de ameaça simples previsto no art. 1 53° do C. Penal.

12. Por outro lado, existe entre os factos provados nos pontos 2 e 6 manifesta contradição [«Irado e dizendo que “se queriam guerra vão tê-la”, o arguido saiu do estabelecimento e foi a casa, situada do outro lado da rua» está em oposição com «O arguido agiu com intenção de intimidar C…, fazendo crer que podia atentar contra a sua vida»] o que constitui o vício previsto na al. b) do n.° 2 do art. 410° do CPP.

13. Ademais, a conclusão, em sede de dolo, de que o arguido quis “fazer crer que podia atentar contra a sua vida” constitui erro notório da apreciação da prova, enquanto vício previsto na al. b) do n.° 2 do art. 410° do cPP. Manifestamente aquela expressão do arguido [“se queriam guerra vão tê-la”] não significa que a guerra anunciada/prometida pelo arguido seja a de que pretende atentar contra a vida da ofendida, mas tão só que vai iniciar uma contenda que, como se sabe, pode ser perseguida pelas mais variadas formas, sendo que o arguido não concretizou qualquer uma.

14. Posto isto, na verificação de tais vícios, se não for possível decidir, desde já, a sua reparação [cfr. art. 426°, n.° 1 do CPP], deverá ser ordenado o reenvio para novo julgamento relativamente a tais pontos da matéria de facto. Afigura-se-nos, no entanto, que este Tribunal pode e deve desde já alterar a decisão de facto por dispor de todos os elementos para o efeito, bastando retirar ao ponto 6 a expressão “fazendo crer que podia atentar contra a sua vida”.

15. Nessa sequência, a decisão de facto é enquadrável no crime de coacção pp. pelo art. 154°, n.° 1 do C. Penal, porquanto estão presentes todos os seus elementos típicos, incluindo, os subjectivos, pelo que apenas terá que ser comunicada ao arguido a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, ao abrigo do disposto no art 358°, n.º 3 do CPP, o que também pode ser efectuado neste Tribunal [cfr. art. 424°, n.° 3 do CPP].

16. Em suma, os factos provados não são subsumíveis ao crime porque foi condenado o arguido, sendo antes ao crime de coacção pp. pelo art. 154°, n.º 1 do C. Penal, pelo qual deve ser condenado, decidida que seja a alteração da decisão de facto no sentido acima propugnado e dada ao arguido a oportunidade de se pronunciar sobre a alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia supra aludida» [8].

NOTIFICADOS os demais Sujeitos Processuais para, querendo, responderem em 10 dias seguidos ex vi art 417-2 do CPP, apenas o ARGUIDO respondeu a fls 467-469 II inclusive substancialmente nos termos e para os efeitos do art 358-3 aplicável ut art 424-.3 do CPP que:

1. O referido parecer acentua, e bem, a nosso ver a não verificação de uma qualquer ameaça com a prática de um crime dos previstos no art.° 153° do C. Penal (vd. ponto 8, 9 e 10 do parecer).

2. E, em consonância com o recurso representado pelo recorrente, entende e reconhece a existência de contradição e de erro notório na apreciação da prova previstos nas alíneas b) e c) do art.° 410° - n° 2 do C. Penal (vd. pontos 12 e 13 do parecer).

3. O que desde logo, e com o devido respeito, que é muito, deverá conduzir à absolvição do recorrente.
4. Porém, o M° Público retira (pretende) uma ilação que é a de alterar a matéria de facto dada como provada, na parte final do ponto 6 da mesma e que se retire a expressão “fazendo crer que podia atentar contra a sua vida”.

5. O recurso interposto pelo recorrente restringiu-se a matéria de direito e o que o M° Público pretende no parecer (vd. Ponto 14) é a alteração da matéria de facto provada.

6. E assim pretende enquadrar a decisão de facto no crime de coação pp. Pelo art.° 154º -n° 1 do C. Penal.

7. Ora, o crime de coação implicava que a ofendida tivesse sido efectivamente constrangida a praticar uma ação, a omitir uma ação, de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade.

8. Com o devido respeito, e salvo melhor interpretação, não se verificaram os elementos objetivos para o preenchimento do crime de coação.

9. A sentença quanto aos factos não provados pronunciou-se do seguinte modo: “Não se provou que C… teve pesadelos e dormiu noites pouco relaxadas, após os factos, e que tem medo de sofrer represálias, face aos olhares ameaçadores, quando frequenta o estabelecimento comercial, bem como pelas expressões intimidatórias que surgem com alguma frequência”.

10. Isto prova que a ofendida não tem qualquer receio, nem se sente intimidada ou coagido.

11. Isto prova “a contrario” que a ofendida não foi coagida, não alterou os seus comportamentos e hábitos normais, conforme se extraí da matéria de facto não provada.

12. Não foi pois condicionada a liberdade de decisão e de ação da ofendida, fazendo com que esta alterasse os seus comportamentos e hábitos, nem se verificaram sequer distúrbios emocionais, nem da sua tranquilidade, não teve pesadelos, nem passou a dormir mal- (vd. factos não provados).

13. Tanto mais e assim é, que conforme decorre dos autos a ofendida sabe e tem consciência que, a referida pastelaria, se localiza em frente da casa do recorrente e que este a frequenta diariamente.

14. Qual então o constrangimento por ação ou omissão (de quê) ou a suportar uma actividade?

15. É que mesmo suprimindo a referida frase como pretende o M° Público, não se vislumbra onde está o mal ameaçado? “se queriam guerra vão tê-la”.

16. A condenação do crime de coação exige que a pessoa objecto da ação de coação, tenha efectivamente sido constrangida o praticar umo ação, a omitir uma ação ou a suportar uma ação.
17. Onde está a violência? Onde está a ameaça de um mal importante na frase- “se queriam guerra vão tê-la?

18. Guerra psicológica? De palavras?, a frase está no discurso direto, no presente, imediato ou iminente e não futuro.

19. A ofendida manteve os seus hábitos e comportamentos e continua a fazer o sua vida normal, em nada a alterando, nem se mostra constrangida ou receosa, decidiu e agiu com total liberdade, continuando a frequentar a mesma pastelaria onde ocorreram os factos, frequentada pelo recorrente, a qual se situa em frente à caso do recorrente.

20. E realce-se uma vez mais que a referida expressão “se queriam guerra vão tê-la”, não anuncia nenhum crime, nem esta expressão contempla qualquer ameaça com a prática de qualquer crime contra a vida ou qualquer dos outros previstos no n° 1 do art.° 1 53° do C. Penal.

21. Bem como a livre determinação da vontade e expressão da ofendida não foram afectadas e, por isso, o arguido não praticou o crime de coação previsto no art.° 154° - n° 1 do C. Penal, não havendo pois lugar à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia.

● Termos em que e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, entende que:

a) Não haver lugar ao reenvio do processo para novo julgamento;
b) Não há lugar à alteração da matéria de facto retirando o expressão fazendo crer que podia atentar contra a sua vida”;
c) Inexistem elementos objectivos do tipo de crime de coação;
d) Não deve pois, salvo o devido respeito haver alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia;
e) Deve ser concedido total provimento ao recurso do recorrente/arguido, absolvendo-o do crime de ameaço agravado e do pedido cível consequente» [9].

Na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.

Como FACTOS PROVADOS o Tribunal a quo enumerou que:

1. No dia 26/1/2011, pelas 11 horas, no interior da confeitaria “G…”, …, Maia, por razões não concretamente apuradas, o arguido desentendeu-se com C… e D…, seu marido.

2. Irado e dizendo que “se queriam guerra vão tê-la”, o arguido saiu do estabelecimento e foi a casa, situada do outro lado da rua.

3. Voltou instantes depois munido de uma arma de fogo de marca Astra, calibre 6,35 mm, com um cano e dirigiu-se a C… e D…, apontando-a ao corpo dos mesmos.
4. Estes, perante a exibição da arma e a forma como o arguido a apontava ficaram apavorados e tinham fugido para a casa de banho, onde se fecharam.
5. Entretanto alguém no estabelecimento gritou que já tinham chamado a polícia e o arguido fugiu.

6. O arguido agiu com intenção de intimidar C…, fazendo crer que podia atentar contra a sua vida.
7. Sabia que a sua atuação era de molde a alcançar tal desígnio, que logrou atingir.
8. Sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.

9. C… sofreu grande descarga emocional com a situação descrita.
10. Temeu pela sua integridade física, pela sua saúde e bem estar.
11. Sentiu pânico e humilhação.

12. O arguido, viúvo, vive sozinho.
13. Encontra-se reformado; a sua pensão ascende ao valor de € 500/mensais.
14. A título de renda despende cerca de € 38/mês.
15. Completou a 3ª classe.
16. Tem três filhos maiores, já autónomos.

17. Foi anteriormente condenado: - em 17/7/2008, no processo comum singular nº 234/03.6 IDPRT, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, pela prática, no ano 2000, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5; por despacho proferido em 26/4/2010 foi declarada a pena extinta pelo cumprimento de 200 horas de trabalho a favor da comunidade» [10].

Quanto a MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA o Tribunal a quo exarou que:

«Não se provou que C… teve pesadelos e dormiu noites pouco relaxadas, após os factos, e que tem medo de sofrer represálias, face aos olhares ameaçadores, quando frequenta o estabelecimento comercial, bem como pelas expressões intimidatórias, que surgem com alguma frequência»[11].

Como MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO o Tribunal a quo exarou que:

«O Tribunal atendeu às declarações de C…, que descreveu, de forma credível e genuína, a atuação do arguido bem como as circunstâncias em que os factos se desenrolaram. Vacilou apenas na descrição da arma utilizada pelo arguido, afirmando apenas tratar-se de uma arma, sem fornecer quaisquer pormenores adicionais.

Deu ainda a conhecer alguns comportamentos do arguido, ocorridos antes dos factos, que a importunava dizendo-lhe “não fazes nada”.
Por fim, disse que quase todos os clientes do estabelecimento se tentaram refugiar nos quartos de banho porque o arguido apareceu com uma pistola e apontou-a na sua direção, o que originou uma grande confusão, com mesas e cadeiras a serem arrastadas e as pessoas a precipitarem-se para os quartos de banho.

O arguido negou a totalidade dos factos que lhe são imputados.

No entanto as testemunhas D…, H… e I…, que se encontravam no local, mais propriamente no interior do estabelecimento comercial e depuseram de modo igualmente seguro, confirmando a versão apresentada por C… e que, no essencial, corresponde à versão dos acontecimentos levada à acusação.

É certo que o primeiro é marido de C…, mas o seu depoimento mostrou-se consistente e respondeu calmamente a todas as perguntas que foram colocadas, em suma, isento de qualquer reparo.

E a testemunha J…, agente da Polícia de Segurança Pública de …, chamado ao local, viria a encontrar uma pistola na residência do arguido, na sequência de busca aí realizada minutos depois dos acontecimentos.

A testemunha K…, arrolada pela defesa, não se mostrou credível.

Identificou-se como amiga do arguido e começou por dizer que soube da zaragata, para depois logo a seguir corrigir para um relato dos acontecimentos usando discurso direto. Se isto não passou despercebido ao Tribunal, também não passou despercebida a versão totalmente coincidente com a do arguido.

A nosso ver esta testemunha pretendeu apenas fazer “um favor” ao arguido.

As outras testemunhas arroladas pela defesa, E… e F…, foram mais credíveis: a primeira disse apenas que apesar de se encontrar no interior do estabelecimento e ter presenciado toda uma confusão, já não viu se o arguido regressou da sua habitação munido com uma pistola; por sua vez, a segunda testemunha também não confirmou se o arguido tinha ou não uma pistola.

Uma coisa é certa: O arguido é de pequena estatura. E estava em inferioridade numérica. É óbvio que foi à sua residência buscar uma pistola, a tal que viria a ser encontrada alguns minutos mais tarde na sua posse, e regressou com ela ao estabelecimento comercial. A não ser assim porque razão C… e D… e grande parte dos clientes se precipitaram para o fundo do estabelecimento, junto dos quartos de banho, arrastando mesas e cadeiras?

O estado de espirito de C…, na sequência dos factos praticados pelo arguido, foram dados a conhecer pela própria e atestados pelo seu marido.

O auto de apreensão de folhas 11 foi considerado.

A prova relativa aos elementos subjetivos do tipo, constantes dos pontos 6) a 8), baseou-se na forma como os factos objetivamente ocorreram, o que permitiu inferir a verificação dos primeiros.
Quanto às condições pessoais, sociais e familiares do arguido:
Atendeu-se às suas próprias declarações e ao certificado de registo criminal junto aos autos.

Quanto aos factos não provados, não foi produzida qualquer prova suscetível de convencer o Tribunal da sua verificação»[12].
APRECIANDO

O Mmo Juiz a quo entendeu – tal como o MP acusador e o Mmo JIC pronunciante e o MP respondente - que os FPV constituíam a autoria material de um crime doloso de ameaça agravado por ter valorado sob «Ameaça Agravada» da «III – Fundamentação jurídica» que:

«Dispõe o artigo 153º, nº 1 do C…P…, no que por ora interessa, que quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
E se esses factos forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, tal como prevê a alínea a) do nº 1 do artigo 155º do mesmo Código.
Ameaçar é anunciar o propósito de fazer mal a alguém – assim, Taipa de Carvalho, “Os crimes de extorsão”, Direito e Justiça, VII, 1993, pp. 382.
O conceito de ameaça pressupõe um mal que constitua crime (crime contra a vida, a integridade física, ou a liberdade pessoal, entre outras hipóteses), seja futuro e, além disso, que a ocorrência desse “mal futuro” “dependa (ou apareça como dependente (…) da vontade do agente” – Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 343.
Além disso, a ameaça em causa deve ser adequada a provocar no sujeito passivo medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, sendo irrelevante que o agente tenha, ou não, a intenção de concretizar a ameaça – autor e ob.cit., pp. 351.
No essencial, resultou provado que o arguido fez aquele anúncio a C…, de lhe fazer mal no futuro e, para credibilizar o que lhe disse até foi à sua residência e voltou ao estabelecimento comercial munido com uma arma, que apontou de seguida.
Perante este contexto envolvente, C… ficou seriamente convencida de que aquela ameaça era séria e se iria concretizar no futuro, ficando receosa e afetada na sua liberdade de determinação, como sucedeu.
Assim sendo, interpretando o conjunto dos factos dados como provados, não há dúvidas que dizendo o arguido a C… e à pessoa que a acompanhava que “se queriam guerra iam tê-la”, não está em causa um simples aviso ou advertência, mas sim a ocorrência de um mal futuro, que aparece como dependente da vontade do próprio arguido.
Naquelas circunstâncias em que foi proferida a dita expressão, precisamente olhando ao contexto em que tudo se passou, qualquer pessoa que estivesse no lugar da ofendida C… sentir-se-ia receosa de no futuro vir a ser fisicamente agredida pelo arguido, temendo necessariamente pela sua integridade física, o que mostra igualmente que havia adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, tal como foi sentido por C….
Ninguém ficaria tranquilo e em paz se ouvisse aquela expressão, naquelas circunstâncias.
Era, assim, de esperar que aquela ameaça fosse tomada a sério pela ameaçada.
Cometido pois o crime que estava imputado ao arguido» [13].

Assim, «erro de julgamento de Direito» - tal a categoria jus processual penal recursória que é a aplicável correctamente in casu – apenas quanto aos seguintes «pontos de Direito Penal»: 1. A subsunção como crime da conduta I - a prolação oral pelo Arguido B… à Queixosa e Autora Civil C… e seu marido - a Testemunha D… que nem apresentou Queixa por crime semi-público ut art 153-2 – com os quais se desentendeu - no interior da G… - da proposição «se queriam guerra iam tê-la»; 2. A qualificação como agravada da ameaça consubstanciada pela conduta II do Arguido B… - exibir e até apontar a pistola Astra 6,35 mm aos corpos de Queixosa e Autora Civil C… e seu marido a Testemunha D….
A I questão – recorrida – a atipicidade da sobredita conduta I

Das condensações doutrinais de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE [14], AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO [15], VICTOR DE SÁ PEREIRA /ALEXANDRE LAFAYETTE [16] e M MIGUEZ GARCIA / J M CASTELA RIO [17] sintetizando-se que a «ameaça típica» consiste no anúncio – oral / escrito / gestual [18] - de um mal futuro – por a violência imediata já constituir acto de execução de um crime – à pessoa do ameaçado – o destinatário do anúncio ou terceiro com vínculo legal ou pelo menos relação afectiva àquele – de ocorrência que dependa ou apareça dependente – para se afastar o simples aviso /advertência - da vontade do agente - ainda que a ser executada por outrem - em ofender a vida /integridade física /liberdade pessoal /liberdade e autodeterminação sexual /bens patrimoniais de considerável valor - tais os únicos bens jurídicos tutelados pela incriminação,

Tendo presente que já se compreendeu jurisprudencialmente verbi gratiae que «III- são elementos do crime de ameaça: a ameaça de outra pessoa com aprática de um crime contra a vida, integridade física, a liberdade ou bens patrimoniais de valor considerável; a ameaça seja adequada a provocar no visado medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade, e o dolo. IV- É irrelevante que o agente tenha ou não intenção de concretizar a ameaça. V- Para integrar o conceito de ameaça é necessário que o mal futuro anunciado constitua crime de natureza pessoal ou patrimonial, dependente da vontade do agente podendo revestir qualquer forma, oral, escrita, gestual ou por interposto pessoa. VI – Para o preenchimento do tipo é necessário que a ameaça chegue ao conhecimento do visado / destinatário. VII- A ameaça é adequada a provocar medo ou inquietação de acordo com um critério objectivo, do homem médio, mas tendo em conta as características do ameaçado. VII – A ameaça é adequada sempre que de acordo com as regras da experiência comum seja susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado, tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente» [19],

A Sentença recorrida padece de «erro de julgamento de Direito» - tal a categoria jus processual penal recursória aplicável correctamente in casu – ao subsumir a conduta I - a prolação oral pelo Arguido B… à Queixosa e Autora Civil C… e seu marido - a Testemunha D… que nem apresentou Queixa por crime semi-público ut art 153-2 – com os quais se desentendeu - no interior da G… - da proposição «se queriam guerra iam tê-la» que não constitui - como quer o Recorrente que foi sufragado pelo MP ad quem – sequer o elemento objectivo - precludindo a verificação dos elementos subjectivos - do crime doloso de ameaça – sequer simples, precludindo hipótese de discussão se qualificada ou não - porque:

A impressividade da irrestrita beligerância ou belicidade da proposição prolatada queda-se, por si só, pela inconsequência por não ser possível a um «homem médio» qual «declaratário normal» com as características psicossomáticas do destinatário in concretu - tal o critério objectivo de avaliação para se precludir o risco de uma aplicação inconstitucional da incriminação que é possível acontecer no caso de adopção do critério subjectivo apenas de um sentir pessoal do declarante in concretu - apreender qual o «objecto da guerra» que pode quedar-se por uma «guerra de palavras» ou «guerra psicológica» ou «guerra fria» ou «guerra de nervos» que - por si só - se afiguram «guerras atípicas», dizer, não jurígenas de responsabilidade criminal, via disso, civil, à luz do sobredito objecto restrito da incriminação de «ameaça».
A II questão – oficiosa – a atipicidade da sobredita conduta II na perspectiva da coacção

A conduta II do Arguido B… - consistente em exibir e até apontar a pistola Astra 6,35 mm aos corpos de Queixosa e Autora Civil C… e seu marido a Testemunha D… – não constitui a autoria material do crime doloso – de natureza pública - de coacção agravada p.p. pelos arts 154-1 e 155-1-a ex vi a conceptualização efectuada pelo AUJ 7/2013 - que é o querido apenas pelo MP ad quem em vez da autoria material de dolosa ameaça agravada pela qual o Recorrente vem condenado - pelo facto de não vir provado a quo – tal como nunca fora sequer pronunciado como acusado – que B… tivesse conhecido e querido – com o exibir e até apontar de tal arma de fogo - uma conduta – seja acção ou omissão – por constrangimento de C… e ou D… – por mínima ou menor que tal conduta fosse – porque:

Sendo elemento objectivo constitutivo do crime doloso de coacção – seja simples ou qualificada – o constrangimento doutra pessoa a realizar uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade [20], não se lobriga descortinar no rol de FPV que B… tivesse voluntária ou deliberadamente determinado dalgum modo – oral e ou gestual – C… e ou D… a fazer o que quer que fosse, dito doutro modo, consistindo a «coacção típica» apenas numa conduta do coactor de determinação à prática de uma conduta activa ou omissiva pelo coagido, sequer a Pronúncia pela Acusação imputou ao Arguido ora Recorrente uma conduta pretendida que se desconhece ex vi o provado ut o pronunciado como acusado donde sequer emerge que o refúgio de C… e D… no wc tivesse sido – como importava a dolosa coacção - uma conduta representada (elemento cognitivo) e querida (elemento volitivo) pelo B… que - sob o ponto de vista objectivo - nunca mandou C… e D… fecharem-se no wc!

Lembra que o crime doloso de coacção «consuma-se quando a vítima começa a comportar-se como o agente quer (DREHER-TRÖNDLE, anotação 32ª ao § 240.°, e SbgK-SEILER, anotação 73ª ao § 105.°, e, na jurisprudência, acórdão do STJ, de 17.4.1990, in BMJ, 396, 222, que conclui que a duração da situação de constrangimento releva apenas para efeito da medida da pena, e acórdão do TRL, de 25.5.2006, in CJ, XXXI, 3, 136, que conclui que o recomeço posterior da actividade pelo coagido não obsta à anterior consumação da coacção)» de modo que «A consumação da coacção depende da capacidade do coagido para agir, omitir ou tolerar» por que «Não tendo o coagido essa capacidade, o agente comete uma tentativa impossível» e «Agindo o “coagido” de livre vontade [21] ou por sugestão de terceiro, ainda que no sentido pretendido pelo autor da coacção, o coactor comete apenas uma tentativa impossível» [22].
A III questão – recorrida – a tipicidade da sobredita conduta II como ameaça

Não obstante, o Recurso não merece provimento, subsistindo a condenação a quo porque:

Podendo a «ameaça típica» consistir no anúncio apenas gestual de um mal futuro à pessoa do ameaçado de ocorrência que dependa ou apareça dependente da vontade do agente em ofender pelo menos a integridade física - quando não a vida - do ameaçado porque o art 155-1 do CP de 01.01.1983 rompeu com a tradição criminal / penal do «crime de execução vinculada» do corpo do art 379 do CP de 1886 [23] na medida em que o crime doloso de ameaça passou a ser um «crime de execução livre» tendo presente que à incriminação de «Aquele que, por escrito assinado, ou anónimo ou verbalmente, ameaçar outrem de lhe fazer algum mal que constitua crime, quer lhe imponha, quer não, qualquer ordem ou condição …» sucedeu em 01.01.1983 a incriminação de «Quem ameaçar outrem com a prática de um crime, provocando-lhe receio, medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação …» [24] por que «A mensagem pode ser transmitida por palavras, ditas ou escritas ou sinais …» [25], dito doutro modo, «É indiferente a forma que revista a acção de ameaçar: tanto pode ser oral (directa ou, p. ex., via telefone), como escrita (assinada ou anónima) ou gestual» [26], dito doutro modo, «A conduta típica é livre ou não vinculada. No sentido de que a forma e o modo da ameaça, isenta de qualquer limite imposto por lei, pode ser oral (v.g. por telefone), escrita (v.g. anónima) ou gestual. As coisas modificaram-se muito em relação ao Código de 1886, que prescrevia: Aquele que, por escrito assinado ou verbalmente, ameaçar…» [27], dito doutro modo, «decisiva é a aptidão da mensagem transmitida para produzir um tal efeito [de afectação na liberdade e no sentimento de segurança da vítima]. Essa [a] exigida potencialidade das palavras ou sinais» [28],

Salvo o devido respeito é evidente que a conduta II consistente na exibição e até apontar pelo Arguido uma pistola real Astra 6,35 mm - ainda que a uma certa distância - aos corpos de Queixosa e Autora Civil C… e seu marido a Testemunha D… - tanto assim que até se aperceberam daquela conduta - é tão lesiva e danosa da «liberdade de decidir e de atuar: liberdade de decisão (formação) e de realização da vontade» cuja «proteção envolve-se mais exatamente com o sentimento de segurança: a ameaça é de um crime de perigo contra a paz interior» [29] como a conduta de um ser humano in extremis encostar hoc sensu uma pistola ou um revólver real - ou uma pistola ou um revolver de brinquedo como se fosse verdadeira/o [30] - à cabeça doutro ser humano que jamais pode ver-se confrontado com tal tipo de conduta.

Não se conhecendo defendido que estas condutas - com armas de fogo reais ou de brinquedo como se fossem verdadeiras - não constituem autoria material do crime doloso de ameaça inclusive agravada [31], por «identidade de razão material» a conduta II provada a quo não pode deixar de o ser – ao contrário do que querem Recorrente e MP ad quem – por terem em comum a mesma essência ratio da proibição ínsita à existência da incriminação de ameaça: a prevenção por proibição de «violência actual» - em que consiste a «consumação da ameaça» - de eventual «violência futura» - em que consiste o «crime de concretização da ameaça».

E tal delimitação ou distinção não se pode fazer por um critério histórico quantitativo da coincidência versus dilação temporal maior ou menor das «duas violências» mas por um critério jurídico qualitativo, sob pena da Ordem Jurídica correr o risco de renunciar à sua função de prevenção por punição do ameaçador agente de conduta apta - segundo o «homem médio» com as características psicossomáticas do ameaçado - a perigar a paz interior que se reconhece a qualquer ser humano para se poder realizar com plena e real auto-determinação.

É que: a sobredita «violência actual» consuma-se imediatamente no momento da percepção auditiva e ou visual e ou sensorial pelo destinatário da conduta do agente consubstanciada na prolação de palavras e ou na realização de gestos e ou na redacção de um escrito, porque se trata desde 01.10.1995 de um crime de perigo abstracto - e não um crime de dano – e de um crime de mera actividade – e não um crime de resultado ou material;

A «violência futura» - que é a «violência anunciada» por meio da «violência actual» logo fundadora da «ameaça típica» - pode consumar-se ou não, como «crime tentado» ou como «crime consumado», de ofensa à integridade física que pode ser simples qualificada, ou grave simples ou qualificada, e in extremis homicídio, como se nota a título exemplificativo tendo presente que a ofensa à integridade física é o único meio de lesão do bem jurídico vida.

Se a «violência futura» se consumar, de duas, uma, considerando o «critério da dominação ou preponderência» ou não do «comportamento global» do agente por «um único sentido de desvalor jurídico-social» [32]:

Se a sobredita «violência actual» se integrar funcionalmente no iter criminis ou modus operandi da «violência futura» por uma «unidade de sentido do acontecimento ilícito global-final» [33] e ou como um «crime instrumental ou crime-meio» [34] e ou por uma «unidade de desígnio criminoso» [35] e ou por uma «conexão espácio-temporal das realizações típicas» [36] e ou por um «mesmo estádio de evolução ou intensidade da realização global» [37], então e exemplificativamente «O crime de ameaça (art.153º) cede perante os crimes de coacção (arts.154º, 155º - coacção agravada – 163º, 347º) e de extorsão (art 223º), sendo consumido por estes, salvo se, em relação a estes, se verificar uma desistência da tentativa relevante, e aquele se tiver consumado (isto é, a ameaça tiver chegado ao conhecimento do destinatário)» [38], pois que «O crime de ameaça consiste na revelação do propósito de causar um mal futuro — identificado com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor. O mal, objeto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á perante uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal. Esta característica temporal é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência, Ac. TRG de 26/5/2008 (2186/ 07). | Se o agente já começou a realizar o crime ameaçado, não se aplica esta norma»[39];

Se a sobredita «violência actual» não se integrar funcionalmente no iter criminis ou modus operandi da «violência futura», então e exemplificativamente «Há concurso efectivo (real) entre o crime de ameaça e o posterior crime de concretização da ameaça (abuso sexual, sequestro, etc)» [40] e «Há uma relação de concurso efectivo entre o crime de ameaças e o crime de difamação quando o agente diz, no meio de uma discussão e de forma exaltada, ao ofendido que lhe “partia os cornos” (acórdão do TRL, de 9.4.2002, in CJ, XXVII, 2, 142)» [41].

Numa perspectiva jurisprudencial mais compreensiva dos concursos já se explicitou que:

«I - Para efeitos do preenchimento do tipo legal previsto no artigo 153º do Código Penal, a ameaça com a prática de um dos crimes de referência do artigo 153º não é típica se ocorrer em simultâneo com a sua execução, sob a forma tentada ou consumada, ou se a execução do crime prometido ainda não se iniciou mas está iminente, pois em ambas as situações (ou seja, quando se verifique identidade do crime prometido com o crime concretamente executado) o desvalor inerente à ameaça é desconsiderado pelo legislador, por estar abrangido pela incriminação do crime prometido.

II - A desconsideração do desvalor da ameaça pressuposta pelo legislador só se verifica nos casos em que a ameaça é seguida ou acompanhada da execução do crime prometido ou por ele consumido - e não outro -, tanto na forma consumada como tentada, isto é, quando se verifique identidade do crime prometido com o crime concretamente executado.

III - Assim, a punição pela ameaça não é excluída (desde que preenchidos os demais elementos de ordem objetiva e subjetiva) pela simples circunstância de ser proferida num contexto de execução iminente do crime prometido ou do crime por ele consumido, ou seja, quando, objetiva e subjetivamente, o agente promete a prática de um dos crimes de referência reportando-se ao momento imediato ou presente e não a uma hipotética situação futura, nas duas situações seguintes:
- Quando a execução do crime prometido não chegue a ter lugar ou quando a mesma execução não for punível, como sucede no caso de tentativa não punível de crime contra a integridade física;
- Quando o agente pratica um outro crime (quer preencha o mesmo ou diferente tipo legal), tentado ou consumado, e não o crime prometido.

IV - O critério determinante para aferição da incriminação autónoma da “ameaça” é, pois, que da conduta global do agente, praticada em dado momento, resulte que o desvalor contido na ameaça não se esgota no desvalor do ilícito típico executado na mesma ocasião, aferida esta pelo critério da unidade de sentido do acontecimento ilícito-global» [42].

Por isso: como exibir e apontar uma arma de fogo real aos corpos de um casal é uma ameaça bem real de lesão futura pelo menos da integridade física, assim logo se consumou o crime doloso de ameaça [43] in casu simples pelo qual o Arguido se mostra condenado a quo em excesso infra a reparar criminal e civilmente; como tal conduta executada se quedou apenas pelos queridos exibir e apontar, não é possível subsumi-la como «acto de execução» de um crime doloso tentado de homicídio, nem de ofensa à integridade física simples qualificada [44], nem grave seja simples ou qualificada, que perpassam sempre pela firmação - para além de qualquer dúvida razoável – de uma inequívoca «decisão de cometer um crime» na expressão do art 22-1 referente a uma «descrição típica - como modelo de conduta - [que] admite conteúdos multimodais» [45]; assim apenas é possível considerá-la mero «acto preparatório» que não é punível ex vi art 21 por não ser possível precisar ut arts 22 sgs a vontade criminosa tipicamente relevante que o agente efectivamente estava livre, consciente e deliberadamente a executar contra a vida / integridade física / liberdade pessoal / liberdade e autodeterminação sexual / bens patrimoniais de considerável valor – se é que estava além da «ameaça simples».

Tal como «Se um homem pega[r] numa escada e a coloca[r] por forma a poder aceder à janela do primeiro andar, onde vive uma família abastada de que faz parte uma jovem de 18 anos, logo se porá a questão do significado de tal ato» porquanto «Pode muito bem tratar-se do operário que vai iniciar a pintura das janelas encomendada na véspera. Mas se o homem atua pela calada da noite e quando é detido tem consigo uma pistola levanta-se legitimamente a hipótese de perigo para certos bens jurídicos» [46], similarmente dir-se-á que exibir e apontar uma arma de fogo real aos corpos de um casal é um «comportamento que [pode] visa[r] a realização típica e a lesão ou a colocação em perigo de um bem jurídico (comportamento lesivo segundo um juízo de prognose), mas [que] ainda não alcançou o estádio de um ato de execução» [47] por não se ter por certo qual dos possíveis «conteúdos multimodais» - dentre as variadas «descrições típicas» existentes na Ordem Jurídica - é que se seguirá por que - sendo caso de «acto preparatório» - nem é de aplicar a «desistência da tentativa» do art 24-1-I por tal pressupor logicamente a subsunção como «actos de execução» inexistentes in casu [48].

Um entendimento abstrata ou teoreticamente diverso do supra exposto sempre esbarraria in casu no facto da inexistência na Sentença recorrida de uma menção à existência pelo menos de uma munição na arma de fogo apreendida apenas com carregador.

Em suma: fora a «hipótese limite» de uma «declaração não séria» que pode ser do tipo «declaração cénica» ou «declaração crítica» ou «declaração didáctica» ou «declaração jocosa» ou «declaração teatral» ou similar além da hipótese de «brincadeira de péssimo gosto» que o Recorrente nem se afoitou a equacionar no Recurso sub judice, a conduta consistente na exibição e até apontar pelo Arguido uma pistola real 6,35 mm – ainda que a uma certa distância – aos corpos da Queixosa e Autor Civil C… e seu marido a Testemunha D… - tanto assim que até se aperceberam de tal conduta – é abstractamente idónea - segundo o estalão de um «homem médio» que se veja posicionado como «declaratário normal» alvo da linha da boca de arma de fogo como aquela – a provocar dolosamente – que não produzir negligentemente – medo ou inquietação de verificação de uma lesão efectiva pelo menos da integridade física – quando não in extremis da vida por sua ofensa se lograr através daquela – pela significante explicitação - através daquela conduta gestual - da possibilidade do Arguido - a qualquer momento – poder efectivar atentado pelo contra aquele bem jus tutelado - quando lhe aprouver - por dispor de instrumento – mercê dos consabidos efeitos destrutivos dos tecidos do corpo humano por penetração de um projéctil 6,35 mm - com tal potencialidade lesiva.

Tanto assim que a sobredita conduta II do Arguido determinou além do refúgio de «quase todos os clientes do estabelecimento nos quartos de banho porque o arguido apareceu com uma pistola … o que originou uma grande confusão, com mesas e cadeiras a serem arrastadas e as pessoas a precipitarem-se para os quartos de banho» como se reporta na inquestionada Motivação da decisão a quo da matéria de facto – que C… e D…, «perante a exibição da arma e a forma como o arguido a apontava ficaram apavorados e tinham fugido para a casa de banho, onde se fecharam» e que «C… sofreu grande descarga emocional com a situação descrita» e que «Temeu pela sua integridade física, pela sua saúde e bem estar» e que «Sentiu pânico e humilhação» - ou seja, mais do que perigosidade geral para a paz interior, sua efectiva lesão - como qualquer ser humano adulto sofreria e temeria e sentiria logo na consideração imediata da idoneidade abstracta da conduta do Arguido a fazer representar nos seus queridos alvos a ameaça da prática de crime pelo menos contra a integridade física.

Se – por exemplo - «um gesto com a mão direita apontada na direção da assistente, simulando uma pistola, tendo para o efeito esticado o indicador e polegar e dobrado para a palma os restantes três dedos, desacompanhado de qualquer palavra, apesar de ela ficar perturbada, carece de idoneidade objetiva para ser considerado uma ameaça penalmente relevante, Acs. TRG 26/05/2008 (2186/07); TRP 8/10/2008 (0813605); e STJ 24/03/1999, CJ 1999, I, p.250» [49],

Se – por exemplo, noutro extremo - «não comete o crime de ameaça o arguido que, pretendendo agredir o assistente com uma enxada que trazia na altura, ao mesmo tempo dizia “eu hei-de matar-te” e “vais ficar com as tripas de fora”, pois tais palavras contemporâneas da ação, foram, no contexto exposto, o acompanhamento e o complemento verbal de uma ação física presente e não a ameaça de um mal futuro» [50] por se tratar de «acto de execução» de um crime doloso de homicídio pelo menos tentado que foi objecto de desistência relevante,

Se - por ex. - «É idónea a constituir ameaça a expressão “quem lhe vai tratar da saúde sou eu” com o significado corrente, comum e inequívoco de anúncio de uma lesão de saúde (quando não do corpo), conformando, por isso, o objeto da ameaça um crime contra a integridade física. Tal ameaça, proferida com foros de seriedade, é, de acordo com a experiência comum, adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação» [51],

Afigura-se por maior desvalor ético-jurídico que «O verdadeiro protótipo de uma ameaça é o da ameaça com uma pistola» [52 como in casu em que a conduta II do Arguido: por não ter premido o gatilho, queda-se por «acto preparatório» por não chegar a ser «acto de execução» pelo menos de uma ofensa à integridade física simples qualificada por que não se pode falar sequer em desistência relevante; por não ter querido o Arguido uma «conduta pretendida» dos seus queridos alvos, uma «coacção simples» que pressuporia o julgamento «provado» de factos que evidenciassem que «Importante é o mal quando a perda ameaçada ou a desvantagem temida é apta para determinar um homem prudente à conduta visada pela ameaça» [53].

Resta precisar que a conduta II consubstancia um crime doloso de ameaça apenas simples porque a actuação gestual do Arguido não é demonstrativa de ter querido significar a execução de uma «ameaça de morte» inequívoca por não vir provado, tal como não foi acusado, expressamente que o Arguido tivesse apontado a pistola Astra 6,35 mm a ponto/s dos corpos dos Ofendidos onde se alojavam órgãos vitais, como tinha de ser para a ameaça poder e dever ser qualificada agravada ut art 155-1-a ex vi AUJ 7/2013, uma vez que uma condenação crime e cível não é suportável num facto hipotético mas em facto histórico, in casu apenas apontar aos corpos dos Ofendidos que não é significante de «ameaça de morte» porque, apesar da lesão da vida se lograr através da lesão da integridade física, aquela perpassa por um «método de matar» recortável entre «métodos de ferir», ora não vem provado, tal como não foi acusado, que o gesto do Arguido tivesse ameaçado um «método de matar» por lesão de «órgãos vitais» fossem eles quais fossem verbi gratiae cabeça, coração, pâncreas, fígado, artéria ou veia de grande calibre …
A III questão – recorrida – do vício do art 410-2-a do CPP

Como o Recorrente - para lograr absolvição crime e cível - assacou à Sentença a quo padecer do «vício previsto na al. a) do n° 2 do art.° 410° do C.P.Penal, uma vez que a factualidade dada como provada não preenche, por óbvia insuficiência, o tipo de ilícito porque foi condenado, como é o caso, ser logicamente extraída a ilação do Tribunal recorrido», dir-se-á que:

Improcede a arguição do vício «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» de confecção lógica formal e material da decisão recorrida [54] - emergente apenas do seu teor sem consideração de quaisquer dados ou elementos externos aos nela constantes por tal vício intrínseco ser «… resul[tan] te [única e exclusivamente] do texto da decisão recorrida …» ut art 410-2 do CPP pois que do juízo lógico (não apenas histórico) expresso no texto dela - porque a leitura conjugada de Factos Provados, Factos Não Provados, sua Motivação, Subsunção e Parte Decisória da Decisão Final recorrida não evidencia a existência de uma «… lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher», nem que «… a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final», nem «… a «formulação incorrecta de um juízo» em que «a conclusão extravasa as premissas» ou … «omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão» » [55].

Tanto a Decisão Final recorrida não padece do vício prevenido no art 410-2-a do CPP que o Recorrente nem logrou concretizar no corpo da Motivação - mediante citação de excertos apropriados da Sentença a quo – objecto / local / dimensão de um «hiato» ou uma «lacuna» ou um «salto» de lógica no raciocínio expendido no texto da Decisão Final recorrida sindicanda, salvo o devido respeito parecendo ter motivado no vulgaris et crassus error da confusão conceptual entre o vício intrínseco de confecção lógica «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» [56] emergente apenas do texto da Decisão recorrida sem consideração de quaisquer dados externos a ela, com erro de julgamento de Direito com o qual o Recorrente não concorda [57], sendo que a ocorrência de tal vício, enquanto não for sanado, preclude a possibilidade do Tribunal Superior poder decidir, diversamente, o erro de julgamento de Direito importa imediata decisão do Tribunal Superior que competir ut os factos provados como supra efectuado.
A IV questão – recorrida – do vício do art 410-2-c do CPP

Como o Recorrente - para lograr absolvição crime e cível – mais assacou à Sentença a quo «Padece[r] … de erro notório na apreciação da prova prevista na al. c) do n° 2 do art.° 410º» do CPP por considerar que «A expressão “se queriam guerra vão tê-la”, não contém qualquer ameaça de crime muito menos de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos. E isto é evidente e não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, ao homem médio que facilmente compreende que esta expressão não aluda qualquer crime» e que «Não se conhecem as condições de cuja verificação dependia fazer ou não a “guerra”, pelo que o arguido limitou-se a admitir a mera possibilidade de poder vir a haver “guerra”, seja lá o que isso significa (palavras, psicológica, fria ou de nervos)», dir-se-á que:

Improcede a arguição do vício «erro notório na apreciação da prova» de confecção lógica da decisão recorrida [58] - emergente do seu teor sem consideração de quaisquer dados ou elementos externos aos nela constantes por tal vício intrínseco ser «… resul[tan]te [única e exclusivamente] do texto da decisão recorrida …» ut art 410-2 do CPP pois que do juízo lógico e não apenas histórico expresso no texto dela – porque a leitura conjugada de Factos Provados, Factos Não Provados, sua Motivação, Subsunção e Parte Decisória não evidencia a existência de « 1. o erro sobre facto notório, neles se incluindo factos históricos do conhecimento geral 2. a ofensa das leis da natureza (isto é, das leis físicas e mecânicas) i. a consideração como provado de facto física ou mecanicamente impossível ii. a consideração como não provado de facto em violação da regra tertium non datur 3. a ofensa das leis da lógica (Denkengesetze) i. a valoração da não confissão (mesmo que conjugada com outros meios de prova) para fundamentar os factos provados ii. a valoração da confissão integral para fundamentar os factos não provados iii. a incompatibilidade entre um facto objectivo provado e um facto subjectivo provado iv. a incompatibilidade entre um facto subjectivo não provado e um facto objectivo não provado v. a incompatibilidade entre um facto objectivo provado e um facto subjectivo não provado vi. a incompatibilidade entre um facto subjectivo provado e um facto objectivo não provado vii. a incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova (…a incompatibilidade entre o conteúdo do documento invocado na fundamentação e o facto dado como provado com base nesse meio de prova) 4. a ofensa dos conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos» [59].

Tanto a Decisão Final recorrida não padece do vício prevenido no art 410-2-c do CPP que o Recorrente nem logrou no corpo da Motivação concretizar - por citação de excertos apropriados da Sentença a quo - inteligíveis objecto / local / dimensão de uma «… falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido)» pelo que «… não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no art° 127.°. Mas já haverá erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as leges artis, como se disse antes. Na hipótese de erro notório na apreciação da prova, as regras da experiência comum podem, em princípio, ser invocadas quando da sua aplicação ressalte, sem margem para dúvidas, a existência desse erro, ou seja, «quando, contra o que resulta de elementos que constem dos autos, e cuja força probatória não haja sido infirmada, ou de dados do conhecimento público generalizado, se emite um juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida»» [60].

Assim afigura-se ter o Recorrente motivado, salvo o devido respeito, no vulgaris et crassus error da confusão conceptual entre o vício intrínseco de confecção lógica «erro notório na apreciação da prova» [61] emergente apenas do texto da Decisão recorrida sem consideração de dados externos a ela, com o diverso erro de julgamento de Direito o qual o Recorrente não concorda [62], sendo que a ocorrência de tal vício, enquanto não for sanado, preclude a possibilidade do Tribunal Superior poder decidir, diversamente, o erro de julgamento de Direito importa imediata decisão do Tribunal Superior que competir ut os factos provados.
A V questão – recorrida – da violação do princípio in dúbio pro reo

Como o Recorrente - para lograr absolvição crime e cível – ademais assacou à Sentença a quo ter fixado a matéria de facto - determinante das condenações crime cível - em violação do art 32-1 da CRP – tal o máximo sentido útil apreensível da Motivação – mais se dirá que:

Consabido que o princípio do in dúbio pro reo [63] «decorre do princípio da culpa e, em última instância, do princípio do Estado de Direito (artigo 2° da CRP). Ele complementa o princípio da presunção da inocência, mas não se confunde com este. Numa das suas vertentes, o princípio da presunção da inocência rege o processo de formação da convicção, estabelecendo regras para a valoração da prova. Ao invés, o princípio do in dubio pro reo dispõe que, finda a valoração da prova, a dúvida insanável sobre os factos deve favorecer o arguido. Isto é, o princípio do in dubio pro reo só intervém depois de concluída a tarefa da valoração da prova e quando o resultado da valoração da prova não é conclusivo. O princípio do in dubio pro reo não é, pois, um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos (CLAUS ROXIN; 1998: 75 e 106, e ULRICH EISENBERG, 1999: 97)» [64],

Consabido que «A presunção de inocência é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade (veja-se, entre outros, neste sentido, o Ac n.° 172/92). Se a final da produção da prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória (D. 48, 19,5: Satius enim esse impu nitum relinqui facinus nocentis quam innocentem damnare) » [65],

Colhendo-se da Jurisprudência do STJ que «... o princípio “in dubio pro reo” só teria que ser chamado à colação se o colectivo tivesse manifestado, ou tivesse deixado transparecer, designada mente em sede de fundamentação, um estado de dúvida quanto ao que devia dar por provado ou não provado. Não foi manifestamente o caso, e revelam-no à saciedade os factos provados, e a fundamentação que foi feita, da formação da convicção do tribunal. A invocação do aludido princípio “in dubio pro reo” só teria razão de ser, se, depois do tribunal “a quo” reconhecer ter caído num estado de dúvida, contornasse um“non liquet” decidindo-se, sem mais, no sentido mais desfavorável para o arguido. Mas já não assim se, depois de ultrapassadas as dúvidas que o pudessem ter assaltado, perfilhasse uma determinada convicção e decidisse coerentemente» [66].

Colhendo-se da Jurisprudência recente dos Tribunais de II Instância [67] que «I - O princípio in dúbio pro reo, princípio relativo à prova, implica que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal. II - Reduzida a prova em audiência às declarações do arguido e ao depoimento da testemunha, o facto de as afirmações de um e outro serem opostas entre si, não tem que conduzir a uma “dúvida inequívoca” por força do princípio in dúbio pro reo: as declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, sem outra limitação que não seja a credibilidade que mereçam» [68],

Mais se colhendo da Jurisprudência recente dos Tribunais de II Instância [69] que «I – Embora o recorrente considere que “perante a contraditoriedade dos depoimentos” se impunha o uso pelo Tribunal a quo do principio in dúbio pró reo, discordamos totalmente de tal entendimento. II – Para que se imponha ao tribunal a aplicação deste princípio é necessário que perante a prova produzi da reste no espírito do julgador (e não no das partes) alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto decisão, não bastando uma qualquer dúvida, pois que terá de ser uma dúvida razoável, invencível. III – E para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição não basta, como defende o recorrente, que tenha havido versões díspares ou mesmo contraditórias. IV – No caso, o Tribunal a quo não manifestou a existência de qual quer dúvida razoável acerca dos factos provados e muito menos que perante alguma dúvida tenha escolhido a tese desfavorável ao arguido. V – Finalmente, decorre da fundamentação da decisão que não se descortina qualquer necessidade de deitar mão a este princípio nem da decisão resulta que o seu não uso seja censurável» [70],
Improcede a arguida violação do princípio in dúbio pro reo decorrente do art 32-1 da CRP conforme o qual «Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação…», por não se constatar ter o Tribunal a quo tido dúvida ou reserva algumas em firmar a versão dos factos tidos como constitutivos do crime pelo qual condenou criminal e civilmente o Arguido, por não se descortinar no texto da Decisão recorrida, nem ter sido especificadamente alegado pelo Recorrente, ter o Tribunal a quo fixado a matéria de facto provada desfavoravelmente a ele após se ter debatido com uma dúvida irresolúvel ou insanável quanto à matéria de facto a julgar provada por um resultado persistentemente inconclusivo da valoração dos meios de prova documental e pessoal que foram produzidos em Audiência de Julgamento.

É que a dúvida obstrutiva do julgamento «provado» em processo penal de facto jurígena de responsabilidade criminal / penal /civil, em postergação dos princípios in dúbio pro reo derivado da «presunção de inocência» do art 32 da CRP, é apenas «… a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido» [71]!
A VI questão – oficiosa – da redução da pena de multa

Como o Mmo Juiz a quo valorou associadamente as sobreditas conduta I e conduta II como sendo uma actuação consubstanciadora de uma dolosa ameaça toda aquela típica ex vi art 153-1 e - ademais - qualificada ut art 155-1-a ex vi AUJ 7/2013 de Oliveira Mendes – Relator -conforme o qual «A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal» in DR I-56 de 20-03-2014, congruentemente concretizou – entre 1 mês a 2 anos de prisão ou 10 a 240 dias de multa aplicáveis ut arts 155-1, 41-1 e 47-1 – 200 dias de multa a 6 € diários, por ter valorado que:

«Tendo em atenção a necessidade de proteção do bem jurídico violado e a gravidade dos factos, não repugna a opção por pena não privativa da liberdade.
A determinação da medida concreta da pena baliza-se pelo grau de culpa, como reação penal máxima, e pelas exigências de reprovação e prevenção do facto, como patamar mínimo, atendendo-se às concretas circunstâncias agravantes e atenuantes previstas no artigo 71º do C…P… e deve, finalmente, considerar os fins de proteção de bens jurídicos com tutela penal e a reintegração social do arguido.
Vejamos as circunstâncias relativas aos factos e ao arguido:
Atuação com dolo direto, que é a modalidade mais intensa de vontade dirigida ao cometimento de crimes;
A ilicitude assume algum relevo, tendo em conta o modo de atuação do arguido, munido de arma, num local público, a denotar pouco autocontrolo e capacidade de discernimento, quando o que estava em causa mais não era que um desentendimento de pouca relevância;
Relativamente às consequências, não podemos deixar de considerar a grave perturbação sentida pela vítima;
Circunstâncias pessoais: | A seu favor: | Está inserido; | Contra o arguido: | Ausência de sinais relevantes e visíveis de arrependimento e autorresponsabilização; e os seus antecedentes criminais, embora por crime de natureza fiscal.
Em face destes elementos, considera-se adequada a pena de 200 dias de multa. | Tendo em atenção os elementos atinentes à situação económica e financeira do arguido e seus encargos pessoais (artigo 47º, nº 5 do C…P…), fixa-se o quantitativo diário da multa em € 6» [72].

Como apenas a conduta II consubstancia «ameaça típica» meramente «simples» pelo supra expendido, em obediência ao art 403-3 do CPP - conforme o qual «A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida» - cumpre reduzir o número de dias de multa quantificados a quo, o que se faz nos termos seguintes:

Consabido que «A aplicação de penas [principal ou de substituição e acessória] … visa a protecção de bens jurídicos [fim-último do Direito Criminal-Penal mediant]e [aquelas como fim-meio d]a reintegração do agente na sociedade» (art 40-1) [73] sem «Em caso algum a pena pode[r] ultrapassar a medida da culpa» (art 40-2) quais vectores da «… determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, … em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» (art 71-1) às quais reconhecem-se as funções de retribuição do crime (por expiação da pena) [74], prevenção especial positiva (de ressocialização por prevenção da reincidência do agente) [75], prevenção especial negativa (de dissuasão por intimidação do agente) [76], prevenção geral positiva ou de integração [por (aprofundamento da) interiorização dos bens jus penais [77] e restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual] [78] e prevenção geral negativa de intimidação (por dissuasão de potenciais criminosos) [79] que são prementes por lamentavelmente grassar a condução de veículos a motor sem habilitação legal, designadamente ciclomotores e mormente veículos automóveis ligeiros de passageiros e de mercadorias, por agentes sem formação quanto a normas de circulação estradal – progressivamente mais complexas na vigência do CE de 01.10.1994 por ter sofrido em 01.01.2014 a sua 13ª alteração legislativa efectuada pela Lei 72/2013 de 3/9 além de 93 alterações legislativas ao Regulamento do Código da Estrada do Decreto 39 987 de 22.11.1954 - e mormente quanto a técnicas correctas de condução estradal – que é res diversa de agilidade ou desembaraço ou desenvoltura ou expediência na condução,

Consabido que no art 71-2-a-b-c-d-e-f «Os factores de medida da pena vêm exemplificativamente enumerados. E FIGUEIREDO DIAS separa-os em três grupos: relativos à execução do facto, relativos à personalidade do agente e relativos à conduta do agente anterior ou posterior ao facto (ibidem, 245). | Nos factores relativos à execução do facto se encontram o grau da violação ou do perigo de violação (tentativa e crimes de perigo), o dano causado ou posto em causa, a natureza, os meios, a forma e a eficácia da perpetração, a dimensão do conhecimento e da vontade, a medida da lesão do dever de cuidado e da violação dos deveres impostos ao agente (estes, para além daquele, ao nível das relações do mesmo com o bem jurídico ofendido, a vítima, o objecto da acção), os sentimentos manifestados, os motivos e os fins, o próprio comportamento da vítima. Nos factores relativos à personalidade do agente pesam as condições pessoais e económicas, a sensibilidade à pena e a susceptibilidade de por ela ser influenciado, as qualidades pessoais manifestadas. Nos factores relativos à conduta do agente se perfilam a vida anterior, o passado criminal, alguns serviços relevantes, a reparação (com efeito conseguido ou objecto de esforço) das consequências do crime (em particular o dano causado), o comportamento processual (que não seja apenas táctico). E tudo isto de harmonia com a lição de FIGUEIREDO DIAS» [80],

Consabido que «…o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa … sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa … se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa … e a sua efectiva aplicação» [81], que «… o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa … quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária, ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas…»[82] e que «... desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa … só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias» [83],

Consabido da Doutrina que «… enquanto a fixação do número de dias de multa visa adequar-se ao mal do crime, a do quantitativo diário tem em vista o mal da pena e tenta distribuí-lo por igual entre ricos e pobres» [84] pelo que na fixação do quantitativo de cada dia de multa é que não se poderá perder de vista que a pena de multa deverá representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente mas atendendo ao «… único limite inultrapassável [que] é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa humana, pelo assegura mento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas …» [85] para não se retirar ao condenado a possibilidade de - sem dano injusto - fazer face aos gastos absolutamente indispensáveis ;

Consabido da Jurisprudência que «a pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável, tal como defende o acórdão recorrido, citando nomeadamente um aresto deste Supremo Tribunal relatado pelo Exmo. Conselheiro Carmona da Mota e que o ora relator subscreveu como 1º Adjunto. | Em direito penal, a pena, qualquer que seja a óptica por que seja encarada, ainda que com fins meramente preventivos, justamente porque o é, implica sacrifício. | Já São Tomás de Aquino, num passo muito citado da Suma Theologica definia a pena nestes termos em larga medida actuais: «de ratione enim poenae est, quod sit contraria voluntati, et quod sit afflictiva, et quod pro culpa inferatur» » [86],

Consabido que o sistema gizado pelo legislador quanto ao cumprimento de pena pecuniária, ao permitir o protelamento do prazo de pagamento e o pagamento em prestações e a liquidação da pena principal de multa mediante a prestação de trabalho, inculca nitidamente a ideia de que a medida ideal do quantum da pena de multa não é definida pela possibilidade do pagamento de uma só vez no prazo contado desde o trânsito da Decisão Final condenatória em pena pecuniária mas antes aquele que, constituindo sacrifício pessoal suficientemente pesado quanto baste, advirta adequadamente o Condena(n)do para a intolerabilidade sócio-jurídica do seu comportamento por afirmação da confiança da Comunidade na vigência formal e na validade substancial da/s proibição/ões inserta/s à/s norma/s incriminadora/s que ele violou, bem assim a prevenção geral e especial da prática doutro/s facto/s jus criminais / penais,

Como não se detecta no processo a quo de concretização da pena uma violação de parâmetros atinentes às «…operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à … indicação de factores relevantes, … à … aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção» [87], nem o Recorrente motivou um erro verbi bratiae dos tipos não valorização a quo de uma circunstância relevante e ou valorização a quo como agravante de uma circunstância atenuante e ou a subvalorização a quo de uma circunstância e ou a sobrevalorização a quo de uma circunstância,

Sói dizer apenas que o número de dias de multa ora tem de ser reduzido de 200 para 90 porque o limite superior da multa aplicável a ameaça simples (120 dias) é metade do aplicável a ameaça agravada (240 dias) e aquela quantificação a quo bem foi determinada pelo reconhecimento do maior desvalor ético-jurídico objectiva e subjectivo da conduta II do que da conduta I como se colhe do § «A ilicitude assume algum relevo, tendo em conta o modo de atuação do arguido, munido de arma, num local público, a denotar pouco autocontrolo e capacidade de discernimento, quando o que estava em causa mais não era que um desentendimento de pouca relevância» supra citado do item «IV- Escolha e Medida da Pena» por que, na sensibilidade sócio-jurídica destes Juízes, a quantificação de 90 entre 10 e 120 dias de multa satisfaz as exigências de punição bem assim de prevenção especial e até geral da conduta do Recorrente com a qual a Ordem Jurídica não pode pactuar sob pena de renúncia à satisfação das exigências mínimas de defesa dos membros da comunidade ou sociedade que não têm de suportar seja em que local for o alarme social duma ameaça ainda que simples de um ser humano com uma arma de fogo.
A VII questão – oficiosa – da redução da indemnização civil

Como o Mmo Juiz a quo valorou associadamente as sobreditas conduta I e conduta II como sendo uma actuação consubstanciadora de uma dolosa ameaça toda aquela típica ex vi art 153-1 e - ademais - qualificada ut art 155-1-a ex vi AUJ 7/2013, congruentemente quantificou apenas em 400 € - dos 1000 peticionados - o quantum indemnizatório por danos não patrimoniais de C…, por ter valorado sob «III.2 Responsabilidade Civil» que:

«Dispõe o artigo 483º, nº 1 do Código Civil que a obrigação de indemnização emerge da violação ilícita do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que viole direitos subjetivos de terceiros ou disposições legais destinadas à proteção dos seus interesses, fora daqueles casos em que tal violação não é reprovada pela ordem jurídica, constitui o facto ilícito que gera o dever de indemnizar.
O facto ilícito praticado pelo arguido é manifestamente ilícito e violador de direitos de personalidade da lesada.
A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral – artigo 70º, nº 1 do Código Civil.
O ato de assustar e atemorizar assume evidente relevo.
E constitui o arguido na obrigação de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial, com dignidade para merecer a tutela do direito, de acordo com o artigo 496º do Código Civil.
Ao ouvir, do arguido, a expressão “se querem guerra, vão tê-la” e munir-se de seguida de uma arma, a ofendida sentiu medo e inquietação.
As sequelas psicológicas foram intensas.
Ponderando as situações económicas da lesada e do causador da lesão, relevantes para apurar a repercussão que o pagamento da indemnização possa ter, tendo em conta o valor dos danos e aquilo que é a jurisprudência seguida nesta matéria – artigo 8º, nº 3 do Código Civil – consideramos equitativo, face aos fatores referidos, fixar a indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 400».

Como apenas a conduta II consubstancia «ameaça típica» meramente «simples» pelo supra expendido, em obediência ao art 403-3 do CPP - conforme o qual «A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida» -, cumpre reduzir o montante indemnizatório para 300 € - que representa mais de 60 % do salário mínimo nacional mensal bruto - considerando, por um lado, que a quantificação a quo dos 400 € foi determinada também pela conduta I que era in casu a parte menos desvaliosa da actuação global provada, por outro, que a compensação não pode deixar de realizar a clássica «função reparatória» mas também a novel «função punitiva» que se vem assinalando no passado recente à «responsabilidade civil» como «factor de modernização» de tal instituto no Direito substantivo [88].
DECIDINDO

1. No provimento parcial do Recurso do Arguido:

1.1. Revogam-se as condenações a quo do Arguido em 200 dias de multa a 6 € diários pela autoria material pelas 11:00 de 26.01.2011 de um crime doloso de ameaça agravada da p.p. dos arts 153-1 e 155-1-a do Código Penal e do Demandado Civil no pagamento a C… de 400 € indemnizatórios de danos não patrimoniais posto que:

1.2. Pela autoria material pelas 11:00 de 26.01.2011 de um crime doloso de ameaça simples a C… p.p. pelo art 153-1 do Código Penal, condenam B… em 90 dias de multa a 6 € diários e no pagamento a C… de 300 € indemnizatórios de danos não patrimoniais por ele provocados.

2. Sem tributação por inexistência de um decaimento tributável criminal e civilmente.

3. Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.

4. Transitado, remeta-se o processo ao Juiz 2 da Secção Criminal da Instância Local da Maia, para execução do decidido.

Porto, 13 de Maio de 2015
Castela Rio
Lígia Figueiredo
___________
[1] Nascido a 29.6.1942 em … – Cinfães, casado, e residente em … – Maia.
[2] Prolatada e depositada em 15.7.2014 ex vi fls. 406-417 e 420 II.
[3] Ao qual pertencem os artigos – números – alíneas infra referidos sem menção do diploma legal.
[4] O teor do corpo de tal peça processual é o seguinte:
«É certo que, do libelo acusatório constava: “No dia 26 de Janeiro de 2011...., por razões que não se apuraram o arguido desentendeu-se … irado e dizendo que se queriam guerra iam tê-la”
E o que o Tribunal o quo deu como provado foi “se queriam guerra vão tê-la” Factos Provados e Fundamentação da Prova - 1 - Factos Provados 1. 1. da sentença.
Ora pratica o ilícito de ameaça (por que o arguido veio a ser condenado) “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e auto determinação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada o provocar- lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.
A ameaça é, então, a ameaça dum mal, a promessa de cometer um crime.
Elemento objectivo do tipo de ilícito é, desde logo, que o mal cominado constitua prática de um crime, prática de facto ilícito típico seja contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.
Requisito é, ainda, que a cominação seja de um mal futuro este mal tem que ser futuro e não imediato ou iminente. Haverá ameaça, quando alguém afirma “hei-de matar-te” mas já ocorrerá apenas violência quando alguém afirma “vou matar-te” já- vd. Vitor de Sá Pereira e Alexandre Lafayete Código Penal Anotado e comentado, Quid Juris, Sociedade Editora, 2008-pag. 411.
Ora o que foi provado é que o arguido afirmou “se queriam guerra vão tê-la”.
Desde logo o tempo verbal “vão” está no presente do indicado 3° pessoa do plural
E portanto, o mal cominado, é no caso, imediato ou iminente e, por conseguinte torna-se óbvio que não resulta preenchido o elemento objectivo do tipo do ilícito: qual o mal cominado? Qual o crime que o arguido prometeu cometer? Como é possível aferir da adequação?
Com o crime de ameaças, o agente usa um expediente adequado a provocar medo no sujeito passivo, com a prática de um mal futuro. Isso é indissociável do carácter futuro, ainda que a curto prazo, do mal anunciado.
Se a ameaça é imediata, iminente como se deu como provado “se queriam guerra vão tê-la”, a liberdade de determinação nunca chega a ser afetada, pois se a mesma for concretizada será cometido o crime anunciado (e aqui, no caso nem sequer existiu um crime anunciado).
Por outro lado, para além de não se descortinar no expressão dada como provada qual o mal cominado e do hipotético mal ser imediato ou iminente, temos o “se” o que nos indica uma acção que depende de uma condição. E qual é a condição de que depende o mal cominado? Não se sabe, nem foi apurado.
O que o recorrente anunciou publicamente foi que “se queriam guerra vão tê-la”, anunciou que essa possível acção “guerra”, para além de estar anunciada como iminente ou imediata “vão tê-la”, desde logo não se sabe que tipo de guerra (fria, palavras, psicológica, etc.), ficaria dependente de se vir a mostrar necessária ou ser precisa. O sentido gramatical impõe se reconheça que o recorrente se limitou a admitir a mera possibilidade de vir haver guerra.
Oro, o sentido literal da palavra guerra, é da possibilidade de um confronto entre dois ou mais beligerantes, in casu a possibilidade de um confronto entre o recorrente e recorridos, não contém pois na sua etimologia outro significado.
Manifestamente, pois, a factualidade provada não preenche, por óbvia insuficiência, o tipo do ilícito por que o arguido foi condenado.
Não comprovada, a nosso ver, a ameaça com a prática de crime, é irrelevante, torna-se despiciendo a apreciação de outros factos».
[5] Delimitadoras de objecto de Recurso e poderes de cognição deste TRP ex vi consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores e Doutrina processual penal sem prejuízo do conhecimento de questão oficiosa verbi gratiae JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pgs 362-363, ASTJ de 17.9. 1997 in CJS 3/97, ASTJ de 13.5.1998 in BMJ 477 pág 263, ASTJ de 25.6.1998 in BMJ 478 pág 242, ASTJ de 03.2.1999 in BMJ 484 pág 271, ASTJ de 28.4.1999 in CJS 2/99 pág 196, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347, ASTJ de 01.11.2001 no processo 3408/00-5, SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, Maio de 2008, pág 107.
[6] Conforme scanerização pelo Relator.
[7] Conforme scanerização pelo Relator.
[8] Conforme scanerização pelo Relator.
[9] Conforme scanerização pelo Relator.
[10] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[11] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[12] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[13] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[14] Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 1ª edição, Dezembro de 2008, pgs 412-414
[15] Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 2ª edição, Maio de 2012, pgs 550-555.
[16] Código Penal. Anotado e Comentado, 1ª edição, Quid Juris, 2008, pgs 410-412.
[17] Código Penal. Parte geral e especial. Com notas e comentário, Almedina, Coimbra, Março de 2014, pgs 632-634 e «Considerações de ordem geral» a pgs 626-631.
[18] Porque o art 155-1 do CP de 01.01.1983 rompeu com a tradição criminal / penal do art 379 – corpo – do CP de 1886 revisto pelo DL 39 688 de 05.6.1954 na medida em que o crime doloso de ameaça foi até 01.01.1983 um «crime de execução vinculada» e a partir de então passou a ser um «crime de execução livre» como se desenvolverá em ponto adiante do corpo de texto.
[19] ARP de 25.02.2015 de Elsa Paixão com Maria dos Prazeres Silva no processo 1193/12.0GAMAI,.P1 in www.dgsi.pt.
[20] Ex vi as condensações doutrinais – para as quais se remete para simplificação de exposição - de:
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 1ª edição, Dezembro de 2008, pgs 415-418;
AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 2ª edição, Maio de 2012, pgs 568-575;
VICTOR DE SÁ PEREIRA, ALEXANDRE LAFAYETTE, Código Penal. Anotado e Comentado, 1ª edição, Quid Juris, 2008, pgs 413-415;
M. MIGUEZ GARCIA, J. M. CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial. Com notas e comentário, Almedina, Coimbra, Março de 2014, pgs 634-641 e «Considerações de ordem geral» a pgs 626-631.
[21] Como sucede in casu por não se lobrigar da narrativa dos FPV como pronunciados como acusados que o Arguido representou e quis que C… e D… se fechassem no wc do estabelecimento – ainda que tal se possa ser subentendido pelas regras da experiência comum, não consta da execução do «princípio do acusatório» no sentido material de «delimitação do objecto do processo» ou «vinculação temática»!
[22] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 1ª edição, Dezembro de 2008, anotação 23 ao artigo 154, pág 418.
[23] Este CP revisto pelo DL 39 688 de 05.6.1954 e aquele artigo 379 na redacção do DL 41 074 de 17/4.
[24] Mais tendo presente que o § 1º do art 379 do CP de 1886 na redacção do DL 41 074 de 17/4 incriminava «Aquele que, por qualquer meio, ameaçar ou intimidar outrem para o constranger a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a que por lei não é obrigado …» que já era um caso de «coacção» além dos tipificados nos arts 329 (uma «coacção física») e 187 (uma «coacção sobre funcionário público»), notou M. MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, Almedina, Coimbra, 6ª edição, Maio de 1982, pgs 605-606 que:
«Só pode ser incriminada pelo corpo do art. a ameaça feita por escrito ou verbalmente. A ameaça feita por atitudes ou gestos não o pode ser, pois isso seria fazer incriminação por analogia, contra o preceituado no art 18º. A ameaça por gestos só pode ser incriminada no § 1º. No entanto, o ac. R.P. de 10 de Fevereiro de 1956; J.R., 2º, 215 incriminou no corpo do art. a ameaça praticada por atitude e gestos. Seguiram a orientação que sustentamos Luís Osório, Notas, III, 189 e Ferreira Pinto, loc. Cit., 394».
[25] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 1ª edição, Dezembro de 2008, anotação 5 ao artigo 153, pág 413.
[26] AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 2ª edição, Maio de 2012, § 10, pág 554.
[27] VICTOR DE SÁ PEREIRA / ALEXANDRE LAFAYETTE, Código Penal. Anotado e Comentado, 1ª edição, Quid Juris, 2008, anotação 11 ao art 153, pág 411.
[28] M MIGUEZ GARCIA / J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 4 ao art 153, pág 633.
[29] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5, pág 632.
[30] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 1ª edição, Dezembro de 2008, anotação 9 ao artigo 153, pág 413;
M MIGUEZ GARCIA / J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5, pág 633-634, mais notando que «se for manifesta a inaptidão do meio há uma tentativa inidónea não punível».
[31] Antes pelo contrário tendo presente verbi gratiae que o ARL de 21.10.2014 de Luis Gominho com José Adriano no processo 1090/11.6GLSNT.L1-5 in www.dgsi.pt confirmou a condenação por uma ameaça agravada e por duas coacções agravadas mediante utilização de arma de fogo pelo Recorrido que:
05 a 09 e 16- «No dia 8 de Julho de 2011, cerca das 12h30, no interior da residência mencionada em 1°, o arguido, na sequência de um desentendimento com a sua neta relacionado com o facto desta não apoiar a atitude que tinha tido no dia anterior com um seu vizinho, foi buscar uma pistola semi-automá-tica, de calibre 6,35mm Browning, de marca "Pietro Beretta", de modelo 950 B, com o número de série ……, de origem italiana, de sua propriedade, a qual se encontrava devidamente municiada, e exibiu-a à sua neta, tendo de seguida premido o gatilho da mesma para efectuar um disparo, o qual não se concretizou por motivos que se desconhecem. | Ao exibir uma arma de fogo e tentado efectuar de seguida um disparo com a mesma na presença de AJ... e na direcção desta, sabia o arguido que tais actos eram adequados a provocar naquele momento medo e receio na pessoa de AJ..., fazendo-a temer pela sua integridade física e vida. | A pistola exibida pelo arguido encontra-se em bom estado de conservação e em boas condições de funcionamento, sendo que funciona com munições de calibre 6,35 mm. | O arguido detinha tal arma desde data não concretamente apurada, não sendo o mesmo titular de qualquer licença que para tanto o autorizasse ao uso e porte de arma com aquelas características. | Conhecia bem as características do mencionado objecto e sabia que era proibida a sua detenção naquelas condições. | O arguido agiu de forma livre e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal»;
10 a 12 e 16 -«No dia 5 de Julho de 2011, cerca das 14h30m, o arguido, descontente com o facto de o AB…, seu vizinho, se encontrar a abrir uns buracos num muro que divide as propriedades de ambos, sitas na Rua …, com a finalidade de colocar no mesmo ferros/tubos para delimitar a sua propriedade, dirigiu-se ao mesmo, e empunhando uma anua de fogo, tipo caçadeira, na sua direcção, disse-lhe para terminar com a obra que senão o matava. | Perante tal atitude do arguido, pela forma séria e determinada como proferiu as mencionadas palavras e empunhou uma arma de fogo na sua direcção, sentiu-se AB... intimidado e, temendo pela concretização de algum acto lesivo da sua integridade fisica ou da sua vida, parou os trabalhos que estava a levar a cabo e afastou-se do local, assim se vendo impedido de prosseguir o desenvolvimento da actividade que até então alí desenrolava. | Bem sabia o arguido que a sua atitude era adequada a constranger AB... e, assim, a conseguir que o mesmo não continuasse com os trabalhos que estava a levar a cabo no referido muro. | O arguido agiu de forma livre e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal»;
13 a 16 - «No dia 7 de Julho de 2011, cerca das 16h30, o arguido, descontente com o facto de AB... haver retomado os trabalhos referidos em 9.°, efectuou disparos com uma arma de fogo, tipo caçadeira, na direcção do muro que divide as propriedades de ambos. | Perante tal atitude do arguido, pela efectivação de disparos na direcção do muro onde estavam a ser levados a cabo trabalhos de construção, sentiu-se AB... intimidado e, temendo pela concretização de algum acto lesivo da sua integridade tisica ou da sua vida, parou novamente os trabalhos que estava a levar a cabo e afastou-se do local, assim se vendo impedido de prosseguir o desenvolvimento da actividade que até então ali desenrolava. | Bem sabia o arguido que a sua atitude era adequada a constranger AB... e assim, a conseguir que o mesmo não continuasse com os trabalhos que estava a levar a cabo no referido muro. | O arguido agiu de forma livre e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal».
[32] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal. Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2ª edição, Agosto de 2007, pág 1011 sgs.
[33] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal. Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2ª edição, Agosto de 2007, pgs 1016-1018.
[34] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal. Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2ª edição, Agosto de 2007, pgs 1018-1019.
[35] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal. Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2ª edição, Agosto de 2007, pág 1020.
[36] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal. Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2ª edição, Agosto de 2007, pgs 1020-1021.
[37] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal. Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2ª edição, Agosto de 2007, pgs 1021-1021-1023.
[38] AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, edição, Maio de 2012, pág 567.
No mesmo sentido – mas sem efectuar a ressalva – PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 1ª edição, Dezembro de 2008, anotação 15, pág 414.
[39] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5, pág 633.
[40] AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, edição, Maio de 2012, pág 567.
[41] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 1ª edição, Dezembro de 2008, anotação 16 ao art 153, pág 414.
[42] Sumário do ARE de 17.3.2015 de António Latas com Carlos Jorge Berguete no processo 1857/11.5PC STB.E1 in www.dgsi.pt.
[43] No sentido do corpo do texto mas em sede de sindicância ad quem da concretização a quo da «pena acessória» de interdição por 18 meses de detenção / uso / porte de armas com a advertência que implica a proibição de detenção / uso / porte de armas designadamente para efeitos pessoais / funcionais / laborais / desportivos / venatórios / outros, bem como de concessão ou renovação de licença / cartão europeu de arma de fogo ou de autorização de aquisição de arma de fogo durante o período de interdição, ex vi art 90-1 da Lei 5/2006 de 23/2 conforme o qual «pode incorrer na interdição temporária de detenção, uso e porte de arma ou armas quem for condenado pela prática de crime previsto na presente lei ou pela prática, a título doloso ou negligente, de crime em cuja preparação ou execução tenha sido relevante a utilização ou disponibilidade sobre a arma», explicitou-se judiciosamente no ARG de 03.5.2011 de Fernando Monterroso no processo 407/09.8GB GMR in www.dgsi.pt que:
«a norma acima citada não limita a possibilidade de interdição temporária de detenção, uso e porte de armas aos casos em que a utilização de arma seja elemento constitutivo do tipo de crime. Basta que que o uso da arma tenha sido relevante na preparação ou execução do crime. «Relevante» significa “importante, saliente, evidente” – Dicionário da Porto Editora, 3ª ed. A lei remete para um juízo casuístico acerca da “importância” que o emprego da arma teve para a gravidade global do ilícito criminal.
Pois bem, a exibição de uma arma, no contexto da prática de um crime de ameaça, tem um evidente efeito de aumentar a credibilidade do mal que se anuncia. No caso, a gravidade global do comportamento criminoso teria sido bem menor se o arguido tivesse apenas proferido as palavras que o tribunal considerou provadas, sem simultaneamente, exibir a arma» - sublinhado do ora Relator.
[44] Porque não existe punibilidade do crime doloso tentado de ofensas à integridade física simples ut art 23-1 («pena superior a três anos de prisão») versus art 143-1 («prisão até três anos»).
[45] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5 ao art 22, pgs 167-168.
[46] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5 ao art 22, pgs 167-168.
[47] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5, pág 632.
[48] No sentido explicitado no corpo de texto a propósito da dicotomia «actos preparatórios» (não puníveis) versus «actos de execução» (puníveis como tentativa caso se mostrem verificados todos os seus elementos objectivos e subjectivos constitutivos), explicitou-se judiciosamente no ARG de 03.5.2011 de Fernando Monterroso no processo 407/09.8GBGMR in www.dgsi.pt que:
«A circunstância de ser requisito do crime de ameaça o anúncio de um “mal futuro” ganhou particular relevo após os textos que o Prof. Taipa de Carvalho dedicou a este crime.
Com efeito, este professor escreveu que “o mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex, haverá ameaça, quando alguém afirma hei-de-te matar: já se tratará de violência quando alguém afirma “vou-te matar já” (…). Necessário é só que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos da tentativa (Comentário Conimbricence do Código Penal, Tomo I, cit., pág. 343) – sublinhado do relator.
Esta doutrina levou a que se formasse alguma jurisprudência no sentido de considerar que expressões como a usada pelo arguido (“eu dou-te um tiro”) eram incompatíveis com o referido requisito do mal futuro ínsito na ameaça. Pondo a tónica no tempo verbal usado (presente ou futuro), esqueceu-se outra vertente do pensamento do Prof. Taipa de Carvalho: haverá ameaça quando não houver iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos da tentativa.
Ora, só há tentativa quando “o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer…” (art. 22 nº 1 do Cod. Penal). No contexto dos factos é seguro que o arguido não chegou a executar nenhum acto próprio da tentativa de homicídio. Igualmente, nada permite a conclusão de que decidira cometer um homicídio e que só não terá começado a executá-lo por razões alheias à sua vontade. De outro modo ficaria sem explicação o facto de, após ter proferido as palavras, se ter ausentado do local (facto nº 4). Ou seja, o arguido não proferiu as palavras na iminência de executar a hipotética decisão que formulara de matar o Manuel A....» - sublinhados estes do ora Relator.
[49] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5, pág 633.
[50] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5, pág 633.
[51] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5, pág 633.
[52] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5, pág 637.
[53] M MIGUEZ GARCIA, J M CASTELA RIO, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, Coimbra, Março de 2014, anotação 5, pág 637.
[54] Que até de conhecimento oficioso conforme Assento 7/95 de 19.10.1995 tirado por Sá Nogueira com declaração de voto de Costa Figueirinhas e votos de vencido de Castro Ribeiro e Costa Pereira, in DR I Série A de 28.12.95 e no BMJ 450 pag 72 sgs.
Jurisprudência com actualidade ut ASTJ de 18.6.2009 de Fernando Fróis com Henriques Gaspar no Processo 1248/07.2PAALM.S1 com o sumário «I - Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série-A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» in www.dgsi.pt.
[55] Conforme condensação de cariz doutrinário de mais de 20 anos de Jurisprudência dos Tribunais Superiores efectuada por SIMAS SANTOS, LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, actualizada e aumentada, Rei dos Livros, Maio 2008, pgs 72-73 com nota de rodapé 76 onde consta oportuna resenha jurisprudencial vasta para a qual se remete.
[56] Determinante de reenvio para novo julgamento quanto a parte ou totalidade do objecto do processo por novo Tribunal quando não puder ser reparado pelo Tribunal Superior.
[57] Determinante de Acórdão revogatório total ou parcial da Decisão Final a quo.
[58] Que até de conhecimento oficioso conforme Assento 7/95 de 19.10.1995 tirado por Sá Nogueira com declaração de voto de Costa Figueirinhas e votos de vencido de Castro Ribeiro e Costa Pereira, in DR I Série A de 28.12.95 e no BMJ 450 pag 72 sgs.
Jurisprudência com actualidade ut ASTJ de 18.6.2009 de Fernando Fróis com Henriques Gaspar no Processo 1248/07.2PAALM.S1 com o sumário «I - Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série-A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» in www.dgsi.pt.
[59] Tais as hipóteses logicamente elencadas por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 2ª edição, Lisboa, Maio de 2008, pág 1103, anotação 223 ao art 410, em sede de «delimitação positiva» de tal vício.
[60] Conforme síntese compreensiva de cariz doutrinal de 20 anos de Jurisprudência dos Tribunais Superiores, por SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, actualizada e aumentada, Rei dos Livros, Lisboa, Maio de 2008, pgs 77-78 e 82 com nota de rodapé 78 onde consta oportuna resenha jurisprudencial vasta para a qual se remete.
[61] Determinante de reenvio para novo julgamento quanto a parte ou totalidade do objecto do processo por novo Tribunal quando tal vício não puder ser reparado pelo Tribunal Superior.
[62] Determinante de Acórdão revogatório total ou parcial da Decisão Final a quo.
[63] Apontado com os princípios da livre apreciação da prova, da imediação, da presunção de inocência e do caso julgado ou do caso decidido como «princípios relativos à decisão ou sentença».
[64] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 2ª edição, Lisboa, Maio de 2008, pgs 51-52 [sublinhados do Relator].
[65] GERMANO MARQUES DA SILVA e HENRIQUE SALINAS, Anotação XII ao art 32 da CRP in JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Wolters Kluwer & Coimbra Editora, Maio 2010, pgs 724-725.
[66] ASTJ de 15.7.2008 de Souto de Moura com António Colaço no Processo 08P1787 in www.dgsi.pt - sublinhados do Relator.
[67] A propósito da hipótese in extremis da oposição - vulgaris na praxis judiciária - da negação do Arguido versus depoimento / depoimento da Vítima / Ofendido / Assistente / Lesado.
[68] Sumário do ARP de 09.09.2009 de Jorge Jacob com Artur Oliveira no Processo 564/07.8PAVCD.P1 in www. dgsi.pt/jtrp.
[69] A propósito da hipótese in extremis da oposição - vulgaris na praxis judiciária - da negação do Arguido versus depoimento / declarações da Vítima / Ofendido / Assistente / Lesado.
[70] Sumário do ARG de 09.5.2005 de Maria Augusta Fernandes com Tomé Branco e Heitor Gonçalves no processo 475/05-1 in www.dgsi.pt/jtrg.
[71] ASTJ de 11.4.2011 de Souto de Moura com Isabel Pais Martins e Carmona da Mota no Processo 117/ 08.3PEFUN.L1.S1.
[72] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o processo.
[73] Sequentemente, «A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes» (art 42-1), congruentemente, «A execução das penas…visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade» (art 2-1), «A execução, na medida do possível, evita as consequências nocivas da privação da liberdade e aproxima-se das condições benéficas da vida em comunidade» (art 2-5) e «… promove o sentido de responsabilidade do recluso, estimulando-o a participar no planeamento e na execução do seu tratamento prisional [segundo «… os princípios da especialização e da individualização…»] e no seu processo de reinserção social, nomeadamente através de ensino, formação, trabalho e programas» (art 2-6-5, estes do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade).
[74] Lembram-se os arts 54 [«Para prevenção e repressão dos crimes haverá penas»] e 84 [cuja «…aplicação …, entre os limites fixados na lei para cada uma, depende da culpabilidade do delinquente, tendo-se em atenção a gravidade do facto criminoso, os seus resultados, a intensidade do dolo, os motivos do crime e a personalidade do delinquente»] do CP de 1886 revisto pelo DL 39 688 de 05.6.1954 claramente fazendo depender a medida da pena da medida da culpado infractor a reprimir.
[75] Que «…não significa uma espécie de “lavagem ao cérebro”, i.é, uma substituição da “mundividência” do condenado pela “mundividência” dominante na sociedade, mas, sim e apenas, uma tentativa de interpelação e consequente auto-adesão do delinquente à indispensabilidade social dos valores essenciais (bens jurídico-penais) para a possibilitação da realização pessoal de todos e de cada um dos membros da socie dade. Em síntese, significa uma prevenção da reincidência. Esta função da pena implica, como é evidente, profundas alterações das condições físicas e pessoais (como a estrutura arquitectónica dos estabelecimentos prisionais, e a ocupação do tempo em actividades profissionais e culturais) em que, geralmente, é cumprida a pena de prisão; caso contrário, esta finalidade - que, repetida e nomeadamente no caso português, tem sido considerada essencial para que a pena seja verdadeiramente um meio de protecção dos bens jurídicos - não se cumprirá, tomando-se, pelo contrário, a prisão em meio de dessocialização ou de agrava mento da desintegração social do delinquente» (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal. Parte Geral, Coimbra Editora, 2ª edição, Setembro de 2008, § 97, pgs 63-64).
[76] «… conatural à pena, e constitui também uma função da pena, que em nada é incompatível com a referida função positiva de ressocialização. É que não se trata de intimidar por intimidar, mas sim de uma dissuasão (através do sofrimento que a pena naturalmente contém) humanamente necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto - ressocializar, ou seja, de não reincidir. E, no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial» (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal, obra citada, § 98).
[77] Pela pena como «… um meio de interpelar, a sociedade e cada um dos seus membros, para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente; …função da pena [que] começa por se realizar com a criação da lei criminal-penal (interpelação legal) e consuma-se com a aplicação judicial da pena e sua execução (interpelação judicial e fáctica). | Naturalmente que quanto mais importante for o bem jurídico, mais intensa deve ser a interpelação. E, por isto, necessariamente que quanto mais grave for o cri me (mais valioso o bem jurídico a proteger) mais grave terá de ser a pena legal, e, no geral, também maior a pena judicial. | Esta dimensão de interiorização torna-se mais necessária relativamente às condutas lesivas de bens jurídicos que, embora merecedores da tutela penal, a consciencialização da sua importância, para a vida da sociedade e das pessoas, ainda não é suficientemente profunda e generalizada. Tal é o caso de muitos dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal secundário ou económico-social» (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, obra citada, § 102, pgs 65-66).
[78] «… mensagem de confiança e de pacificação social…dada, especialmente, através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da importância do bem jurídico lesado…» com «… a dimensão ou objectivo da pacificação social » (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal, § 102, pgs 65-66).
[79] Por ser tão «… irrealista considerar que a dissuasão individual não é uma função (um “fim”) da pena” como «… afirmar que a dissuasão geral não é um dos sentidos ou funções da pena, mas somente um seu efeito lateral» (AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal, § 103, pág 66).
[80] VICTOR DE SÁ PEREIRA, ALEXANDRE LAFAYETTE, Código Penal. Anotado e Comentado, 1ª edição, Quid Júris, Lisboa, 2008, anotações 11 e 12 ao art 71, pgs 218-219.
[81] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português. Parte geral. II As consequências jurídicas do crime, reimpressão em Setembro de 2005 do original de Junho de 1993, § 497 a pág 331.
[82] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português. Parte geral. II As consequências jurídicas do crime, reimpressão em Setembro de 2005 do original de Junho de 1993, § 500 a pág 333.
[83] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português. Parte geral. II As consequências jurídicas do crime, reimpressão em Setembro de 2005 do original de Junho de 1993, § 501 a pág 333.
[84] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, reimpressão em 2005 do original de 1993, § 185 pág 149.
[85] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, reimpressão em 2005 do original de 1993, § 124 pág 119.
[86] ASTJ de 03.6.2004 de Pereira Madeira com Santos Carvalho e Costa Mortágua in processo 04P1266 – sublinhados do Relator.
[87] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português. Parte geral. II As consequências jurídicas do crime, reimpressão em Setembro de 2005 do original de Junho de 1993, § 255 a pgs 196-197.
[88] Sobre este aspecto a Dissertação de Mestrado de PAULA MEIRA LOURENÇO, A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra Editora, Agosto de 2006, mormente pgs 373 sgs.