Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
418/08.0PAMAI-O.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PERDA DE BENS
POSSE
PRESUNÇÃO DO DIREITO
Nº do Documento: RP20141105418/08.0pamai-O.P1
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os bens e objectos apreendidos em processo crime não sendo declarados perdidos a favor do Estado devem ser restituídos a quem de direito após o transito em julgado da sentença.
II - Tratando-se de bens móveis não sujeitos a registo cuja proveniência ilícita não ficou demonstrada na falta de reivindicação por terceiros devem ser restituídos a quem foram apreendidos como seu possuidor.
III - Não existe nenhum impedimento à eficácia da presunção da titularidade do direito por parte do seu possuidor, prevista no artº 1268º CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 418/08.0PAMAI-0.P1
________________________

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo (comum colectivo) n.º 418/08.0PAMAI. da 4ª Vara Criminal do Porto o arguido B…, ENTRE OUTROS foi submetido a julgamento, sendo a final condenado na pena única de 10 (anos de prisão efectiva, pela prática de um crime de roubo qualificado p.p. pelos artsº 210º nº1 e 2, al.b) e 204º nº1 al.a) e 2, als. f) e g) do CP, praticado em 4 de Abril de 2008 em que é ofendido C…; um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. pelos arts,22º, 23º, 131º, 132º nº1 e 2, al.h) todos do C. Penal, praticado em 17 de Agosto, em que figura como ofendido D…; um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. pelos arts,22º, 23º, 131º, 132º nº1 e 2, al.h) todos do C.Penal, praticado em 17 de Agosto de 2008, em que figura como ofendido E…; um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artº 86º, al.c) da Lei nº 5/2006 de 32/02, praticado em 21 de Março de 2008, tendo-se ainda determinado quanto aos objectos apreendidos, que não foram entregues nem declarados perdidos a favor do Estado, o seguinte: “Quanto aos demais objectos apreendidos determina-se a respectiva restituição a quem demonstrar ser seu legítimo proprietário, no prazo de um ano, ordenando-se a publicação de éditos, nos termos do disposto no artº 186º do Código de Processo Penal”, sendo que esta decisão na parte referida e transcrita, foi confirmada pelo acórdão desta Relação de 22 de Julho de 2011, e pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/5/2009.
Transitado o acórdão, pelo arguido B… foi requerida a restituição dos bens que lhe foram apreendidos. Também F… e G…, vieram requerer a restituição dos bens que lhes foram apreendidos. Convidados a juntar meios de prova adequados ao por si alegado, e depois de produzidas as provas indicadas, pela Mª Srª Juiz foi proferido o seguinte despacho:
(…)
Requerimento de F… e G… de fls. 23815 e seguintes
Requerimento de B… de fls.22477 e de fls. 23734 e seguintes
Requerimento de H… de fls. 25199 e seguintes, de fls. 25298 e de fls. 6111 bem como de I… de fls. 6031 e de fls. 6115
Na sequência de acórdão final transitado em julgado, os bens objecto dos requerimentos atrás aludidos foram mandados entregar a quem demonstrar ser seu legitimo proprietário, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 186º do Código do Processo Penal.
Procedeu-se às diligencias requeridas e/ou consideradas relevantes para a decisão do presente incidente.
O Ministério Publico emitiu parecer.
Cumpre decidir:
- Vieram F… e G… requerer a entrega dos bens e valores a que fazem alusão no requerimento atrás mencionado.
Tendo em conta, por um lado as declarações carreadas pelas testemunhas cujo teor se acha coligido a fls. 5921 e seguintes, bem como o teor da factura de fls. 3482 e 3483 bem como o exame pericial de fls. 6882 e as declarações fiscais de fls. 6091 a 6098 e as de fls. a 6125 a 6141 (do processo apenso), e nunca desmerecendo as regras da experiencia comum somos de concluir o seguinte:
● no que tange aos bens identificados no exame pericial de fls. 6882, e tendo presente que, não obstante não terem sido declarados os respectivos rendimentos, as testemunhas arroladas pelos requerentes foram unanimes em afirmar que a requerente mulher é vendedora, entre outros, de objectos de ourivesaria, tendo mesmo a testemunha J… afirmado ter sido uma das suas fornecedoras, é de concluir que foi feita a prova bastante de que os bens examinados que contêm a marca de contrastaria de “K…, Lda.” e “L…, Lda.” que foram apreendidos se destinavam ao comercio pela requerente mulher e, nessa medida, a mesma fez a prova de que é a legitima proprietária dos mesmos.
Nessa conformidade, e quanto aos bens identificados, procede o requerido, ordenando-se a entrega dos mesmos aos requerentes.
● no que atende aos demais bens identificados no exame pericial de fls. 6882, e tendo presente que, não obstante o afirmado, quer pelas testemunhas como pela requerente mulher, certo é que nenhuma prova foi adiantada que se afigure como suficiente para que seja concluído que os requerentes são os legítimos proprietários de tais objectos. Isto é, para além de não terem sido declarados os rendimentos de tal actividade, como já se salientou, há que frisar que estes bens foram encontrados num local diverso daquele onde a requerente mulher desenvolvia a sua actividade comercial e outrossim, como a mesma afirmou, para serem ocultados de uma eventual busca policial.
Nesta medida, e porque a mera detenção não equivale à prova de propriedade legítima, e nenhuma outra foi produzida, importa indeferir ao requerido.
● no que tange às quantias monetárias apreendidas, a que se alude no auto de apreensão de fls. 2874 e 2875, importa atender que, convocando as regras da experiencia comum, não se afigura curial a recolha de tal quantia monetária num local que mais não é do que uma oficina de trabalho, que não apresenta condições de segurança para além do mínimo, isto é uma porta com uma fechadura. Outrossim, as mesmas regras antes aludidas ensinam-nos que tal quantia em dinheiro é guardada em cofres e/ou levada a deposito em instituições de credito.
Ora, no caso em apreço, tal não aconteceu. Veio, neste incidente, a requerente mulher dar conta de que tal quantia monetária lhe pertencia, como fruto do rendimento do seu trabalho e que ali se encontrava para evitar a respectiva apreensão por autoridade policial.
Por outro lado, como se disse, e já repetiu, não houve declaração fiscal de qualquer rendimento pelos requerentes e o único comprovativo de transacção comercial junto, o de fls. 3482 e 3483, não é de molde a gerar o rendimento traduzido nos meios financeiros apreendidos.
Teremos, assim, que concluir que não foi feita a prova pelos requerentes de que as quantias monetárias que foram apreendidas nos termos que se dá conta a fls. 2874 e 2875 e cuja entrega vêm solicitar são, por um lado, o rendimento da actividade comercial empreendida pela requerente mulher nem mesmo que são os requerentes os legítimos proprietários de tais quantias em dinheiro. Vale tudo por dizer que, no que concerne a estes valores, terá de improceder o requerido.
Notifique.
Com cópia do auto de apreensão, do requerimento de fls. 23815 e seguintes, de fls. 24858 e 24859, de fls. 6125 a 6141 (do apenso) e da transcrição de fls. 5921 e seguintes, proceda à comunicação à Direcção Geral de Finanças, nos termos e para os fins promovidos.
*
- Veio B… de fls. 22477 e de fls. 23734 e seguintes requerer a entrega dos bens e valores a que faz alusão no requerimento atrás mencionado.
Tendo em conta, por um lado as declarações carreadas pela testemunha M…, que vieram a ser convalidadas pelas facturas de fls. 69 a 72 do apenso de buscas ao requerente, bem como as facturas de fls. 2, 4 e 20 deste ultimo apenso sem olvidar a factualidade que foi dada como provada, quer quanto à situação pessoal e profissional do arguido, quer quanto à sua conduta delitiva e nunca desmerecendo as regras da experiencia comum somos de concluir o seguinte:
● quanto aos bens que constituem o recheio da casa buscada, a que se alude a fls. 2857 e seguintes, e vistos que sejam os documentos de fls. 2, 4 e 20 do apenso de buscas relativo ao aqui requerente, isto não obstante nem todas se encontrarem emitidas em seu nome, somos de concluir que estando as mesmas na sua posse aquando da diligencia de busca, fez o mesmo a prova que se lhe exigia de ser o legitimo proprietário dos bens a que as mesmas aludem, tanto mais que o mesmo tinha meios económicos para a respectiva aquisição, dado que exercia actividade profissional remunerada.
Já quanto aos outros bens que faziam parte do recheio da casa buscada não logrou o arguido fazer a prova de que era o legitimo proprietário dos mesmos, visto que, por um lado a factura junta a fls. 3 do apenso de buscas se encontra em nome de um terceiro, e por outro lado, assente que se acha a factualidade demonstrada e as regras da experiencia comum, não ficou demonstrada mais do que a circunstancia de que era o arguido o detentor de tais bens, já não que era o seu legitimo proprietário.
● quanto aos bens pessoais do arguido, a que igualmente se alude a fls. 2857 e seguintes, e tendo em conta o teor do depoimento da testemunha M…, as facturas de fls. 69 a 72 do apenso de buscas ao requerente e sem esquecer, ainda, o que ficou demonstrado quanto às condutas delitivas do arguido e a sua situação pessoal e profissional, somos de concluir que quanto ao conjunto de marca “…” formado por relógio, fio e pulseira, em aço e ouro, que será o mesmo de entregar ao requerente por ter sido feita a prova bastante de ser o mesmo o seu legitimo proprietário, em virtude de doacção por banda da testemunha aludida.
Vista, ainda, a factura de fls. 69 do aludido apenso e consideradas as declarações da mencionada testemunha e do próprio arguido, temos que concluir de modo similiar no que respeita ao relógio da marca “...”, em aço e borracha, posto que a dita factura se encontrava na posse do arguido aquando da realização da busca e a data aposta na mesma é de molde a corroborar o por ele afirmado quanto à data em que tal bem lhe foi doado, isto é, pouco tempo antes da ocorrência daquele evento. Assim, e quanto a este bem, será igualmente de proceder o pedido formulado, por ter sido feita a prova pelo arguido de que é o legitimo proprietário de tal bem.
● quanto aos bens pessoais que constituem pulseiras e anéis, a que se alude a fls. 2857 e seguintes, importa, diversamente, concluir que não logrou o requerente fazer a prova, seja porque forma seja, de que é o legitimo proprietário de tais bens, posto que para além de não ter feito a junção de qualquer documento, bem assim não arrolou qualquer meio fidedigno que lograsse fazer a demonstração que, para além de detentor de tais bens, é o seu legitimo proprietário. Vale tudo por dizer que, no que atende aos descritos bens, será de indeferir a sua pretensão.
● quanto aos bens pessoais que se reconduzem a bonés, bolsas e óculos de sol, e dado que se tratam de bens de uso corrente e de valor relativamente exíguo, demonstram-nos as regras da experiencia comum que habitualmente os respectivos proprietários não fazem resguardo dos títulos de aquisição, dada a perecibilidade de tais bens, razão por que se entende demonstrado que os mesmos são da propriedade do requerente, com excepção daquele que o próprio requerente admite não ser seu. Nessa medida, e nos termos elencados, vai deferido o requerido.
● quanto às chaves de viaturas, comando e documentação, vistas as declarações do requerente, importa declarar a improcedência do requerido.
Notifique.

(…)
*
Inconformados interpuseram recurso o arguido B…, bem como F… e G… no qual formulam as seguintes conclusões:
O arguido B…
(…)
A. O presente recurso tem como objecto toda a matéria, relativa ao ora recorrente, do despacho que determinou que não lhes fossem entregues os bens por si reclamados (requerimentos fls. 2477 e 23734 segts), e apreendidos no processo supra referenciado.
B. O recorrente foi, julgado e condenado nos autos à margem referenciados na pena única de 10 anos de prisão pela prática de:
- um crime de roubo qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1 e 2, al. b) e 204º, nº 1, al. a) e 2, als. f) e g), todos do Código Penal, praticado em 4 de Abril de 2008, em que figura como ofendido C… na pena de 5 (cinco) anos de prisão factualidade relacionada com o roubo de uma viatura de marca “Nissan” modelo “…” com a matrícula nº ..-..-UT – (Episódio I);
- um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º 131º, 132º, nº 1 e 2 , al. h) todos do Código Penal, praticado em 17 de Agosto de 2008, em que figura como ofendido D…, na pena de 6 (seis) anos de prisão – (Episódio VIII); e,
- um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º 131º, 132º, nº 1 e 2 , al. h) todos do Código Penal, praticado em 17 de Agosto de 2008, em que figura como ofendido E…, na pena de 6 (seis) anos de prisão – (Episódio VIII). (itálico e negrito nossos)
C.Na fase de inquérito do processo supra referenciado e em cumprimento dos respectivos mandatos judiciais foram efectuadas buscas à casa onde residia o recorrente, sita na Rua …, nº…, .º fracção CX, diligências devidamente documentadas nos autos de busca e apreensão de fls.2857 e segs. do processo principal .
D. Na sequência da busca realizada à casa do recorrente, documentada no auto de busca de apreensão de ls. 2857 segts, foram apreendidas no interior da referida residência todos os bens móveis não sujeitos a registo devidamente descriminados no auto.
E. Dúvidas também não restam, em face do teor do auto e das declarações dos recorrentes e das testemunhas ouvidas no processo, de que a residência em apreço era habitada e utilizada pelo recorrente como casa de morada de família.
F. Na acusação deduzida pelo Ministério Público no âmbito dos autos à margem referenciados, e no que concerne com os bens apreendidos ao recorrente não foi promovido ou requerido o perdimento a favor do Estado.
G. Por sua vez o acórdão condenatório transitado em julgado e no que concerne com os bens ora em crise e reclamados pelos recorrentes ordenou: “Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 186.º CPP, devem ser entregues a quem demonstrar ser o seu legítimo proprietário”
H. Isto não obstante o art. 186.º/2 CPP determinar algo diferente i.e., e cita-se “Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do estado.” O sublinhado é nosso para sublinhar a diferença entre o que a Lei determina e o que consta da sentença.
I. È redutora em relação ao significado “a quem de direito” a menção que consta na sentença de determinar a entrega a quem “…demonstrar ser o seu legítimo proprietário”.
J. O direito de propriedade, mormente quando se trata de bens móveis não sujeitos a registo, como é o caso dos bens apreendidos e reclamados, coincide com a sua posse, se esta não for perturbada com reivindicação de terceiro, ou objectos de prova em contrário quando questionada.
K. E por esse facto, também por esse facto, a Lei determinar a entrega a quem de direito, e não a quem demonstrar ser legítimo proprietário, o que muitas vezes seria ónus quase impossível se não fosse demonstrada a posse. O que não é o caso.
Ora,
L. Por requerimento de fls.22477 e 23734 segts, o recorrente solicitou no processo principal a restituição de todos os bens imóveis que lhe foram apreendidos.
M. Note-se que, não resulta da acusação pública deduzida pelo MP que os sobreditos bens apreendidos tenham proveniência ilícita.
N. De igual modo, os bens apreendidos não foram declarados perdidos a favor do Estado no acórdão final condenatório devidamente transitado em julgado.
Sucede que,
O. No seguimento da promoção do Ministério Público, pela Sra. Juiz a quo foi proferido o despacho que ora se recorre
P. Ora, o despacho recorrido não se encontra minimamente fundamentado, nele não se fazendo qualquer referência legal, doutrinal ou jurisprudencial que o possa sustentar.
Q. Exige o disposto no artigo 97º, nº 5, do CPP que “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
R. Pela simples leitura do despacho recorrido, supra transcrito, verifica-se que o mesmo não é esclarecedor nem convincente quanto aos fundamentos da decisão de indeferimento do requerido.
S. É um caso exemplar em que a decisão se pretende impor não pela força da razão mas pela força do julgador!
T. E quando assim é, não pode concordar-se que o tribunal está a exercer um poder/julgar, em nome do povo, como está constitucionalmente consagrado – artigo 202º, nº 1, da CRP.
U. Ora, reitera-se o despacho em crise carece de fundamentação de facto e de direito, coarctando dessa forma aos recorrentes a possibilidade de exercer o seu direito de defesa impugnando correctamente a matéria de facto.
V. Pelo que, o despacho em crise é nulo e violador dos princípios penais da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
W. Aliás salvo o devido respeito por opinião contrária, o douto despacho recorrido proferido pelo tribunal a quo sustenta-se, única e exclusivamente, nas regras de experiência comum do julgador olvidando as mais elementares regras e princípios basilares do direito das coisas, designadamente as presunções legais atinentes com a posse e a propriedade, como se demonstrará infra.
X. De acordo com o n.º 1 do art. 178.º do CPP devem ser «apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir de prova»
Y. “In casu” porém, e examinado o texto integral do libelo acusatório constante de fls…, bem como do Acórdão proferido e constante de fls…, nele não vislumbramos, de todo, nem o mais pequeno elemento de conexão entre os factos pelos quais o arguido B… foi condenado e os bens que lhe foram apreendidos melhor identificados no auto de busca e apreensão de fls.2857seguintes.,
Z. nem a imputação de qualquer facto que permita apontar no sentido de que os objectos apreendidos foram adquiridos com dinheiro ilicitamente obtido através da prática de qualquer crime. Por outro lado,
AA. Se na acusação pública deduzida contra determinado arguido não é imputada qualquer proveniência ilícita sobre determinados bens que lhe foram apreendidos, é de presumir que o sujeito que foi alvo da apreensão seja o seu legítimo dono.
BB. Relembra-se que o arguido B… foi condenado por um crime de roubo qualificado, na forma consumada, praticado em 4 de Abril de 2008, em que figura como ofendido C… relacionado com o roubo de uma viatura de marca “Nissan” modelo “…” com a matrícula nº ..-..-UT, e dois crimes de homicídio na forma tentada, em que figuram como ofendidos D… e E….
CC. A que adita o facto de o arguido B… não ter sido condenado por qualquer crime que, de alguma forma, pudesse contender com a obtenção ilícita de produtos de ourivesaria. Note-se
DD. É à acusação que compete alegar e demonstrar a aquisição/proveniência ilegítima dos objectos apreendidos em sede de inquérito.
E,
EE. É ao Ministério Público que compete, na acusação/pronúncia por si deduzida, a concreta discriminação dos objectos que considera terem sido furtados ou ilegitimamente apropriados.
FF. Não existe qualquer justificação para se negar a devolução de peças de ourivesaria apreendidas ao recorrente, quando o próprio Ministério Público na acusação por si deduzida, não faz qualquer referência a essas peças como tendo sido furtadas ou ilegitimamente adquiridas pelo arguido, tal como não foi feita essa referência no Acórdão proferido.
GG. Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os objectos devem ser restituídos aos seus legítimos possuidores - as pessoas a quem os mesmos foram apreendidos - nos termos do art. 186º do C.P.P..
HH. O princípio da presunção de inocência pressupõe que se presuma que o possuidor de bens móveis não sujeitos a registo, seja o seu legítimo proprietário.
II. Assim, presume-se (até demonstração em contrário) como legitimo proprietário dos objectos a pessoa a quem os mesmos foram apreendidos.
JJ. Acresce que, até foi exactamente neste sentido que o tribunal a quo decidiu no douto Acórdão, ordenando a sua entrega a quem demonstrar ser seu legítimo proprietário.
KK. Os bens de ourivesaria e a quantia monetária foram apreendidos em casa do recorrente.
LL. Pelo que, dúvidas não subsistem que tais bens estavam na sua posse.
MM. Nos termos do disposto no art.º 1268 nº 1 do Código Civil, “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.”
Por sua vez,
NN. O n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil dispõe que: “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que a ela conduz.”
OO. É, assim, estabelecida uma presunção legal de que os possuidores são os titulares do direito de propriedade sobre os bens dos quais são possuidores.
PP. Incumbindo a quem pretenda ilidir a presunção legal, fazer prova em contrário.
QQ. No caso em apreço não há dúvidas que os bens foram apreendidos na posse do recorrente, pelo que, o recorrente goza da presunção legal de que é o titular do direito de propriedade sobre esses bens.
RR. Ou seja,
SS.O recorrente, por ser o possuidor dos bens em crise aquando da apreensão, goza da presunção legal de que é o seu proprietário.
TT. Nunca foram carreados para os autos factos que permitissem ilidir esta presunção.
UU. Incumbe a quem pretenda ilidir a presunção legal, fazer prova em contrário.
VV. Pelo que, mal andou o tribunal a quo quando no despacho em crise, em violação de presunção legal supra referida decidiu (sublinhado nosso):
“Já quanto aos outros bens que faziam parte do recheio da casa buscada não logrou o arguido fazer a prova de que era o legitimo proprietário dos mesmos, visto que, por um lado a factura junta a fls. 3 do apenso de buscas se encontra em nome de um terceiro, e por outro lado, assente que se acha a factualidade demonstrada e as regras da experiencia comum, não ficou demonstrada mais do que a circunstancia de que era o arguido o detentor de tais bens, já não que era o seu legitimo proprietário.
quanto aos bens pessoais que constituem pulseiras e anéis, a que se alude a fls. 2857 e seguintes, importa, diversamente, concluir que não logrou o requerente fazer a prova, seja porque forma seja, de que é o legitimo proprietário de tais bens, posto que para além de não ter feito a junção de qualquer documento, bem assim não arrolou qualquer meio fidedigno que lograsse fazer a demonstração que, para além de detentor de tais bens, é o seu legitimo proprietário. Vale tudo por dizer que, no que atende aos descritos bens, será de indeferir a sua pretensão.”
WW. Pelo que se afigura que mal andou a Mmaª Sr.ª Juiz a quo, subvertendo as regras estabelecidas quanto ao ónus da prova e à presunção estabelecida a favor do recorrente.
XX. A interpretação do disposto no art. 186º do Código de Processo Penal, segundo a qual após apreensão judicial, os objectos apreendidos só seriam devolvidos ao seu possuidor (a pessoa a quem foram apreendidos tais objectos) se este fizer prova da sua legítima propriedade e aquisição, sempre seria inconstitucional por grosseira violação do disposto nos artigos 32º, nº 2 e 62º da Constituição da República.
YY. Ora, na esteira do supra referido, os recorrentes gozam a seu favor da presunção de proprietários dos bens apreendidos.
ZZ. Resulta do despacho recorrido por um lado que “o arguido tinha meios económicos para a respectiva aquisição, dado que exercia actividade profissional remunerada”, e por outro lado “ não ficou demonstrada mais do que circunstanciada de que era o arguido o detentor de tais bens.”.
AAA. Sucede que, não obstante a existência de uma presunção legal e estar assente que o recorrente dispunha de meios económicos para adquirir os bens que lhe fora, apreendidos e que os bens foram encontrados na sua posse, a Mm.ª Juiz a quo, apenas com fundamento em que não foi feita a junção de documentos fidedignos para demonstrar a propriedade, indeferiu a pretensão do recorrente em que lhe fossem restituídos os bens apreendidos.
BBB. Ora, o facto de o recorrente não ter junto documento demonstrativo da propriedade dos bens apreendidos –recorda-se bens móveis não sujeitos a registo- não pode servir de fundamento para a conclusão de que não aquela não é proprietária dos bens em crise.
CCC. Até porque, como está assente, a residência onde foram apreendidos os bens era o local onde o recorrente residia, pelo que, também está assente que os mesmos estavam na sua posse.
DDD. E, nenhuma prova foi produzida que permitisse concluir que recorrente não era o seu legitimo proprietário, como se impunha, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, nos arts. 350º e 1268º do Código Civil.
EEE. Pelo que, beneficiando o recorrente da presunção de ser legitimo proprietário dos bens, e não tendo sido essa presunção ilidida, deveriam os bens ter a este sido restituídos.
FFF. Na nossa humilde opinião as regras da experiência comum não podem permitir e sustentar que não está demonstrado que o recorrente é o legítimo proprietário dos bens apreendidos.
GGG. Bem, pelo contrário.
HHH. Beneficiando o recorrente da presunção legal de ser o seu proprietário, impunha-se que tivesse sido feita prova bastante do contrário, o que não foi feito.
III. Pelo que, mal andou o tribunal a quo subvertendo as mais elementares regras da distribuição do ónus da prova e do direito das coisas ao indeferir, com base em meras conclusões/insinuações sustentadas em supostas regras da experiência comum, o pedido de restituição dos bens apreendidos ao recorrente.
JJJ. Pelo que, beneficiando o recorrente da presunção de ser legítimo proprietário dos bens apreendidos, e não tendo sido essa presunção ilidida, deveriam os bens ter a este sido restituídos.
KKK. O despacho recorrido viola o disposto nos arts. 186º do C.P.P., 1268º do Código Civil e 32º, nº 2 e 62º da Constituição da República.
LLL. A manutenção da apreensão dos bens em causa ao Recorrente além de constituir uma agressão ao seu direito de propriedade, comporta uma redução do seu valor económico, podendo inclusive, determinar a sua completa inutilidade.
MMM. Tanto mais que os bens apreendidos se encontram desde há muito tempo a aguardar a sua sorte em condições que se desconhece, mas que as regras de experiência comum nesta temática nos dizem que nunca são as ideais.
NNN. Comportando um prejuízo para o recorrente e para o seu agregado familiar que se vê privado do uso dos bens apreendidos, com todas as consequências inerentes de tal privação
*****
Termos em que deve o despacho recorrido ser revogado e, na parte em que indeferiu a entrega dos bens reclamados e, em consequência, substituído por outro que determine a entrega ao recorrente de todos os bens que lhes foram apreendidos, com as devidas e legais consequências,

F… e G…

A. O presente recurso tem como objecto toda a matéria, relativa aos ora recorrentes do despacho que determinou que não lhes fossem entregues os bens por si reclamados (requerimento fls. 23815 e segts), e apreendidos no processo supra referenciado.
B. Os recorrentes são casados e progenitores do Arguido B…, julgado e condenado nos autos à margem referenciados na pena única de 10 anos de prisão pela prática de:
- um crime de roubo qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1 e 2, al. b) e 204º, nº 1, al. a) e 2, als. f) e g), todos do Código Penal, praticado em 4 de Abril de 2008, em que figura como ofendido C… na pena de 5 (cinco) anos de prisão factualidade relacionada com o roubo de uma viatura de marca “Nissan” modelo “…” com a matrícula nº ..-..-UT – (Episódio I);
- um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º 131º, 132º, nº 1 e 2 , al. h) todos do Código Penal, praticado em 17 de Agosto de 2008, em que figura como ofendido D…, na pena de 6 (seis) anos de prisão – (Episódio VIII); e,
- um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º 131º, 132º, nº 1 e 2 , al. h) todos do Código Penal, praticado em 17 de Agosto de 2008, em que figura como ofendido E…, na pena de 6 (seis) anos de prisão – (Episódio VIII). (itálico e negrito nossos)
C. Na fase de inquérito do processo supra referenciado e em cumprimento dos respectivos mandatos judiciais foram efectuadas buscas à casa morada de família dos recorrentes e à oficina de trabalho do recorrente marido, diligências devidamente documentadas nos autos de busca e apreensão de fls. 2869 e segts do processo principal.
D. Na sequência da busca realizada na oficina do recorrente marido, documentada no auto de busca e apreensão de fls. 2874 e 2875, foram apreendidas diversas peças em ouro melhor descritas no referido auto e ainda € 21.300,00 (vinte e um mil e trezentos euros) em notas do BCE.
E. Resulta do teor dos 1.º e 2.º parágrafos do sobredito auto o seguinte:
“Deu-se início à busca pelas 19h00, na presença do buscado, que na posse da respectiva chave da porta de entrada facultou a abertura”
“Trata-se de uma oficina onde o buscado labora, exercendo a profissão de marmorista. É composta por um único … com várias bancadas de trabalho” (itálico e negrito nosso)
F. Importa realçar que a entrada na sobredita oficina se fez mediante a entrega da chave pelo recorrente marido aos agentes da PJ que efectuaram a busca.
G.O que demonstra que o local se encontrava devidamente fechado, com o acesso vedado a qualquer outra pessoa que não o recorrente ou a quem este facultasse o acesso.
H. Dúvidas também não restam, em face do teor do auto e das declarações dos recorrentes e das testemunhas ouvidas no processo, de que a oficina em apreço era utilizada pelo recorrente marido para exercer a sua actividade profissional.
I. De igual modo, o tribunal a quo em nenhum momento, designadamente no douto despacho de que ora se recorre colocou em crise ou considerou como não provado que a oficina onde foram realizadas as buscas e aprendidos os objectos descritos no auto de busca e apreensão de fls… não era utilizada como local de trabalho pelo recorrente marido.
J. Concomitantemente, o tribunal a quo também nunca colocou em crise, antes pelo contrário, que a recorrente mulher exerce a actividade de vendedora, entre outros, de objectos de ourivesaria como resulta do teor do douto despacho que ora se impugna.
K. Aqui chegados, importa esclarecer que no momento em que foram realizadas as buscas e apreendidos os bens aos recorrentes, o seu filho B…, arguido e condenado nos presentes autos, já não residia com estes.
L. Com efeito, os recorrentes nunca foram constituídos arguidos nos autos à margem referenciados.
M. Na acusação deduzida pelo Ministério Público não foi requerido nem promovido o perdimento a favor do Estado dos bens apreendidos aos recorrentes.
N. Por sua vez o acórdão condenatório transitado em julgado e no que concerne com os bens ora em crise e reclamados pelos recorrentes ordenou: “Nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 186.º CPP, devem ser entregues a quem demonstrar ser o seu legítimo proprietário”
O. Isto não obstante o art. 186.º/2 CPP determinar algo diferente i.e., e cita-se “Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do estado.” O sublinhado é nosso para sublinhar a diferença entre o que a Lei determina e o que consta da sentença.
P. È redutora em relação ao significado “ a quem de direito” a menção que consta na sentença de determinar a entrega a quem “…demonstrar ser o seu legítimo proprietário”.
Q. O direito de propriedade, mormente quando se trata de bens móveis não sujeitos a registo, como é o caso dos bens apreendidos e reclamados, coincide com a sua posse, se esta não for perturbada com reivindicação de terceiro, ou objectos de prova em contrário quando questionada.
R. E por esse facto, também por esse facto, a Lei determinar a entrega a quem de direito, e não a quem demonstrar ser legítimo proprietário, o que muitas vezes seria ónus quase impossível se não fosse demonstrada a posse. O que não é o caso.
S. Por requerimento de fls 23815 e segts, os recorrentes solicitaram no processo principal a restituição de todas as peças de ourivesaria e da quantia monetária que lhes foram apreendidas.
T. Note-se que, não resulta da acusação pública deduzida pelo MP que os sobreditos bens apreendidos tenham proveniência ilícita.
U. De igual modo, os bens apreendidos não foram declarados perdidos a favor do Estado no acórdão final condenatório devidamente transitado em julgado.
Sucede que,
V. No seguimento da promoção do Ministério Público, pela Sra. Juiz a quo foi proferido o despacho que ora se recorre
W. Ora, o despacho recorrido não se encontra minimamente fundamentado, nele não se fazendo qualquer referência legal, doutrinal ou jurisprudencial que o possa sustentar.
X. Exige o disposto no artigo 97º, nº 5, do CPP que “ os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Y. Pela simples leitura do despacho recorrido, supra transcrito, verifica-se que o mesmo não é esclarecedor nem convincente quanto aos fundamentos da decisão de indeferimento do requerido.
Z. É um caso exemplar em que a decisão se pretende impor não pela força da razão mas pela força do julgador!
AA. E quando assim é, não pode concordar-se que o tribunal está a exercer um poder/julgar, em nome do povo, como está constitucionalmente consagrado – artigo 202º, nº 1, da CRP.
BB. Ora, reitera-se o despacho em crise carece de fundamentação de facto e de direito, coarctando dessa forma aos recorrentes a possibilidade de exercer o seu direito de defesa impugnando correctamente a matéria de facto.
CC. Pelo que, o despacho em crise é nulo e violador dos princípios penais da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
DD. Aliás salvo o devido respeito por opinião contrária, o douto despacho recorrido proferido pelo tribunal a quo sustenta-se, única e exclusivamente, nas regras de experiência comum do julgador olvidando as mais elementares regras e princípios basilares do direito das coisas, designadamente as presunções legais atinentes com a posse e a propriedade, como se demonstrará infra.
EE. De acordo com o n.º 1 do art. 178.º do CPP devem ser «apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir de prova»
FF.“In casu” porém, e examinado o texto integral do libelo acusatório constante de fls…, bem como do Acórdão proferido e constante de fls…, nele não vislumbramos, de todo, nem o mais pequeno elemento de conexão entre os factos pelos quais o arguido B… foi condenado e os bens apreendidos aos recorrentes e melhor identificados no auto de busca e apreensão de fls. 2874 e 2875,
GG. nem a imputação de qualquer facto que permita apontar no sentido de que os objectos de ourivesaria apreendidos foram adquiridos com dinheiro ilicitamente obtido através da prática de qualquer crime.
HH. Nem tão-pouco a imputação de qualquer facto que permita concluir que a quantia monetária apreendida é o produto obtido pela prática de um qualquer ilícito criminal.
II. Se na acusação pública deduzida contra determinado arguido não é imputada qualquer proveniência ilícita sobre determinados bens que lhe foram apreendidos, é de presumir que o sujeito que foi alvo da apreensão seja o seu legítimo dono.
JJ. Relembra-se que o arguido B… foi condenado por um crime de roubo qualificado, na forma consumada, praticado em 4 de Abril de 2008, em que figura como ofendido C… relacionado com o roubo de uma viatura de marca “Nissan” modelo “…” com a matrícula nº ..-..-UT, e dois crimes de homicídio na forma tentada, em que figuram como ofendidos D… e E….
KK. A que adita o facto de o arguido B… não ter sido condenado por qualquer crime que, de alguma forma, pudesse contender com a obtenção ilícita de produtos de ourivesaria.
LL. É à acusação que compete alegar e demonstrar a aquisição/proveniência ilegítima dos objectos apreendidos em sede de inquérito.
E,
MM. É ao Ministério Público que compete, na acusação/pronúncia por si deduzida, a concreta discriminação dos objectos que considera terem sido furtados ou ilegitimamente apropriados.
NN. Não existe qualquer justificação para se negar a devolução de peças de ourivesaria apreendidas aos recorrentes, quando o próprio Ministério Público na acusação por si deduzida, não faz qualquer referência a essas peças como tendo sido furtadas ou ilegitimamente adquiridas pelo arguido, tal como não foi feita essa referência no Acórdão proferido.
OO. Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os objectos devem ser restituídos aos seus legítimos possuidores - as pessoas a quem os mesmos foram apreendidos - nos termos do art. 186º do C.P.P..
PP. O princípio da presunção de inocência pressupõe que se presuma que o possuidor de bens móveis não sujeitos a registo, seja o seu legítimo proprietário.
QQ. Assim, presume-se (até demonstração em contrário) como legitimo proprietário dos objectos a pessoa a quem os mesmos foram apreendidos.
RR. Acresce que, até foi exactamente neste sentido que o tribunal a quo decidiu no douto Acórdão, ordenando a sua entrega a quem demonstrar ser seu legítimo proprietário.
SS. Os bens de ourivesaria e a quantia monetária foram apreendidos na oficina do Recorrente, cônjuge da Recorrente.
TT. Pelo que, dúvidas não subsistem que tais bens estavam na posse dos Recorrentes.
UU. Nos termos do disposto no art.º 1268 nº 1 do Código Civil, “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.”
Por sua vez,
VV. O n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil dispõe que: “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que a ela conduz.”
WW. É, assim, estabelecida uma presunção legal de que os possuidores são os titulares do direito de propriedade sobre os bens dos quais são possuidores.
XX. Incumbindo a quem pretenda ilidir a presunção legal, fazer prova em contrário.
YY. No caso em apreço não há dúvidas que os bens foram apreendidos na posse dos recorrentes, pelo que, os recorrentes gozam da presunção legal de que são os titulares do direito de propriedade sobre esses bens.
Ou seja,
ZZ. Os recorrentes, por serem os possuidores dos bens em crise aquando da apreensão, gozam da presunção legal de serem os seus proprietários.
AAA. Nunca foram carreados para os autos factos que permitissem ilidir esta presunção.
BBB. Incumbe a quem pretenda ilidir a presunção legal, fazer prova em contrário.
CCC. Pelo que, mal andou o tribunal a quo quando no despacho em crise, em violação de presunção legal supra referida decidiu (sublinhado nosso):
“no que atende aos demais bens identificados no exame pericial de fls. 6882 e tendo presente que, não obstante o afirmado, quer pelas testemunhas como pela requerente mulher, certo é que nenhuma prova foi adiantada que se afigure como suficiente para que seja concluído que os requerentes são os legítimos proprietários de tais objectos. Isto é, para além de não terem sido declarados os rendimentos de tal actividade, como já se salientou, há que frisar que estes bens foram encontrados num local diverso daquele onde a requerente mulher desenvolvia a sua actividade comercial e outrossim, como a mesma afirmou, para serem ocultados de uma eventual busca policial.
Nesta medida e porque a mera detenção não equivale à prova de propriedade legítima, e nenhuma outra foi produzida, importa indeferir o requerido.
no que tange às quantias monetárias apreendidas, a que se alude no auto de apreensão de fls. 2874 e 2875, importa atender que, convocando as regras de experiência comum, não se afigura curial a recolha de tal quantidade monetária num local que mais não é do que uma oficina de trabalho, que não apresenta condições de segurança para além do mínimo, isto é uma porta com uma fechadura. Outrossim, as mesmas regras antes aludidas ensinam-nos que tal quantia em dinheiro é guardada em cofres e/ou levada a depósito em instituições de crédito.
Ora, no caso em apreço tal não aconteceu. Veio, neste incidente, a requerente mulher dar conta de que tal quantia monetária lhe pertencia, como fruto do rendimento do seu trabalho e que ali se encontrava para evitar a respectiva apreensão por autoridade policial.
Teremos, assim, que concluir que não foi feita prova pelos requerentes de que tais quantias monetárias que foram apreendidas nos termos que se dá conta a fls. 2875 e 2875 e cuja entrega vêm solicitar são, por um lado, o rendimento da actividade comercial empreendida pela requerente mulher nem mesmo que são os requerentes os legítimos proprietários de tais quantias em dinheiro. Vale tudo por dizer que, no que concerne com estes valores, terá de improceder o requerido.”
DDD. Pelo que se afigura que mal andou a Mmaª Sr.ª Juiz a quo, subvertendo as regras estabelecidas quanto ao ónus da prova e à presunção estabelecida a favor dos recorrentes.
EEE. A interpretação do disposto no art. 186º do Código de Processo Penal, segundo a qual após apreensão judicial, os objectos apreendidos só seriam devolvidos ao seu possuidor (a pessoa a quem foram apreendidos tais objectos) se este fizer prova da sua legítima propriedade e aquisição, sempre seria inconstitucional por grosseira violação do disposto nos artigos 32º, nº 2 e 62º da Constituição da República.
FFF. Ora, na esteira do supra referido, os recorrentes gozam a seu favor da presunção de proprietários dos bens apreendidos.
GGG. Resulta do despacho recorrido que “as testemunhas arroladas pelos requerentes foram unanimes em afirmar que a requerente mulher é vendedora, entre outros, de objectos de ourivesaria, tendo mesmo a testemunha J… afirmado ter sido uma das suas fornecedoras”.
HHH. Sucede que, não obstante a existência de uma presunção legal e estar assente que a recorrente mulher é vendedora de objectos de ourivesaria, a Mm.ª Juiz a quo, apenas com fundamento em que tais bens se encontravam em lugar diverso daquele onde a recorrente desenvolvia a sua actividade comercial, indeferiu a pretensão daquela em que lhe fossem restituídos os bens apreendidos.
III. Ora, o facto de estar em lugar diverso do local onde a recorrente desenvolvia a sua actividade não pode servir de fundamento para a conclusão de que não aquela não é proprietária dos bens em crise.
JJJ. Até porque, como está assente, a oficina onde foram apreendidos os bens é do recorrente seu marido, pelo que, também está assente que os mesmos estavam na sua posse.
KKK. E, nenhuma prova foi produzida que permitisse concluir que a recorrente não era a sua legitima proprietária, como se impunha, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, nos arts. 350º e 1268º do Código Civil.
LLL. Pelo que, beneficiando a recorrente da presunção de ser legitima proprietária dos bens de ourivesaria em crise, e não tendo sido essa presunção ilidida, deveriam os bens ter a esta sido restituídos.
MMM. Por outro lado, e no que tange às quantias monetárias apreendidas aos recorrentes, diga-se que está assente que as referidas quantias foram apreendidas na oficina pertencente ao recorrente marido.
NNN. Ou seja, está assente que os recorrentes eram os possuidores de tais quantias. Tal nunca foi posto em crise.
OOO. Gozando assim os recorrentes, também quanto às quantias monetárias apreendidas, da presunção legal de serem seus proprietários.
PPP. Porém, a Mmª Sr.ª Juiz a quo, com base nas regras da experiência comum - diga-se que tais bens deveriam estar guardas num cofre - indeferiu a requerida restituição. Decidindo que não foi feita prova pelos recorrentes de que são os legítimos proprietários das quantias monetárias apreendidas.
QQQ. Na nossa humilde opinião as regras de experiência comum não podem permitir e sustentar que não está demonstrado que os recorrentes são os legítimos proprietários dos bens apreendidos.
RRR. Bem pelo contrário.
SSS. Beneficiando os recorrentes da presunção legal de serem seus proprietários, impunha-se que tivesse sido feita prova bastante do contrário, o que não foi feito.
TTT. Pelo que, mal andou o tribunal a quo subvertendo as mais elementares regras da distribuição do ónus da prova e do direito das coisas ao indeferir, com base em meras conclusões/insinuações sustentadas em supostas regras da experiência comum, o pedido de restituição dos bens apreendidos aos recorrentes.
UUU. Pelo que, beneficiando os recorrentes da presunção de serem legítimos proprietários das quantias monetárias apreendidas, e não tendo sido essa presunção ilidida, deveriam os bens ter a esta sido restituídos.
VVV. O despacho recorrido viola o disposto nos arts. 186º do C.P.P., 1268º do Código Civil e 32º, nº 2 e 62º da Constituição da República.
WWW. A manutenção da apreensão das peças de ourivesaria causa aos Recorrentes um enorme prejuízo que põe em causa a sua própria sobrevivência financeira.
XXX. Prejuízo esse que se tem vindo a agudizar com o tempo, porquanto os Recorrentes estão desapossados dos bens apreendidos desde 16 de Setembro de 2008.
*****
Termos em que deve o despacho recorrido ser revogado e, em consequência, substituído por outro que determine a entrega aos recorrentes de todos os bens que lhes foram apreendidos, com as devidas e legais consequências,
FAZENDO-SE ASSIM A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA.

(…)

O Magistrado do Ministério Público respondeu, no sentido de que “Deverão, pois, ser julgados procedentes os recursos do arguido B… e de seus pais F… e G…, alterando-se a douta decisão ora recorrida em conformidade.”
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que os recursos não merecem provimento e “ainda que com fundamentação algo diversa, entendemos que os despachos recorridos não merecem qualquer censura, devendo, por isso, serem confirmados nos segmentos impugnados.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP pelo arguido B… foi apresentada resposta na qual e em síntese reafirma as conclusões do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões dos recursos, há que decidir as seguintes questões:
● Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação;
● Violação do princípio da presunção de inocência;
● Violação do disposto nos artigos 32º nº2 e 62º da Constituição da República;
● Saber se os recorrentes beneficiam da presunção de serem os legítimos proprietários nos termos dos artsº 350º e 1268º do C.Civil;
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
Embora os recursos incidam sobre despachos diferentes, com respeito pela autonomia dos recursos trataremos na medida do possível conjuntamente as questões comuns, a ambos os recursos.
Os recorrentes F… e G… alegaram que o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação, por violação do disposto no arº 97º nº5 do CPP.
Nos termos do artº 97º nº5 do CPP “ Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito.”
Este dever de fundamentação das decisões tem consagração constitucional no artº 205º nº1 da CRP.
Porém a decisão recorrida não é uma sentença, e só para a sentença é que a lei comina a omissão de fundamentação como nulidade nos termos do artº 370º nº1 a) e 3 e artº 374º nº2 do CPP.
Sabido que em matéria de nulidades vigora o princípio da tipicidade legal, nos termos do artº 118º do CPP e artº 119º e 120º do CPP, pelo que não estando prevista tal nulidade em relação aos despachos, isto é, não havendo norma que genericamente determine a nulidade por falta de fundamentação em relação a outras decisões, para além das sentenças, como decorre do artº 379º do CPP, tal omissão apenas gera uma irregularidade nos termos do artº 123º do CPP, sujeita ao regime de arguição aí previsto.
Ou seja, nunca estaríamos perante a existência de nulidade, mas sim de uma irregularidade que a verificar-se devia ter sido arguida no prazo de 3 dias após a notificação do despacho recorrido e perante o tribunal que proferiu a decisão, pelo que sempre a arguição agora efectuada seria extemporânea, por já estar sanada pelo decurso do tempo.
Improcede pois a arguida nulidade por falta de fundamentação
Esta mesma nulidade é também arguida pelo recorrente B…, pelo que por uma questão de economia e dando por reproduzido o que supra se escreveu improcede igualmente a arguição efectuada.
Os recorrentes F… e G… requereram a restituição dos bens que lhes foram apreendidos a fls. 2874,2875 alegando serem os possuidores de tais bens e invocando a presunção de propriedade estabelecida no artº 1268º do C.Civil.
Também B… requereu a restituição dos bens que lhe foram apreendidos, por inexistirem as razões cautelares que determinaram a sua apreensão.
A decisão recorrida indeferiu parcialmente o requerimento dos requerentes F… e G…, relativamente aos objectos e quantias apreendidos, por considerar que nenhuma prova foi feita quanto aos demais bens apreendidos de que os requerentes são os legítimos proprietários de tais objectos e quantias, e que “a mera detenção não equivale à prova da propriedade legítima”.
Dispõe o artigo 178º, do CPP:
“1. São apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova.
(…)
7. Se os objectos apreendidos forem susceptíveis de ser declarados perdidos a favor do estado e não pertencerem ao arguido, a autoridade judiciária ordena a presença do interessado e ouve-o. A autoridade judiciária prescinde da presença do interessado quando esta não for possível.
(…)”.
A propósito do instituto da apreensão, o Prof. Germano Marques da Silva escreve que a apreensão «destina-se essencialmente a conservar provas reais e bem assim de objectos que em razão do crime com que estão relacionados podem ser declarados perdidos a favor do Estado» – [1]
De igual modo, M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, depois de referirem que “São passíveis de apreensão, os seguintes objectos:
- os que serviram ou se destinavam à prática do crime,
- os que constituem produto, lucro, preço ou recompensa do mesmo crime,
- os deixados pelo arguido no local;
- e ainda todos quantos, de qualquer modo, possam servir como prova do facto criminoso.”, também salientam que “Esta enumeração mostra-se conforme com os próprios fins visados pelo instituto da apreensão, concebido como uma medida cautelar cujo objectivo é facilitar a instrução do processo, permitir a indisponibilidade da coisa ou simultaneamente os dois fins»[2]
Finalmente, para completar o quadro legal relevante para a dilucidação da questão suscitada, importa ainda ter presente o nº 1 e 2 do artº 186º, do CPP, que dispõe:
“1. Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito.”
2.Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados a favor do estado.
(…)”.
Decorre, assim, deste preceito, que «a apreensão tem, por isso, como regra base o princípio da necessidade. Logo que o mesmo cesse, impõe-se observar a restituição do objecto apreendido» [3]
E por maioria de razão, logo que transitada a sentença, são também de restituir os objectos que não foram declarados perdidos a favor do Estado. Como refere Pinto de Albuquerque “O tribunal de julgamento só pode pronunciar-se sobre os factos imputados e os objectos com ele relacionados num lugar: na sentença. Por isso o artº 186º, nº2 reserva o momento da restituição dos objectos apreendidos para depois do trânsito em julgado da sentença. E a restituição só não tem lugar nessa altura em um de dois casos: se o tribunal na sentença transitada declarou os objectos apreendidos perdidos a favor do Estado ou, tratando-se de objectos pertencentes ao arguido ou ao responsável civil, se o tribunal mandar que a apreensão se mantenha, mesmo depois do trânsito a título de arresto preventivo.”[4]
Também o desembargador Francisco Marcolino escreve “Para além da desnecessidade para o processo, os objectos apreendidos, que não tenham sido declarados perdidos a favor do Estado, são restituídos a quem de direito, logo que transite em julgado a sentença (nº2 do artº 186º).
E a restituição, é feita a «quem de direito», tanto poderá ser ao dono da coisa como ao seu legítimo possuidor, já que como escreve o Desembargador Francisco Marcolino, [5] “Os objectos são restituídos, diz a lei, “a quem de direito”, conceito que não é coincidente com o de proprietário.Com efeito, o preceito em causa tem de ser conjugado com a norma do nº6 do artº 178º, onde se fala de «titular de bens ou direitos», sendo este um conceito amplo, que não abrange “apenas a quem seja proprietário do bem ou direito apreendido a” (…), mas também “quem detenha o direito de usar e fruir o bemAc da RP de 21/1/2004, processo 0315777, in www.dgsi.pt.
Revertendo estas noções ao caso dos autos, temos que os requerentes G… e F… não são arguidos nos autos, nem da factualidade provada resulta a relação dos objectos aprendidos com algum dos crimes praticados pelos arguidos.
Aliás precisamente por isso, isto é que o acórdão recorrido não logrou verificados os pressupostos do artº 109º nº1 e veio a determinar a sua “restituição a quem demonstrar ser seu legítimo proprietário no prazo de um ano, ordenando-se a publicação de éditos, nos termos do disposto no artº 186º do código de Processo Penal”.
Porém ao invocar o art.º 186º do CPP e não obstante o trânsito em julgado desta decisão, entendemos que o alcance de tal determinação não pode ser outro se não aquele que expressamente resulta da lei, isto é, a quem de direito.
De resto como supra deixamos exposto, chegados à sentença, das duas uma, ou os objectos são declarados perdidos e não o foram ou após o trânsito desta são restituídos a quem de direito nos termos do artº 186º nº2 do CPP.
Os requerentes são as pessoas que possuíam os objectos, incluído o dinheiro, e a quem os mesmos foram aprendidos, sem que outrem se tenha arrogado a titularidade dos mesmos e sem que o tribunal tenha concluído que a sua proveniência seja ilícita.
Os recorrentes e o Ministério Público em primeira instância invocam o disposto no artº 1268º d0 C.Civil que dispõe que “O possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundado em registo anterior ao início da posse.
Uma vez que não ficou demonstrada nos autos a proveniência ilícita dos objectos e quantias em dinheiro, estamos perante bens móveis não sujeitos a registo, e que os mesmos eram detidos de forma pacífica, independentemente da questão de os requerentes terem ou não regularizada a sua situação contributiva e fiscal, o que não é objecto destes autos, e poderá ser apurado noutra sede, não se vêem razões que afastem o funcionamento da presunção legal, pois que, quem tem as coisas na sua esfera de disponibilidade fáctica desfruta das qualidades e utilidades que elas lhe proporcionam e, portanto, exerce sobre elas uma actividade correspondente ao conteúdo de um direito real e, como tal, tem a posse dessas coisas.
E segundo os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, “ O valor teórico e prático destas presunções resulta do disposto no artº 350º nº1: «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz» tem no campo da posse uma relevância prática muito grande, pois é, em regra, bastante difícil, quando não impossível (o que acontece normalmente em relação às coisas móveis), a prova directa da propriedade.” [6]
É certo que o processamento da restituição de bens segue ainda as regras do processo penal, no qual inexistem ónus de prova. Porém sendo determinada a entrega a quem demonstrar ser legítimo proprietário, seria onerar os requerentes a quem os bens foram apreendidos, tornando tal prova impossível, não considerar tal presunção, o que poria também em crise o princípio da unidade da ordem jurídica.
Isto sem prejuízo de se entender que não está em causa o princípio da presunção de inocência invocado pelos recorrentes e consagrado no artº 32º nº2 da CRP, desde logo porque os mesmos não são arguidos nos autos e porque de todo o modo não está em causa nesta sede o apuramento da responsabilidade criminal, encontrando-se a mesma já definida por decisão transitada.
Subscrevemos pois a posição do magistrado do Ministério Público em 1ª instância quando na resposta apresentada ao recurso escreveu que:
“(…) para além da função de segurança processual (evitar dificuldades ou mesmo perda da prova), a apreensão tem uma função de garantia patrimonial (permitir o confisco dos bens).
Ora, esta última função só existe em relação aos bens que tenham servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime, ou que constituam o seu produto, lucro, preço ou recompensa. Quanto aos outros bens (não ilícitos), a apreensão deve ser levantada logo que cessem os pressupostos que a determinaram, com consequente restituição aos respectivos proprietários possuidores.(…).”
Como tal, e com o devido respeito por posição contrária inexistindo fundamento legal para que os mesmos sejam declarados perdidos, afigura-se que os memos devem ser entregues às pessoas a quem foram apreendidos, sem prejuízo obviamente de a haver alguma questão que terceiro coloque relativamente à titularidade dos bens, a mesma poder e dever ser decidida nos meios comuns com uma ampla produção de prova.
Decidiu também o acórdão da relação de Évora de 8/5/2012 que “Não merece reparo o critério da decisão recorrida invocado pelo senhor juiz a quo, segundo o qual, nos termos do artº 186º nºs 1 e 2 do CPP, o bem deve ser entregue a quem foi apreendido quando não é inquestionável que o bem não lhe pertence.”[7]
Face ao que se expôs, entendemos pois que os bens apreendidos identificados no auto de exame pericial de fls.6882 e as quantias monetárias apreendidas devem ser restituídos aos requerentes F… e G….
No que concerne ao recorrente B…, arguido nos autos, como decorre do acórdão transitado, os bens pessoais que lhe foram aprendidos a fl.2857 ss. não estão relacionados com os crimes pelos quais foi condenado. Tais bens encontravam-se na sua posse não havendo conhecimento nos autos que a propriedade dos mesmos seja reivindicada por terceiros.
Assim dando aqui por reproduzido o que se disse aquando da apreciação do recurso dos recorrentes H… e G…, entendemos que não tendo os objectos apreendidos, sido declarados perdidos a favor do Estado devem os mesmos ser-lhe restituídos.
*
*
III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em:
● no provimento do recurso interposto pelos recorrentes F… e G…, revogar o despacho recorrido e determinar a restituição aos recorrentes dos demais bens identificados no exame pericial de fls. 6882 e quantias monetárias apreendidas no auto de apreensão de fls. 2874 e 2875.
● no provimento do recurso do arguido B…, revogar o despacho recorrido e determinar a restituição ao recorrente dos bens pessoais que constituem pulseiras e anéis, a que se alude a fls. 2857 e ss.

Sem tributação

Porto, 5/11/2014
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
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[1] cfr Curso de Processo Penal, Verbo, 4ª ed., 2008, vol. II pág. 242.
[2] cfr. Código de Processo Penal Anotado, Editora Rei dos Livros, 1999, 2ª ed., I vol., pág. 902
[3] - cfr. Vinício Ribeiro, in “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2008, pág. 374
[4] Paulo Pinto de Albuquerque, comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição atualizada, Universidade Católica editora, pág. 505.
[5] Francisco Marcolino de Jesus, Os Meios de Obtenção de Prova em Processo Penal, Almedina 2011, pág.220.
[6] Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume III, 2ª edição revista e actualizada, pág. 35, Coimbra Editora Limitada.
[7] Ac.Rel. Évora de 8/5/2012 proferido no proc. 48/08.7MAS TB.E2.