Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
266/23.8GBAND.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: ALCOOLÍMETRO
VALIDADE
VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
REGIME LEGAL
Nº do Documento: RP20240228266/23.8GBAND.P1
Data do Acordão: 02/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – Findo o período de validade de um determinado aparelho alcoolímetro, por a respetiva aprovação de modelo não ter sido renovada, o mesmo poderá permanecer em utilização desde que se mostre cumprido o regime das verificações metrológicas periódicas ou extraordinárias, nos termos previstos no art.º 7º, nºs 2 e 7, do DL nº 29/2022, de 07/04.
II – Estabelecendo o art.º 9º, nº 2, do DL nº 29/2022 que “A verificação periódica é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável”, e o nº 4 do mesmo artigo que, tratando-se de verificação periódica, a mesma deve ser requerida até 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico realizada, e ainda do art.º 7º, nº 3, do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, que a verificação periódica é anual, a conclusão a tirar é a de que perderá validade a permanência em utilização do alcoolímetro cuja última verificação metrológica tenha ocorrido há mais de um ano, contado a partir da data em que foi efetuada a última verificação periódica do aparelho, dando-se o termo de tal prazo, de harmonia com o estabelecido no art.º 279º, al. c), do Código Civil, às 24 horas do dia que corresponda ao ano seguinte à data da última verificação.
III – Tal interpretação é a única consentânea com a vontade do legislador, manifestada no preâmbulo da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, por sua vez concordante com as recomendações da OIML (Organização Internacional de Metrologia Legal), assim como do fabricante do aparelho em causa, e, sobretudo, com o disposto no art.º 8º, nº 1, da Portaria nº 366/2023, de 15/11, que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros, e assume a natureza de uma norma interpretativa, retroativamente aplicável (ademais porque favorável ao arguido), ao vir estabelecer, de forma clarificadora, que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização”.
IV – Sendo a prova da taxa de álcool no sangue obtida através de analisadores quantitativos, uma prova técnico-científica, e assim colocada num patamar análogo ao da prova pericial, a validade ou invalidade dos respetivos resultados dependerá da validade dos próprios aparelhos utilizados, e sendo estes inválidos, inválidos serão os seus resultados, ficando subtraída a possibilidade de qualquer juízo de valoração probatória por parte do juiz, com o qual procurasse determinar a taxa de álcool no sangue, que só através daqueles aparelhos seria possível validamente determinar.

(da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 266/23.8GBAND.P1 – 4.ª Secção

Relator: Francisco Mota Ribeiro

SUMÁRIO
(sumário da responsabilidade do relator)

..............................

..............................

..............................

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO

1.1 Após realização da audiência de julgamento, no Proc.º nº 266/23.8GBAND, que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Anadia, Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por sentença de 07/08/2023, foi decidido o seguinte:

“1. Condenar o arguido AA pela de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a) in fine, ambos do Código Penal

a) na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros);

b)  na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias;   

2. Condenar o arguido pela prática de 1 (um) crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.º 154.º, nºs 1 a 3, do Código da Estrada, e art.º 348.º, nºs 1, alínea a), e 2,do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros);

3. Efetuar o cúmulo jurídico das penas de multa aplicadas, condenando o arguido na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa de €7 (sete euros);

4. Condenar o arguido a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C (artigo 513º do Código de Processo Penal conjugado com artigos 8.º do Regulamento das Custas Processuais), e legais encargos com o processo nos termos do art.º 514.º do C.P.P.”

1.2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:

“(…)

III - Desde logo, o alcoolímetro quantitativo DRÄGER ALCOTEST 7110 ML IIIP ARPN0072 usado no exame de alcoolemia do arguido encontrava-se, à data do exame, inapto, por decorrência do prazo de validade da aprovação.

(…)

XIV – Ora, os elementos de prova que sejam obtidos com aparelhos ou instrumentos que não tenham sido aprovados, ou cuja aprovação tenha sido expirada com o decurso do prazo ou que não obedeçam aos regulamentos não podem fazer fé em juízo.

XV - Por força do artigo 118.º do CPP, sendo nula ou irregular o meio de prova, a consequência será que a prova que daí resultar não poderá ser utilizada, nem de forma indiciária sequer, nem de qualquer forma (ensina-nos a doutrina dos frutos da árvore envenenada / “fruits of the poisonous tree”).

(…)

XVII - Face ao que se vem expondo, o arguido não se conforma com o sentido em que o tribunal recorrido interpretou, na decisão condenatória, as normas jurídicas constantes do artigo 153.º do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei nº 44/2005 de 23 de fevereiro de 2005, 2.º, do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro, 6.º, n.º 3 da Portaria nº 1556/2007, de 10 de dezembro, 14º, da Lei 18/2007, de 17 de maio e 118.º do CPP, ao decidir que após a caducidade do despacho de aprovação, os aparelhos de medição podem continuar a ser utilizados e os exames realizados constituem prova válida, apesar de não haver verificação anual

(…)

XIX - Aliás, deve ser julgada inconstitucional a interpretação dada às normas jurídicas referidas, pelo tribunal recorrido, na sentença condenatória, por violação dos n.ºs 1 e 2, do artigo 32.º, da CRP.

XX - Acresce que, o alcoolímetro quantitativo DRÄGER ALCOTEST 7110 ML IIIP ARPN0072 usado no exame de alcoolemia do arguido encontrava-se, à data do exame, inapto, por decorrência do prazo de verificação periódica.

(…)

XXIV - Conforme consta do auto de notícia, o alcoolímetro utilizado foi verificado pelo IPQ no dia 07 de junho de 2022, sendo que o teste de álcool se realizou no dia 25 de junho de 2023, ou seja, em momento posterior ao decurso do prazo previsto para a verificação anual.

XXV - O termo “anual” constante do artigo 7.º, n.º 2 do RA “deve ser interpretado como estabelecendo que a nova verificação deve ser realizada no prazo de um ano a contar da última verificação ...”

XXVI - Aliás, quanto à contagem dos prazos é o que impõe o disposto na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil.

(…)

XXVIII - A sentença recorrida decidiu da seguinte forma: “O Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de setembro estabelecia o regime de controlo metrológico de métodos e instrumentos de medição, dispunha, no seu artigo 4º o seguinte: (...) 5 – A verificação periódica é válida até 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário. (...) O Decreto-Lei nº 29/2022 de 7 de abril, que revogou o Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de setembro, (...) Já não se faz expressamente menção a 31 de dezembro do ano seguinte, mas, no entender deste Tribunal, a expressão “anual” deve ser compreendida como “todos os anos” e não “de doze em doze meses”.  Assim, uma vez que a verificação do aparelho ocorreu em 2022, entende o Tribunal que o aparelho tinha a verificação em dia e, como tal, poderá ser utilizado”.

XXIX - Decidiu a Mma. Juíza a quo aplicar norma revogada, não fundamentando porquê, para além de ser “o entender deste Tribunal”.

XXX - A verificação periódica/anual tem uma importância acrescida, in casu, porquanto, conforme se notou supra, já decorreu o prazo de 10 anos sobre a publicação do Despacho de Aprovação do analisador a que nos temos vindo a referir.

(…)

XXXV - Ora, sendo nula a prova obtida para sustentar os factos dados como provados em relação ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a condenação do arguido pelo crime de crime de desobediência não procederá igualmente, porquanto a alegada desobediência por parte do arguido sempre dependeu daquele exame (ensina-nos a doutrina dos frutos da árvore envenenada / “fruits of the poisonous tree”).

(…)

XXXVIII - Ora, o arguido não desobedeceu a uma ordem alguma do agente do órgão de polícia criminal, porquanto, a alegada ordem nunca recaiu em fundamento legal, pelo que não existia motivo para a proibição de conduzir.

(…)

XLI - O tribunal recorrido ao aplicar a norma revogada (do Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de setembro revogado pelo Decreto-Lei nº 29/2022 de 7 de abril) está a violar a norma constitucional da proibição de o arguido ser sentenciado por lei posterior (artigo 29.º da CRP), pelo que, a interpretação vertida na sentença datada de 07-08-2023 deve ser julgada inconstitucional.

(…)

LVII - Foi feita prova de que os senhores militares não prestaram informação ao arguido sobre o impedimento de conduzir pelo período de 12 horas, sob pena de incorrer no crime de desobediência qualificada (artigo 154.º do CE).

(…)

LXIII - O Arguido não sabia a priori do impedimento de conduzir, depois de ser submetido a exame de alcoolemia.

(…)

LXV - Resultam daqui dúvidas mais do que razoáveis de que o arguido não foi notificado quanto ao impedimento de conduzir, pelo período de 12 horas.

(…)

LXVII - Acresce ainda que os senhores agentes do órgão de polícia criminal, ao libertar o arguido no mesmo local onde o detiveram, sabendo que a sua residência não era perto daquele local, não deram outra possibilidade ao arguido senão conduzir até à sua residência.

LXVIII - Razão pela qual o arguido não suspeitou que não poderia voltar a conduzir.

(…)

LXXIII. Pelo que, a todo o processo crime de desobediência qualificada é nulo.

LXXIV - O que deve funcionar a favor da sua absolvição, devendo valer o princípio in dubio pro reo (artigo 32.º da CRP).

(…)

LXXVI - A sanção de inibição de conduzir, a manter-se causará enormes prejuízos familiares e profissionais ao arguido.

(…)

LXXIX - Pelo supra exposto, afigura-se desproporcional a aplicação daquela sanção acessória,

LXXX - Na ponderação entre o bem jurídico protegido pela norma incriminadora não poderá admitir-se que prevaleça em relação ao direito ao emprego e bem-estar básico da sua família de três que praticamente sustenta

(…)

LXXXI - Motivo pela qual, merece o arguido que se conclua, nos presentes autos, pela sua absolvição dos crimes de que foi condenado por sentença datada de 07-08-2023.

LXXXII. Caso assim não se entenda, deve a sanção acessória de inibição de condução ser dispensada, pelos motivos expostos.”

1.3. O Ministério Público respondeu, concluindo pela negação de provimento ao recurso, nos seguintes termos:

“1) O exame de pesquisa de álcool no sangue feito ao arguido constitui prova legal e válida;

2) A factualidade dada como provada na sentença condenatória integra, para além do mais, a previsão do crime de desobediência qualificada previsto e punido pelo artigo 154º nos 1 a 3 do Código da Estrada e do artigo 348º nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal;

3) O Código Penal não prevê a possibilidade de dispensa da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor;

4) A sentença recorrida não viola os artigos 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa e 9º nº 3, do Decreto-Lei nº 29/2022, de 7 de abril.”

1.4. A Exma. Sra. Procuradora-Geral-Adjunta, neste Tribunal, proferiu douto parecer, no qual, acompanhando integralmente a resposta dada ao recurso pelo Ministério Público na primeira instância, concluiu pela negação de provimento ao recurso.

1.5. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, a questão fundamental a decidir consiste em saber se a prova da taxa de álcool no sangue apurada nos autos é uma prova válida, em função da validade ou não da utilização de um alcoolímetro que se encontrava fora do período de validade, tendo em conta a data da última verificação metrológica sobre as suas condições de funcionamento.


2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Factos a considerar

2.1.1. Na sentença condenatória proferida nos autos foi considerada provada a seguinte factualidade:

“1.  No dia 25/06/2023, pelas 00h:59m, na Avenida ..., ..., em Anadia, o arguido AA, conduzia um velocípede elétrico, após a ingestão voluntária de bebidas alcoólicas, e apresentou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,701 g/l, correspondente à TAS de 1,79 g/l registada, depois de deduzida a margem de erro máximo admissível.

2. O arguido sabia que as bebidas alcoólicas que ingeriu, antes de iniciar a condução, lhe poderiam determinar uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l e, ainda assim, não se absteve de conduzir o aludido veículo na via pública nos termos em que o fez, conformando-se com tal possibilidade.

3.  Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, foi o arguido expressamente advertido pelo militar da GNR autuante, BB, devidamente uniformizado e em exercício de funções, que lhe estava vedada a condução de veículos a motor na via pública, pelo período de 12 horas, com a exceção de, nesse período temporal, e após submissão a novo exame de pesquisa de álcool, a expensas suas, revelar uma TAS inferior a 0,50g/l, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada, conforme disposto no art.º 154.º, n.º 2, do Código da Estrada, tal como constava da notificação que leu e assinou.

4. Não obstante, nesse mesmo dia, pelas 02h:22m, o arguido conduziu o velocípede elétrico acima mencionado, na Rua ..., ..., ..., Anadia.

5. O arguido compreendeu o teor e alcance da comunicação que lhe foi efetuada, do que foi advertido e notificado por um agente da autoridade, devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, e que devia obediência à ordem emanada, sob pena de cometer uma infração penal e, não obstante, não deixou de atuar da forma descrita, faltando deliberadamente ao cumprimento de tal ordem, bem sabendo que incorria na prática de um crime de desobediência qualificada.

6. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

7. Não foi interveniente em acidente.

8.  Não demonstrou qualquer arrependimento.

9. O arguido foi libertado, quando os militares o quiseram levar a casa, chegou a dizer-lhes que seriam responsáveis se alguma coisa que estava no velocípede desaparecesse, razão pela qual os militares o deixaram no local onde se encontrava o velocípede.

10. O arguido não tem averbado no certificado de registo criminal qualquer condenação.

11. Em regra, o arguido é condutor cauteloso e diligente na estrada.  responsável e previdente.

12. O arguido é considerado uma pessoa respeitada e respeitadora e trabalhadora.

13. O arguido é motorista de pesados, fazendo o transporte de materiais de construção para obras; no entanto, quando é necessário também trabalha no armazém.

14. O arguido motorista de pesados desde os 26 anos.

15. O arguido é casado, vive com a esposa e tem uma filha de 22 anos, que está a estudar na faculdade, tendo despesas mensais com esta, por estar a estudar, no valor de 220 euros/mês.

16. A esposa do arguido trabalha numa fábrica e aufere o salário mínimo.

17. O arguido é motorista de pesados, trabalha para uma empresa de venda de materiais de construção e aufere, pelo menos, 1000 euros por mês.”


2.1.2. O Tribunal recorrido motivou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos seguintes termos:

“O Tribunal teve em consideração toda prova produzida e toda a prova junta aos autos, a qual foi apreciada à luz das regras da experiência comum e do normal agir humano

O arguido apenas admitiu que conduziu, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, após ter ingerido bebidas alcoólicas.

Porém, tudo o mais que foi referido pelo arguido, quanto aos factos de que vem acusado, não mereceu qualquer credibilidade. Como já se disse, o arguido chegou ao ponto de referir que foi conduzido ao Posto da GNR, sem previamente ter feito o teste qualitativo e sem qualquer justificação; disse ainda que não foi advertido da possibilidade de requerer contraprova, nem foi advertido de que se conduzisse no prazo de 12 horas, incorreria num crime de desobediência qualificada.

Ora, tais declarações não mereceram qualquer credibilidade, atento os depoimentos credíveis das testemunhas BB militar da GNR e CC (militares da GNR, que procederam à fiscalização do arguido, nas duas ocasiões) e até o que resulta das regras da experiência comum e do normal agir humano.

As testemunhas BB e CC, militares da GNR, depuseram de forma absolutamente credível e isenta, tendo relatado as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o arguido foi abordado e sujeito a fiscalização. Ambos os militares relataram que primeira abordagem decorreu no âmbito de uma fiscalização meramente aleatória e que, após o arguido ter sido sujeito a teste qualitativo ao álcool e ter sido conduzido ao Posto, para sujeição ao teste quantitativo, apresentou a TAS que consta do talão.

Ambos relataram também que após o resultado, o arguido foi informado da possibilidade de requerer a contraprova, tendo recusado; ambos disseram também que o arguido foi informado, por várias vezes, que não poderia conduzir no prazo de 12 horas, sob pena de incorrer num crime de desobediência qualificada (quer por escrito, quer oralmente).

Para além disso, ambos relataram ao Tribunal a razão para deixarem o arguido junto do velocípede àquela hora, tendo referido que estavam a conduzir o arguido a sua casa quando aquele lhes disse que se desaparecesse alguma coisa do velocípede seria da responsabilidade dos militares, razão pela qual, deixaram o arguido junto do velocípede.        

O militar CC referiu ainda que no curso de formação enquanto militar da GNR foi-lhe explicado como operar um alcoolímetro. 

O depoimento dos militares da GNR encontra-se corroborado pelos elementos documentais juntos aos autos, assinados pelo arguido (ref. eletrónica n.º 14753099 de 26.6.2023), de onde resulta que o arguido foi informado da possibilidade de requerer a contraprova e recusou e também foi informado que estava impedido de conduzir nas 12 horas seguintes, sob pena de desobediência qualificada. Aliás, sendo o arguido motorista profissional de pesados desde os 26 anos de idade, sabia perfeitamente da possibilidade de requerer a contraprova e de que estava impedido de exercer a condução nas 12 horas seguintes, sob pena de incorrer em desobediência qualificada.

Assim, não existe qualquer dúvida que o arguido praticou todos os factos constantes da acusação (sejam objetivos, sejam subjetivos).

Quanto aos elementos subjetivos, o Tribunal teve em consideração os factos objetivamente provados, e o que resulta das regras da experiência comum e do normal agir humano.

Quanto à não intervenção em acidente de viação, o Tribunal teve em consideração os depoimentos das testemunhas BB e CC (que referiram o contexto em que o arguido foi abordado nas duas situações), bem como os elementos juntos aos autos, que não fazem referência a qualquer acidente de viação.

Quanto ao carácter e personalidade do arguido, o Tribunal teve em consideração os depoimentos das testemunhas DD (patrão do arguido, que descreveu o arguido como uma pessoa trabalhadora e correta, sem hábitos de consumos excessivos de bebidas alcoólicas), EE (amigo do arguido, que o descreveu como pessoa responsável e trabalhadora, que não costuma consumir bebidas alcoólicas) e FF (mulher do arguido, que referiu que o arguido não costuma consumir bebidas alcoólicas).

Quanto à situação pessoal, económica e familiar, o Tribunal teve em consideração as declarações do arguido, que mereceram credibilidade.

Quanto à ausência de antecedentes criminais, o Tribunal teve em consideração o certificado de registo criminal junto aos autos.”

2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos

Alega o recorrente que o alcoolímetro quantitativo DRÄGER ALCOTEST 7110 MK III P nº ARPN0072, utilizado no exame de alcoolemia, do qual resultou a taxa de álcool no sangue apurada nos autos, se encontrava inapto, à data do exame, por decorrência do prazo de validade da respetiva aprovação.

Ora, o alcoolímetro em referência foi aprovado pelo Despacho nº 19684/2009 da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária, de 25/06/2009, para utilização na fiscalização do trânsito – Diário da República, 2ª Série, nº 166/2009, de 27/08/2009. E tinha obtido uma aprovação do modelo n.º 211.06.07.3.06, do Instituto Português da Qualidade, através do Despacho n.º 11037/2007, de 24 de abril de 2007, no qual se fez constar que a validade de tal aprovação era de 10 anos.

Àquela data vigorava o DL nº 291/90, de 20/09, em cujo artigo 2.º, n.º 1, se estabelecia que “Aprovação de modelo é o ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria, devendo ser requerida pelo respetivo fabricante ou importador”. Acrescentando-se no nº 2 do mesmo artigo que “A aprovação de modelo será válida por um período de 10 anos findo o qual carece de renovação”.

Não era, porém, uma imposição normativa de caráter absoluto, no sentido de que o mesmo não pudesse continuar a ser utilizado decorridos esses 10 anos, pois no nº 7 do mesmo artigo também se dizia que “Os instrumentos de medição em utilização cuja aprovação de modelo não seja renovada ou tenha sido revogada, podem permanecer em utilização desde que satisfaçam as operações de verificação aplicáveis”. Transferindo assim a confirmação dos pressupostos de validade da utilização do aparelho inicialmente aprovado para o cumprimento do regime das verificações metrológicas periódicas ou extraordinárias, a que aludiam, designadamente, os art.ºs 4º e 5º do mesmo diploma.

Tais disposições normativas passaram, entretanto, a estar previstas, com o mesmo exato sentido normativo, no art.º 7º, nºs 2 e 7, do DL nº 29/2022, de 07/04, diploma que veio estabelecer um novo regime geral do controlo metrológico legal dos métodos e dos instrumentos de medição, revogando no seu art.º 29º aquele DL nº 291/90.

Assim sendo, somos levados a concluir, sem desnecessárias complexificações, que a validade dos resultados metrológicos obtidos com o aparelho dos autos dependerá do cumprimento das exigências legais quanto às referidas verificações metrológicas. E elas sucederam-se, a última das quais em 07/06/2022.

Por seu turno, o art.º 7º, nº 1, da Portaria nº 1556/2007, de 10 de dezembro, referindo-se às verificações metrológicas dos alcoolímetros, determinava que “A primeira verificação é efetuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano”, e o nº 2 do mesmo artigo que “A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo”.

Resta agora saber se, com base nesta norma, como pretende o recorrente, se pode considerar “inapto” o aparelho alcoolímetro quantitativo DRÄGER ALCOTEST 7110 ML IIIP ARPN0072, usado no exame de alcoolemia que lhe foi efetuado, por nessa data ter já decorrido o prazo de um ano, contado a partir da última verificação metrológica efetuada pelo IPQ, isto é, em 07/06/2022.

De facto, resulta dos autos que o aparelho alcoolímetro utilizado para efetuar o teste de álcool no sangue ao recorrente havia sido verificado pelo IPQ em 07/06/2022, sendo que o teste efetuado ao arguido teve lugar no dia 25/06/2023. Ou seja, um ano e 18 dias depois daquela última verificação, e assim para além do período em que uma nova verificação metrológica devesse ter lugar.

Como bem refere o recorrente, o despacho de aprovação do modelo de alcoolímetro nada diz em contrário da norma citada, razão por que será na anualidade da verificação periódica que teremos de analisar a viabilidade da sua pretensão.

Para nos situarmos, importa dizer que a questão posta respeita à prova resultante de um aparelho alcoolímetro devidamente aprovado pelo Instituto Português da Qualidade, em harmonia com o estabelecido no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10/12, segundo critérios técnico-científicos, à luz dos quais se definem os requisitos metrológicos que permitem assegurar a “qualidade metrológica estabelecida nos respetivos regulamentos de controlo metrológico legal, de harmonia com os atos legislativos da União Europeia ou, na sua falta, nas recomendações emitidas pela Organização Internacional de Metrologia Legal, aplicando-se sempre as definições constantes do Vocabulário Internacional de Metrologia e do Vocabulário Internacional dos termos de Metrologia Legal” – cf. art.º 3º, nº 1, do Decreto-lei 29/2022, de 07/04, e já antes o art.º 1º, nº 1, do DL 291/90, de 20 de setembro.

O problema posto pelo recorrente atine, portanto, à fiabilidade da prova produzida por um alcoolímetro em que o exame efetuado para determinação da taxa de álcool no sangue é realizado em data posterior ao período de validade do controlo metrológico periódico efetuado àquele aparelho, com o qual se visa assegurar que este mantem uma série de características e que continua a cumprir os métodos e requisitos metrológicos cientificamente aprovados e testados.

Por outro lado, é sabido que, como garantia da objetividade e assim da validade dos resultados dos testes efetuados, são estabelecidas margens de erros máximos admissíveis, que constam em anexo à Portaria nº 1156/2007, de 10/12, visando não a determinação da existência de um erro efetivo, real, exato, mas sim de um erro concretamente indeterminado (indeterminável) dentro de um intervalo de erro possível, dado por um limite mínimo e máximo convencionado. Isto por não ser cientificamente possível estabelecer, através de tais aparelhos metrológicos, com uma exatidão absoluta qual a exta taxa de álcool no sangue e, logicamente, qual a margem de erro exata que pudesse resultar da sua utilização, mas apenas uma margem de erro máximo e mínimo admissíveis. Este princípio de indeterminabilidade é necessariamente transponível para o momento em que se estabelece a validade temporal da verificação metrológica anual, no sentido de que não será cientificamente possível afirmar que 365 dias ou 366 dias, se se tratar de um ano bissexto, após a realização da última verificação metrológica do aparelho o mesmo deixou ou não de ter as características que os dados técnico-científicos permitiam considerar que tinham um dia antes. Mas essa é também a razão por que existem recomendações, baseadas em estudos de caráter científico, que claramente apontam para um momento em que se entra no campo do risco de as qualidades metrológicas dos instrumentos aprovados, sobretudo no tocante às suas margem de erro, inicialmente ponderadas, poderem começar a afetar a fiabilidade dos resultados dos exames com eles efetuados, nomeadamente por referência ao intervalo em que deve ser efetuado “um conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro dos erros máximos admissíveis e restantes disposições regulamentares aplicáveis relativamente ao modelo respetivo”. Sendo precisamente isso o que se pretende com a verificação metrológica periódica, que deve “ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição” – cf. art.º 9º, nº 1, do DL nº 29/2022, de 07/04, que aprovou o regime geral do controlo metrológico legal dos métodos e dos instrumentos de medição. E deve ser requerida dentro desse período de um ano.

Findo esse intervalo de tempo, a lei é clara ao prescrever que a verificação periódica deixa de ser válida. É o que resulta do nº 2 do art.º 9º do DL nº 29/2022, ao dizer que “A verificação periódica é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável”. E a regulamentação específica aplicável para os alcoolímetros, é, como já deixámos referido, a que resulta Portaria nº 1556/2007, e mais exatamente do seu art.º 7º, nº 2.

Mas mais do que isso, resulta do DL nº 29/2022 que, tratando-se, como se trata, de aparelho metrológico de modelo cuja aprovação não foi renovada, a sua utilização como instrumento metrológico só se torna possível, de uma forma válida, se estiverem cumpridas as operações de verificação metrológica legalmente aplicáveis, nomeadamente as de verificação periódica – art.º 7º, nº 7, do mesmo diploma, que reproduz a norma do art.º 2º, nº 7, do DL nº 291/90, de 20/09, entretanto revogado. E tratando-se de verificação periódica a mesma deve ser requerida até 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico realizada – art.º 9º, nº 4, do DL nº 29/2022.

Ora, o art.º 7º, nº 3, da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros para o qual se considerava remeter o art.º 2º, nº 7. do DL nº 291/90 e posteriormente o art.º 7º, nº 7, do DL nº 29/2022, diz, voltamos a repeti-lo, que a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo. E não resultando do despacho que aprovou o modelo de alcoolímetro em causa nos autos nada em contrário, então a verificação metrológica periódica desse alcoolímetro deveria ter ocorrido no prazo de um ano a contar da data da última verificação, e ter sido requerida 30 dias antes de esse prazo terminar. É esse, e só pode ser este, o sentido do termo anual consignado na lei, isto é que dura o período de um ano. Um ano que só pode ser contado a partir da data em que foi efetuada a última verificação periódica do aparelho, com a consequência, nos termos previstos no art.º 279º, al. c), do Código Civil, de o termo de tal prazo ter ocorrido às 24 horas do dia que correspondeu no ano seguinte a essa data, ou seja, no nosso caso, às 24 horas do dia 07/06/2023. Interpretação que é a única consentânea com o propósito do legislador, manifestado no preâmbulo da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, ao afirmar que se verificava “a necessidade de atualizar as regras a que o respetivo controlo metrológico deve obedecer com vista a acompanhar, tecnicamente, o que vem sendo indicado nas Recomendações da Organização de Metrologia Legal”.

Ora, no ponto 5.11 da R 126 (2012), da OIML (Organização Internacional de Metrologia Legal), sobre os analisadores de álcool no sangue através de ar expirado, diz-se que os alcoolímetros devem ser concebidos de modo a manterem características metrológicas estáveis por um período (a ser especificado pelo produtor) o qual deve ser tão longo como o de verificação periódica. E no caso específico do aparelho Dräger Alcotest 7110 MK III, o respetivo fabricante estabelece ser recomendável a realização de inspeções de 12 em 12 meses (“every 12 months”) e apenas na própria marca ou por técnicos credenciados[1].

Este sentido interpretativo tornou-se ainda mais claro com a entrada em vigor da Portaria nº 366/2023, de 15/11, que aprovou o novo Regulamento Metrológico Legal dos Alcoolímetros, revogando a Portaria nº 1556/2007, de 10/12, em cujo art.º 8º, nº 1, veio dizer que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização”. Duração de validade que, em nosso entender, já resultava com meridiana linearidade do art.º 7º, nº 3, da Portaria anterior, norma relativamente à qual esta última deve ser, por isso, considerada uma norma interpretativa, no sentido e alcance dados pelo art.º 13º, nº 1, do Código Civil, porquanto, e usando as palavras do Professor J. Baptista Machado, veio “consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado”, sobre um ponto ou questão em que a norma anterior pudesse ser considerada “incerta” ou com o seu sentido “controvertido[2].

Já na vigência do DL nº 291/90, era esse, em nosso entender, o sentido interpretativo mais acertado, desde logo por estar suportado em recomendações de caráter técnico-científico e, como vimos supra, nas do próprio fabricante do aparelho, as quais estiveram e têm estado na base da elaboração da própria Lei.

Por outro lado, como bem foi referido no voto de vencido do acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 18/01/2012[3],  que com a devida vénia passamos a citar:  “Sendo a verificação periódica ‘… o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respetivo…’ – art.º 4º 1 DL 291/90, - quer-nos parecer que considerar que a verificação anterior, para os alcoolímetros, é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, equivaleria a dizer que: - a verificação periódica não é anual (quando têm de ser anualmente revistos, e essa revisão deve ser efetuada entre janeiro e novembro de cada ano), e que - os alcoolímetros não têm regulamentação especifica, e assim cremos em desconformidade com a regulamentação estabelecida (e a validade da inspeção periódica podia até chegar aos quase dois anos – caso a verificação se realizasse no inicio de um dado ano – e no caso especifico dos autos já vai quase em ano e meio), e se lhe for aplicável o art.º 4º5 DL 291/90 então é destituído de sentido a afirmação legal de que a verificação periódica é anual, uma vez que nunca o será, dado que aquela norma imporia que todas as verificações periódicas (seja qual for a sua periodicidade), sejam elas quais forem têm como termo de validade o dia 31/12 do ano seguinte ao da sua realização” (referia-se à norma de caráter geral, e de aplicação subsidiária, do art.º 4º, nº 5 do DL nº 291/90, entretanto revogado, que dizia: “A verificação periódica é válida até 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”, e a regulamentação específica em contrário era a que precisamente resultava do art.º 7º, nº 2, da Portaria nº 1556/2007 para os alcoolímetros, que estabelecia o caráter anual daquela verificação).  

Ora, é este entendimento, equivocamente baseado numa norma relativa aos instrumentos metrológicos em geral, mas que era claramente afastada na sua significação normativa pela especificamente referida no art.º 7º, nº 2, do diploma relativo aos alcoolímetros, isto é, da Portaria nº 1556/2007, como bem assinala aquele douto voto de vencido, que a decisão recorrida pretende recuperar ou repristinar, olvidando ademais, como acima já deixámos mencionado, que tal norma, assim como o respetivo diploma, há muito que se encontra revogada.

E se era então, muito mais o é agora, porquanto, face à legislação em vigor, designadamente o art.º 9º, nº 4, do DL nº 29/2022, ao estabelecer que a verificação periódica deve ser requerida 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo metrológico, que nos alcoolímetros é anual[4], e que é interpretativa a norma do art.º 8º, nº 1, da Portaria nº 366/2023, e assim de aplicação retroativa, nos termos do art.º 13º, nº 1, do Código Civil, ao estabelecer que a verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização, tornou-se impossível sustentar, como vinha fazendo a jurisprudência maioritária, que a verificação periódica seria válida até 31 de dezembro do ano seguinte ou até ao fim do ano civil seguinte, sendo que um tal entendimento levaria a que a verificação periódica pudesse ocorrer quase dois anos depois da anteriormente efetuada, em contrário das recomendações da OMI e do fabricante do aparelho que estabeleciam uma periodicidade de 12 meses.

Assim sendo, tendo o teste de álcool no sangue dos autos sido realizado através de analisador que se encontrava fora do prazo de validade da verificação metrológica ultimamente realizada, impossibilitada estava a sua utilização, porquanto esta só seria válida, como resulta do art.º 2º, nº 7, do DL nº 291/90, e atualmente do art.º 7º, nº 7, do DL nº 29/2022, se relativamente a ele tivessem sido cumpridas as operações de verificação metrológica no período de tempo legalmente exigido. E no caso do aparelho dos autos elas não foram cumpridas.

A prova que está em causa, isto é, a determinação da taxa de álcool no sangue através de analisadores quantitativos, como o que foi concretamente utilizado, é técnico-científica, e assim colocada num patamar análogo ao da prova pericial, estando por isso os seus resultados subtraídos à possibilidade de qualquer juízo de valoração probatória por parte do juiz, não podendo este produzir qualquer juízo com o qual procurasse determinar a taxa de álcool no sangue que só  aqueles aparelhos, validamente aprovados e inspecionados podem apurar. Ou seja, no caso dos autos, quando muito, face à prova concretamente produzida, poderia o juiz concluir que o arguido ingeriu bebidas alcoólicas, mas não que uma tal ingestão tivesse representado uma concreta taxa de álcool no sangue, porquanto para a determinar necessário seria que tivesse sido realizado um teste no ar expirado, através de analisador quantitativo, ou por análise de sangue – art.º 1º, nº 2, Lei n.º 18/2007, de 17/05, que aprovou Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas -, que fosse válido.

Não tendo sido realizada qualquer análise ao sangue, e não sendo o aparelho utilizado no teste quantitativo efetuado ao arguido passível de qualquer utilização, por não ter sido submetido a controlo metrológico válido, e em vigor, isso faz com que o respetivo resultado também não possa ser considerado válido. E não o sendo, não podia o Tribunal a quo, nem pode este Tribunal de recurso considerar como provada a taxa de álcool que aquele alcoolímetro invalidamente acusou.

E desconhecendo-se qual a taxa de álcool de que o arguido seria validamente portador, impossível se torna também afirmar que a mesma era igual ou superior a 1,2 gramas por litro de sangue, para que a sua conduta pudesse ser considerada crime. Faltando assim um dos pressupostos do crime de condução em estado de embriaguez, previsto no art.º 292º, nº 1, do CP, assim como do crime de desobediência qualificada, previsto nas disposições conjugadas dos art.º 348º do CP e 154º, nº 1, do Código da Estrada, e já que o resultado positivo neste último referido, de harmonia com o disposto no art.º 153º, nº 1, teria de se basear em exame de pesquisa de álcool no ar expirado, realizado mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. E no caso dos autos, como vimos supra, o aparelho utilizado não teve a sua aprovação renovada, e a possibilidade que havia da sua utilização, que advinha do cumprimento das verificações metrológicas periódicas legalmente impostas, tinha deixado de existir, devido ao facto de a última efetuada ter perdido validade.

Razão por que irá ser concedido provimento ao recurso, determinando-se a absolvição do arguido dos crimes pelos quais vinha acusado nos presentes autos.


2.3. Da responsabilidade pelo pagamento das custas

Uma vez que o recorrente obteve vencimento, não terá de suportar as custas do recurso - art.º 513º, nº 1, a contrario sensu, e 514º, nº 1, do CPP.


3. Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal (4ª Secção Judicial) deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, absolvê-lo dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), in fine, do Código Penal e de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.º 154.º, nºs 1 a 3, do Código da Estrada, e art.º 348.º, nºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, de que vinha acusado nos presentes autos.

Sem custas


**


Porto, 2024-02-28
Francisco Mota Ribeiro
Maria Dolores da Silva e Sousa
Horácio Correia Pinto
__________________________
[1] Página 36 do Manual (Instructor Training Manual) disponível em https://duiform.weebly.com/uploads/1/2/0/1/12016444/7110_instructor_manual.pdf
[2] J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1987, p. 246 e 247.
[3] Proc. nº 273/10.0GAALJ.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] E o rigor da anualidade, no seu exato sentido de período de um ano como agora o mandam contar as normas dos artigos referidos, e o art.º 279º, al. c), do Código Civil, resulta do facto de ele ser exigível para um aparelho metrológico que, ao contrário de qualquer outro, abrangido por aquela norma geral do art.º 4º, nº 5, do anterior DL nº 291/90, terá implicações na liberdade das pessoas, pelas consequências penais que necessariamente representará.