Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7147/10.3TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
COMPROPRIEDADE
Nº do Documento: RP201409257147/10.3TBMTS.P1
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os programas de computador que tiverem carácter criativo dispõem de protecção análoga à das obras literárias, aplicando-se-lhes as regras sobre autoria e titularidade do direito de autor.
II - As regras da compropriedade aplicam-se ao exercício comum do direito de autor sobre uma obra feita em colaboração, pelo que ainda que o direito caiba unitariamente a todos os que tiverem colaborado na obra, cada colaborador pode reivindicar a obra de terceiro, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.
III - Se no conjunto da obra feita em colaboração ou colectiva for possível discriminar a contribuição ou produção pessoal de algum ou alguns colaboradores, qualquer dos autores pode, sem prejuízo da exploração em comum da obra, exercer individualmente os direitos relativos à sua contribuição pessoal, designadamente o de indemnização dos danos que a usurpação ilegítima da obra lhe causou individualmente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 7147/10.3TBMTS.P1 [Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
Findos os articulados da acção, foi nela proferido o seguinte despacho:
“Do artigo 14º da PI resulta que, segundo alega o autor, o programa informático objecto da presente acção – B… – é o resultado do seu trabalho, do réu C… e ainda de D…. Em consequência parece-nos estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário activo devendo estar presente, na acção, o referido D…. Pelo exposto, e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 508º, n.º 1, a) do CPC, convido o autor a suprir a excepção dilatória da ilegitimidade passiva sob pena de absolvição das rés da instância”.
Notificados do despacho, os autores manifestaram-se contra a interpretação do tribunal do alegado na petição inicial e não requereram a intervenção principal sugerida no despacho. Perante isso, os réus, que não haviam suscitado a excepção nas suas contestações, vieram requerer a sua absolvição da instância.
De seguida foi proferido despacho absolvendo os réus da instância por preterição não regularizada do litisconsórcio activo necessário, com base na seguinte fundamentação:
“… retira-se dos artigos 10º, 11º, 14º e 15º da PI que, mesmo na versão do autor, este, o réu e o referido D… celebraram um acordo de repartição de vendas dos programas E… e B…. Mesmo na versão do autor retira-se que, apesar de estarem em causa três produtos distintos (artigo 11º) os mesmos foram concebidos e desenvolvidos para serem vendidos em conjunto. Por outro lado, e do teor do artigo 7º, alega o autor que o programa E… foi desenvolvido por si e por D…, sendo o programa B… um desenvolvimento daquele. Parece-nos, assim, claro que, conforme dissemos no despacho de aperfeiçoamento, D… tinha de estar presente nesta acção, ao lado do autor.”
Em simultâneo, porque os réus deduziram pedidos reconvencionais, já admitidos, os réus foram convidados a “esclarecer se mantêm interesse no prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos reconvencionais sendo que, em caso de silêncio, se considerará que não pretendem o prosseguimento dos autos”. Os réus acederam ao convite e reiteraram o interesse na apreciação dos respectivos pedidos reconvencionais.
Apesar disso e do anterior despacho, foi depois proferido o seguinte despacho:
“Os Réus tinham deduzido reconvenção, já admitida por despacho proferido a fls. 202, peticionando a condenação dos Autores em indemnização pelos prejuízos causados no seu bom nome e imagem pela interposição da presente acção e procedimento cautelar apenso. De acordo com o disposto no art. 274º, n. 6 do Código de Processo Civil, a absolvição do réu da instância não obsta à apreciação do pedido reconvencional, salvo quando este seja dependente do formulado pelo Autor. Ora, in casu, os pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus estão na dependência do pedido deduzido pelos Autores, uma vez que apenas poderiam proceder na eventualidade de os réus serem absolvidos do pedido. Face á absolvição dos Réus da instância, não foi possível apurar e decidir do mérito da causa, para que se possa apreciar se assiste aos Reconvintes o direito à peticionadas indemnizações. Pelo exposto, não haverá lugar à apreciação dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus.”
Da decisão de absolvição dos réus da instância, recorreram os autores. Da decisão de não fazer prosseguir a lide para conhecimento das reconvenções, recorreram os réus em dois recursos separados. Foram admitidas todas as apelações.
Os autores concluíram as alegações da respectiva apelação com as seguintes conclusões:
A- Nos termos do Art. 26º do Código de Processo Civil, em especial do seu n.º 3, os pressupostos da legitimidade aferem-se em função da relação jurídica tal como ela é presente pelo Autor a juízo;
B- Como decorre da alegação formulada pelo Autor, sempre este invocou quer a autoria quer a propriedade exclusiva do direito de autor sobre o programa em crise nos presentes autos, nomeadamente, em função do vertido sob os ns. 1º a 14 e 48º a 52º da petição inicial, e 35º a 38º da réplica, razão pela qual, não decorre da sua alegação a existência de um qualquer direito por parte de D… sobre o programa em causa;
C- Nesse pressuposto, e tal como presente a relação jurídica em causa pelo Autor, o direito que este pretende exercer não tem como titular o indicado D…, nem este tem qualquer direito sobre o referido programa, não resultando assim, dos factos alegados, o preenchimento dos pressupostos legais de litisconsórcio necessário, quer activo, quer passivo;
D- O que o Autor sempre invocou foi precisamente que o indicado D… foi o autor de um programa de Back Office, e não de um programa de Front Office, sendo que, na presente demanda, em crise, está apenas e só o direito sobre o programa de Front Office, tal como resulta aliás da alegação do Autor;
E- A douta decisão em crise, viola o disposto nos arts. 26º e 28º do CPC, devendo por tal facto ser objecto de revogação.
Os réus responderam defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

Os 2.º e 3.º réus findaram as alegações da respectiva apelação com as seguintes conclusões:
1. A aplicação do dispositivo do art° 274°, nº 6 do C.P.C. prevê a possibilidade de, no caso de absolvição do réu da instância, tal não obstar à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, impondo como condição que o pedido reconvencional não seja dependente do pedido formulado pelo autor;
2. O pedido reconvencional não depende, por sua natureza ou por vontade dos RR, da procedência do pedido dos AA., pelo que deve ser apreciado autonomamente;
3. O pedido reconvencional decorre de um facto autónomo, ou seja, dos actos praticados pelos AA. após decisão proferida em procedimento cautelar que, no entender dos RR. lesaram gravemente o seu bom nome, imagem, reputação e credibilidade comercial, decorrendo o pedido indemnizatório dessa lesão.
4. Ora a acção tem por base uma alegada "usurpação de direitos de autor" pelos RR, mas o pedido reconvencional assenta num outro facto concreto que consiste no verdadeiro atentado ao bom nome reputação e credibilidade dos RR pela divulgação de factos que, sem estarem definitivamente julgados, foram veiculados e alardemente divulgados como tal;
5. Tratam-se de factos já consumados que violaram direitos dos recorrentes, e que sempre violariam independentemente da procedência, ou improcedência da acção principal e que poderiam ser apreciados autonomamente;
6. Tendo em conta a independência dos pedidos deduzidos em sede de reconvenção relativamente às pretensões formuladas pelos AA ora recorridos, deveria o tribunal a quo. ao invés do que fez, ter determinado a prossecução processual, com o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos reconvencionais.

O 1.º réu culminou as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
a. No douto despacho recorrido (refª 10987432) decidiu-se que não haveria lugar à apreciação dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus por se entender que «(...) os pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus estão na dependência do pedido deduzido pelos Autores, uma vez que apenas poderiam proceder na eventualidade de os Réus serem absolvidos do pedido» e, ainda porque, face à absolvição dos Réus da instância, não seria possível apurar e decidir do mérito da causa para que se pudesse apreciar se assistiria ou não aos Reconvintes o direito às peticionadas indemnizações.
b. E decidiu-se assim não obstante os pedidos reconvencionais terem sido anteriormente admitidos, por despacho proferido a fols. 202 e já transitado em julgado.
c. O primeiro vício a apontar a este despacho, que assim se encontra ferido de nulidade, é tratar-se de um despacho-surpresa que o nosso ordenamento jurídico não permite, Com efeito, depois de os Réus terem visto os seus pedidos reconvencionais admitidos, depois de terem sido convidados a informar o Tribunal sobre a sua intenção de manterem os pedidos reconvencionais, e de o terem feito, respondido afirmativamente, não era imaginável nem expectável nem previsível semelhante despacho.
d. Estabelece o art. 3°, nº 3, do Código de Processo Civil que "O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem". Consagra esta norma o princípio do contraditório, designadamente, através da proibição da decisão-surpresa, isto é, da decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.
e. Através do despacho agora em crise, a Meritíssima Juiz a quo violou o princípio da proibição das decisões-surpresa, previsto naquele art. 3°, n.º 3, do Código de Processo Civil, bem como os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa, constituindo tal violação uma nulidade processual que afecta a boa decisão da causa (art. 201°, n.º 1 do Código de Processo Civil) e uma nulidade do próprio despacho-sentença, dado que a Meritíssima Juiz pronunciou-se sobre matérias sobre as quais não se podia pronunciar sem antes ouvir as partes (art. 668°, n.º 1, al. d), do Cód. de Processo Civil).
f. Por outra via, o despacho faz uma errada interpretação e aplicação da disposição constante do nº 6 do art. 274° do Código de Processo Civil, ao considerar que não deveria haver lugar à apreciação dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus por estarem estes na dependência do pedido deduzido pelos Autores e porque só poderiam proceder na eventualidade de os Réus serem absolvidos do pedido, o que não corresponde à realidade.
g. Com efeito, procedência dos pedidos reconvencionais formulados pela F… não depende da improcedência dos pedidos dos Autores mas sim da demonstração da factualidade por si alegada, independentemente do que acontecer (ou tiver acontecido) ao pedido dos Autores (que, de resto, viram os Réus serem absolvidos da instância apenas pelo efeito da sua inacção, deliberada ou não).
h. Nem faria sentido que o legislador tivesse querido beneficiar a inacção dos Autores, que, uma vez alcançados os seus objectivos de prejudicar os Réus e lucrar com isso, se entregassem à absolvição da instância impedindo os Réus de serem ressarcidos pala apreciação dos seus pedidos reconvencionais. Ou de, contrariando os princípios da economia processual c da celeridade, se verem obrigados a intentar nova acção: é que os Réus não têm culpa de que os Autores se tenham deliberadamente colocado em posição do Meritíssimo Juiz não ter outra possibilidade que não fosse decidir pela absolvição da instância, pelo que não podem naturalmente ser prejudicados por essa atitude deliberada dos Autores.
i. A procedência dos pedidos reconvencionais não tem a ver com a improcedência do pedido dos Autores mas sim com a demonstração da factualidade alegada pelos Réus/Reconvintes: dizem estes que os Autores promoveram uma providência cautelar cuja falta de fundamento não podiam desconhecer, apenas com o intuito de manietar e prejudicar os Réus, afastando-os do mercado num momento crucial, fazendo apreender o programa de computador da F… e impedindo-a de exercer a sua actividade,
j. que os Autores promoveram a divulgação de notícias (de resto falsas) na comunicação social, em jornais de divulgação nacional mas também em revistas do sector da informática, causando graves prejuízos à F…, à sua imagem e bom nome, e ainda que os Autores aliciaram os Clientes da F…, desconcertados com o que se estava a passar, aproveitando o facto de a F… estar impedida de actuar no mercado, tudo isto causando enormes e avultados prejuízos: em síntese, é isto que interessa para a procedência dos pedidos reconvencionais, não a improcedência do pedido dos Autores.
k. De forma que o despacho proferido, para além da nulidade atrás apontada (referente às disposições constantes dos artigos 3°, nº 3, 201°, nº 1, e al. d) do nº 1 do art. 668°, todos do Código de Processo Civil), padece ainda da errada interpretação e aplicação do disposto no nº 6 do art. 274° do Código de Processo Civil, devendo como tal ser julgado e substituído por outro que ordene a apreciação dos pedidos reconvencionais.
Os autores não responderam a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objecto dos recursos:
Sendo certo que são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o objecto do recurso e que o tribunal apenas pode conhecer das questões aí suscitadas, excepto das que forem de conhecimento oficioso, que serão conhecidas ainda que não alegadas, e das que ficarem prejudicadas pela decisão proferida em relação a outras, que não serão conhecidas ainda que alegadas, este Tribunal está colocado perante o dever de resolver as seguintes questões:
i) [da primeira apelação] Se resulta da alegação dos autores uma situação de litisconsórcio necessário com a pessoa indicada pelo tribunal e cuja intervenção principal os autores entenderam não requerer.
ii) [da segunda e terceira apelações] Na positiva, se a acção deve prosseguir para conhecimento apenas dos pedidos reconvencionais.

III. 1.ª Apelação:

A] Os factos:
Para decidir as questões suscitadas na primeira apelação são os seguintes os factos que constam dos articulados do processo:
A] Na presente acção são autores G…, com domicílio profissional na Póvoa de Varzim, e H…, S.A., com sede na mesma cidade, e são réus F…, com sede em Matosinhos; C…, com domicílio profissional na sede daquela ré, e I…, LDA., com sede no Porto.
B] Na petição inicial os autores alegaram o seguinte:
“1. Em 1993, o primeiro Autor foi contactado [por] D…, no sentido de se associar a este, e assim responder a um eventual negócio em perspectiva.
2. Aquele D…, tinha relações de amizade com um empresário, que pretendia proceder à abertura de um bar, e que necessitava de um software de gestão do referido bar.
3. Aquele D… tinha já desenvolvido um programa de back office com essa finalidade, mas necessitava de integrar um programa de front office no produto final, sendo que,
4. Propunha assim ao primeiro Autor que estes se associassem, e que unissem os programas de front e back office num único produto, destinado posteriormente a distribuição.
5. Assim o primeiro Autor criou de raiz um programa de computador de front office, ou seja, interface de utilizador, de um programa de gestão de bares ou estabelecimentos equiparados.
6. Assim, o front office foi desenvolvido em linguagem C++, e o back office em linguagem access, respectivamente pelo primeiro Autor e por aquele D….
7. Denominaram o Autor e aquele D… o programa em causa de E…, o qual teve a sua primeira instalação […].
9. Como os Autores pretendiam proteger o programa em causa, e [o réu] C… tinha sólidos conhecimentos de hardware, propuseram-lhe associar-se no modelo de negócio, e em simultâneo, desenvolver uma protecção, por via de hardware para o programa em causa.
10. Associaram-se assim ao negócio os três, sendo que, o D… contribuía com back office, o C… com a protecção ao software, via hardware, e o Autor com o front office, sendo todos os programas distintos e independentes, que interoperavam entre si, e com o hardware desenvolvido para a sua protecção.
11. Os ganhos que adviessem das licenças vendidas seriam distribuídos por todos, ou seja, na venda final associavam-se três produtos distintos, sendo um programa de Back Office, um programa de Front Office, e uma protecção de hardware, vulgo Hardlock.
12. No verão de 1995, e porque com a crescente instalação dos programas em unidades de restauração começavam a surgir debilidades, o Autor G…, viu-se obrigado a proceder ao desenvolvimento do produto de front office,
13. […] pode proceder ao desenvolvimento de um novo programa de front office, mais abrangente, que veio a ser denominado de B…, e lançado no final do verão de 1995 no mercado.
14. Entre o Autor, D… e C…, não foi constituída qualquer sociedade comercial, nem foi estabelecido qualquer outro contrato que não fosse o resultante da divisão, entre estes, do produto da venda das licenças do programa E…, e B….
15. Da mesma maneira, não houve qualquer acordo entre as partes para além da simples associação de três produtos diferenciados na venda final, sendo, dois programas de computador (os software de front office e de back office), e um produto de hardware (o hardlock) que eram vendidos em conjunto.
[…] 28. […] surgiu no mercado, em meados de 2008, […] um produto designado de J…, […]
29. Produto esse cuja apresentação gráfica é praticamente idêntica à apresentação gráfica do referido B….
30. Na sequência dessa primeira distribuição, o mesmo produto, mas agora com o nome de K…, a partir do início de 2009, começou a ser introduzido no mercado por intermédio de […]
[…] 34. […] na Assoft, o referido programa se encontra registado com as seguintes referências: - Deposit assoft …././.., e em nome da empresa I…, Lda., aqui Ré […]
36. […] o programa registado na ASSOFT, em nome da I…, e denominado como K… ou como J…, é precisamente o programa B…, integrando este K… precisamente as linhas de código, a estrutura de ficheiros e as apresentações gráficas que foram desenvolvidas e criadas em 1993 pelo Autor G…,
37. Sendo as linhas de código fonte, as funcionalidades e soluções base do programa precisamente aquelas que foram desenvolvidas pelo Autor G…, mas onde se operou o registo em 2008 como se fosse criação e produto desenvolvido pela referida I…. […]
C. Os autores formularam os seguintes pedidos:
“A– Condenados os Réus a reconhecer que o programa K…, J…, e actualmente L… correspondem a cópia do programa B…, e bem assim a reconhecer a usurpação do direito de autor sobre o referido programa;
B- Condenar-se aos Réus para que se abstenham, por qualquer via ou forma, por si ou por interposta pessoa, a manipular, modificar, aceder ao código fonte, introduzir alterações, funcionalidades, ou praticar qualquer acto de alteração, duplicação, distribuição, cópia, emissão de licença ou qualquer outra actividade que tenha por finalidade duplicar, comercializar, ou trabalhar sobre o programa denominado de B…, agora denominado como de K…, J… ou L…, e a que corresponde na presente data o registo na ASSOFT Deposit assoft …././.., estendendo-se a condenação a outro programa com similar função estrutura e procedimentos, que venha a existir em substituição deste, e que tenha afinidade com o programa criado pelo Autor G…; e bem assim, a determinar a apreensão de quaisquer cópias que já tenham sido colocadas no mercado, e as que existirem nas instalações dos Réus em conformidade com o disposto no Art.º 201º do Cód. de Direito de Autor;
C- Condenar os Réus a indemnizar os Autores, quer por via da usurpação, quer por via de concorrência desleal, no valor correspondente aos benefícios obtidos até à presente data e a apurar em sede de liquidação;
D- Condenar os Réus, a título de dano moral, pela usurpação de direito de Autor, […] na quantia de Eur. 300.000,00.”

B] o direito:
A questão suscitada no recurso consiste em saber se para assegurar a legitimidade activa é necessário fazer intervir na acção um terceiro como parte principal activa ao lado do autor G…, ou seja, se existe entre ambos e para efeitos da presente acção uma situação de litisconsórcio necessário.
A legitimidade das partes é, no nosso sistema processual, um mero pressuposto processual (cf. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, pág. 180), ou seja, um dos pressupostos adjectivos necessários para que a lide se possa desenvolver e surtir uma decisão útil.
Através desse pressuposto procura-se assegurar que a lide se trave entre os verdadeiros titulares do interesse que nela vai se decidido, isto é, que esteja na acção precisamente quem nela deve estar, por reunir a qualidade de titular do interesse relevante em demandar (decorrente da sua posição face ao direito que se pretende exercer através da acção) ou em contradizer (decorrente do prejuízo que lhe possa causar o decaimento na acção).
Do que se trata, portanto, é de asseverar que a condução do processo será feita por quem tem o poder jurídico de dirigir a pretensão ou a defesa deduzidas em juízo, por serem quem pode dispor do direito ou ser juridicamente afectado pelo seu reconhecimento.
Anotava Castro Mendes, in Direito Processual Civil, vol. II, pág. 149, que o conceito de legitimidade é um dos mais controvertidos e melindrosos da ciência do direito objectivo. A tal ponto que suscitou na doutrina portuguesa uma célebre controvérsia entre Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães, o primeiro defendendo que a legitimidade se deve aferir pela efectiva titularidade da situação subjectiva, o segundo defendendo que se deve antes atender à alegada titularidade da situação subjectiva.
Aquando da reforma do processo civil de 1995/1996 o legislador procurou pôr termo a esta polémica. Nesse sentido, afirmava-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro, que “se decidiu, após madura reflexão, tornar expressa posição sobre a "vexata quaestio" do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, visando a solução proposta contribuir para pôr termo a uma querela jurídico-processual que, há várias décadas, se vem interminavelmente debatido na nossa doutrina e jurisprudência, sem que tenha até agora alcançado um consenso. Partiu-se, para tal, de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada no Decreto-Lei n.° 224/82 e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis. Circunscreve-se, porém, de forma clara, tal problemática ao campo da definição da legitimidade singular e directa – isto é, à fixação do «critério normal» de determinação da legitimidade das partes, assente na pertinência ou titularidade da relação material controvertida – e resultando da formulação proposta que, pelo contrário, a legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta, não depende das meras afirmações do autor, expressas na petição, mas da efectiva configuração da situação em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo.”
Em conformidade com esta decisão, o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro, propôs-se alterar o artigo 26.º do Código de Processo Civil dando nova redacção ao n.º 3 e aditando um nº 4, com as seguintes redacções:
“3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Na legitimidade plural, a titularidade do interesse relevante afere-se em função da relação controvertida tal como é configurada por ambas as partes e resulta do desenvolvimento da lide.”
Contudo, antes de entrar em vigor aquele Decreto foi substituído pelo Decreto-Lei n.º 180/96, que neste aspecto em particular mencionava o seguinte no respectivo preâmbulo:
“No tocante aos pressupostos processuais, entendeu-se suprimir o n.º 4 do artigo 26.° do Código de Processo Civil, por não fazer sentido que na questão crucial da definição da legitimidade das partes o legislador tivesse adoptado para a legitimidade singular a tese classicamente atribuída ao Prof. Barbosa de Magalhães e para a legitimidade plural a sustentada pelo Prof. Alberto dos Reis. A opção efectuada – discutível, como todas as opções – propõe-se circunscrever a querela sobre a legitimidade a limites razoáveis e expeditos, os quais, de resto, são os que a jurisprudência, por larga maioria, tem acolhido. A eliminação deste normativo não significa que não existam especificidades a considerar no que concerne à definição e ao enquadramento do conceito de legitimidade plural decorrente da figura do litisconsórcio necessário: julga-se, porém, que tais particularidades não são de molde, na sua essência, a subverter o próprio critério definidor da legitimidade das partes.”
Comentando esta opção pela posição tradicionalmente atribuída a Barbosa de Magalhães, escreveu Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, pág. 50, o seguinte:
“O critério normal de determinação da legitimidade das partes pressupõe a titularidade por estas da relação material controvertida. Deverá, porém, tal titularidade – e, portanto, a legitimidade – ser aferida apenas pelas afirmações do autor na petição inicial, pelo modo como este unilateral e discricionariamente entende figurar o objecto do processo? Ou, pelo contrário, a determinação das partes legítimas deverá aferir-se em função da efectiva titularidade da relação material controvertida tomada provisoriamente como objectivamente existente, com a configuração que vier a resultar das afirmações de autor e réu, confirmadas pela instrução e discussão da causa? Bastará, para que as partes sejam legítimas, que o autor se arrogue a titularidade de um direito e trate de imputar a situação passiva correspondente ao réu? Ou, numa perspectiva substancialmente mais exigente, será necessário que o autor e réu sejam os efectivos titulares da relação jurídica, objecto do processo, tomada esta como hipoteticamente existente, por se abstrair, no momento da apreciação da legitimidade, dos aspectos que se reportam apenas à existência objectiva daquela relação litigiosa?
[depois, referindo-se à tese sustentada pelo Prof. Barbosa de Magalhães, desenvolvida e levada às últimas consequências pelo Prof. Castro Mendes] Começaríamos por salientar que ela se articula claramente melhor com a natureza da legitimidade como pressuposto processual, impedindo, em absoluto, qualquer sobreposição entre os planos da legitimidade processual e da procedência ou improcedência da acção. (…) Na realidade, a tese de Barbosa de Magalhães respeita integralmente aquilo a que chamaríamos o «carácter hipotético» do objecto do processo: este não incide sobre direitos ou relações efectivamente existentes, mas sobre um litígio acerca de uma concreta relação jurídica, afirmada pelo autor e negada pelo réu. Antes de o processo findar e de o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, reconhecendo ou negando os direitos envolvidos nesse litígio, apenas encontramos «previsões, esperanças, probabilidades, aspirações – isto é, incerteza que no fim a decisão judicial deverá dissipar – e que são precisamente o oposto do direito à decisão favorável, preexistente ao processo, sobre o qual se funda toda a constituição chiovendiana». Ora, sendo a legitimidade uma relação entre os sujeitos e o objecto do processo, esta natureza puramente «hipotética» da relação litigiosa não poderá deixar de se reflectir na concepção da legitimidade. [o Prof. Barbosa de Magalhães], na nossa óptica, este nunca considerou que a legitimidade das partes tenha de ser aferida sempre e apenas pelo que o autor alegue na petição que formula – mas que, na medida em que a legitimidade deva ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida, esta deve ser tomada com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial.”
Em conformidade com essa decisão, foi eliminado o n.º 4 do artigo 26.º do Código de Processo Civil e o n.º 3 passou a dispor apenas que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurado pelo autor…”.
A propósito desta norma, Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 52, concluem que “ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última”.
A legitimidade processual nada tem, assim, a ver com a procedência ou improcedência da acção. De facto, uma coisa são as condições de admissibilidade do exercício, em juízo, de um direito, denominadas pressupostos processuais, e outra coisa são as condições necessárias para a procedência da pretensão deduzida no processo, isto é os requisitos substantivos para que o direito se possa afirmar e obter tutela jurisdicional.
Quando a relação material controvertida é titulada por várias pessoas coloca-se a questão de saber qual ou quais delas devem estar em juízo e, mais precisamente, se têm de estar todas em juízo ou a presença de apenas uma delas é suficiente para assegurar a legitimidade processual.
Quando embora tenha diversos titulares a relação material controvertida é uma só, estamos perante uma situação de litisconsórcio, distinta da situação de coligação que surge quando cada uma dessas pessoas é titular de uma relação material distinta e própria, havendo apenas entre as várias relações pontos de contacto que possibilitam a demanda conjunta ou em conjunto.
Em regra, o litisconsórcio é voluntário, ou seja, consente que a acção seja proposta por todos ou contra todos os interessados mas não obriga a que o seja. Se apenas um dos titulares intervier, o tribunal deve conhecer apenas da quota-parte do seu interesse ou responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade, mas se a lei ou o negócio jurídico consentir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação seja exigida a um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade, devendo nesse caso o tribunal conhecer da totalidade do interesse ou responsabilidade (artigos 27.º do antigo e 32.º do novo Código de Processo Civil).
Nos casos em que o litisconsórcio é necessário, torna-se necessária a intervenção de todos os titulares para assegurar a legitimidade processual. Isso ocorre, desde logo, quando a lei ou o negócio exigem especialmente a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, mas também quando, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos é necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, isto é, seja capaz de regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (artigos 28.º do antigo e 33.º do novo Código de Processo Civil).
Dito isto centremos a atenção nas particularidades da acção. A causa de pedir da acção é constituída pelo direito de autor sobre um programa informático que os autores reclamam para si e que dizem estar a ser usurpado pelos réus, de forma ilícita porque não consentida nem autorizada pelos autores. Os pedidos formulados dividem-se em dois aspectos: por um lado, a reivindicação desse direito e a adopção de medidas tendentes à sua defesa e a impedir a continuação da usurpação do direito; por outro lado, a indemnização dos danos decorrentes da violação ilícita desse direito.
O regime da protecção jurídica dos programas de computador encontra-se definido no Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro.
O n.º 2 do artigo 1.º estatui que aos programas de computador que tiverem carácter criativo é atribuída protecção análoga à conferida às obras literárias. Por sua vez o artigo 3.º, n.º 1, estabelece que se aplicam ao programa de computador as regras sobre autoria e titularidade vigentes para o direito de autor.
Nos termos do artigo 9.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, o direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais. Quanto aos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la. Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade.
Em princípio, o direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário (artigos 11.º e 27.º). Se a obra for criação de uma pluralidade de pessoas denomina-se obra feita em colaboração quando divulgada ou publicada em nome dos colaboradores ou de algum deles, ou obra colectiva quando organizada por iniciativa de entidade singular ou colectiva e divulgada ou publicada em seu nome (artigo 16.º).
No caso da obra feita em colaboração, o direito de autor, na sua unidade, pertence a todos os que nela tiverem colaborado, aplicando-se ao exercício comum desse direito as regras de compropriedade (artigo 17.º). Contudo, qualquer dos autores pode, sem prejuízo da exploração em comum de obra feita em colaboração, exercer individualmente os direitos relativos à sua contribuição pessoal, quando esta possa discriminar-se (n.º 2 do artigo 18.º)
No caso da obra colectiva o direito de autor é atribuído à entidade singular ou colectiva que tiver organizado e dirigido a sua criação e em nome de quem tiver sido divulgada ou publicada. Se, porém, no conjunto da obra colectiva for possível discriminar a produção pessoal de algum ou alguns colaboradores, aplicar-se-á, relativamente aos direitos sobre essa produção pessoal, o preceituado quanto à obra feita em colaboração (artigo 19.º).
Perante estas disposições é fácil concluir que o despacho recorrido não faz a correcta aplicações dos normativos legais e tem de ser revogado.
Desde logo porque mesmo que se trate de uma obra feita em colaboração (do autor com a pessoa que o tribunal entendeu que devia ser chamada à acção), se aplicam ao exercício comum do direito de autor, que pertence unitariamente a todos os que tiverem colaborado na obra, as regras da compropriedade.
Ora pese embora nos termos do artigo 1405.º do Código Civil, os comproprietários devam, em regra, exercer em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.
Por conseguinte, mesmo que o programa em causa seja ou fosse uma obra feita em colaboração era evidente que o autor podia instaurar sozinho a acção e formular os dois primeiros pedidos porque estes correspondem a uma acção de reivindicação do programa de computador (reconhecimento do direito de autor e proibição do seu uso pelos réus por qualquer forma). Logo nunca seria necessário fazer intervir qualquer terceiro para assegurar a legitimidade do autor em relação a esses pedidos e nunca a acção, por essa intervenção não ter sido provocada, podia terminar com a absolvição dos réus da instância, pelo menos quanto a esses pedidos (e, adiante-se já, nunca podia recusar-se o conhecimento das reconvenções porque em qualquer caso, ainda que apenas em relação a esses pedidos, a acção tinha mesmo de prosseguir).
Acresce, como vimos, que nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do Código do Direito de Autor, qualquer dos autores da obra feita em colaboração pode, sem prejuízo da exploração em comum de obra feita em colaboração, exercer individualmente os direitos relativos à sua contribuição pessoal, quando esta possa discriminar-se.
Sucede que na petição inicial os autores são absolutamente claros quanto à contribuição de cada uma das pessoas envolvidas no produto final colocado em comercialização, à individualização e autonomia desse contributo, especificando o autor G… que a sua colaboração se cingiu à criação do “programa de computador de front office, ou seja, interface de utilizador, de um programa de gestão de bares ou estabelecimentos equiparados”, e que este foi criado exclusivamente por si.
Sendo assim, e devendo a legitimidade processual ser aferida em função desta alegação, parece dever concluir-se que o autor tinha afinal por si só e individualmente plena legitimidade para exercer qualquer dos direitos de autor relativos a esse programa de computador de front office, designadamente de indemnização dos danos causados pela utilização ilícita do programa por terceiros, isto é, também para os restantes pedidos formulados na acção. Tanto chegava para justificar a revogação do decidido.
Afigura-se-nos, no entanto, que a questão nem sequer se deve colocar nesses termos uma vez que a leitura que fazemos na petição inicial parece remeter não para uma obra feita em colaboração, mas antes para três obras criadas individualmente pelo respectivo autor que se reuniram formando não uma nova e distinta obra intelectual mas um mero produto comercial que agrega as três obras por decisão dos respectivos autores de se associaram para explorar dessa forma conjunta as utilizações das suas obras.
Essa interpretação encontra, a nosso ver, acolhimento nas seguintes passagens das alegações constantes da petição inicial:
acordo para que “unissem os programas de front e back office num único produto, destinado posteriormente a distribuição”
associaram-se ao “negócio os três, sendo que, o D… contribuía com back office, o C… com a protecção ao software, via hardware, e o Autor com o front office”
“sendo todos os programas distintos e independentes, que interoperavam entre si, e com o hardware desenvolvido para a sua protecção.
“na venda final associavam-se três produtos distintos, sendo um programa de Back Office, um programa de Front Office, e uma protecção de hardware, vulgo Hardlock”
. “simples associação de três produtos diferenciados na venda final, sendo, dois programas de computador (os software de front office e de back office), e um produto de hardware (o hardlock) que eram vendidos em conjunto.
. o programa comercializado pelas rés integra “precisamente as linhas de código, a estrutura de ficheiros e as apresentações gráficas que foram desenvolvidas e criadas em 1993 pelo Autor G…”.
Em face desta leitura deve entender-se que quando através da presente acção o autor se apresta a defender a sua criação intelectual, o objecto da sua actuação é apenas o “programa de computador de front office, ou seja, interface de utilizador, de um programa de gestão de bares ou estabelecimentos equiparados” e não propriamente o produto comercial posto em comercialização que combinava a sua criação intelectual com a dos demais associados no negócio. E nessa medida, tratando-se de uma criação exclusivamente sua, conforme vem alegado e no pressuposto de que isso é mesmo assim, parece claro que o mesmo possui legitimidade para instaurar a acção e formular os pedidos que formulou, sem necessitar de chamar à acção os restantes associados nesse projecto comercial.
Procede assim a primeira apelação.

IV. 2.ª e 3.ª Apelações:
Conforme foi assinalado aquando da definição do objecto do recurso, as apelações que têm por objecto a decisão de recusar o prosseguimento da lide apenas para julgamento dos pedidos reconvencionais (2.ª e 3.ª) só teriam de ser conhecidas se a 1.ª apelação improcedesse e a decisão recorrida fosse confirmada.
O prosseguimento da acção era, no caso, uma causa prejudicial ao conhecimento dos recursos da outra decisão. Com efeito, esta decisão tinha um pressuposto, exterior à própria decisão no sentido de que não é nela apreciado e decidido, qual seja, o de que a instância se extinguiu e só existe fundamento para apesar disso fazer prosseguir com a lide para conhecimento dos pedidos reconvencionais nos casos em que a lei o consente.
Se esse pressuposto desaparecer, como vai decidido, a decisão posterior que o tinha como dado adquirido fica necessariamente inutilizada, prejudicada, não carecendo mais de ser apreciada em sede de recurso por desaparecer o seu objecto. Uma vez que a acção afinal não termina e vai prosseguir, prosseguirá obviamente para conhecimento de todo o seu objecto, incluindo as reconvenções já admitidas. O que vale por dizer que estas apelações não mais deverão apreciadas porque o seu conhecimento ficou prejudicado pela procedência da 1.ª apelação e o objecto das mesmas desapareceu.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso dos autores procedente e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida e ordenam o prosseguimento da acção, sem a intervenção principal da pessoa sugerida pelo tribunal a quo, para conhecimento de todo o seu objecto, incluindo as reconvenções admitidas.
Por esse motivo, declaram ainda prejudicado o conhecimento das apelações dos réus e, em conformidade, não conhecem do seu objecto.
Custas da apelação dos autores pelas rés que sustentaram a decisão recorrida (tabela I-B).
Sem custas as apelações dos réus que não foram conhecidas.
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Porto, 25 de Setembro de 2014.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto 163)
José Amaral
Teles de Menezes