Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1366/18.1T8AGD-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: FIANÇA
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
RESPONSABILIDADE DO FIADOR
Nº do Documento: RP202011231366/18.1T8AGD-B.P1
Data do Acordão: 11/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em princípio, a perda do benefício do prazo não se estende aos fiadores.
II - Caso se entenda que o disposto no artigo 782 do CC pode ser convencionalmente afastado, ainda assim, a perda do benefício do prazo impõe, para se impor ao fiador, e desde logo por razões de boa-fé, que este seja interpelado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1366/18.1T8AGD-B.P1

Recorrente - B…, SA
Recorridos - C… e D…

Relator: José Eusébio Almeida;
Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
1 - C… e D… deduziram os presentes embargos de executado contra B…, SA pedindo a extinção da execução, bem como a suspensão da mesma, sem prestação de caução.

2 – Fundamentando a sua pretensão, os embargantes começam por dizer que dão por reproduzida a matéria alegada pelo também fiador, seu filho, C…. Dizem que a exequente age em abuso do direito, tendo em conta o que reclamou na insolvência da devedora e a adjudicação do imóvel que aí lhe foi feita, não podendo o crédito reclamado ser no montante pretendido. Dizem ainda que, de todo o modo, não tiveram conhecimento de que a mutuária deixou de cumprir com as prestações de reembolso, não tendo sido interpelados para cumprir. Assim, dada a falta de interpelação e de comunicação resolutiva, é inexigível a obrigação exequenda, e a pretensão da exequente é “proibida pelo disposto no art. 782.º da Lei Substantiva”.

3 – Admitidos os embargos, a exequente contestou. Em síntese, alegou que os contratos dados à execução são títulos executivos válidos e que por força das cláusulas 15.ªs, pode considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento, pela devedora ou por qualquer dos restantes obrigados, de qualquer obrigação decorrente do contrato. Acrescenta que, tendo presente as regras da fiança, basta a interpelação na pessoa do devedor e não do fiador, pelo que a dívida é, assim, exigível. O fiador renunciou ao benefício da excussão prévia e assumiu-se como principal pagador da obrigação, pelo que também, quanto a este, todas as prestações se venceram no momento em que se deu o incumprimento de uma prestação. Caso assim se não entenda, com a citação para os presentes autos ocorreu a interpelação para pagamento da dívida, sendo esta exigível. A mutuária foi declarada insolvente no processo 1219/12.7T2AVR do Juízo do Comércio de Aveiro, tendo a contestante direito de considerar incumpridos os contratos e exigir, em mora, todo o seu crédito.

4 – Foi deferido o efeito suspensivo da execução e dispensada a realização da audiência prévia, depois de ouvidas as partes e, de seguida, foi proferido saneador-sentença que julgou procedentes os embargos e declarou extinta a execução.
II – Do Recurso
5 - Inconformada, a exequente apelou. Pretende a revogação da sentença “por outra que julgue os embargos deduzidos totalmente improcedentes ou, quando muito, parcialmente procedentes, determinando-se o prosseguimento dos autos para cobrança do capital em dívida, juros remuneratórios, acrescido dos respetivos juros de mora desde a citação, bem como das despesas e comissões peticionadas” e formula as seguintes Conclusões:
5.I - Os autos tiveram início com a execução instaurada contra, ademais, os recorridos, para pagamento da quantia de 81.648,27€, proveniente da falta de pagamento de dois empréstimos nos quais intervieram como fiadores;
5.II - A sentença julgou os embargos procedentes, invocando que, não tendo os fiadores renunciado ao benefício do prazo, não se encontrava a exequente dispensada de os interpelar para pôr fim à mora sob pena de perda do benefício do prazo;
5.III - Defendendo-se ainda na sentença que a insolvência da mutuária não tem como virtualidade dispensar a necessidade de interpelação dos fiadores e que a citação para os termos da presente execução não tem tal efeito;
5.IV - A exequente não interpelou os recorridos para pagamento do valor em dívida sob pena de perda do benefício do prazo nem o teria de fazer;
5.V - Pois que, verificado o incumprimento dos contratos dados à execução e a insolvência da mutuária, tinha a exequente o direito de, sem necessidade de qualquer interpelação, instaurar execução com vista à cobrança do seu crédito – cfr. cláusulas 15.ª dos documentos complementares de cada um dos contratos dados à execução;
5.VI - Para que se tenha por incumprida a obrigação e verificada a responsabilidade do fiador pelo incumprimento, quer seja por mora ou incumprimento culposo do dever principal, não é necessária a interpelação deste, sendo suficiente que a interpelação seja efetuada na pessoa do devedor, a menos que haja estipulação em sentido diverso;
5.VII - A devedora afiançada foi devidamente interpelada, quer no âmbito do processo de execução, quer no âmbito do processo de insolvência que contra ela correram;
5.VIII - Sobre a exequente não incide nenhuma obrigação de comunicar ao fiador a situação de mora em que se encontra o devedor afiançado;
5.IX - O estatuído no artigo 782 do CC pode ser afastado pelas partes, voluntariamente, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, previsto no artigo 405 do CC;
5.X - O que sucedeu, já que os fiadores se assumiram como principais pagadores, devendo tal declaração ser interpretada como uma renúncia ao direito de excussão e à manutenção do benefício do prazo, perante uma situação de incumprimento;
5.XI - Por outro lado, atenta a acessoriedade da fiança e o facto de a obrigação do devedor principal ser uma obrigação com termo certo, sabendo os fiadores desde início qual a data de vencimento da prestação não é necessária a sua interpelação pelo credor;
5.XII - Verifica-se a perda do benefício do prazo, quer pela declaração de insolvência da mutuária, quer pela diminuição das garantias do crédito, em face da venda do imóvel dado em garantia – cfr. artigo 780 n.º 1 do CC;
5.XIII - Emergindo tal consequência, in casu, também das cláusulas 15.ª de cada um dos contratos dados à execução;
5.XIV - Nos contratos dados à execução, os fiadores declararam, além do mais, dar o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim, às alterações de prazo ou moratórias, pelo que entre “tudo quanto venha a ser devido à B…” em consequência daqueles empréstimos “não se poderá deixar de incluir o devido pelo estipulado direito da credora a considerar o vencimento imediato dos empréstimos em caso de alienação do imóvel hipotecado sem o seu consentimento”;
5.XV - Assim, dúvidas não restam de que “os embargantes, na qualidade de fiadores solidários, assumiram também contratualmente, em detrimento da norma supletiva do artigo 782 do CC, a responsabilidade pela amortização dos empréstimos no caso da sua exigibilidade imediata em virtude da alienação do imóvel hipotecado sem consentimento da credora”.
5.XVI - Sendo para o efeito irrelevante que o imóvel tenha sido adjudicado pela credora no âmbito da insolvência da mutuária.
5.XVII - A perda do benefício do prazo é, assim, oponível aos fiadores embargantes, pelo que a falta da sua interpelação não tem como efeito a inexigibilidade da dívida exequenda em relação a si, como defendido na sentença ora em crise;
5.XVIII - No caso de se entender que o credor não se encontra dispensado de interpelar o fiador para o pagamento, sempre se dirá que a sua interpelação ocorreu com a citação para os termos da presente execução, pelo que, pelo menos a partir desta data os fiadores embargantes constituíram-se em mora;
5.XIX - Sendo-lhes sempre exigível o pagamento do capital, juros remuneratórios, despesas e comissões e, bem assim, os juros de mora vencidos após a citação;
5.XX - Tendo o imóvel que garantia os mútuos sido vendido e, em consequência, tendo- se vencido antecipadamente toda a dívida, que se tornou imediatamente exigível, nunca teriam os fiadores a hipótese de pôr fim à mora ou evitar a resolução dos contratos;
5.XXI - Tendo nesta hipótese a interpelação dos fiadores o único objetivo de lhes dar a conhecer o valor ainda em dívida e por cujo pagamento eram responsáveis.

6 – Não houve resposta ao recurso, que foi recebido nos termos legais. Na Relação, nada se alterou ao despacho que o recebeu e os autos correrem Vistos, nada se observando que obste ao conhecimento do objeto da apelação, o qual, tendo em conta as conclusões da apelante, se traduz em saber se a sentença deve ser revogada, porquanto, independentemente de não ter havido interpelação dos embargantes, os mesmos são responsáveis pelo pagamento da quantia exequenda, pelo menos parcialmente.
III – Fundamentação
III.I – Fundamentação de facto
7 – Foi dado como provado pelo tribunal recorrido, sem impugnação em recurso:
A - No exercício da sua atividade creditícia, a exequente B…, S.A. celebrou com E…, um Contrato de Compra e Venda com Mútuo com Hipoteca e Fiança, no montante de 127.500,00€, formalizado por escritura pública de 11 de agosto de 2006.
B - Contrato esse em que os embargantes C… e D… e demais fiador declararam o seguinte: “Que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à B… em consequência do empréstimo aqui titulado dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre o Banco e a parte devedora, renunciando ao benefício da excussão prévia e aceitando que a estipulação relativa ao extrato da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança, e que também conhecem perfeitamente o conteúdo do referido documento complementar, pelo que é dispensada a sua leitura.”
C - A cláusula 15.ª do documento complementar da escritura referenciada em A), com a epígrafe “Incumprimento/Exigibilidade Antecipada” prevê o seguinte:
“1 – A B… poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o imediato pagamento no caso de, designadamente: a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato; b) Incumprimento pela parte devedora de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a B… ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo; c) Venda, permuta, arrendamento ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da B…, dos bens que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte de uso corrente; d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens; e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito. 2 – Caso ocorra qualquer das situações referidas no número anterior, a B… fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados.”
D - Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato referenciado em A), foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano sito em …, freguesia…, concelho de Albergaria-a-Velha, inscrito na matriz sob o artigo 2248 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o n.º 353.
E - No exercício da sua atividade creditícia, a exequente B…, S.A. celebrou em 11 de agosto de 2006, com E…, um Contrato de Mútuo com Hipoteca e Fiança, no montante de 10.000,00€.
F - Contrato esse em que os embargantes figuram na qualidade de fiadores.
G - A cláusula 12.ª do contrato em causa, com a epígrafe “Garantia e Fiança”, prevê o seguinte: “Os terceiros outorgantes responsabilizam-se solidariamente com os segundos como seus fiadores e principais pagadores pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido à B… em consequência deste contrato e dão desde já o seu acordo a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a B… e, bem assim, às alterações da taxa de juro permitidas por este contrato, renunciando-se ao benefício da excussão prévia e aceitando que a estipulação relativa ao extrato da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.”
H - A cláusula 15.ª do contrato referenciado em E), com a epígrafe “Incumprimento / Exigibilidade Antecipada” prevê o seguinte:
“1 – A B… poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o imediato pagamento no caso de, designadamente: a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato; b) Incumprimento pela parte devedora de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a B… ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo; c) Venda, permuta, arrendamento ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da B…, dos bens que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte de uso corrente; d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens; e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito. 2 – Caso ocorra qualquer das situações referidas no número anterior, a B… fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados.”
I - Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato referenciado em A), foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano sito em …, freguesia…, concelho de Albergaria-a-Velha, inscrito na matriz sob o artigo 2248 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o n.º 353.
J - A partir de 11.09.2011, a mutuária deixou de efetuar o pagamento das prestações a que se havia obrigado pelos contratos supra referenciados.
K - A mutuária E… foi declarada insolvente no âmbito do processo 1219/12.7T2AVR do Juízo do Comércio de Aveiro.
L - No âmbito do referido processo de insolvência da mutuária, onde a exequente reclamou o crédito exequendo, veio-lhe a ser adjudicado o prédio identificado em D) e I) pelo valor de 114.000,00€.
M - A B…, SA não procedeu à interpelação dos ora embargantes para proceder ao pagamento do valor em dívida pelos mutuários, nem a título de mora, nem a título de vencimento antecipado da obrigação.
III.II – Fundamentação de Direito
8 – Estando diretamente em causa os fundamentos jurídicos da decisão apelada, vejamos, com a necessária síntese, o sentido dos mesmos, a fim de melhor percebermos se a censura que lhe faz a recorrente merece acolhimento. Diz-se na sentença, além do mais: “(...) A doutrina tem maioritariamente entendido que, no caso de dívida fracionada em prestações, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma das prestações, nos termos do artigo 781 C.C., constitui um benefício que a lei concede ao credor e que deve ser exercido mediante interpelação do devedor (Antunes Varela, Direito das Obrigações, 6.ª ed., vol. II, pg. 52 e ss., Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 11.º ed., pg. 892 e ss.; Vasco da Gama Lobo Xavier, RDES, ano XXI, n.ºs. 1 a 4, pg. 201, nota 4; Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, vol. I, pg. 317, apud Almeida Costa, op. cit.). E mesmo Galvão Teles (Direito das Obrigações, 7.ª ed., pg. 270 e ss.), que entende não ser essa a solução consagrada na lei atual, defende ser disciplina a consagrar de jure condendo. Como reconhece Galvão Teles, é muito mais razoável que o credor fique investido no direito de exigir o cumprimento imediato, a exercer mediante interpelação, do que estabelecer um vencimento ope legis que até pode nem interessar ao credor (...) Nas palavras do acórdão do STJ, de 2007.02.06, Alves Velho, dgsi, proc. 06A4524, É entendimento generalizado que a norma do art. 781 C. Civil, dispondo que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importará o vencimento de todas”, visa proteger o interesse do credor que, perante a falta de pagamento de uma das frações da dívida, pode ter razões para a perda de confiança na pessoa do devedor, confiança em que se apoia o plano de pagamento. Por isso, concede-se àquele o benefício de não se manter sujeito aos prazos escalonadamente estabelecidos de vencimento das prestações, perdendo este o benefício desses prazos. Quando tal suceda, o credor goza do direito de exigir o pagamento, não só da prestação em falta, mas ainda de todas as restantes, não vencidas, não se operando o vencimento destas ex vi legis, mas mediante interpelação do credor, nos termos gerais» (...) Em síntese, o regime consagrado no artigo 781 CC não dispensa a interpelação do devedor para desencadear o vencimento imediato das prestações vincendas. Tratando-se de norma de natureza supletiva, como tem entendido a doutrina e jurisprudência, pode ser afastada por vontade das partes (artigo 405 CC), consagrando-se o imediato vencimento das prestações vincendas com o incumprimento da primeira, independentemente de interpelação (...) Analisado o regime estabelecido no artigo 781 CC, importa sublinhar que ele não se aplica aos fiadores, por força do disposto no artigo 782 CC. Dispõe este artigo que a perda do benefício do prazo não se estende aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia (...) A perda do benefício do prazo com a falta de pagamento de uma das prestações não se estende, pois, ao fiador, a não ser que tenha sido convencionado o afastamento do regime constante do artigo 782 CC, pois se trata de norma supletiva (cfr. artigo 405 CC) conforme têm defendido a doutrina e jurisprudência (veja-se acórdão da Relação de Lisboa, de 2014.02.11, Rosa Ribeiro Coelho, dgsi, proc. 12878/09.8T22SNT-A.L1; de 2013.05.16, Catarina Manso, dgsi, proc. 426-B/2011.L1; de 2011.11.17, Ezagüi Martins, dgsi, proc. 1156/09.2TBCLD-D.L1; de 2009.11.19, Manuel Gonçalves, dgsi, proc. 701/06.0YXLSB.L1); da Relação de Coimbra, de 2012.07.03, Carlos Querido, dgsi, proc. 1959/ 11.8T2OVR-A.C1) e ainda da Relação do Porto de 27.04.2017, dgsi, Anabela Dias da Silva.
Para a eventualidade de não se ter convencionado o afastamento da regra constante do artigo 782 CC, o fiador teria de ser interpelado para pôr termo à mora, a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações. Aqui chegados, e conforme resulta dos autos, o banco exequente não procedeu à interpelação dos ora embargantes para cumprir. E dos contratos dados à execução não resulta qualquer cláusula de onde resulte que os embargantes tenham renunciado ao benefício do prazo. Com efeito, deles resulta claramente que os mesmos apenas renunciaram ao benefício da excussão prévia, não existindo qualquer cláusula expressa que refira que renunciaram ao benefício do prazo. E o que resulta dos factos provados B) e G) não se reconduz ao afastamento do benefício do prazo (...) não obstante o disposto no artigo 91 do CIRE, ao dispor no seu n.º 1, o vencimento das obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva operar-se de forma automática, independentemente de qualquer interpelação, muito embora por força da declaração de insolvência do devedor, se tenha operado o imediato vencimento de todas as suas obrigações, não se segue daí que o credor possa imediatamente, sem mais, demandar o fiador do devedor declarado insolvente – vide neste sentido o Acórdão da Relação do Porto de 14.06.2017, relatado por Freitas Vieira e o Acórdão do STJ de 06.12.2018, relatado por Tomé Gomes, disponíveis em dgsi. Dada a ausência da realização da interpelação admonitória dos fiadores, não pode considerar-se a mesma realizada através da citação para a execução, porque não visa por termo à mora ou impedir a resolução do contrato. Acresce que tal interpelação para cumprimento não se mostra idónea para afastar a regra do art. 782 e fazer funcionar o regime do art. 781, com vencimento da totalidade das prestações – vide neste sentido o Acórdão da Relação de Lisboa de 17.11.2011 e da Relação do Porto de 29.06.2015, relatado por Ana Paula Amorim, disponíveis no mesmo sítio”.

9 – Como resulta dos autos, os recorridos constituíram-se fiadores, assim garantindo, pessoalmente e perante a recorrente (credor), a satisfação do crédito – artigo 627, n.º 1 do Código Civil (CC)[1], ou seja, ficaram adstritos “à realização de uma prestação própria, mas a sua fisionomia e conteúdo são ditados pela prestação a cargo do devedor”[2], porquanto, como decorre do disposto no artigo 634 do CC, “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”, ou seja – e ressalvando os casos em que o fiador haja limitado os termos da garantia[3] – responde pela falta de pontualidade no cumprimento da obrigação.

10 – No entanto, e com relevo na apreciação do caso, há que considerar as situações de perda do benefício do prazo (artigos 780 e 781 do Código Civil), sem esquecer que tais situações, atento o disposto no artigo 782 do CC, não se estendem ao fiador.

11 – Mesmo que se entenda que o disposto no citado artigo 782 do CC tem natureza supletiva, ou seja, que possa convencionar-se, relativamente ao fiador, a perda do benefício do prazo, a renúncia “ao benefício da excussão prévia não implica, todavia, renúncia ao benefício do prazo”[4] e, de todo o modo, no caso presente, de nenhuma das cláusulas invocadas pela apelante se pode retirar que haja sido convencionada aquela perda.

12 – Além do mais, e citamos Manuel Januário da Costa Gomes[5], precisamente a propósito das situações em que “os bancos exigem fianças para garantia de cumprimento das obrigações assumidas pelo devedor principal”, sendo o credor “parte numa relação contratual com o fiador, está vinculado à adoção de determinados comportamentos, entre os quais se inclui o de informar este, em tempo, das vicissitudes relevantes da relação principal” pois “ainda que se entenda que o regime do art. 782 é imperativo, o fiador acaba por “sofrer” as consequências da progressiva formação de uma “torrente de dívida” (...) cuja “velocidade” de efetivação depende do credor”. Assim, entende o referido autor que “uma vez iniciada a quebra de pagamentos por parte do devedor, desde que, pela sua frequência, seja objetivamente indiciadora da dificuldade ou impossibilidade económica do devedor cumprir – ou do propósito de não cumprir – o credor tem o ónus de informar o fiador. Se o não fizer, este, quando instado para pagar, já eventualmente em processo executivo, pode opor ao credor a exceção de inexigibilidade (parcial) da obrigação exequenda”.

13 – Do que temos vindo a dizer resulta que concordamos genericamente com os fundamentos da decisão recorrida, mas não acompanhamos a conclusão final quando afasta o relevo interpelativo da citação, uma vez que, com todo o respeito, a sentença não segue na sua integralidade o que ficou dito no Acórdão do STJ de 6.12.2018 [Processo n.º 4739/16.0T8LOU-A.P1.S1, Relator, Conselheiro Tomé Gomes], que ela mesma cita, e que, relativamente ao que ora importa, não deixa de sumariar o seguinte: “VI. A venda forçada do imóvel hipotecado no processo de insolvência do mutuário configura-se com uma situação de alienação desencadeada sem o consentimento da credora, não obstante o bem lhe ter sido depois adjudicado dada a sua qualidade de credora hipotecária. VII. No entanto, verificada a referida alienação do imóvel dado em garantia, impunha-se que a credora procedesse ao novo cálculo do capital ainda em dívida e o comunicasse ao fiador, sem o que não é lícito considerar este constituído em mora[6], nos termos do 805.º, n.º 3, 1.ª parte, do CC. VIII. Tendo o fiador/embargante impugnado a liquidação desse capital efetuada preliminarmente pela exequente no requerimento executivo, mantendo-se essa matéria controvertida, devem os embargos prosseguir para instrução e julgamento com vista a tal apuramento”.

14 – Mas igualmente no acórdão desta Relação, proferido a 29.06.2015[7], expressamente citado na sentença, esta conclui de maneira diferente daquele, no qual não deixou de se escrever, não julgando a oposição totalmente procedente: “contudo, não pode reconhecer-se a pretensão da apelante de julgar procedente a oposição, com o arquivamento da execução, pois de acordo com o art. 782º CC ao fiador, que renunciou ao benefício da excussão, são exigíveis as prestações já vencidas, e não pagas, à data da propositura da execução e respetivos juros. Importará, por isso, proceder à necessária liquidação, podendo ainda o exequente, se for caso disso, requerer, ulteriormente, a cumulação sucessiva de execuções ou a renovação da execução quanto aos fiadores, relativamente às prestações que, quanto a eles, se vencerem posteriormente – arts. 711º, nº 1 e 850º do CPC”.

15 – Um outro acórdão foi recentemente proferido nesta Relação do Porto, este exatamente sobre a mesma temática e os mesmos factos, porquanto se trata do recurso interposto no outro apenso de embargos do (outro) fiador. Trata-se do acórdão proferido no Processo n.º 1366/18.1T8AGD-A.P1 em 8.09.2020, relatado pelo Desembargador Rodrigues Pires (dgsi).

16 – E nele se escreveu o que, por concordarmos e com a vénia devida, transcrevemos e sublinhamos: “ (...) contudo, o disposto no art. 781º do Cód. Civil não se aplica aos fiadores por força do preceituado no art. 782º do mesmo diploma legal (...) Há, porém, que atentar no facto de a mutuária D… ter sido declarada insolvente, situação esta que determinou o imediato vencimento de toda a dívida, em consonância com o art. 91º, nº 1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). Por outro lado, no art. 780º, nº 1 do Cód. Civil (...) tem também aplicação em ambos os casos a limitação que decorre do disposto no já citado art. 782º do Cód. Civil quando estabelece que a perda do benefício do prazo não se estende aos coobrigados, nem a terceiro que a favor do crédito tenham constituído qualquer garantia. Trata-se, com efeito, de uma norma de carácter genérico, que se refere a todas as situações previstas na lei de perda de benefício do prazo (...) cremos ser inequívoco que por força da declaração de insolvência da mutuária se operou o imediato vencimento de todas as suas obrigações. Contudo, daí não se segue que o credor possa imediatamente, e sem mais, demandar o fiador da devedora entretanto declarada insolvente. Não se tratará de exigir previamente a interpelação do fiador, mas tão-só o cumprimento do dever de informar em obediência ao princípio da boa-fé e aos deveres acessórios de conduta que recaem sobre o credor, o que colhe apoio legal – embora indiretamente – no princípio geral que se pode extrair do disposto no art. 782º do Cód. Civil. No entanto, a recorrente entende não ser aplicável “in casu” o regime do art. 782º do Cód. Civil, isto porque o fiador se assumiu como principal pagador e renunciou ao benefício de excussão prévia, daí fluindo também, na sua perspetiva, a renúncia ao benefício do prazo. Ora, a renúncia ao benefício da excussão prévia é realidade bem diversa da possibilidade de invocação perante o fiador da perda do benefício do prazo e do imediato vencimento da obrigação (...) continuando, o que resulta da matéria de facto apurada nos autos é que a credora B… não procedeu à interpelação da embargante para proceder ao pagamento do valor em dívida pela mutuária, nem a título de mora, nem a título de vencimento antecipado da obrigação. Sustenta a recorrente que mesmo que se considere que não está dispensada de interpelar o fiador para o pagamento – ou de o informar nesse sentido -, há que ter em conta que entretanto ocorreu a sua citação para os termos da execução, pelo que, pelo menos, a partir dessa data há que considerar que o fiador embargante se constituiu em mora, o que significará a inexigibilidade a este dos juros de mora anteriores à citação, nenhum efeito advindo, contudo, da ausência de interpelação no tocante à exigência do capital, juros remuneratórios, despesas e comissões. Sucede que na sentença recorrida, não tendo sido feita interpelação ao fiador, entendeu-se que esta também não pode considerar-se como realizada através da citação para a execução, isto porque não visa pôr termo à mora ou impedir a resolução do contrato. Não concordamos, porém, com esta posição (...). Mas esta ausência de comunicação ao embargante, que se perfila como inequívoca, não é de molde a afastar a relevância que não pode deixar de ser conferida à posterior citação para a execução, o que conduz à imediata exigibilidade de todas as prestações em dívida e devidas até ao final dos prazos dos contratos, embora a exigibilidade da totalidade da dívida quanto ao fiador apenas se possa considerar a partir da citação para a execução (...) Por último, há ainda que ter em atenção que no âmbito do processo de insolvência da mutuária, onde a exequente reclamou o crédito exequendo, veio a ser-lhe adjudicado o prédio identificado nos autos pelo valor de 114.750,00€ - cfr. al. L)[8]. Considera o embargante que esta quantia excede largamente os valores que a exequente teria direito a receber até à data de hoje caso fosse cumprido o calendário de pagamento de capital e juros inicialmente acordado, o que conduziria também por aqui à extinção da execução. A exequente, por seu turno, tal como expôs no seu requerimento executivo, sustentou que a venda operada não foi suficiente para liquidar as quantias mutuadas. Acontece que na sentença recorrida, que julgou procedentes “in totum” os embargos deduzidos pelo executado C… e declarou extinta a execução, com base na ausência de interpelação ao fiador e recusando qualquer relevância à citação para a execução, a Mmª Juíza “a quo” não chegou a apreciar esta questão, que se mostra suscitada pelo embargante. Ora, trata-se de questão que se acha controvertida e que justifica o prosseguimento dos presentes embargos com vista ao apuramento do concreto montante do capital que ficou em dívida após a imputação do valor obtido pela adjudicação à credora/exequente do imóvel hipotecado, a que se adicionam as despesas e comissões peticionadas, bem como os respetivos juros moratórios, estes contados apenas a partir da citação do ora embargante para a execução, podendo até dar-se o caso, tal como sustentado pelo embargante, de todos os valores que o exequente teria direito a receber estarem já satisfeitos”.

17 – Em jeito de conclusão, pelo que deixámos dito e também transcrito, a sentença não atendeu ao relevo interpelativo da citação dos recorridos, do qual decorre que a obrigação exequenda não tem a amplitude pretendida pela exequente, mas os embargos também não podem proceder na totalidade. E, tal como se refere no acórdão que transcrevemos no ponto anterior, o prosseguimento da execução está dependente do próprio apuramento do capital em dívida.

18 – Não que entendamos, como ali se considerou, que a questão (ainda) pendente desse apuramento justifique o prosseguimento dos embargos, uma vez que o que está em causa é a imputação ao cumprimento do já recebido pela exequente e de simples operações aritméticas, não se vendo que matéria controvertida haja de ser submetida a diligências instrutórias.

19 - Em conformidade, o recurso revela-se parcialmente procedente e as custas do mesmo são devidas nos termos da proporção que resultar do vencimento e decaimento resultantes da liquidação subsequente do crédito exequendo.
IV - Dispositivo
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a presente apelação e, em conformidade, julgando apenas procedentes os embargos deduzidos pelos recorridos no que respeita aos juros moratórios peticionados até à sua citação, mais se determinando o prosseguimento da execução após liquidação da dívida, atendendo ao ora decidido e ao facto referido em L) dos factos provados.

Custas do recurso conforme vencimento e decaimento resultante da liquidação subsequente do montante exequendo.

Porto, 23.11.2020
José Eusébio Almeida;
Carlos Gil
Mendes Coelho
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[1] L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2.ª Edição, Almedina, 2013, págs. 83 e ss.
[2] Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, pág.134.
[3] Evaristo Mendes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2019, pág. 793.
[4] Ana Afonso, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações... cit., pág. 1072.
[5] Assunção Fidejussória... cit., págs. 961/962.
[6] Sublinhado nosso.
[7] Relatora, Desembargadora Ana Paula Amorim, Processo n.º 1453/12.0TBGDM-B.P1, dgsi.
[8] No caso em apreço vem referido 114.000,00, o que, de todo o modo, irreleva à conclusão que retiraremos.