Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5986/20.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: SERVIDÃO DE VISTAS
SERVIDÃO NON AEDIFICANDI
FRESTAS
JANELAS
Nº do Documento: RP202101255986/20.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As frestas que tenham até quinze centímetros, numa das suas dimensões, e distem pelo menos um metro e oitenta centímetros do solo ou sobrado não dão origem à servidão non aedificandi de metro e meio desde o prédio vizinho prevista no art. 1360.º CC, ao contrário do que sucede com as janelas que, decorrido o tempo da usucapião, dão lugar a uma servidão de vistas, impedindo o proprietário do prédio contíguo de construir a menos de um metro e meio – art. 1362.º CC.
II - Já quanto à abertura de frestas, seteiras ou óculos em condições diferentes das fixadas no art. 1363.º, n.º 2 CC (designadamente com dimensões mais amplas ou distância ao sobrado ou solo inferior a um metro e oitenta centímetros) não refere a lei se daí poderá resultar a aquisição de servidão por usucapião e se o vizinho está impedido de as tapar, erguendo muro ou parede.
III – Quanto a tal questão, tem-se entendido que, constituída aquela servidão por aberturas irregulares, o proprietário vizinho deixa de ter o direito, que antes lhe cabia, de exigir, através de uma ação negatória, que as frestas sejam modificadas e harmonizadas com a lei, mas não perde o direito de construir mesmo junto à linha divisória, ainda que tape as frestas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
REQUERENTE: B…, casada, residente na Rua …, …, ….-… …, concelho de Vila Nova Gaia.
REQUERIDOS: C… e mulher, D…, residentes na Av. …, …, ….-… …, concelho de Vila Nova Gaia.

Por via da presente providência cautelar de embargo de obra nova, pretende a requerente seja ordenado o embargo e determinada a imediata suspensão da obra que os requeridos levam a efeito no seu terreno sito na Av. …, …, Vila Nova de Gaia.
Para tanto, invocam serem donos de uma casa de habitação, de dois pisos, sita a nascente do prédio dos RR., com o qual confronta, casa essa que dispõe, na parede poente, em cada uma das casas de banho dos dois andares, uma abertura, situada a 1, 80m do pavimento e com 40 cms de largura e comprimento. Estas aberturas têm vidro fosco e possibilitam a entrada de ar e luz, o que sucede há mais de 45 anos, de forma ininterrupta, pacífica, com conhecimento de todas e com a convicção de ter direito a usufruir de luz e ar.
Os Requeridos levam a efeito no seu terreno a edificação de uma casa não respeitando a distância de 50 cms relativamente ao imóvel da requerente, pretendendo erguer parede que vai tapar aquelas aberturas.

Foi proferida decisão indeferindo liminarmente a presente providência cautelar por considerar que «a abertura de frestas sem as características indicadas na lei – dimensões um pouco superiores ou situadas a altura do solo ou sobrado um pouco menos do que o prescrito na lei – pode originar a aquisição, por usucapião, de uma servidão predial, consistente em ter o seu detentor o direito a mantê-las abertas em condições irregulares, sem que o vizinho o possa compelir a torná-las com as dimensões legais, mas não adquire o direito de servidão de vistas que impeça o vizinho de as tapar com a construção que leve a cabo do seu prédio, pois o artigo 1362.º citado apenas impede a referida construção em situação de servidão de vistas e não da servidão predial acima referida.
Ora as particularidades das aberturas aqui invocadas pela Requerente, permite a entrada de ar e luz, mas não permitem o devassamento sobre o prédio vizinho. Situam-se a um metro e oitenta centímetros do sobrado e têm 40 cm de largura e comprimento, têm vidro fosco, com abertura incorporada no vidro, através dos quais se torna possível receber luz e ar, possibilitando o uso das mencionadas casas de banho de forma sadia, evitando-se a concentração de humidades, valorizando o prédio.
(…)
Em suma: A servidão predial invocada pela Requerente apenas confere ao respetivo titular o direito de manter tais aberturas em condições irregulares, impedindo, consequentemente, o dono do prédio serviente de pedir a sua modificação e harmonização com a lei, mas não o impede de as tapar com construção que leve a cabo no seu prédio.»

Deste indeferimento liminar recorre a requerente, pretendendo a revogação do mesmo e a continuação dos autos, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª – Vem o presente recurso, interposto da douta sentença recorrida que indeferiu liminarmente o embargo de obra nova interposto pela aqui Recorrente.
2.ª – Atenta a factualidade transcrita que esteve na base da decisão recorrida (e transcrita nestas alegações), impunha-se decisão diferente, diametralmente oposta ao decidido.
3.ª – Entendeu a Meritíssima Juíz que as aberturas existentes em ambas as casas de banho, não revestem as características, em termos de direito real de servidão de vistas o que, aliás, se mostra pacifico, uma vez que a Recorrente, em ponto algum do seu articulado e da factualidade transcrita, aludiu ou invocou qualquer direito real de servidão de vistas.
4.ª – Efectivamente, nos artigos 8, 9º, 10º e 11º do articulado da Recorrente e da factualidade transcrita, a Recorrente invocou a existência de uma servidão de ar e luz, aliás, referida pela Meritíssima Juíz no penúltimo parágrafo, da penúltima página da sentença.
5.ª - Não obstante reconhecer tal servidão invocada pela Recorrente concluiu na sentença recorrida que, o dono do prédio serviente, não fica impedido de tapar tais aberturas com construções que leve a cabo no seu prédio.
6ª. - Tal posição e entendimento vertido na sentença recorrida – ao permitir que o dono do prédio serviente levante parede que tape as referidas aberturas – equivale simplesmente a negar o direito anteriormente reconhecido!
7.ª – Efectivamente, a tal título, o Prof. Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 2ª edição, pág. 225, em anotação ao artigo 1363º refere expressamente:
“ Abrindo-se uma fresta, seteira ou óculo, fora das condições prescritas na lei () e decorrido o prazo necessário para haver usucapião, o proprietário adquire uma servidão, que, denominada ou não de servidão de vistas, está sujeita ao regime geral das servidões.
E prosseguindo:
“Neste caso, o proprietário vizinho não poderá levantar nenhum edifício ou contramuro, que vede tais aberturas, por ter sido adquirido não só o direito de manter as referidas aberturas em condições diferentes das legais, mas também o direito de impor ao proprietário vizinho a observância do disposto no n.º 2 do artigo 1362.
“ Com efeito, se o dono da abertura adquire por usucapião o direito de a manter, não pode deixar de se lhe reconhecer o direito de impedir que o vizinho a vede. Além disso, tratando-se de uma servidão, ela fica sujeita ao disposto no artigo 1568, o qual não permite ao proprietário do prédio serviente estorvar o seu uso”.
8.ª – Dúvidas não subsistam que a sentença recorrida deverá revogada, reconhecendo-se que a existência da servidão de ar e luz, impede o dono do prédio serviente de levantar muro ou parede que vede tais aberturas.
9ª. - Doutro modo, ao reconhecer o direito de manter tais aberturas e de impedir o dono do prédio serviente de pedir a sua modificação mas, permitindo-lhe que tape tais aberturas com construção de muro, equivale a autêntica negação do direito, anteriormente reconhecido.
10.ª – A sentença recorrida violou entre outros o disposto nos artigos 1362º do Código Civil.

Os recorridos apresentaram contra-alegações.

Os autos correram vistos legais.
Questões a decidir, em conformidade com as conclusões do recurso apresentado pela requerente:
- Da existência de uma servidão de luz e ar que impeça os requeridos de erguer parede que tape as aberturas da casa da requerente.
II - FUNDAMENTAÇÃO
De facto
A factualidade descrita no requerimento inicial é a seguinte:
- A Requerente é proprietária do prédio urbano composto por casa de dois pavimentos e logradouro, destinado à habitação, sito na Avenida …, … …, concelho de V.N.Gaia, inscrito na matriz sob o artigo 1579 e registado na C.R.P. de V.N.Gaia sob o n.º 5041.
- Este prédio veio à posse e propriedade da requerente por força de doação realizada pelos seus pais em 25 Maio 2012.
- A requerente, por si e antepossuidores, está na posse do prédio há mais de quarenta e cinco anos, usando-o, fruindo, recebendo rendas, liquidando as respetivas contribuições e impostos, à vista de toda a gente, pacificamente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de se tratar de coisa sua, legitimante adquirida e convencida de ser a sua única proprietária.
- No identificado prédio está implantado uma casa de rés-do-chão e andar, construída pelos pais da Requerente há mais de quarenta e cinco anos e, desde tal construção até hoje, não foi objeto de qualquer obra de ampliação ou outra.
- À data da construção e até hoje, quer no rés-do-chão, quer no primeiro andar, situados na fachada lateral poente, a casa dispõe de uma casa de banho, uma no rés-do-chão e outra no respetivo andar.
- Ambas as casas de banho dispõem, cada uma, de um postigo, situados a 1,80 metros da base do pavimento, com a largura e comprimento de 40 centímetros cada um.
- Tais postigos têm vidro fosco, com abertura incorporada no vidro através dos quais se torna possível receber luz e ar, possibilitando o uso das casas de banho de forma sadia, evitando-se a concentração de humidades, valorizando o prédio.
- Desde o início da construção da referida habitação e até ao presente, a requerente, por si e antepossuidores, manteve tais aberturas, de forma ininterrupta, pacífica, com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém com a fundada convicção de usar, usufruir e manter as utilidades referidas de ar e luz.
- Os Requeridos, por documento particular autenticado de 26 Janeiro 2017, adquiriram dos vendedores E… e esposa, F…, o prédio urbano composto por casa de dois pavimentos e logradouro, destinado a habitação, sito na Praia …, na Avenida …, … em …, concelho de Vila Nova Gaia, inscrito na matriz sob o artigo 1901 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova Gaia sob o n.º 1856.
- O prédio da Requerente e dos Requeridos confrontam entre si pelo lado poente daquele, existindo entre ambos uma abertura em toda a sua extensão e comprimento em terra batido com cerca de 50 centímetros de largura.
- Posteriormente, os Requeridos demoliram completamente o prédio que adquiriram e encontram-se a construir ou a ampliar um prédio com construções totalmente novas, não respeitando a distância de 50 centímetros, relativamente ao prédio da Requerente, antes tendo construído os alicerces, encostando-os ao prédio da Requerente.
- Nos moldes que se encontra construído, os alicerces indiciam que é propósito dos Requeridos levantar a parede da casa que se encontram a construir, encostada à parede da moradia da Requerente e, dessa forma vedarem completamente as aberturas referidas supra.
Fundamentos de Direito
A questão a decidir é a de saber se a recorrente é ou não titular de um direito de servidão de luz e ar no confronto com o prédio dos recorridos e se, existindo tal direito, estes estão impedidos de erguer a parede da sua casa no limite do seu terreno de molde a tapar as aberturas da parede do edifício da requerente.
Recorde-se que servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo do outro prédio pertencente a dono diferente, podendo ser objeto de servidão quaisquer utilidades que sejam suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante (arts. 1543.º e 1544.º CC).
Por outro lado, nos termos do art. 1306.º, n.º1 CC: Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.
A requerente qualifica as aberturas existentes na parede do seu prédio, no r/c e andar, como sendo um postigo, designação que a lei não acolhe.
O que poderá estar em causa é o conceito de janelas ou de frestas que os pertinentes normativos também não definem, apenas referindo que a existência de janelas em contravenção com o que dispõe a lei pode importar, nos termos gerais, a constituição de vistas por usucapião (art. 1362.º, n.º 1 CC), sendo que as frestas não se consideram abrangidas pela referida restrição e sendo que o vizinho, ainda que as vede, pode levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro (art. 1363.º, n.º 1 CC). As frestas caracterizam-se por se inserirem a não menos de um metro e oitenta centímetros a contar do solo ou sobrado e não terem, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros.
A diferença entre as janelas e as outras aberturas ditas de tolerância (além das frestas, as seteiras e óculos) é que as janelas são mais amplas que as frestas e dispõem de parapeito onde as pessoas podem apoiar-se para disfrutar das vistas por aí proporcionadas, olhando para frente, para os lados, para cima e para baixo.
As frestas, por sua vez, são aberturas estreitas que têm por função permitir a entrada de luz e ar.
Na situação vertente, as características das aberturas não são suficientes para as qualificar como janelas, uma vez que são estreitas e não é mencionado que disponham de parapeito, afirmando a requerente que o conteúdo do seu direito não é o de vistas – comodidade própria da janela – mas de luz e ar.
Trata-se, por isso, nos termos legais, de frestas.
Sabemos que as frestas que tenham até quinze centímetros, numa das suas dimensões e distem pelo menos um metro e oitenta centímetros do solo ou sobrado não dão origem à servidão non aedificandi de metro e meio desde o prédio vizinho prevista no art. 1360.º CC, ao contrário do que sucede com as janelas que, decorrido o tempo da usucapião, dão lugar a uma servidão de vistas, impedindo o proprietário do prédio contíguo de construir a menos de um metro e meio – art. 1362.º CC. Mas quanto à abertura de frestas, seteiras ou óculos em condições diferentes das fixadas no art. 1363.º, n.º 2 CC (designadamente com dimensões mais amplas ou distância ao sobrado ou solo inferior a um metro e oitenta centímetros) não refere a lei se poderá daí resultar a aquisição de servidões por usucapião e se o vizinho está impedido de as tapar, erguendo muro ou parede.
Quid iuris?
A recorrente ancora-se na solução defendida por Pires de Lima e Antunes Varela[1], para quem «Abrindo-se uma fresta, seteira ou óculo, fora das condições prescritas na lei (a fresta tem, por exemplo, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros, ou está situada abaixo de um metro e oitenta centímetros), e decorrido o prazo necessário para haver usucapião, o proprietário adquire uma servidão, que, denominada ou não servidão de vistas, está sujeita ao regime geral das servidões (…).
Nesse caso, o proprietário vizinho não poderá levantar nenhum edifício ou contramuro, que vede tais aberturas, por ter sido adquirido não só o direito de manter as referidas aberturas em condições diferentes das legais, mas também o direito de impor ao proprietário vizinho a observância do disposto no n.º 2 do art. 1362.º.
Com efeito, se o dono da abertura adquire por usucapião o direito de a manter, não pode deixar de se lhe reconhecer o direito de impedir que o vizinho a vede.»
Contudo, a solução assim encontrada para o vazio legal relativamente às frestas irregulares não tem sido objeto de adesão por parte da demais doutrina e da jurisprudência que, neste particular, comunga da posição que foi expendida desde cedo por Henrique Mesquita.
Como efeito, frisava já este Professor, nas suas lições de 1967[2], que deveria entender-se que «por usucapião se adquire aqui, tão-somente, o direito de manter as referidas aberturas em condições diferentes das legais – e não já o de impor ao proprietário vizinho a observância do disposto no artigo 1362.º. Isto significa que ao proprietário vizinho será lícito levantar a todo o tempo qualquer edifício ou contramuro, ainda que vede tais aberturas.
Este entendimento, além de ser o que mais se aproxima da letra da lei (uma vez que esta só em relação às janelas, portas, varandas, etc…, fixa uma zona “non aedeficandi”), é ainda o mais razoável: nem sempre, com efeito, ao proprietário vizinho é fácil averiguar se nas aberturas de tolerância foram observados todos os requisitos legais (designadamente o que exige a sua localização a altura do solo ou sobrado não inferior a um metro e oitenta centímetros); por outro lado, um entendimento diverso seria prejudicial mesmo para os proprietários das construções, dado que os vizinhos, a considerar-se aplicável o preceituado no n.º 2 do art. 1362.º, sentiriam maior necessidade de impor a estrita observância das condições referidas na lei e, por consequência, não deixariam, em regra, de reagir contra o mais ligeiro desvio.»
As razões pelas quais este entendimento vem sendo o seguido têm uma atualidade inegável, correspondendo ao princípio da excecionalidade das restrições ao direito de propriedade imobiliária e foram retomadas por Henrique Mesquita na anotação ao ac. STJ, de 3.4.91[3], onde pontua que «O proprietário que abra frestas irregulares excede o âmbito dos poderes contidos no seu direito de propriedade e sujeita o vizinho a um encargo que não lhe pode ser imposto unilateralmente.
(…)
Constituída a servidão o proprietário vizinho deixa de ter o direito, que antes lhe cabia, de exigir, através de uma acção negatória, que as frestas sejam modificadas e harmonizadas com a lei (…), mas o proprietário do prédio vizinho não perde o direito de construir mesmo junto à linha divisória, ainda que tape as frestas, porque a restrição que cria uma zona non aedificandi, não permitindo edificar no espaço de metro e meio, medido a partir dos limites do prédio, só é estabelecida pela lei em relação à servidão de vistas regulada no artigo 1362.º, em cujo campo de aplicação se não incluem as frestas.»[4]
Esta posição tem vindo a ser acolhida pela jurisprudência, haja em vista, por exemplo, entre outros, Acs. STJ, de 1.4.08[5], de 26.6.08[6], RG, de 19.12.07[7], RC, de 43.3.2015[8], RE, de 2.10.2018[9].
Resulta do exposto, que a eventual servidão de luz e ar a favor do prédio da requerente, por força dos argumentos que vimos, não coarta o direito dos proprietários do prédio vizinho de erguerem a parede do seu novo edifício junto da casa daquela, mesmo tapando as frestas irregulares (porque com dimensões superiores a quinze centímetros) que aí se acham. Não existe uma área non aedificandi no prédio dos requeridos e sobretudo não existe nos termos previstos no art. 1362.º, isto é, de metro e meio. Aliás, já não existia quando o anterior edifício sito no terreno dos requeridos existia, porque este distava apenas cinquenta centímetros da casa da requerente.
Assim sendo, o recurso improcedente, sendo de manter a decisão recorrida que indeferiu liminarmente a providência de embargo de obra nova.
III – Decisão
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 25.1.2021
Fernanda Almeida
António Eleutério
Maria José Simões
_______________
[1] No Código Civil Anotado, 2.ª Ed., p. 225 e 226.
[2] Sebenta policopiada de Direitos Reais, Coimbra, p. 155 e 156.
[3] “Frestas e janelas: consequência da abertura de frestas em desconformidade com a lei”, RLJ, 128, pp. 119 e 149.
[4] Cit., p. 153.
[5] Proc. 07A3114: a abertura de frestas sem as características indicadas na lei – dimensões um pouco superiores ou situadas a altura do solo ou sobrado um pouco menos do que o prescrito na lei – pode originar a aquisição, por usucapião, de uma servidão predial, consistente em ter o seu detentor o direito a mantê-las abertas em condições irregulares, sem que o vizinho o possa compelir a torná-las com as dimensões legais, mas não adquire o direito de servidão de vistas que impeça o vizinho de as tapar com a construção que leve a cabo do seu prédio, pois o art. 1362º citado apenas impede a referida construção em situação de servidão de vistas e não da servidão predial acima referida.
[6] Proc. 08B1716: Assim, como as referidas aberturas – frestas irregulares –, embora permitam a visão sobre o prédio dos recorridos, não estão estruturadas em termos de a sua função ser a da devassa por via do desfrute de vistas, a conclusão é no sentido de que não têm substrato idóneo à aquisição do direito real de servidão de vistas nos termos gerais a que se reporta o artigo 1362º, nº 1, do Código Civil.
[7][7] Proc. 2142/07-2: 1.As frestas são aberturas estreitas, que têm apenas a função de permitir a entrada de ar e luz;
2.As frestas que, pelas suas dimensões ou pela altura a que se situem, não obedeçam aos requisitos legais, mas que, apesar disso, não proporcionem aquelas comodidades, não devem qualificar-se como janelas. Continuam a ser frestas, embora frestas irregulares; a construção e uso de uma abertura que se situa a um metro e oitenta centímetros do sobrado, com 44 cm de largura e 20 cm de altura, não dá origem à constituição de uma servidão de vistas, pois, tratando-se de uma abertura ou fresta irregular, não cabe no âmbito dos casos previstos no citado artigo 1362º, nº 1, do C. Civil;
3.Se o vizinho afectado pelas frestas irregulares não reagir contra o abuso cometido, a situação possessória que delas resulta dará origem, logo que decorra o prazo da usucapião, a uma servidão predial; constituída a servidão, o proprietário vizinho deixa de ter o direito, que antes lhe cabia, de exigir, através de uma acção negatória, que as frestas sejam modificadas e harmonizadas com a lei; e o proprietário que abriu as frestas adquire, por seu turno, o direito, que não tinha até esse momento, de manter tais aberturas em condições irregulares; mas da constituição da servidão nenhum outro efeito resulta. Concretamente, o proprietário vizinho não perde o direito de construir mesmo junto à linha divisória, ainda que tape as frestas.
[8] Proc. 335/13.2TBAGN.C1: IV - Devem ser concebidas como irregulares as aberturas semelhantes a “frestas” e “janelas gradadas” mas com dimensões superiores e/ou situadas a uma altura inferior às indicadas, respectivamente, nos arts. 1363º e 1364º do CC– e que, nos termos anteriormente expostos, também não possam ser qualificadas como “janelas”.
V - A edificação e manutenção dessas aberturas irregulares, sem as características indicadas nos arts. 1363º e 1364º do CC, excedem o conteúdo do direito de propriedade e sujeitam o proprietário vizinho a um encargo a que este se pode opor, exigindo que as aberturas sejam afeiçoadas às condições (dimensão e afastamento do solo ou sobrado) impostas na lei. Se o proprietário vizinho não se insurgir contra o abuso cometido, a posse das utilidades daí resultantes pode originar a aquisição, por usucapião, de uma servidão predial, embora não de uma servidão de vistas atípica.
VI - E uma vez constituída essa servidão predial, o dono do prédio dominante adquire o direito de manter essas aberturas em condições irregulares, cessando o direito de o proprietário vizinho exigir a sua harmonização com a lei, mas este não perde o direito de construir até à linha divisória, mesmo que tape as aberturas, porque a restrição que cria uma zona non aedificandi, no espaço de metro e meio, só é estabelecida em relação à servidão de vistas regulada no art. 1362º.
[9] Proc. 2949/16.0T8PTM.E1: 3 - Uma abertura, num prédio urbano, com uma dimensão de 66 cm de largura por 37 cm de altura, situada a cerca de 2 m de altura do chão não pode ser caraterizada como janela, mas apenas como uma fresta irregular insuscetível, de permitir a devassa da privacidade de prédio vizinho, pois embora permita olhar para ele, não deita diretamente sobre ele, não existindo parapeito onde haja possibilidade de qualquer pessoa se apoiar ou debruçar, não permitindo, por isso o devassamento.
4 - Uma abertura caraterizada como fresta irregular não fundamenta a aquisição de servidão de vistas por usucapião, podendo, por isso, ser tapada pelo réu com a construção que levou a efeito no seu prédio já que este não perde o direito de construir junto à linha divisória, mesmo que tape a fresta implantada no prédio dos autores, porque a restrição que cria uma zona non aedificandi, não permitindo edificar no espaço de metro e meio, medido a partir dos limites do prédio, só é estabelecida pela lei em relação à servidão de vistas regulada no artº. 1362º do CC.