Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
95926/13.0YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RP2015042895926/13.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 04/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – Conjugando o disposto no citado D-L nº 56/2010 com a Lei das Comunicações Electrónicas (LCE), na versão que resultou da Lei nº 51/2011, verifica-se que, na lei de 2010, prevêem-se as contrapartidas para os operadores ou prestadores de serviços, apenas no caso do necessário desbloqueamento dos equipamentos fornecidos, com incidência no valor dos descontos ou da subsidiação do equipamento – porém, já na LCE, alterada em 2011, prevê-se a possibilidade de existência de outros encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato (v.g. para directa recuperação de custos de subsidiação de equipamentos terminais, mas também em função da oferta anterior de condições promocionais ou do pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores), com o limite genérico da proibição do excesso.
II – É hoje jurisprudencialmente aceite, por maioria, com base na exegese das normas legais aplicáveis, que o diploma de 2010 estabelece uma contrapartida para a resolução do contrato durante o período de fidelização na estrita medida de uma entrega de equipamentos.
III – A fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada e a cláusula penal permite, por um lado, contrabalançar, através da fixação acordada de um indemnização, o custo associado ao desrespeito pelo utente do compromisso assumido, e, por outro, impede um ganho injustificado do utente, concedido pela operadora em função de uma permanência temporalmente assegurada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Rec. 95926/13.0YIPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão de 1ª instância – 20/11/2014.


Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com procedimento especial para cumprimento de obrigações pecuniárias nº95926/13.0YIPRT, da Instância Local Cível da Comarca do Porto (Maia).
Apelante/Autora – B......., SA.
Apelada/Requerida – C......., SA.
Apelado – Digno Magistrado do Ministério Público, em representação da ausente.

Pedido (em Requerimento de Injunção)
Que a Requerida pague à Requerente o montante global a quantia de €10.130,95, da qual €9.177,42 são relativos ao capital, €735,53 são correspondentes aos juros de mora até à data de entrega da injunção, €153,00 são referentes à taxa de justiça paga e €65,00 referentes a “outras quantias”.

Tese da Autora
Como prestadora de serviços de telecomunicações, prestou os seus serviços à requerida, que se obrigou a pagá-los, com um período de obrigatoriedade ou fidelização.
Mais se obrigou a Requerida a manter o serviço pelo período fixado no contrato, sob pena de, não o fazendo, se responsável pelo pagamento à Requerente, o valor relativo à cláusula penal, nos termos do contrato.
As facturas apresentadas nunca foram pagas pela Requerida, a qual se constituiu devedora de outras quantias previstas no contrato, por força do respectivo incumprimento

A Requerida, que foi citada editalmente, não apresentou contestação.

Sentença
Na peça processual recorrida, a Mmª Juiz “a quo” julgou a acção parcialmente procedente e decidiu condenar a Requerida a pagar à Autora a quantia de € 4.793,62 (quatro mil, setecentos e noventa e três euros e sessenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, contados desde as respectivas datas de vencimento das facturas até efectivo e integral pagamento.
No mais peticionado, absolveu a ré do pedido.

Conclusões do Recurso de Apelação da Autora:
1. A sentença recorrida padece de lapso na indicação do montante da cláusula penal peticionado pela Recorrente, pelo que deverá ser rectificada.
2. Contrariamente ao decido, é a própria sentença que reconhece que a Recorrente alegou factos que permitiriam condenar a Recorrida no pagamento da cláusula penal.
3. Entendeu o tribunal a quo que a Apelante não pode invocar a cláusula penal prevista no contrato de prestação de serviços constante dos autos, e dado como provado, por falta de factos que permitam aferir da sua validade à luz do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de Junho (“Decreto-Lei n.º 56/2010”).
4. O Tribunal a quo alicerçou a decisão recorrida no entendimento de que “… a autora não alegou ter existido entrega de qualquer equipamento… Assim, este tribunal nunca poderia aferir se… a cláusula penal prevista no contrato é ou não válida…
5. O objectivo e o alcance do Decreto-Lei n.º 56/2010 são diametralmente opostos ao propugnado pelo Tribunal a quo, Decreto-Lei que é inaplicável à situação dos presentes autos, sendo a cláusula penal convencionada válida.
6. A primeira referência com que o intérprete se depara na leitura do Decreto-Lei n.º 56/2010, é, no início do seu preâmbulo, a invocação de um estudo levado acabo pela Autoridade da Concorrência (“AdC”), denominado de “Mobilidade dos Consumidores no Sector das Comunicações Electrónicas” (“Estudo”), e divulgado em Fevereiro de 2010.
7. Os custos contratuais e de compatibilidade, que foram relevados e atendidos aquando da redação do Decreto-Lei n.º 56/2010, são categorias que integram o conceito de custos de mudança, sendo estes últimos aqueles em que o consumidor incorre “(…) sempre que este opte por aderir aos serviços de um operador ou prestador de serviços, num contexto de existência de uma relação contratual prévia com um outro fornecedor.
8. O legislador seguiu, pois, muito de perto as conclusões da AdC constantes do Estudo, tendo-se mostrado sensível aos argumentos explanados pela AdC e não proibiu o bloqueio de equipamentos, tendo optado, ao invés, pelas medidas intermédias apontadas por aquela entidade e que se traduziram, em concreto, na proibição de cobrança de contrapartidas pelo desbloqueamento de equipamentos e na definição de limites a essas contrapartidas.
9. O preâmbulo do DL 56/2010 identifica as duas tipologias de custos que condicionam a mobilidade dos consumidores no sector das comunicações móveis: custos contratuais e custos de compatibilidade:
- nos parágrafos 3 a 6 é referido o estudo da Autoridade da Concorrência (AdC) sobre custos de compatibilidade;
- no § 7º a deliberação do ICP-ANACOM que refere custos de compatibilidade e custos contratuais.
10. O § 7º sétimo do preâmbulo é esclarecedor quanto ao objecto e limites impostos pelo DL 56/2010, o qual dispõe: (Deliberação do ICP-ANACOM) ”…determinou que se os contratos de adesão dos serviços de comunicações electrónicas previrem períodos de fidelização devem ser incluídas cláusulas que, expressa, clara e inequivocamente, informem o consumir quanto à justificação do período de fidelização pela concessão de contrapartidas ou benefícios ao assinante, à duração do período de fidelização, ao custo do desbloqueamento, ao meio, que deve ser simples e expedito, através do qual o assinante possa, a todo o momento, saber quando se conclui o período de fidelização e qual o valor que terá de pagar se rescindir antecipadamente o contrato, à forma de cálculo do valor que deve pagar em caso de resolução antecipada do contrato e, finalmente, cláusulas que estipulem que em caso de pagamento do valor dos benefícios que foram inicialmente concedidos, no final do período de permanência ou em caso de resolução antecipada do contrato, o assinante tem direito ao desbloqueio do equipamento pelo preço que constar inicialmente do contrato e que não lhe pode ser exigido a nenhum título qualquer quantia suplementar.” (sublinhado nosso)
11. Com o enquadramento que resulta do § 7º, o Legislador enumerou as 3 medidas que o diploma visa alcançar:
- primeiro (§8º do preâmbulo): estando prevista e cumprida a fidelização - proibição de cobrança pelo desbloqueio;
- segundo (§9º): estando prevista e não tendo sido cumprida a fidelização - fixação do valor pela rescisão e desbloqueio;
- terceiro (§10º): preço do desbloqueamento, não existindo fidelização.
12. Ou seja, com o DL 56/2010 o Legislador refere-se, claramente, ao preço do desbloqueio e à fidelização (apenas) quando é estabelecida como contrapartida da entrega de equipamentos:
a) é o que resulta, desde logo, do § 7º do preâmbulo: “… em caso de pagamento do valor dos benefícios que foram inicialmente concedidos, no final da permanência ou em caso de rescisão antecipada o assinante tem direito ao desbloqueio… pelo preço que constar inicialmente do contrato e não pode ser ser exigido a nenhum título qualquer outra quantia suplementar.
Mostrando-se pagos os restantes benefícios do contrato - assim dispõe o § 7º-, a rescisão, no período de fidelização, apenas teria como consequência o pagamento de valor igual ao do remanescente do equipamento.
Tal determina a coincidência de montantes fixados no art.º 2º, n.º 2 do DL 56/2010;
Tal determina a proibição constante do n.º 3 do art.º 2º (existindo período de fidelização).
b) é o resulta da estrutura da Lei
Se o Legislador pretendesse limitar, genericamente, o valor devido pela resolução contratual ao valor dos equipamentos, fá-lo-ia, pela relevância que o mesmo assumiria, em capítulo ou artigo autónomos.
Porém, não foi isso que aconteceu. A referência à resolução contratual encontra-se contextualizada, integrada e relacionada com a questão desbloqueio dos equipamentos e a fidelização que deles deriva:
- se já não existir fidelização (pelos equipamentos), o seu desbloqueio é gratuito (cfr. art.º 2º, n.º1) e proibida a cobrança de qualquer contrapartida;
- se, durante a fidelização (decorrente dos equipamentos), o utente resolver o contrato e pretender o desbloqueamento são devidas as percentagens referidas no n.º 2 do art.º 2º, estabelecendo o n.º 3, para as situações que se enquadram no n.º 2, a proibição da cobrança de outros valores (pela resolução e desbloqueio nas situações em que a fidelização decorra dos equipamentos) – proibição à semelhança do que já definira o art.º 1º.
Se assim não fosse, i.e., se a fidelização a que o DL 56/2010 se refere não fosse, apenas, a relativa a equipamentos, que sentido faria o art.º 2º, n.º 4 estabelecer uma contrapartida pelo desbloqueio, quando decorre do n.º 1 do mesmo artigo a proibição da cobrança findo o período de fidelização contratual?
Não existindo fidelização e se esta fosse (sempre) estabelecida como contrapartida do custo do equipamento, uma vez que este não existia não deveria ser possível exigir um custo pelo desbloqueio. Porém, a Lei permite-o. E permite-o porque distingue: desbloqueamento, fidelização resultante da entrega de equipamentos e fidelização decorrente dos custos contratuais.
Deste modo: Em relação ao serviço de desbloqueamento de equipamentos cuja aquisição determinou fidelização:
(i)- cumprida a fidelização é proibida a cobrança de qualquer valor;
(ii)- durante o período de fidelização apenas os parciais indicados no n.º 2 do art.º 2;
Em relação ao serviço de desbloqueamento de equipamentos cuja aquisição não determinou fidelização:
- não existe qualquer contrapartida [nesta situação, porque não há fidelização, o preço do desbloqueamento não pode ser igual no 6º mês ao que seria no 3º mês - à imagem do que acontece nas situações do art.º 2º, n.º 2, alínea a)];
- existe, somente, o custo do desbloqueio, considerado o valor do equipamento na data de aquisição e todos os pagamentos efectuados até à data do pedido.
c) é o que resulta de art.º 48º da Lei 5/2004
A Lei 5/2004 refere-se, claramente, a outros custos, para além do desbloqueio dos equipamentos entregues.
Acresce que não resulta da Lei qualquer proibição de assunção de outras contrapartidas para além da entrega de equipamentos. Se estas existem e foram livremente contratadas, nada obsta a que os contraentes as assumam.
Pelo que é erróneo considerar que quando não há entrega de equipamentos não podem existir cláusulas penais.
Quando não há entrega de equipamentos carece, sim, de oportunidade a aplicação do DL 56/2010, por ausência do objetivo que o mesmo visa proteger: impedir que a ausência de regras dificulte, encareça o desbloqueio de equipamentos e a, consequente, mobilidade.
No entanto, nada obsta a que se estipulem cláusulas penais para compensação os custos contratuais, estabelecidos para beneficio do utente e para segurança da própria contratação, encontrando-se as mesmas reguladas, quer na Lei 5/2004, quer no Código Civil.
De outro modo, seria a completa subversão da ordem comercial e jurídica – que o Legislador não pretendeu: - as empresas prestadoras de serviços apresentariam aos utentes tarifários vantajosos, com ofertas comerciais várias e relevantes, no pressuposto de ficarem fidelizados por determinado período e veriam limitada ou excluída a indemnização em caso de incumprimento ao montante dos equipamentos, caso os tivessem entregue (só veriam ressarcido o custo dos equipamentos, quando o contrato que celebraram foi de prestação de serviços e implicou vantagens para o utente e custos para os prestadores, bem mais relevantes que os equipamentos);
- os utentes veriam na Lei um incentivo ao incumprimento dos contratos, contribuindo, desse modo, não para a mobilidade, mas para preços de telecomunicações bem mais elevados, por força da ausência de um pressuposto de manutenção do contrato por determinado período.
d) é o que resulta da referência da Lei 51/2011, de 13.09, no artigo 2ª, alínea h)
O regime jurídico aplicável à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos, previsto no Decreto -Lei n.º 56/2010, de 1 de Junho.” (sublinhado nosso)
O Legislador não considerou o DL 56/2010 como o “O regime jurídico aplicável à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos e rescisão de contratos.”
Antes se lhe referiu - conhecedor da realidade do sector das telecomunicações e das diversas contrapartidas associadas à contratação - como a Lei que estabelece o regime aplicável à cobrança de quantias pelo desbloqueio de equipamentos.
13. A não entrega de equipamentos não constitui, por isso, ausência de fundamento para a exigência da cláusula penal e a determinação do seu valor.
Constitui, isso sim, motivo de exclusão do regime do DL 56/2010.
14. Sem prescindir, não resulta da Lei porque não é essa a realidade do sector: as Operadoras de telecomunicações, como a aqui Recorrente, não têm como escopo da sua atividade vender telemóveis. - antes, são “vendedoras” de serviços: minutos de chamadas, sms, internet televisão;
- apenas num número residual dos seus contratos a permanência é determinada pelos equipamentos: por norma são contratos celebrados com particulares, que pretendem adquirir um telemóvel mais caro, efectuando o pagamento em prestações;
- todavia, essa não é a realidade da maioria dos contratos, muito menos os contratos celebrados com pessoas colectivas, com é o caso da Recorrida;
- a empresas não contratam por causa dos telemóveis;
- contratam, porque necessitam de serviços: pretendem chamadas, sms, internet;
- e sabem, porque é um regra básica do comércio, que se adquirirem em maior quantidade o preço é mais baixo;
- assim é a realidade no sector das comunicações: o Cliente que assume a subscrição de serviços por 24 meses beneficia de preços mais baixos do que aquele que o faz por período inferior;
- ao subscrever mais tempo de permanência, para além de beneficiar de serviços a preços mais baixos, os Clientes beneficiam de outras ofertas comercias, entre as quais a oferta de telemóveis;
- ou seja, a permanência não visa compensar a operadora pelos telemóveis, porque não foram os telemóveis que a determinaram;
- antes, pelo facto do Cliente ter assumido aquele período de permanência é que lhe foram oferecidos telemóveis;
- a assunção da responsabilidade, pelo Cliente, em manter o serviço por determinado período é, isso sim, determinante do preço das comunicações.
15. Limitar, por isso, o valor a cobrar em caso de rescisão durante o período de fidelização ao valor dos equipamentos, que não determinaram essa fidelização ou foram oferecidos, seria aplicar o DL 56/2010 a situações que não preenchem a sua previsão;
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a sentença recorrida:
- padece de lapso na parte da indicação do valor da cláusula penal, devendo ser rectificada;
- carece de fundamento ao ter decidido que a Apelante não alegou factos que permitissem condenar na cláusula penal, depois de ter admitido o contrário;
- violou o DL 56/2010 de 01.06, os artigos 9º, 405º e 810º todos do Código Civil e o artigo 48º da Lei nº 5/2004 de 10/02 na redacção dada pela Lei 51/2011 de 13/09 ao não aplicar a cláusula penal convencionada entre as partes e, consequentemente, absolver a Ré da indemnização nela prevista e peticionada nos autos.

Factos Apurados
1 - No âmbito da sua actividade comercial, autora e ré celebraram um contrato de prestação de serviços de telecomunicações, de acordo com a proposta de subscrição nº000584, a que foi atribuído o nº de conta cliente 1.42140739.
2 – A ré subscreveu a “proposta de subscrição” cuja cópia se encontra junta a fls. 70-74, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3 – A ré igualmente subscreveu o “anexo à proposta de subscrição” cuja cópia se encontra junta a fls. 75 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4 - No âmbito do contrato celebrado a autora obrigou-se a prestar à ré os serviços de telecomunicações subscritos e nos respectivos planos tarifários escolhidos pela ré e respectivas mensalidades, e esta obrigou-se a efectuar o pagamento tempestivo das respectivas facturas.
5 - Celebrado o aludido contrato a autora iniciou a prestação dos seus serviços, com efectiva utilização pela ré.
6 - Conforme consta da proposta de subscrição, as partes acordaram um período de obrigatoriedade de permanência de 24 meses.
7 – No âmbito do contrato, a autora emitiu as facturas cujas cópias constam de fls. 95 a 109 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8 - Tais facturas foram enviadas pela Autora à Ré, não tendo as mesmas sido devolvidas.
9 - A Ré não pagou as referidas facturas nem na data dos respectivos vencimentos nem até à presente data, não obstante ter sido por diversas vezes interpelada pela autora para o fazer.
10 – A autora remeteu à ré as cartas cujas cópias constam de fls. 114 a 132 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11 – A título de incumprimento contratual pela ré a autora debitou-lhe o montante de € 11.897,80 (onze mil, oitocentos e noventa e sete euros e oitenta cêntimos), conforme cópia da factura junta a fls. 108/109 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Factos Não Provados
Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a boa decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que:
1 – A autora gastou a quantia de €65,00 em diligências de cobrança para evitar a injunção.

Fundamentos
Como a Apelante adequadamente sintetiza, a respectiva pretensão conge-se a saber se:
- a sentença padece de lapso na parte da indicação do valor da cláusula penal;
- carece a mesma sentença de fundamento ao não aplicar a cláusula penal convencionada entre as partes e ao absolver a Ré da indemnização peticionada, assim violando o disposto no DL 56/2010 de 01.06, nos artºs 9º, 405º e 810º CCiv e no artº 48º Lei nº 5/2004 de 10/02, na redacção dada pela Lei 51/2011 de 13/09.
Vejamos pois.
I
A questão dos autos, como deles flui abundantemente, do profícuo tratamento da matéria seja na douta sentença recorrida, seja nas doutas alegações de recurso, prende-se com a análise dos campos recíprocos de aplicação do disposto no D-L nº56/2010 de 1 de Junho e no artº 48º Lei das Comunicações Electrónicas (Lei nº 5/2004 de 10/2), na redacção da Lei nº51/2011 de 13/9.
O primeiro dos citados diplomas visou (artº 1º) “estabelecer limites à cobrança de quantias pela prestação de serviços de desbloqueamento de equipamentos destinados ao acesso a serviços de comunicações electrónicas, bem como pela rescisão do contrato durante o período de fidelização, garantindo os direitos dos utentes nas comunicações electrónicas e promovendo uma maior concorrência neste sector”.
Algo contraditoriamente, porém, as contrapartidas previstas nesse diploma, a saber, no seu artº 2º nº2 reportavam-se todas elas a casos em que a celebração do contrato era acompanhada pela oferta de equipamentos ou pela sua entrega a preços especiais:
“2. Durante o período de fidelização, pela resolução do contrato e pelo desbloqueamento do equipamento, é proibida a cobrança de qualquer contrapartida de valor superior a:”
“a) 100 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no decurso dos primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis;”
“b) 80 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, após os primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis;”
“c) 50 % do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no último ano do período de fidelização, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis.”
O nº3 do artº 2º reforçava a impressividade da norma anterior, ao estabelecer que “é proibida a cobrança de qualquer contrapartida, para além das referidas no número anterior, a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização”.
Conjugando o disposto no citado D-L nº 56/2010 com a Lei das Comunicações Electrónicas (LCE), na versão que resultou da Lei nº 51/2011, verifica-se que:
- em primeiro lugar, a diferença de âmbitos de aplicação: segundo o artº 2º nº2 al.h) LCE, “o disposto na presente lei não prejudica (…) o regime jurídico aplicável à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos, previsto no Decreto-Lei nº 56/2010, de 1 de Junho”;
- em segundo lugar, que “a informação relativa à duração dos contratos deve incluir a indicação da existência de períodos contratuais mínimos associados, designadamente, à oferta de condições promocionais, à subsidiação do custo de equipamento terminais e ao pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores, bem como indicar eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais” (artº 48º nº2 LCE);
- finalmente, no nº5 do artº 48º, diz-se que “sem prejuízo da existência de períodos contratuais mínimos, nos termos do número anterior, as empresas não devem estabelecer condições contratuais desproporcionadas ou procedimentos de resolução dos contratos excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante”.
Portanto, da articulação dos dois diplomas, conclui-se que, na lei de 2010, prevêem-se as contrapartidas para os operadores ou prestadores de serviços, apenas no caso do necessário desbloqueamento dos equipamentos fornecidos, com incidência no valor dos descontos ou da subsidiação do equipamento – porém, já na LCE, alterada em 2011, prevê-se a possibilidade de existência de outros encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato (v.g. para directa recuperação de custos de subsidiação de equipamentos terminais, mas também em função da oferta anterior de condições promocionais ou do pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores), com o limite genérico da proibição do excesso.
Esta distinção dos campos de previsão das diferentes normas não é efectuada pela douta sentença recorrida, que entende, em argumentação exaustiva, que o legislador do D-L nº 56/2010 fechou o campo das contrapartidas a haver pelos operadores aos casos de necessidade de desbloqueamento de equipamentos (os chamados custos de compatibilidade), deixando de fora, definitivamente, a possibilidade de cobrança de quaisquer outros custos contratuais, entre outras por razões de concorrência. Pensamos porém, como expusemos, que a sentença deixa de fora o campo de aplicação da LCE, não se lhe referindo, aliás.
A distinção é consagrada, v.g., no Ac.R.P. 9/9/2013 (inédito), relatado pelo Desemb. Abílio Costa, no Ac.R.P. 20/5/2014, pº 83925/13.6YIPRT.P1, relatado pela Desembª Anabela Dias da Silva (in www.dgsi.pt), mas também no Ac.R.P. 1/4/2014 Col.II/221, relatado pelo Desemb. Igreja Matos (também publicado na base de dados oficial. Estes três citados arestos, na base da aludida distinção, consideraram aplicável ao caso a LCE e condenaram o devedor no montante da cláusula penal peticionada.
A inexistência de elementos para enquadrar as importâncias peticionadas num ou noutro dos regimes por nós apontados, de 2010 ou de 2011, sendo esse um ónus de alegação e prova do credor, determinou a improcedência do pedido, v.g., no Ac.R.P. 13/5/2014, pº 203179/12.2YIPRT.P1, relatado pelo Desemb. Rodrigues Pires, desta 1ª Secção Cível da Relação do Porto.
Foi esse também o sentido decisório de um outro acórdão pelo presente relator subscrito como 2º adjunto – Ac.R.P. 16/9/2014 Col.IV/169, relatado pelo Desemb. Henrique Araújo (também na base de dados oficial).
Apenas salientamos um aresto dissonante, defendendo a plena aplicação da lei de 2010 para todas as hipóteses de resolução do contrato no período de fidelização – o Ac.R.P. 26/6/2014, pº 28496/12.0YIPRT.P1, relatado pelo Desemb. Pedro Lima da Costa.
Uma primeira conclusão se pode retirar – é que é hoje jurisprudencialmente aceite, por maioria, com base na exegese das normas legais aplicáveis, que o diploma de 2010 estabelece uma contrapartida para a resolução do contrato durante o período de fidelização na estrita medida de uma entrega de equipamentos.
Mas podem existir outras condições contratuais abrangidas pela resolução – a subsidiação dos equipamentos terminais, o pagamento de encargos decorrentes da portabilidade, a oferta de condições promocionais. Nesses casos, que são abrangidos pela LCE (2011), a cláusula penal que cubra os prejuízos do operador não deve ser “excessivamente onerosa e desincentivadora da mudança de prestador de serviço por parte do assinante”.
II
Revertendo para o caso dos autos, está em causa o estabelecimento de uma indemnização forfaitaire no montante de € 4 383,80, correspondente às mensalidades em falta até ao termo do período contratual acordado (que não de € 11 897,80, como por mero lapso refere a douta sentença recorrida, a determinado passo).
Já se entendeu, no Ac.R.G. 11/9/2012, pº 34394/10.5YIPRT.G1, relatado pelo Desemb. Araújo Barros (proferido no domínio de outra legislação, mas à luz da regulamentação das cláusulas contratuais gerais, e citado nas doutas contra-alegações do Ministério Público) que, e em resumo, “importa apenas apurar se o predisponente da cláusula de um contrato de prestação de serviços com acordo de cedência de equipamentos, que estabelece unilateralmente a penalização de pagamento do valor dos equipamentos cedidos, bem como das prestações de consumo mínimo em falta até ao fim do prazo do contrato, caso o contrato venha a ser incumprido pelo cliente ou resolvido por razão a este imputável, se está a aproveitar, contra os ditames da boa fé, da sua posição de superioridade que lhe advém do tipo de contrato em causa; isso acontece quando o valor a receber representa a totalidade do valor de um serviço que não chegou sequer a ser prestado à ré.”
Esta matéria caberia hoje claramente ser analisada à luz da legislação de 2010 e dos limites que impõe, pelo que deve ser outro o enfoque da análise.
Vejamos: há que ponderar dois aspectos, bem como um aspecto prévio.
Previamente, considera-se que o juízo de desproporção entre a pena e o dano deve ser efectuado “ex post”, isto é, “face à comparação da pena convencionalmente fixada com o valor dos danos efectivamente sofridos”, relevando de uma valoração que pode ser imputada ao exercício do direito (assim, Profª Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pg. 417).
De um lado, é verdade que uma das partes fica obrigada ao cumprimento do contrato com o pagamento da totalidade do preço acordado para a vigência de todo o contrato, sem que o serviço venha a ser prestado, com os custos a ele associados.
Mas, por outro lado, não deixa de ser significativo qua a lei aluda a que os procedimentos de resolução são independentes da existência de períodos contratuais mínimos, salvaguardando a existência destes.
Fazemos nossas as palavras do Ac.R.P. 1/4/2014 cit.: “A fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada e a cláusula penal permite, por um lado, contrabalançar, através da fixação acordada de um indemnização, o custo associado ao desrespeito pelo utente do compromisso assumido que tornou inútil o benefício concedido, e, por outro, impede um ganho injustificado do utente que, não sendo penalizado pelo incumprimento, poderia obter os ganhos contratualizados com a operadora e concedidos por esta em função de uma permanência temporalmente assegurada, sem depois ter qualquer ónus associado a uma ruptura antecipada com o acordado”.
É por esta razão que entendemos que a cláusula penal que consiste no pagamento do mínimo consumo acordado pelos meses que subsistiam até ao final do contrato não se mostra uma cláusula penal desproporcionada, à luz do disposto no artº 48º nº5 LCE, com a procedência da pretensão recursória.

Resumindo a fundamentação:
I – Conjugando o disposto no citado D-L nº 56/2010 com a Lei das Comunicações Electrónicas (LCE), na versão que resultou da Lei nº 51/2011, verifica-se que, na lei de 2010, prevêem-se as contrapartidas para os operadores ou prestadores de serviços, apenas no caso do necessário desbloqueamento dos equipamentos fornecidos, com incidência no valor dos descontos ou da subsidiação do equipamento – porém, já na LCE, alterada em 2011, prevê-se a possibilidade de existência de outros encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato (v.g. para directa recuperação de custos de subsidiação de equipamentos terminais, mas também em função da oferta anterior de condições promocionais ou do pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores), com o limite genérico da proibição do excesso.
II – É hoje jurisprudencialmente aceite, por maioria, com base na exegese das normas legais aplicáveis, que o diploma de 2010 estabelece uma contrapartida para a resolução do contrato durante o período de fidelização na estrita medida de uma entrega de equipamentos.
III – A fidelização existe para compensar a operadora da despesa acrescida implícita na promoção que lhe está associada e a cláusula penal permite, por um lado, contrabalançar, através da fixação acordada de um indemnização, o custo associado ao desrespeito pelo utente do compromisso assumido, e, por outro, impede um ganho injustificado do utente, concedido pela operadora em função de uma permanência temporalmente assegurada.

Dispositivo (artº 202º nº1 CRP):
Julgar procedente, por provado, o recurso interposto, e, em consequência, revogar parcialmente a douta sentença recorrida, condenando agora a Requerida, a pagar à Autora a quantia de € 9 177,42, no mais confirmando a douta decisão recorrida.
Custas por Apelante e Apelada, na proporção de 10% por aquela e 90% por esta, em ambas as instâncias.

Porto, 28/IV/2015
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença