Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0711093
Nº Convencional: JTRP00040545
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: PARTICIPAÇÃO EM RIXA
HOMICÍDIO PRIVILEGIADO
Nº do Documento: RP200709120711093
Data do Acordão: 09/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 496 - FLS 02.
Área Temática: .
Sumário: I - Comete o crime de participação em rixa quem intervier ou tomar parte em rixa de duas ou mais pessoas, donde resulte a morte ou ofensa à integridade física grave (art. 151º,1 C. Penal).
II - O crime de homicídio privilegiado, previsto no art. 133º do C. Penal, tem o seu fundamento na diminuição sensível da culpa do agente, por se encontrar dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, após audiência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.- RELATÓRIO.

1. No PCC n.º ../05.9GAVMS do Tribunal de Vimioso, em que são:

Recorrente: Ministério Público.

Recorrido/Arguido: B………. .

foi o arguido submetido a julgamento, pela prática, em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física simples do art. 143.º (referente a C……….), um crime de ofensa à integridade física simples do art. 143.º, n.º 1 (referente a D……….), um crime de homicídio do art. 131.º, (referente a E……….) e um crime de homicídio do pelo art. 131.º, (referente a C……….).
Posteriormente e por acórdão de 2006/Dez./21, a fls. 1025-1053, foi o mesmo absolvido de um crime de ofensa à integridade física do art. 143.º (referente a D……….) e de dois crimes de homicídio simples do art. 131.º (referente a C………. e E……….), sendo condenado por um crime de ofensa à integridade física do art. 143.º, n.º 1, na pena de cem dias de multa à taxa diária de cinco euros e como autor material de um crime de homicídio privilegiado do art. 133.º, todos do Código Penal, na pena de três anos de prisão, a que se seguiu uma pena única de três anos de prisão e em cem dias de multa, com o indicado valor diário.
3.- O Ministério Público insurgiu-se contra esse acórdão, interpondo recurso do mesmo a fls. 1058-1099, pugnando pela sua revogação e a sua substituição por outro que mediante o proposto reexame da matéria de facto, acabe por condenar o arguido por todos os crimes pelos quais foi acusado, em prisão efectiva.
No caso de se manterem os factos já dados como provados no acórdão recorrido, o Ministério Público, a titulo subsidiário, pugna pela aplicação de uma pena de 10 meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física do art. 143.º e por uma pena de 4 anos e 2 meses de prisão pelo crime de homicídio privilegiado, e, em cúmulo jurídico, numa pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª) o acórdão recorrido enferma de nulidade porque não justifica os motivos que levaram a que, apesar da confissão que se diz ter-se valorado, o tribunal tenha julgado não provados importantes factos pessoais;
2.ª) não há exame crítico da prova, porque a fundamentação – especificadamente no que tange à valoração da confissão – tanto permitia chegar à conclusão a que se chegou como a outra qualquer;
3.ª) Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que o tribunal, podendo e devendo fazê-lo, deixou de investigar factos essenciais para poder formular um juízo seguro de absolvição ou de condenação, ou seja: i) porque motivo levou o arguido o seu revólver pronto a disparar? ii) o projéctil disparado pela 6,35 mm adaptada será capaz de trespassar a mão e o tórax das vítimas? iii) que munição é e que arma disparou o projéctil mencionado a fls. 245 (H) da perícia?
4.ª) Também existe contradição insanável entre os factos dados como provados quando: i) não obstante o trajecto do projéctil no membro superior esquerdo do C………., deixa implícito que possa ter sido alvejado com tal disparo, sem ser pelas costas; ii) tendo “toda a gente” fugido com os disparos no bar, refugiando-se nas traseiras deste e disparando o C………. na rua, de frente da porta do bar, ligeiramente à esquerda, o possa ter feito na direcção da multidão que se refugiava nas referidas traseiras; iii) não obstante estar em estado de estrema exaltação e emoção, com as faculdades de determinação alterada, tenha conseguido deixar de voluntariamente de disparar quando o C………. se embrenhou na multidão;
5.ª) Essa contradição também se estende aos factos dados como provados e não provados, em relação:
i) provado: “O arguido ao disparar no largo onde estavam muitas pessoas em fuga no decurso da festa previu a possibilidade de poder atingir outras pessoas com os disparos e assim feri-los ou matá-los, conformando-se com o resultado tendo disparado pelo menos um tiro sobre o opositor na direcção do local onde estavam e se dirigiam muitas pessoas”
não provado: “O arguido tenha disparado a sua arma de fogo na direcção das pessoas que fugiam para se refugiarem nas traseiras do bar referido, e tenha previsto como resultado possível do seu disparo não alvejar o C………. e tenha previu como fortemente possível que o projéctil atingisse alguma ou algumas dessas pessoas, conformando-se com tal resultado”.
ii) provado: o arguido dispara vários tiros no C………., mesmo depois de se ter posto em fuga “e fica de costas para o arguido, altura em que este dispara pelo menos mais um tiro que o atinge na região lombar”.
não provado: “o arguido persistiu em matá-lo mesmo quando ele …de costas viradas para o arguido, se dirigia para a multidão para aí se refugiar”.
iii) provado: a bala que trespassou a E………. saiu sem causar danos visíveis;
não provado: depois de sair tenha perfurado a roupa da E………. .
6.ª) contradição insanável entre a os factos provados e a fundamentação, porque nesta se disse que o C………. “entra de rompante” e “retira-se abandonando o local como entrara”, julga-se não provado que tenha saído do bar “tão decidida e rapidamente quanto entrara”
7.ª) contradição insanável entre os factos não provados e a fundamentação, porque afirma-se que a convicção radicou “nas declarações do arguido que no essencial confessou a materialidade dos factos”, com excepção da intenção de matar, mas não se julgam provados os factos pessoais do arguido.
8.ª) Existe ainda erro notório na apreciação da prova, ao dar-se como provado:
i) que o arguido “agiu impulsionado pelo acto súbito e inesperado do C………. de o querer matar”, não obstante o que anteriormente sucedera entre ambos e estar avisado de que tal podia acontecer;
ii) que a E………. foi atingida “no momento em que se inclinou para agarrar a filha”, por ser incompatível que nesse momento a D………. já tivesse as mãos nas costas da E………. e porque o tiro entrou pelas costas e saiu pelo peito;
iii) que o projéctil fez o “trajecto de baixo para cima no tórax da E……….”, sem existir qualquer suporte no relatório de autópsia do cadáver e sem justificar com argumentos científicos a divergência;
iv) que ao arguido nunca passou pela cabeça atingir a E………. e a D………. quando estas eram duas das 100 a 150 pessoas que ali estavam e que, ao ali disparar, previu poder atingir e assim feri-las ou matá-las;
9.ª) também existe erro notório na apreciação da prova quanto aos seguintes factos julgados não provados:
i) que o arguido agrediu o C………. com uma garrafa de vidro, quando a ferida que este apresentou é lógica e racionalmente compatível com um corte de vidro e não com um soco;
ii) que o C………. ia na direcção da sua casa “de costas voltadas para o arguido”, quando foi alvejado pelas costas, pelo arguido que saíra do mesmo bar;
iii) que o disparo que atingiu o C………. no membro superior esquerdo, o alvejou pelas costas, como evidenciam os ferimentos causados;
iv) que o arguido persistiu na intenção de matar o C………., mesmo depois de estar a fugir e de costas voltadas para o arguido, quando após vários disparos, foi nessa ocasião que o atingiu gravemente;
v) que quando disparou os últimos tiros na direcção do C………. que fugia para se refugiar na multidão, não tenha previsto atingir outrem, quando as suas condições emocionais eram instáveis, as de visibilidade deficiente, não sabia se tinha acertado no alvo e estava em movimento;
vi) que o projéctil referido a fls. 245 é de calibre 32 ou 7,65 mm. e foi disparado pelo revólver do arguido, como ajuíza a perícia balística;
vii) que o projéctil que atingiu a D………. e a E………. foi disparado pelo arguido com o seu revólver, por ser fisicamente impossível que a 6,35 mm adaptada do C………. trespassasse o tórax da E………., depois de fracturar dois arcos costais, como demonstram os danos na porta, na mesa e os ferimentos causados no arguido;
10.ª) Houve erro de julgamento ao dar-se como provados os seguintes factos:
i) a E………. foi atingida quando se inclinou para agarrar a sua filha ao colo;
ii) o projéctil que a atingiu fez o “trajecto, de baixo para cima, no tórax da E……….”
iii) “o arguido agiu impulsionado pelo acto súbito e inesperado do C………., de o querer matar”
iv) “ao arguido nunca passou pela cabeça …atingir a D………. e a mãe”
v) “O arguido agiu pressionado e em estado de estrema exaltação e emoção que não conseguiu controlar, que o impediram de avaliar correctamente as circunstâncias e a situação e lhe alteraram as suas normais faculdades”
10.ª) Também houve erro de julgamento ao se dar como não provados os seguintes factos:
i) o C………. seguia “de costas para o arguido, na direcção da sua casa”;
ii) e nessa posição foi alvejado por disparo efectuado pelo arguido que o atingiu no membro superior esquerdo;
iii) o projéctil indicado a fls. 245 e identificado por (H) na perícia balística é de calibre 32 magnun ou 7,65 mm e foi disparado pelo revólver do arguido.
11.ª) O Tribunal errou ao julgar não provados os seguintes factos que devia julgar provados:
i) o arguido agrediu o C………. “dando-lhe com uma garrafa de cerveja”;
ii) o arguido depois de avisado “previa que podia ter problemas e novo conflito com o C………., em ………., terra deste”
iii) o C………. “irrompeu no bar e saiu tal como entrara”;
iv) o arguido não foi “surpreendido” pelo ataque do C……….;
v) o arguido “firmemente disposto a matar o C………. disparou sobre ele em local onde estavam 100 ou 150 pessoas”
vi) o arguido “persistiu em matar o C………. mesmo quando ele de costas viradas para o arguido fugia para a multidão para aí se refugiar”
vii) quando “o C.......... estava de costas para o arguido e fugia para se refugiar na multidão, este efectuou mais que um disparo nessa direcção”
viii) “o arguido disparou a sua arma de fogo na direcção das pessoas que fugiam para se refugiarem nas traseiras do bar referido e previu como o resultado possível do seu disparo não alvejar o C………. e previu como fortemente possível que o projéctil atingisse alguma ou algumas dessas pessoas, conformando-se com tal resultado”
ix) o projéctil que atingiu a D………. e a E………. é de calibre 32 ou 7,65 mm e foi disparado pelo arguido com o seu revólver;
12.ª) procedendo o recurso nos itens antecedentes, os factos cometidos pelo arguido integram a previsão dos crimes que lhe são imputados na acusação;
13.ª) se não proceder, deve ter-se em conta que o modo de execução do homicídio, pese embora a verificação do motivo, não é de molde a que tenha sido perpetrado com culpa sensivelmente diminuída, efectuou vários e insistentes disparos para o matar, os últimos foram mortais, mesmo quando o C.......... fugia para se refugiar na multidão e estava de costas para o arguido;
14.ª) não há nenhuma vantagem em optar-se pela pena pecuniária no crime de ofensa à integridade física, pois o arguido está condenado em pena de efectiva de prisão, existindo até inconvenientes para a prevenção e as finalidades da punição;
15.ª) a medida da pena de prisão aplicada ao homicídio privilegiado peca por benevolência, não sendo dimensionada ao grau de culpa com que o arguido o cometeu;
16.ª) O acórdão recorrido violou o disposto nos art. 374.º, 2, 379.º, n.º 1, al. c), 163.º, 410.º, n.º 2, al. a), b) e c), todos do Código Processo Penal, 131.º, 133.º, 40.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, 70.º, n.º 1 e 2, todos do Código Penal.
3.- O arguido respondeu em 2007/Jan./01, a fls. 1161-1194, pugnando pela improcedência do recurso, sustentando no essencial que:
1.º) em momento algum declarou ou confessou ser sua a intenção de matar o C..........;
2.º) O acórdão recorrido não só fundamenta, como analisa criticamente as provas, preenchendo o conteúdo da norma do art. 374.º, n.º 2, não se verificando “in casu” a nulidade do art. 379.º, n.º 2, aqui arguida;
3.º) Não se verifica qualquer vício que seja susceptível de integrar o disposto no art. 410.º, n.º 2 do Código Processo Penal;
4.º) Também não existe qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto;
5.º) Os factos provados integram o crime de homicídio privilegiado pelo qual o arguido foi condenado;
6.º) As penas aplicadas foram as correctas, sendo de referir, no que concerne ao crime de ofensas à integridade física, que o motivo que as originou foi fútil e que as mesmas foram provocadas pelo C...........
4.- O Assistente F………. apresentou resposta a fls. 1196—1198, aderindo ao recurso do Ministério Público.
5.- Nesta instância foi emitido parecer em 2007/Fev./13, a fls. 1211-1222, aderindo apenas ao recurso no que concerne à alteração da decisão da matéria de facto relativamente às circunstâncias que rodearam a morte de C………., de modo a integrar um crime de homicídio simples, pugnando pela improcedência do demais, nos termos que se passam a resumir:
1.º) a fundamentação expressa no acórdão recorrido é convincente e suficiente, na medida em que é feita uma análise das várias provas produzidas e retracta exemplarmente a consagração no direito processual penal dos princípios da oralidade e da livre imediação da prova, no que toca ao processo psicológico da formação da convicção do julgador;
2.º) o acórdão recorrido não padece de qualquer dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do Código Processo Penal, pelo menos no que respeita a pontos essenciais e com verdadeira relevância para a decisão final;
3.º) é de aceitar as razões invocadas no acórdão recorrido, quanto ao não apuramento de quem disparou o tiro que atingiu a D………. e a E………., porquanto as provas produzidas, mormente as periciais, não permitem uma conclusão segura e totalmente isenta de dúvidas;
4.º) pelos motivos invocados na motivação, não parece que se possa concluir, com segurança, que o arguido agiu em estado de exaltação, pois o mesmo tinha presente a ocorrência antecedente, o intuito de retaliação anunciado pelo C………., e não obstante as advertências feitas pelos amigos, foi para a festa devidamente armado e disposto ao que desse e viesse;
5.º) o arguido aquando do sucedido na segunda ocorrência, já se encontrava preparado para essa eventualidade e predisposto a retaliar, caso o adversário o enfrentasse, o que aconteceu;
7.º) Fê-lo de forma ágil, decidida e eficaz, o que não é demonstrativo de grande perturbação.
6.- Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2 do C. P. Penal, tendo o arguido retorquido a fls. 1232-1237, no sentido da sua anterior resposta.
Colheram-se os vistos legais e após audiência, comunicou-se ao arguido que os factos provados, quanto ao sucedido em 2005/Set./14, no que concerne a E………. é susceptível de integrar um crime de participação em rixa do art. 151.º do Código Penal.
O arguido respondeu sustentando que a sua conduta dada como provada não integra tal crime e que para alegar de direito, esta Relação teria que funcionar como 1.ª instância, devendo ser permitida a produção de prova, havendo ainda uma alteração substancial, por referência ao art. 1.º, al. f) do C. P. Penal.
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As questões suscitadas em recurso reconduzem-se à apreciação da existência de nulidade do acórdão (i), dos vícios do art. 410.º, n.º 2, em qualquer das suas modalidades (ii), de erro no julgamento da matéria de facto (iii) e caso esta seja procedente ao seu enquadramento jurídico no sentido apontado na acusação pública.
Por fim, resta a escolha e a determinação da medida da pena aplicadas (iv).
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II.- FUNDAMENTAÇÃO.
1.- O acórdão recorrido.
Na parte que aqui releva transcrevem-se as seguintes passagens[1]:
“1.º) Na noite de 30 de Agosto de 2005, cerca das 23 horas, arguido encontrava-se na G………., sita na Estrada Nacional n.º …, em ………., comarca de Vimioso, onde estava hospedado, e a dada altura vem a sentar-se juntamente com o seu companheiro na mesa onde se encontrava C………., a beber e a conversar.
2.º) Nessa mesa estavam a discutir sobre questões de política nacional, designadamente sobre as eleições presidenciais, discussão na qual o C………. procurava envolver o arguido, o qual face à resposta deste de que a sua politica era a família, os amigos e o trabalho, se exaltou apelidando-o de “minhoto”, “salazarista”, “filho da puta”, “cabrão”, e a dada altura empunhando uma garrafa de cerveja vibra-a com o fim de bater no arguido, o que não consegue porque este o impede tirando-lha ao mesmo tempo que se envolvem em luta e aos socos atingindo-se por onde podiam e na sequência dessa luta o C………. é derrubado pelo arguido e caí ao chão.
3.º) Ao levantar-se o C………. dirige-se ao seu automóvel, que estava estacionado no parque daquele estabelecimento hoteleiro, e agarrando a pistola que ali trazia voltou à G………. com ela empunhada e ali procurou o arguido com o fim de o matar;
4.º) O entretanto arguido avisado pelos presentes que conheciam o C………., fugiu, refugiando-se no interior da G………. onde esteve escondido cerca de 20 minutos até o C………. se ter retirado, contrafeito, por não o ter encontrado.
5.º) Como consequência directa, necessária e exclusiva daquela conduta o C………. sofreu ferida com 3cm na região pré-auricular esquerda e equimose peri-orbitária direita com reacção conjuntival, lesões estas que para além de dor, demandaram para a cura, directa e necessariamente, oito dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.
6.º) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, e quis molestar a saúde e a integridade física do queixoso, o que conseguiu, nas circunstâncias descritas.
7.º) C………. é o beneficiário da Segurança Social com o n.º ………/.. .
8.º) O C………. apresentou queixa por tais actos e apesar disso estava decidido, quando a oportunidade surgisse, a matar o arguido e a servir-se para concretizar este seu desígnio daquela sua arma de fogo, razão pela qual, posteriormente no dia seguinte a experimentou, bem como testou a sua pontaria, com a mesma efectuando três disparos contra a porta de madeira de um palheiro existente na sua aldeia, em ………., desta comarca, nela deixando cravados três projecteis de calibre 6,35mm.
9.º) Desde 30/8/05 e até 14 de Setembro não se voltaram a encontrar;
10.º) No dia 14 de Setembro de 2005, uma Quarta - Feira, o arguido saiu de noite da residencial “G……….” e decorria na aldeia de ………., Concelho de Vimioso, a festa da ………., que entre outras celebrações incluía baile nocturno que se realizava no largo da aldeia e no qual actuava um conjunto musical.
11.º) O arguido quis ir á festa, vontade que manifestou a H………. quando o encontrou, o qual para ali se dirigia com um grupo de amigos; nessa altura este chamou-lhe a atenção para ter cuidado não fosse encontrar-se com o C………. por ser a localidade de residência deste, e poder haver problemas e novo conflito por ter má fama e índole,
12.º) ao que ele retorquiu que não seria por ele que tal aconteceria, e combinaram encontrar-se num bar antes da aldeia “o I……….” junto ao rio entre ………. e ………. e no lado esquerdo de quem circula nesse sentido, para beber um copo, onde ele H………. iria ter,
13.º) mas, como ao ali chegar o encontrou fechado o arguido dirigiu-se sozinho para a festa e ali se manteve desde cerca as 23,00 horas esperando o H………., trazendo consigo o seu revolver de calibre 32 J………. (equivalente a 7,65mm no sistema métrico), de percussão central e indirecta, com cano estriado de 48mm de comprimento, melhor descrito na auto de exame pericial de fls. 512 e que aqui damos por reproduzido, municiado com 6 balas sendo 5 de igual calibre e a outra de calibre 32 K………., acondicionando-o no respectivo coldre em couro, transportando-o dependurado do lado direito da sua cintura, pronto a sacar e disparar.
14.º) Entretanto o C………., que se encontrava na aldeia, dirigiu-se a uma das janelas do bar da comissão de festas, situado no centro da aldeia em frente á Capela e exactamente no largo onde decorria o baile e actuava o conjunto musical, e após ter espreitado para dentro, retirou-se.
15.º) Quando o H………. chegou ao largo da aldeia de ………. dirigiram-se ele e o arguido, ao bar da Comissão de festas para beber uma cerveja, aí entrando e após serem servidos sentaram-se numa mesa do fundo e lado direito por referência a quem entra naquele estabelecimento comercial, o qual, para além da porta de entrada tem janelas que permitem que se veja do e para o exterior.
16.º) Algum tempo depois e enquanto ali se encontravam, o C………. foi de novo espreitar a uma janela do bar, sem que o arguido o visse, e tendo-se certificado que o arguido estava no referido bar, foi à sua residência, que fica do outro lado da rua à esquerda em frente à porta daquele bar
17.º) e muniu-se da sua arma de fogo, pistola de marca L………. originalmente de alarme e calibre 8mm e transformada para calibre 6,35mm M………., de percussão central e directa, com o cano de 56 mm de comprimento e um carregador para pelo menos sete munições, melhor descrita no auto de exame pericial de fls. 511, aqui dado por reproduzido, e municiando-a com balas de calibre 6,35mm da marca N……….,
18.º) transportou-a consigo, e dirigiu-se ao bar e, através da janela, voltou a certificar-se de que o arguido ainda ali estava, bem como do exacto local onde estava sentado, de frente para as janelas e porta do bar.
19.º) E de imediato, cerca das 23,55 horas, decidido a disparar e a matar o arguido, de arma na mão e pronta a disparar, atravessa a porta de entrada e irrompe no referido bar, avançando até se postar em frente ao arguido, a não mais de 1,5 m deste e, sem nada dizer, aponta e dispara, ininterruptamente, sobre ele, que permanecia sentado, três ou quatro tiros,
20.º) sendo que logo com o primeiro projéctil lhe acertou, partindo-lhe o aro e a lente direita dos óculos que usava que caíram para o chão, deixando este, de beneficiar da correcção da visão que eles lhe proporcionavam, e a bala atinge-o de raspão no canto exterior do olho direito, ferindo-o e os restantes projécteis disparados pelo C………., dois deles atingiram o arguido nas mãos, porque este as interpôs para se proteger, ao mesmo tempo que se deixou cair, ocultando-se debaixo da mesa, e dos tiros ficaram sinais de impacto no tampo da mesa e na parede atrás do arguido.
21.º) Convencido de que matara o arguido, o C………. cessou os disparos e voltando costas saiu do bar, dizendo “este já está” e dirigiu-se para a sua residência, continuando com a arma na mão.
22.º) Cessados os disparos, imediatamente o arguido se levanta e empunhando o revólver do coldre pronto a disparar, ao ver um vulto a desaparecer que crê ser o C………., vai atrás dele, para o matar.
23.º) O arguido sai do bar e na rua procurou o C………. entre 100 a 150 pessoas que ali no baile se encontravam, daquela localidade e arredores, e que alertadas pelos disparos procuravam refugio, fugindo em debandada do local.
24.º) E, ao avistá-lo seguindo de costas na direcção da sua casa, aponta o revolver e dispara um tiro na sua direcção e no momento que o C………. se volta para si e para o largo dispara pelo menos outro tiro, vindo uma bala a atingi-lo no antebraço esquerdo, trespassando-o, e a outra bala a atingir o portão atrás de si.
25.º) E, ao mesmo tempo, o C………. dispara também pelo menos dois tiros na direcção do arguido e das pessoas que procuravam refugio no lado oposto, atingindo-o com um tiro no terço médio do braço esquerdo.
26.º) E, foge para o seu lado esquerdo passando em frente ao arguido e á capela, em direcção ao baile, altura em que este, rodopiando, dispara contra ele pelo menos um tiro, que o atingiu na região lateral do tórax direito, ao nível da axila, tendo o projéctil atravessado a caixa torácica e ficando alojado subcutâneo no terço médio do esterno, mas o C:……… continua a sua fuga em direcção á zona do baile e traseiras do bar para onde toda a gente havia fugido, e fica de costas para o arguido, altura em que este dispara pelo menos mais um tiro que o atinge na região lombar esquerda, que atravessando o abdómen, saiu pelo lado oposto, e por o C:……… se ter embrenhado junto dos demais presentes o arguido deixou de disparar;
27.º) Logo após os disparos no interior do bar, as pessoas que ali se encontravam na festa começaram a fugir e ao pressentirem a saída do C:……… com a arma, seguida da saída do arguido do bar à procura daquele, procuraram refugio com receio do tiroteio,
28.º) e entre elas estava E………. que se encontrava a dançar com a sua filha D………. de 2 anos de idade, na zona em frente á capela e entre a porta do bar e a janela esquerda desta, a qual inclinando-se para agarrar a sua filha ao colo e fugir na direcção do palco e traseiras do bar para se por a salvo, é atingida por uma bala na região dorsal direita abaixo da omoplata, bala essa que perfura a mão esquerda da sua filha D………. que estava aberta nas suas costas e a atinge antes de entrar no corpo da mãe.
29.º) Em consequência dos tiros de revólver que atingiram o C………., este ficou com o antebraço esquerdo trespassado tendo o projéctil começado por atingir a parte interna do terço distal do braço esquerdo, entrado e atravessado o terço proximal do antebraço esquerdo, saindo sem causar lesões ósseas, a bala que o atingiu na região lateral direita causou-lhe contusão pulmonar à direita, seguida de hemopneumotorax à direita e pneumotorax à esquerda, e a bala que o atingiu na região lombar, no seu trajecto no interior do abdómen causou-lhe hemoperitoneu, perfurou-lhe e lacerou as paredes, anterior e posterior do estômago, lacerou a cauda do pâncreas e lacerou o rim esquerdo, ferimentos toraxico-abdominais esses que pela sua gravidade e extensão obrigaram ao seu internamento hospitalar, logo após ter sido atingido, seguido de várias intervenções cirúrgicas de drenagem das hemorragias internas, de reparação do estômago, dos intestinos e do pâncreas e obrigaram à extirpação do baço e do rim esquerdo, e associados a septicemia que lhe surgiu como complicação, foram a causa directa e necessária da sua morte, ocorrida pelas 20,15 horas de 25 de Outubro de 2005, ou seja, após 45 dias de internamento hospital em UCIP e igual período de tempo sobre a produção das lesões.
30.º) Em consequência directa e necessária do disparo que a atingiu sofreu a D………. perfuração da mão esquerda penetrando a bala pela região dorsal e saindo pela região palmar, assim lhe causando feridas incisas, de entrada e saída, ao nível da base do 5º dedo, que perdeu a flexão, ferimentos melhor descritos no auto de exame médico-legal de fls. 275 a 277, que aqui damos por reproduzido, que demandaram para a cura, directa e necessariamente, doença por 15 dias com afectação da capacidade de trabalho por um período de 6 dias.
31.º) Menor D………. que é a beneficiária da Segurança Social com o n.º …………. .
32.º) O mesmo projéctil, furou a parte posterior da roupa, um casaco e uma t´shirt que a E………. trazia vestida penetrando no corpo desta deixando um orifício de entrada com 8mm de diâmetro e trespassando o tórax saiu pela região torácica anterior direita, junto ao bordo interno da clavícula, deixando um orifício com 1 cm de diâmetro, e ao trespassar a mão da D………. e o corpo da E………., o projéctil foi perdendo força e saiu, não causando outros danos visíveis, e no trajecto, de baixo para cima, no tórax da E………., aquele projéctil provocou fractura cominutiva da 9ª costela posterior direita, perfurou o pulmão direito, desde o lobo inferior ao lobo superior com alguns segmentos ósseos e contusão pulmonar adjacente e fracturou-lhe, com segmento ósseo livre, o 2º arco costal anterior á direita, causando-lhe ainda hemotorax à direita, lesões estas melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 448 a 452, aqui dado por reproduzido, que foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida nos minutos seguintes.
33.º) A E.......... era a beneficiária da Segurança Social com o n.º ……….. .
34.º) Os disparos feitos pelo falecido C………. que atingiram o arguido foram causa directa e necessária de traumatismo no olho direito, de cicatriz superficial na face dorsal com 2 mm e cicatriz superficial na face palmar com 2 mm na mão direita, e no braço esquerdo de cicatriz queloide na face interna do braço com 2 cm por 1 cm, cicatriz no terceiro dedo com 5mm por 5 mm em cada face lateral, ligeiro aumento de diâmetro do terceiro dedo (menos de 0,5 cm), que foram causa de doença por 30 dias sem incapacidade para o trabalho;
35.º) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente e ao disparar a sua arma de fogo sobre o C………. sempre com a intenção de o alvejar, quis tirar-lhe a vida, o que veio a conseguir, apesar das intervenções hospitalares, sabendo bem que esta sua conduta era proibida e penalmente punida.
36.º) O arguido, que não tinha visto o falecido antes dos tiros deste, agiu impulsionado pelo acto súbito e inesperado do C………., de o querer matar, e pressionado e motivado por tal conduta, e, em estado de extrema exaltação e emoção que não conseguiu controlar causada por aquela e sem ter a noção da gravidade dos ferimentos por si sofridos, que o impediram de avaliar correctamente as circunstâncias e a situação e lhe alteraram as suas normais faculdades de determinação.
37.º) O arguido ao disparar no largo onde estavam muitas pessoas em fuga no decurso da festa previu a possibilidade de poder atingir outras pessoas com os disparos e assim feri-los ou matá-los, conformando-se com o resultado tendo disparado pelo menos um tiro sobre o opositor na direcção do local onde estavam e se dirigiam muitas pessoas;
38.º) O arguido tem licença de uso e porte de arma desde 25/2/2003 e a arma que usou está manifestada e registada em seu nome,
39.º) e tal revolver não foi feito para disparar projecteis que depois de atravessarem o corpo de uma pessoa não consigam trespassar a roupa da mesma ao saírem;
40.º) O falecido não era titular de licença e uso de porte de arma nem a arma que usou estava registada ou manifestada
41.º) Se o arguido estivesse a contar com o C………. podia antes tê-lo visto e não deixar que fosse ele o primeiro a disparar;
42.º) O arguido só se tinha encontrado com o C………. uma vez e pouco o conhecia.
43.º) O arguido só se apercebeu da situação e do C………. quando se viu ferido pelos disparos deste.
44.º) Findos os disparos o falecido C………. regressou a casa e saiu com o seu carro para ser socorrido no Centro de Saúde de Vimioso, e daí foi enviado para o H.D. Bragança que o remeteu para o Porto e onde veio a falecer, e o arguido entrou no bar a pedir socorro tendo-lhe sido prestado;
45.º) O arguido tem o 8º ano de escolaridade que concluiu em regime nocturno;
46.º) É trabalhador, educado e respeitador.
47.º) Vivia com a esposa e duas filhas, maiores, a estudar no ensino superior, a quem sustenta pelo seu trabalho de empresário de metalo mecânica/canalização e encontrava-se a fazer uma obra no O………., juntamente com um trabalhador ao seu serviço, e vive desafogadamente;
48.º) Goza de apoio familiar;
49.º) Tem mantido bom comportamento prisional;
50.º) Não tem antecedentes criminais.
51.º) A E………. sentiu que ia morrer nos poucos minutos de vida que lhe restaram após o disparo e teve dores físicas e psíquicas face á angústia com a proximidade da morte e ter de abandonar as suas filhas, apercebendo-se da bala que a atingiu e ao agarrar a filha para a proteger,
52.º) e esta não vai esquecer o disparo violento e suas consequências;
53.º) O seu marido e filhas sofreram com a morte da esposa e mãe para quem foi uma perda irreparável e insubstituível.
54.º) As suas filhas D………. e P………., sentem angustia e desespero com a falta da mãe, e pensam muito nela, tendo tido dificuldade em dormir um sono sossegado e por vezes chamando por ela.
55.º) O marido da E………., ficou destroçado com a perda da mulher, a quem amava, sofreu e sofre forte dor emocional, tendo perdido a vontade de viver, e vive assaltado por medo e angustia por si e suas filhas, vivendo para elas;
56.º) A E………. tinha uma vida longa pela frente, cheio de sonhos e esperanças, era muito jovem, saudável e com gosto pela vida, tinha grande vontade e força de viver.
57.º) As filhas viram-se privadas do rendimento da mãe, sendo este importante para a subsistência das mesmas, dado uma filha ter 9 anos e a outra 2 anos
58.º) A falecida trabalhava em casa e na lavoura cultivando produtos para seu sustento e da casa e ia poder continuar a trabalhar e contribuir para o sustento das suas filhas, bem como continuar a trabalhar para a economia comum do casal até à idade provável de reforma;
59.º) Era casada no regime de comunhão de adquiridos.
60.º) Os demandantes gozam de modesta condição sócio económica;
61.º) A D………. foi e tem sido tratada à mão esquerda, no hospital ………. do Porto;
62.º) Com tratamentos, deslocações e outros em idas várias aos hospitais, desde a data da lesão da D………., até hoje, despendeu o seu pai a quantia de 1.000,00€.
63.º) Além das fortes dores físicas, sofre com a angustia dos tratamentos, e pelo facto de não ter uma infância feliz e repleta de brincadeiras como qualquer criança da mesma idade, por não mexer todos os dedos da mão como as outras crianças e ter de passar algum tempo em hospitais e consultas
64.º) Ao arguido nunca passou pela cabeça disparar a arma para atingir a D………. e a mãe, e estava tranquilo com os seus amigos e assim continuaria se não o tivessem arrancado do convívio aos tiros;
65.º) O projéctil indicado a fls. 245 como tendo atingido a E………. foi encontrado no local 38,30 horas depois dos factos no dia 16/9/05 pelas 14,30 horas.
66.º) Em consequência do falecimento da E………. o Instituto de Segurança Social pagou ao seu viúvo F………. e ás filhas P………. e D………. a titulo de subsidio por morte a quantia de 2.560,08 €, sendo 1.280,04 ao viúvo e 640,02 € a cada uma das filhas, e desde Outubro /2005 a Outubro/ 2006, pagou de pensões de Sobrevivência ao viúvo a quantia de 2.001,51 € e de 500,28 € a cada uma das filha, e o valor mensal actual recebido pelo viúvo de pensão é de 133,95 € e de 33,48 € para cada uma das filhas;
67.º) No Centro Hospitalar do Nordeste EPE – Unidade Hospitalar de Bragança, através do H. D. Bragança, foram assistidos, no dia 15/9/05 a E………. e o C………., ás lesões que demandaram a prestação dos adequados cuidados de saúde, que lhes prestou e cujo custo é em relação á D………. de 838,33 €, e em relação ao C………. é de 525,58 €.
68.º) O Centro de Saúde de Vimioso, prestou os cuidados de saúde que a sua situação demandava nos dias 31 de Agosto e 15 de Setembro de 2005 ao C………., cujo custo foi de 41,10 € e de 52,50 € respectivamente, à D………. em 15/9/05 cujo custo foi de 52,50 €, e ao arguido em 15/9/05 cujo custo foi de 54,14 €.
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Não se provou que:
69.º) O arguido agrediu o queixoso C………., após acesa troca de palavras recíprocas, e deu-lhe uma pancada com uma garrafa de cerveja e com uma cadeira que para o efeito empunhou
70.º) O C………. quis logo naquele local e de imediato exercer retorsão sobre o arguido, e tenha decidido apenas desforrar-se da ofensa que o arguido lhe infligira;
71.º) Em data anterior a 14/9/05 o arguido foi aconselhado pelas testemunhas H………. e Q………. a não ir a ………. para evitar de se encontrar com o C………., informando-o de que se ali o encontrasse seguramente se vingaria da ofensa que o arguido lhe infligira.
72.º) No dia 14/9/05 o arguido saiu da Residencial às 22,00 horas e convidou o H………. a ir ao I………. .
73.º) O Q………. disse que já passara muito tempo desde os factos anteriores e o C………. já não se lembrava de nada.
74.º) Aventaram a hipótese de o I………. estar fechado por causa da festa de ………. caso em que iriam á festa, e combinaram que o arguido iria primeiro e eles apareceriam mais tarde;
75.º) O arguido esperou algum tempo por eles no I………. e esperou por eles no café do bar da comissão de festas;
76.º) O arguido levou o seu revólver para ………. disposto a tudo e para prevenir de aí, no ajuntamento, não ter de retirar-se como sucedera na noite de 30 de Agosto.
77.º) No largo da aldeia estavam cerca de 300 pessoas,
78.º) O C………. tomou a presença ali do arguido como provocação e desafio, pelo que logo formulou o desígnio de vindicta, perspectivando uma boa oportunidade de se redimir da ofensa que este lhe tinha infligido em 30 de Agosto e em execução desse desígnio foi buscar a arma.
79.º) O falecido aproxima-se a menos de 1 m onde o arguido estava com os amigos, e dispara o 1º tiro com a mão apoiada na mesa
80.º) Disparou um tiro cujo impacto depois de fazer ricochete esta assinalado numa das cadeiras do café
81.º) O arguido já tinha esquecido o episódio do dia 30/8 e era sua convicção que o C………. teria feito o mesmo;
82.º) O C………. dispara sete projécteis;
83.º) O C:……… saiu convencido de que apenas atingira gravemente o arguido, e saiu do bar tão decidida e rapidamente quanto entrara,
84.º) O 1º disparo contra o C………. não o atingiu, embatendo o projéctil no aro da porta de ferro da garagem daquele, e C………. tenha sido surpreendido e virou-se e ao mesmo tempo que caminhava na direcção da multidão que estava na festa.
85.º) O arguido ia avançando para e alvejando o C………..
86.º) O C………. ficou sem munições na arma, pelo que se dirigiu rapidamente para junto da multidão e quando estava de costas para o arguido este efectuou mais dois disparos nessa direcção
87.º) O arguido persistiu em matá-lo mesmo quando ele, já sem munições na respectiva arma, indefeso e de costas viradas para o arguido, se dirigia para a multidão para aí se refugiar.
88.º) Tenha sido o projéctil do último disparo efectuado pelo arguido na direcção do C………. e das demais pessoas que fugiam, para as traseiras do bar, que atingiu a menor, então com 2 anos de idade e sua mãe quando esta, levando a filha nos braços e cingida a si, corria para as traseiras do bar.
89.º) A bala depois de sair do corpo da E………. já não perfurou a roupa desta, ou já não tinha força para o fazer ou para provocar outros ferimentos visíveis na menor D………. caso a atingisse, e que sua mãe cingia contra si a essa altura do seu corpo e em frente ao local de saída.
90.º) O arguido tenha disparado a sua arma de fogo na direcção das pessoas que fugiam para se refugiarem nas traseiras do bar referido, e tenha previsto como resultado possível do seu disparo não alvejar o C………. e tenha previu como fortemente possível que o projéctil atingisse alguma ou algumas dessas pessoas, conformando-se com tal resultado.
91.º) Disparo que, como veio a acontecer, atingiu realmente a menor D………. e atingiu mortalmente a mãe desta, a E………. .
92.º) O arguido firmemente disposto, desde início, a eliminar o C………., executou este seu desígnio começando a disparar sobre o opositor em local onde estavam muitas pessoas;
93.º) O arguido nunca decidiu matar o C………. .
94.º) Não foi o arguido que feriu a D………. ou matou a mãe dela a E………., e a bala que as atingiu não saiu do revólver do arguido, pois se o fosse desfazia a mão da menor e trespassava mais pelo menos duas pessoas;
95.º) O projéctil indicado a fls 245 foi encontrado no local onde terá sido alvejada a E………. .
96.º) O C………. de frente para a multidão disparou três ou quatro tiros, e um dos que ele disparou que atingiu mortalmente a E………. e feriu a D……….;
97.º) A bala que atingiu a D………. e a mãe saiu da pistola do C………. 98.º) As filhas da E………. não conseguem dormir um sono sossegado e tranquilo, sem serem assoladas por pesadelos com a morte trágica da sua mãe, e acordam aos gritos desesperadas.
99.º) A falecida E………. auferia à data dos factos o salário mínimo nacional.
100.º) Não seja possível avaliar o grau de incapacidade das lesões da D………. na mão esquerda e tenha de e ter de ser submetida novas cirurgias e sofre por isso;
101.º) A E………. teve morte imediata;
102.º) Tudo o que o arguido fez foi para impedir que o C………. o assassinasse;
103.º) Não pode ter sido ele quem magoou a menor e atingiu a mãe;
104.º) A E………. não se apercebeu da lesão da filha ou da bala que a atingiu a si;
105.º) A D………. há-de perguntar apenas pela causa das marcas da sua mão;
106.º) O arguido nunca ganhou mais do que 750,00 € mensais na sua profissão;
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A convicção do Tribunal radicou-se na análise, ponderação e valoração da prova produzida em audiência, consistente nas declarações do arguido que no essencial confessou a materialidade dos factos, e que visava apenas “neutralizar” o falecido mas não o matar, no que não mereceu credibilidade face ao desenrolar dos factos e sua conduta; o seu posicionamento no café e na rua e posição relativa face ao largo e palco da zona do baile (á sua direita), tendo sido contornado pelo falecido, foi atingido no braço esquerdo na rua pelo C………., após os factos veio a saber que uma senhora teria sido atingida atrás de si, nas suas costas; deixou de disparar apesar de ainda ter uma bala, quando o falecido se refugia na multidão, arma e características dela e das munições, e condições de vida; F………., assistente marido da falecido E………. e demandantes menores, que estava no bar da comissão de festas e ouviu os tiros no interior e saiu pela janela mas quando o conseguiu já tudo tinha acontecido e toda agente a fugir e á volta da esposa, o falecido já estava ao pé da sua casa, a esposa ainda lhe agarrou o braço e viu-lhe a entrada e saída da bala e ferimentos na filha que vai ficar deficiente do dedo; S………., cabo da GNR, que tomou conta da ocorrência e ao chegar ao local, já só viu a senhora falecida, não recolheram nada; isolou o carro do falecido e procedeu á sua revista onde encontrou a pistola sem balas e mandou seguir o arguido para o Hospital; T………., Inspector da P.J. que foi ao local dos factos tendo chegado ainda de noite, verificaram os vestígios assinalados pela GNR e fotografaram-nos e a GNR procedeu á sua recolha e guarda e saíram do local ainda não havia sol, não tendo procedido a PJ a outras diligências de investigação, tendo sabido que posteriormente apareceu outra bala no corpo da falecido; U………., cabo da GNR que estava na festa no bar de costas para o local dos factos e sentiu estalos mas não ligou, e depois sentiu estrondos fora do bar uns mais fortes e outros mais fracos, viu as pessoas a sair do bar e quando saiu já não viu tiros e as pessoas já vinham de regresso da fuga, não viu nenhum dos atiradores, fechou o bar, isolou o largo chamou os Bombeiros e a GNR identificou testemunhas e andou com a PJ na recolha do vestígios e onde se encontravam, locais dos aglomerados de pessoas, e foi tudo muito rápido; V………., militar da GNR / NIC que tomaram conta da ocorrência e procederam á procura, recolha e guarda dos vestígios e seu exame, locais dos mesmos, fotografias, balas deformadas, apreensão da arma do falecido no veiculo automóvel e suas características, busca em casa deste onde encontraram cartuchos de caça, revolver do arguido e seu calibre, recolha de vestígios numa porta onde o falecido foi encontrado a atirar; W………., que viu o falecido aos tiros ás 5 da manhã a uma porta e o interpelou tendo-lhe este dito para ver o que lhe tinham feito nessa noite em ………., e estava a experimentar a pistola; H………., amigo do arguido que estava com ele na residencial aquando dos factos e que os presenciou seu inicio e motivação, e após terem lutado o falecido levantou-se e foi ao carro buscar a arma; encontro no dia da festa, ele ia á festa com um grupo de amigos, disse-lhe para ter cuidado por o falecido ter má fama, o que combinaram, encontraram-se no bar, sentaram-se e presencia a entrada do falecido com arma e tiros que dá distancia e seu efeito, saída do falecido dizendo “este já foi”, reacção do arguido, levantou-se e viu-lhe a pistola ao sair e ouviu tiros, não os viu dar, e o arguido foi ao bar pedir socorro, quando saiu do bar já lá estava a GNR; X………., militar da GNR, sobre o que a testemunha H………. teria dito ao arguido; Y………. que assistiu ao factos ocorridos na residencial, discussão, insultos, o falecido querer dar-lhe com garrafa o que não conseguiu, queda ao chão, pagar na cadeira mas não lhe dar com ela, ida ao carro buscar a arma para o matar e fuga do arguido; Q………., dono da pensão, sentiu ruído, quando veio fora já não viu nenhum deles, mas viu os estragos; ainda apareceu o falecido de carro á procura dos óculos e ferimentos que apresentava; Z………., dona da pensão, estava dentro das instalações e o barulho foi fora, viu o falecido com a arma e fechou a porta e ele não entrou, mas não viu o arguido, e estragos; AB………., estava na festa e encostava á janela mais afastada da porta do bar, na rua onde viu o falecido espreitar para dentro e sair e depois regressar de novo e ir ali de novo onde cumprimentou o seu marido e entrou no bar, ocorrendo os tiros, viu-o sair do bar com a arma na mão e viu sair o arguido, viu o falecido ao pé da sua casa e na rua disparou de costas para a sua casa e de frente para as pessoas que fugiam, ouviu os tiros 4 ou 5, viu a falecida e já vinha a fugir ao passar por si e continuou com a filha nos braços e só dizia “minha filha….” ela caiu, ajudou-a a levantar e fugiram mas só deu 3 a 4 passos e caiu de novo a morrer e tiraram-lhe a criança, e local onde caiu; AC………., musico que tocava em ………. e estava no palco, posicionamento dele, pessoas no largo, viu três tiros dados pela pessoa de frente para o palco mas não sabe quem os deu, pessoas a fugir, posicionamento da falecida junto ao café; AD………., estava na festa, nº de pessoas, viu o falecido conversar e ir embora e depois viu-o ir assomar á janela e entrar no bar e ouviu os tiros pelo menos 3, toda agente a fugir, viu pessoas a cair; falecido saiu para a rua e para a casa dele, e saiu o arguido para a rua acha que foi ele o 1º a disparar na rua mas depois o falecido virou atrás e houve tiroteio a 2 ou 3 m entre eles e movimentaram-se e foram sobre a zona do baile e não sabe o que se passou ali; AE………., estava entre as duas janelas laterais do bar virado para o baile, viu o falecido duas vezes ir á janela e voltar e á terceira foi á janela e foi a casa e voltou é janela e entrou pela porta e sentiu tiros, houve confusão na rua, viu-o na direcção de casa e o arguido atirou um tiro e aquele virou-se e ficaram frente a frente aos tiros, estando o arguido de costas para a multidão e o falecido de frente; depois o tiroteio parou e o falecido fugiu para a multidão, a falecida caiu a 1º vez a 1 ou 2 m de si e a 2 m da janela do café, entregou a menina a outro rapaz e caiu; AF………., estava na festa a dançar e a E………. andando a filha P………. á sua volta também viu o falecido espreitar á janela e entrar no bar e tiros, o C………. saiu, caíram-lhe as fitas da porta do café na cabeça, em direcção á sua casa e depois houve tiroteio na rua, não sabendo como começou, algumas pessoas não se aperceberam e parado o tiroteio o C………. fugiu na multidão para o lado do café, a falecida caiu á sua frente na frente do café pela 2ª janela; AH………., estava no café, nº de pessoas, C………. entra no café decidido põe uma mão na cadeira e atira 3 ou 4 tiros quase ao peito, saí e o arguido saiu atrás dele a mexer no bolso, depois dos tiros o arguido ao entrar de novo no café tinha arranhão no olho; AG………. estava no bar, o C.......... entra rápido e dispara 3 a 4 tiros, saiu normal e o arguido que estava no chão levanta-se e saiu atrás dele, quando ele saí do café já tinha acabado e viu o C………. pela janela do café de regresso a casa; AI………. estava sentado numa parede em frente da porta do café, sobre o nº de pessoas na festa, viu o C………. sair de ao pé de si espreitar, e entrar no bar e atirar 3 a 4 tiros, e sair a andar para a casa dele e dizer “Já o fodi” , viu sair o arguido atrás dele a 6 ou 7 m, e viu um contra o outro aos tiros (há um tiro e o falecido vira para trás), ficaram a 3 ou 4 m de si e ele estava no chão, terminou quando acabaram os tiros e quando se levantou já a falecida estava na janela do café; AJ………., estava no café sentado ouviu 3 ou 4 tiros do C………. sobre o arguido, saíram e ouviu na rua mais 3 ou 4 tiros, depois o arguido entrou no café a pedir para o levarem ao Hospital, e ferimentos deste; AK………. estava ao lado do café a 4 ou 5 m do pilar, vê o C………. assomar ás janelas e correr em direcção a casa, vinda de casa, entrada no café e logo ouve os tiros, o C……….. saí do café e vai em direcção a casa e o arguido saí e dá-lhe um tiro de costas e o C………. virou-se e dá-se o tiroteio (diferentes tiros sem espaço entre eles), a seu lado estava a senhora falecida, ele fugiu para trás das capela; AL………., estava a 0,5 m da E………. frente á capela (entre a capela e o bar), ouviu tiros na bar, viu o C………. sair e viu sair o arguido atrás e dispara em direcção do C………. e este vira-se e dispara na direcção deste no sentido do café e da musica, ele disse foge e a E………. fugiu em frente e ouviram-se bastantes disparos, ele ficou nas traseiras da capela e não viu a E………. ser baleada mas viu-a cair ( sem a reconhecer) em frente ao bar e palco, ligou ao 112 e quando chegou ao local já a falecida estava na janela, viu o C………. subir no fim do tiroteio com a pistola na mão; as filhas da E………. assistiram a tudo, consequências para a D………. e sofrimento e modo de vida da falecida; AM………., que trabalha com o viúvo da E………., sobre o modo e condições de vida e família e consequências da lesão para a D……….; AN………., sobre o sofrimento das menores e estado de espírito; AO………. e AP………., padrinhos da P………., sobre o sofrimento das filhas da E………. e viúvo pela sua falta, e modo de vida da família; AQ………., musico, estava no palco e tinha dedicado a música que estavam a tocar á D………. e ela e a mãe estavam a dançar, apercebeu-se de qualquer coisa no bar mas não sabe o quê, viu uma pessoa a disparar em direcção ao palco (clarão) e no mínimo foram 2 ou 3 tiros, atirou-se para o chão atrás do palco e as pessoas fugiam para onde podiam, quem disparava era o senhor de mais idade que viu mais tarde vindo do lado esquerdo do palco para casa e saiu com o carro, viu a falecida ferida, nº de pessoas na festa; AS………. irmão do arguido sobre as características da arma do irmão, e sobre o modo e condições de vida; AT………., empregado do arguido com quem trabalhava, sobre o modo e condições de vida e trabalho e, AU………., companheiro da testemunha AB………., que estava na festa na janela esquerda do café, o falecido passou ao pé deles acena-lhe com a cabeça, olha pela janela e vê-o levar mão á cintura e entra no café tendo intuído que algo ia acontecer (falecido nervoso e descontrolado), avisou a companheira e fugiu para trás do café tendo ouvido 3 tiros lá dentro, a E………. estava de frente para o palco e vinha desse lado já ensanguentada tendo caído ao pé deles, e veio alguém que agarrou a filha e levantou-se e andou mais 4 ou 5 m de volta em direcção á capela e caiu a morrer, apanhou-a e colocou-a na janela; ouviu fora 4 ou 5 tiros; foi encontrada uma bala mais para o lado direito donde ela caiu - 2 a 3 m; tudo conjugado e interligado com o a análise e o teor dos doc.s de fls. 20 a 22, 25 (objectos), 30 a 32, 46 a 55, 58 a 60, 61 a 68, 94 a 96 (exame ás ofensas de 31/8/05), 105, 125 a 128, 156, 163, 165, 167 e 168, 172 a 174, 175,195 a 230 a 248, 253 a 260, 263, 268 e 269, 275 a 277 (exame á D……….), 278 e 279 (licença e livrete de arma do arguido), 283 a 290 (tiros na porta de um palheiro) 291 a 300 (exame a armas, munições e óculos), 302 a 308, 334 a 336 (busca em casa do falecido), 382, 397 a 400 (entrega de armas, invólucros e munições), 446 a 452 (relatório de autopsia da falecida E………. e fotos), 469 a 478 (relatório de autopsia do falecido C………. e fotos), 510 a 527 e 554 a 572 (relatório de exame ás armas e munições e fotos), 539, 582, 589 a 591 (facturas do C.S. Vimioso), 600, 605 a 608 (certidões do ISSS), 614 a 615 (Hospital), 710 a 718 (exames médico legais ao arguido e D……….), 853 a 856 (Relatório Social para julgamento), 921, 925, 971 e 972, e demais documentos juntos em audiência, e tudo analisado e valorado á luz das regras da experiência comum e das relações pessoais, de amizade, familiares e de trabalho existentes entre as partes e os depoentes, as reacções e circunstâncias, que envolveram os seus depoimentos e o modo como responderam ou foram inquiridos, tendo presente a interligação entre os depoimentos e os vestígios encontrados, sendo que no interior do bar são assinalados pela PJ 3 projecteis 6,35 mm e um fragmento de projéctil, (donde resulta estarem em causa 4 projecteis), mas apenas 3 invólucros 6,35 mm mas no geral as testemunhas referem 3 tiros na café, donde existe concordância quanto aos invólucros, todavia aparece um invólucro fora do café no átrio, mas não há noticia de que aí tenha sido disparada a arma 6,35mm sendo que a pistola extraí de imediato o invólucro; aparecem todas as balas do revólver do arguido (cinco cujos invólucros não eram extraídos), mas há notícia de que a pistola 6,35 mm foi disparada fora do bar pelo menos duas vezes (podem ser três), e não aparecem nem os projecteis, (o arguido diz ter um no braço) nem os invólucros (salvo se considerarmos o encontrado no átrio da bar, mas não foi daí que foi disparado o tiro que atingiu o arguido e sempre haveria um projéctil sem invólucro no bar), para além de não se saber quantas balas tinha o carregador da pistola do falecido; o Tribunal não ficou convencido que tenha sido o invólucro disparado pelo revolver do arguido que tenha atingido a E………. e a D………., porque não há a certeza sobre o local onde a bala foi encontrada e que corresponda ao local onde a E………. caiu, acresce o facto de estar achatada, e o facto de a bala para perfurar o pulmão desde o lobo inferior ao lobo superior (acentuadamente de baixo para cima) e com o trajecto que melhor se observa na foto de 451 e 452 só teria sido disparada, no contexto dos factos, quando a falecida está inclinada / agachada, de costas, a agarrar a filha para fugir, pois se estivesse de pé o tiro teria de ser muito perto e por quem estivesse agachado ou fosse muito baixo (e nenhuma referência é feita a tal atitude), pelo contrário se se considerar que foi atingida quando está inclinada então coaduna-se com os depoimentos prestados mormente os que referem que a falecida está em frente á capela, quem dispara contra a multidão é o falecido (que a pode atingir de costas) logo no inicio que é quando ela agarra a filha e foge e ao passar em frente ao bar a fugir já vem ferida, e tudo indica ser atingida antes de o arguido disparar e atingir o falecido de costas o que aconteceu já no final da contenda e antes de o falecido entrar no aglomerado de pessoas (cf. depoimentos em especial de AB………., AC………., AE………., AQ………. e AU……….) sendo certo que qualquer projéctil podia causar os orifícios de entrada e saída do corpo da E………. (fls.568 e 569), e face ao local de saída do projéctil (como melhor se pode ver na foto de fls. 452) este podia sair sem atingir a t´shirt ou o casaco que a E………. vestia, o que deve ter acontecido, pois o projéctil que faz o orifício de saída como o que está no corpo da E………., tem de deixar vestígios á saída se embater em algo que ali se encontre e não chegar ali e cair sem força, a que acresce ainda que alguns dos vestígios e o seu posicionamento no local onde foram encontrados para aí podem ter sido arrastados pelas pessoas em fuga ou aquando do seu regresso ao local findos os factos;”
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2.- Nulidade da sentença.
Dispõe o art. 379.º, n.º 1, al. a) do Código Processo Penal[2] que “É nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374.º, n.º 2 e 3, alínea b)”, aludindo-se, por sua vez, naquele primeiro segmento normativo que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1 da C. Rep., segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma previstas na lei”.
No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal, na perspectiva do arguido, surge como uma das suas garantias constitucionais de defesa, e, de um modo geral, como uma das vertentes do direito a um processo equitativo, expressas, respectivamente, nos art. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 4, da C. Rep. – cfrr. Ainda o art. 6.º, n.º 1 da CEDH; veja-se Ireneu Cabral Barreto, na sua “Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Anotada” (1999), p. 137 e a jurisprudência do TEDH aí citada.
Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheça as razões que a sustentam, de modo a aferir-se se está ou não fundada na lei.
É isso que decorre expressamente do disposto no art. 97.º, n.º 4 do Código Processo Penal, ao estabelecer que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Por isso essa exigência é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional, que a legitima, e das garantias de defesa, ambas com assento constitucional, de forma a se aferir da sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias – neste sentido veja-se Cordon Moreno, em “Las Garantias Constitucionales del Processo Penal (1999), p. 178 e ss.
Daí que a fundamentação de um acto decisório deva estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, sendo certo que no caso de uma sentença deve obedecer ainda aos requisitos formais enunciados no citado art. 374.º, n.º 2.
Tudo isto para se conhecer, ao fim e ao cabo, qual foi o efectivo juízo decisório em que se alicerçou o correspondente despacho, designadamente os factos que acolheu e a interpretação do direito que se perfilhou, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela.
Assim e à partida, não cumprem estes requisitos os actos decisórios que não tenham fundamento algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivados.
Porém, também não se deve exigir que no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser.
O que importa é que a motivação seja necessariamente objectiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido.
Muitas vezes confunde-se motivação com prolixidade da fundamentação e esta apenas serve para confundir ou obnubilar a compreensibilidade das decisões, que deve ser uma das suas características.
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A nulidade apontada pelo M. P. em recurso, cinge-se, se bem percebemos, a dois fundamentos distintos.
O primeiro seria ter-se considerado que apesar da confissão do arguido, não se valorou o que o mesmo disse quanto a certos factos dados como não provados, o segundo corresponderia à falta de uma apreciação crítica da prova.
No que concerne à primeira circunstância que o Ministério Público, em recurso, considera tratar-se de uma nulidade, será bom de ver que a mesma, em nenhum momento, pode integrar esse vício.
E isto, porque o acórdão recorrido aponta que valorou o depoimento do arguido, mas do seguinte modo, que, passamos a transcrever: “no essencial confessou a materialidade dos factos, e que visava “neutralizar” o falecido, mas não o matar, no que não mereceu credibilidade face ao desenrolar dos factos e sua conduta”.
Assim, torna-se medianamente perceptível qual é o sentido da motivação dos julgadores e que a referida “confissão” não foi integral, mas apenas quanto ao “essencial” da matéria de facto, no dizer do acórdão. Pode-se certamente divergir do entendimento tomado, mas isso situa-se noutra vertente, designadamente relativo à livre apreciação da prova, mas não integra qualquer falta de fundamentação.
O mesmo se passa relativamente à apontada falta de exame crítico das provas, pois o acórdão recorrido não se limitou em resumir o essencial dos depoimentos que foram prestados em audiência, nem a indicar, um por um, quais foram os elementos de prova atendidos.
O acórdão recorrido vai mais além, ao revelar qual foi o sentido e suporte do seu juízo decisório sobre o julgamento da matéria de facto, senão atente-se, entre outras, na seguinte passagem:
“o Tribunal não ficou convencido que tenha sido o invólucro disparado pelo revolver do arguido que tenha atingido a E………. e a D………., porque não há a certeza sobre o local onde a bala foi encontrada e que corresponda ao local onde a E………. caiu, acresce o facto de estar achatada, e o facto de a bala para perfurar o pulmão desde o lobo inferior ao lobo superior (acentuadamente de baixo para cima) e com o trajecto que melhor se observa na foto de 451 e 452 só teria sido disparada, no contexto dos factos, quando a falecida está inclinada / agachada, de costas, a agarrar a filha para fugir, pois se estivesse de pé o tiro teria de ser muito perto e por quem estivesse agachado ou fosse muito baixo (e nenhuma referência é feita a tal atitude), pelo contrário se se considerar que foi atingida quando está inclinada então coaduna-se com os depoimentos prestados mormente os que referem que a falecida está em frente á capela, quem dispara contra a multidão é o falecido (que a pode atingir de costas) logo no inicio que é quando ela agarra a filha e foge e ao passar em frente ao bar a fugir já vem ferida, e tudo indica ser atingida antes de o arguido disparar e atingir o falecido de costas o que aconteceu já no final da contenda e antes de o falecido entrar no aglomerado de pessoas ( cf. depoimentos em especial de AB………., AC………., AE………., AQ………. e AU……….) sendo certo que qualquer projéctil podia causar os orifícios de entrada e saída do corpo da E………. (fls.568 e 569), e face ao local de saída do projéctil (como melhor se pode ver na foto de fls. 452) este podia sair sem atingir a t´shirt ou o casaco que a E………. vestia, o que deve ter acontecido, pois o projéctil que faz o orifício de saída como o que está no corpo da E………., tem de deixar vestígios á saída se embater em algo que ali se encontre e não chegar ali e cair sem força, a que acresce ainda que alguns dos vestígios e o seu posicionamento no local onde foram encontrados para aí podem ter sido arrastados pelas pessoas em fuga ou aquando do seu regresso ao local findos os factos”.
Mas já não é exigível que relativamente a cada facto, tenha que se especificar os elementos de prova que a sustentam, efectuando-se o seu exame crítico parcelar, bastando-se que se conheça qual foi o juízo seguido na valoração global da prova, mediante uma referência a esta e ao circunstancialismo relevante que integra a correspondente factualidade.
Assim, podemos concluir que o exame crítico da prova consiste na explicitação das razões que sustentaram esse juízo probatório e que conduziram a uma certa versão, em detrimento de outras que surgiram no processo, precisando-se a prova que a suportou, nomeadamente a sua relevância e credibilidade, mormente quando se trata de prova oral – neste sentido veja-se os Ac. do STJ de 2006/Dez./12, 2006/Mar./29, 2005/Jul./12 e 2004/Jun./07, todos divulgados em www.dgsi.pt .
Ora afigura-se-nos que a transcrita motivação do acórdão recorrido, cumpriu cabalmente as exigências legais e constitucionais acabadas de referir no que concerne à fundamentação que lhe era exigível, com particular ênfase quanto ao exame crítico da prova produzida, nada sendo de censurar ao mesmo.
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3.- Vícios do art. 410.º, n.º 2.
Como decorre do proémio deste segmento normativo “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum…”, qualquer uma das circunstâncias enumeradas nas subsequentes alíneas.
Assim, na constatação dos vícios enumerados neste segmento normativo e quando os mesmos se reportam à matéria de facto, não é admissível recorrer a outros elementos de prova coadjuvantes, ainda que constem do processo, para além do que emerge do próprio teor da decisão impugnada e daquilo que resulta das regras da experiência da vida.
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i) “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.
Esta insuficiência da matéria de facto diz respeito àquela que é objecto do processo e que o tribunal se encontra vinculado a conhecer, seja por ter sido alegada pela acusação ou pela defesa, seja porque deve proceder à sua investigação para a descoberta da verdade, na medida em que integrem o núcleo essencial dos factos sujeitos a julgamento.
Assim só haverá tal vício desde que exista uma lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação, por parte do julgador, da matéria de facto sujeita à sua apreciação.
Este tem sido de resto o entendimento da jurisprudência, como sucede com o Ac. do S.T.J. de 2000/Fev./17 [BMJ 494/227] onde se decidiu que “A insuficiência para a decisão da matéria de facto consiste em não bastarem os factos provados para justificarem a decisão proferida, pois, havendo factos nos autos que o tribunal não investigou, embora o pudesse ter feito e ainda ser possível apurá-los, tornam-se necessários para a decisão a proferir” – neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 1998/Dez./09 [BMJ 482/68], Ac. R. C. de 1999/Out./27 [CJ IV/68]
Assim e no seguimento do Ac. do STJ de 1998/Dez./09 “VII – O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão do âmbito da livre apreciação da prova, segundo o artigo 127.º do Código de Processo Penal, …. VIII – Quando o recorrente pretende contrapor a convicção que ele próprio alcançou sobre os factos à convicção que o tribunal colectivo ou de júri teve sobre os mesmos factos, livremente apreciada segundo as regras da experiência, e invocar como vício a alínea a) do nº 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, está a confundir insuficiência da matéria de facto com a insuficiência da prova para decidir sendo a sua convicção irrelevante. IX – Não ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando, perante os factos assentes, não se vê que haja insuficiência dos mesmos para caracterizar objectiva e subjectivamente o crime em que o arguido foi condenado.”
Ora o Ministério Público suscita a existência da insuficiência da matéria de facto provada, com base em três perguntas, que no seu entender deviam ter sido investigadas, que seriam as seguintes: i) porque motivo levou o arguido o seu revólver pronto a disparar?; ii) o projéctil disparado pela 6,35 mm adaptada será capaz de trespassar a mão e o tórax das vítimas? ; iii) que munição é e que arma disparou o projéctil mencionado a fls. 245 (H) da perícia?
Perante tais questões não está verdadeiramente em causa uma indagação lacunar dos factos que integram os poderes de cognição do tribunal, que, como se sabe, encontra-se delimitado por aquilo que consta da acusação ou foi alegado pela defesa, mas antes uma eventual insuficiência de prova, perturbadora da livre convicção formada pelo tribunal colectivo, o que cai no âmbito do art. 127.º.
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ii) “A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”.
A contradição tanto pode existir ao nível da factualidade, como ao nível do direito que é apreciado na sentença proferida.
Assim e no que concerne à primeira variante e como se referiu no Ac. do STJ de 2000/Fev./17 [BMJ 494/227] que “A contradição insanável da fundamentação verifica-se quando é dado provado e não provado o mesmo facto”, acrescentando que “Não se integra na contradição insanável o não ter sido provado que um certo facto é verdadeiro ou falso, bem como a não prova da veracidade dos factos em causa não provarem a sua falsidade ou ainda a não prova da falsidade não acarretar a veracidade dos factos”.
No que concerne à segunda variante e como se alude no Ac. do STJ de 1998/Nov./24 [BMJ 481/350] “A contradição insanável da fundamentação é um vício ao nível das premissas, determinando a formação delituosa da conclusão; se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível”.
Tendo sido apontadas várias contradições, iremos apreciar, como não podia deixar de ser, uma a uma.
a) contradição insanável entre os factos dados como provados.
i) não obstante o trajecto do projéctil no membro superior esquerdo do C………., deixa implícito que possa ter sido alvejado com tal disparo, sem ser pelas costas;
Não vemos onde exista contradição ao dar-se como provado o referido em 24.º, que, reportando-se ao arguido, menciona: “E, ao avistá-lo seguindo de costas na direcção da sua casa, aponta o revolver e dispara um tiro na sua direcção e no momento que o C………. se volta para si e para o largo dispara pelo menos outro tiro, vindo uma bala a atingi-lo no antebraço esquerdo, trespassando-o, e a outra bala a atingir o portão atrás de si.”
Afigura-se-nos e s.m.o., que este trecho, encontra-se redigido de forma inexacta, podendo prestar-se a confusões, porquanto a referência a “seguindo de costas”, deve encontrar-se entre vírgulas, pois só assim tem sentido o que se encontra aí escrito.
Certamente que o recorrente tinha presente outra passagem dos factos provados, designadamente o descrito em 26.º, onde se alude que o mencionado C………. “foge para o seu lado esquerdo passando em frente ao arguido e à capela, em direcção ao baile, altura em que este, rodopiando, dispara contra ele pelo menos um tiro, que o atingiu na região lateral do tórax direito, ao nível da axila, tendo o projéctil atravessado a caixa torácica e ficando alojado subcutâneo no terço médio do esterno, mas o C………. continua a sua fuga em direcção á zona do baile e traseiras do bar para onde toda a gente havia fugido, e fica de costas para o arguido, altura em que este dispara pelo menos mais um tiro que o atinge na região lombar esquerda, que atravessando o abdómen, saiu pelo lado oposto”.
Mas, também aqui, não existe qualquer contradição, uma vez que, como qualquer evento, em que duas pessoas estão em movimento, devemos ter uma percepção dinâmica do mesmo e não estática, inserindo-se qualquer uma destas situações no desenrolar lógico dos acontecimentos em apreço.
ii) tendo “toda a gente” fugido com os disparos no bar, refugiando-se nas traseiras deste e disparando o C………. na rua, de frente da porta do bar, ligeiramente à esquerda, o possa ter feito na direcção da multidão que se refugiava nas referidas traseiras.
Diga-se que o que se encontra provado, na parte que aqui releva é o referenciado em 23.º e 27.º, onde se diz, respectivamente, o seguinte:
- “O arguido sai do bar e na rua procurou o C………. entre 100 a 150 pessoas que ali no baile se encontravam, daquela localidade e arredores, e que alertadas pelos disparos procuravam refugio, fugindo em debandada do local”;
- “Logo após os disparos no interior do bar, as pessoas que ali se encontravam na festa começaram a fugir e ao pressentirem a saída do C………. com a arma, seguida da saída do arguido do bar à procura daquele, procuraram refugio com receio do tiroteio”.
Perante este texto não encontramos, qualquer contradição, mas apenas complementaridade na transcrição de um e outro item.
iii) não obstante estar em estado de estrema exaltação e emoção, com as faculdades de determinação alterada, tenha conseguido deixar de voluntariamente de disparar quando o C………. se embrenhou na multidão;
Também aqui não vislumbramos qualquer contradição, porquanto uma coisa são situações que modificam o livre discernimento, outra é estar totalmente destituído da capacidade de efectuar qualquer juízo.
b) Contradição insanável entre os seguintes factos dados como provados e não provados:
i) provado: “O arguido ao disparar no largo onde estavam muitas pessoas em fuga no decurso da festa previu a possibilidade de poder atingir outras pessoas com os disparos e assim feri-los ou matá-los, conformando-se com o resultado tendo disparado pelo menos um tiro sobre o opositor na direcção do local onde estavam e se dirigiam muitas pessoas” [37.º].
não provado: “O arguido tenha disparado a sua arma de fogo na direcção das pessoas que fugiam para se refugiarem nas traseiras do bar referido, e tenha previsto como resultado possível do seu disparo não alvejar o C………. e tenha previu como fortemente possível que o projéctil atingisse alguma ou algumas dessas pessoas, conformando-se com tal resultado”. [90.º]
É patente que existe contradição entre um item e outro, ao dar-se como assente um e não provado o outro, porquanto, embora com uma redacção distinta, se trate da mesma factualidade, muito particularmente aquela que se deixou, para melhor compreensão, em negrito,
Porém, relendo a motivação sobressai que o juízo decisório vai no sentido da prova positiva da correspondente factualidade, devendo, por isso, eliminar-se o item 90.º.
ii) provado: o arguido dispara vários tiros no C.........., mesmo depois de se ter posto em fuga “e fica de costas para o arguido, altura em que este dispara pelo menos mais um tiro que o atinge na região lombar” [24.º, 26.º]
não provado: “o arguido persistiu em matá-lo mesmo quando ele …de costas viradas para o arguido, se dirigia para a multidão para aí se refugiar” [87.º].
Torna-se óbvio que aqui existe uma evidente incoerência entre o que ficou assente e aquilo que é dado como não como provado, muito embora a referência a “persistir em matá-lo” tenha mais um carácter conclusivo do que descritivo de uma certa factualidade.
Por esta razão, proceder-se-á à eliminação deste último item.
iii) provado: a bala que trespassou a E………. saiu sem causar danos visíveis;
não provado: depois de sair tenha perfurado a roupa da E………. .
Diga-se que a transcrição efectuada pelo Ministério Público no seu recurso, não corresponde ao que se encontra descrito como provado em 32.º, porquanto para além da descrição de que “O mesmo projéctil, furou a parte posterior da roupa, um casaco e uma t´shirt que a E………. trazia vestida penetrando no corpo desta deixando um orifício de entrada com 8mm de diâmetro e trespassando o tórax saiu pela região torácica anterior direita, junto ao bordo interno da clavícula, deixando um orifício com 1 cm de diâmetro, e ao trespassar a mão da D………. e o corpo da E………., o projéctil foi perdendo força e saiu, …” acrescenta “não causando outros danos visíveis”.
Por sua vez, o que se dá como não provado em 89.º, não permite concluir que exista contradição entre um e outro, pois o que não ficou demonstrado foi que “A bala depois de sair do corpo da E………. já não perfurou a roupa desta, ou …”.
c) contradição insanável entre a os factos provados e a fundamentação:
porque nesta se disse que o C………. “entra de rompante” e “retira-se abandonando o local como entrara”, julga-se não provado que tenha saído do bar “tão decidida e rapidamente quanto entrara”.
Muito embora esta última referência se possa encontrar em 83.º), o certo é não existe qualquer fundamentação do Colectivo no sentido de que “C………. entra de rompante” e “retira-se abandonando o local como entrara”.
Existe é antes uma referência a um depoimento de uma testemunha, no caso AG………., onde se diz que “O C………. entra rápido e dispara 3 a 4 tiros, saiu normal …”, o que não evidencia, antes pelo contrário, qualquer contradição insanável.
d) contradição insanável entre os factos não provados e a fundamentação:
porque afirma-se que a convicção radicou “nas declarações do arguido que no essencial confessou a materialidade dos factos”, com excepção da intenção de matar, mas não se julgam provados os factos pessoais do arguido.
O recorrente ao suscitar esta nulidade não precisa nas suas conclusões quais são estes “factos pessoais” que não foram dados como provados.
No entanto e relendo a motivação do recurso, com excepção da referência a “que sabia ser a localidade de residência” do C………. e “perspectivado que “poderia ter ali novo conflito com ele”, que não encontramos nos factos dados como não provados,
podemos encontrar aqueles outros em passagens do descrito em 69.º, 76.º, 85.º, 87.º, 90.º e 92.º, que são as seguintes:
- O arguido deu-lhe [no queixoso C……….] uma pancada com uma garrafa de cerveja [69.º];
- O arguido levou o seu revólver para ………. disposto a tudo e para prevenir de aí, no ajuntamento, não ter de retirar-se como sucedera na noite de 30 de Agosto [76.º];
- O arguido ia avançando para e alvejando o C………. [85.º];
- O arguido persistiu em matá-lo mesmo quando ele, se dirigia para a multidão [87.º]
- O arguido tenha disparado a sua arma de fogo na direcção das pessoas que fugiam para se refugiarem nas traseiras do bar referido, e tenha previsto como resultado possível do seu disparo não alvejar o C………. e tenha previu como fortemente possível que o projéctil atingisse alguma ou algumas dessas pessoas, conformando-se com tal resultado [90.º];
- começando a disparar sobre o opositor em local onde estavam muitas pessoas [92.º].

Será de referir que tendo-se já concluído pela supressão dos itens 87.º e 90.º, torna-se despiciendo tecer quaisquer de outro tipo de considerações a propósito dos mesmos.
No demais, será de referir que ao mencionar-se na motivação do acórdão recorrido, que o arguido “no essencial confessou a materialidade dos factos, e que visava apenas “neutralizar” o falecido mas não o matar”, teremos de arredar, na versão do mesmo, qualquer descrição que seja revelador dessa intenção matar, como seja o mencionado em 76.º, 85.º, 92.º e o já referido 87.º.
Assim, resta-nos a matéria correspondente ao item 69.º, mas este deve ser aferido conjuntamente com o descrito e dado como assente em 2.º), pelo que aqui não encontramos qualquer contradição insanável.
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iii) “Erro notório na apreciação da prova”.
Para o efeito tem se entendido, praticamente de modo uniforme por parte da jurisprudência, como sucedeu com o Ac. do STJ de 1999/Jun./16, [BMJ 488/262], que tal desacerto pode integrar duas situações, na medida em que “O erro notório na apreciação da prova só se verifica quando se dá como provada uma série de factos que violam as regras da experiência comum e juízos lógicos ou que são contraditados por documentação com prova plena sem ser invocada a sua falsidade”.
Assim como se apontou no Ac. do STJ de 2005/Fev./09 (Processo n.º 04P4721)[3], que “O “erro notório na apreciação da prova” – naquela sua primeira modalidade – constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio”.
Mais se acrescentou que “A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verifïcável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum” – neste sentido, entre muitos outros, podem-se ver os Ac. do STJ de 1999/Out./13 [CJ (S) III/184], 1999/Jun./16, [BMJ 488/262], 1999/Mar./24 [BMJ 485/281], 1999/Jan./27 [BMJ 483/140], 1998/Dez./12 [BMJ 482/68], 1998/Nov./12 [BMJ 481/325], 1998/Jun./04 [BMJ 478/183], 1998/Abr./22 [BMJ 476/272], 1998/Abr./16 [476/273], 1998/Abr./15 [BMJ 476/238], 1998/Abr./16 [BMJ 476/253]; 1998/Jan./27, [BMJ 473/178].
Por isso é que no citado Ac. STJ de 1999/Out./13, se decidiu que “O vício do erro notório na apreciação da prova só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos”.
Daí que, como se referiu no mencionado Ac. do STJ 1999/Mar./24 [BMJ 485/281] “A discordância entre o que o recorrente entende que deveria ter sido dado como provado e o que na realidade o foi pelo tribunal nada tem a ver com o vício de erro notório na apreciação da prova, tal como este é estruturado na lei” – neste último sentido e preciso sentido temos os Ac. do STJ de 1998/Nov./12 e 1998/Abr./16 [BMJ 481/325, 476/253].
Também aqui iremos indagar um a um os factos que o recorrente Ministério Público entende que integram este vício.
a) quanto ao factos julgados provados:
i) que o arguido “agiu impulsionado pelo acto súbito e inesperado do C………. de o querer matar”.
Não encontramos aqui a existência de qualquer erro notório na apreciação da prova, porquanto nada invalidade, atentas as regras de experiência, que o arguido, na segunda ocorrência com o falecido C………., tenha agido sob o ímpeto do que antes lhe acontecera (os disparos de que foi alvo por parte deste último) e já poder estar se sobreaviso em relação a uma situação semelhante.
ii) que a E………. foi atingida “no momento em que se inclinou para agarrar a filha”.
Também aqui não existe qualquer incompatibilidade entre o que se afirma, com o facto da D………. já ter as mãos nas costas da sua mãe, a falecida E………., nem com o tiro ter entrado pelas costas e saído pelo peito da desdita, tal como sustenta o Ministério Público em recurso.
iii) que o projéctil fez o “trajecto de baixo para cima no tórax da E……….”.
Diga-se que nesta específica transcrição não está em causa um certo juízo pericial, subtraído à livre apreciação do tribunal, mas antes um facto que pode ser observável por qualquer pessoa e sujeito aos critérios do art. 127.º.
Pode-se, certamente, divergir desse juízo de julgamento da matéria de facto, mas isso não integra um erro notório na apreciação da prova.
iv) que ao arguido nunca passou pela cabeça atingir a E………. e a D………. .
Para o efeito argumentou-se que estas eram duas das 100 a 150 pessoas que ali estavam e que, ao ali disparar, previu poder atingir e assim feri-las ou matá-las.
Muito embora seja certeira esta última referência, afigura-se-nos que o facto provado transcrito em 64.º, deve ser conjugado com o descrito em 37.º, segundo o qual “O arguido ao disparar no largo onde estavam muitas pessoas em fuga no decurso da festa previu a possibilidade de poder atingir outras pessoas com os disparos e assim feri-los ou matá-los, conformando-se com o resultado tendo disparado pelo menos um tiro sobre o opositor na direcção do local onde estavam e se dirigiam muitas pessoas”;
O que daqui resulta é que muito embora o arguido não pudesse prever que atingiria concretamente as referidas E……….. a e D………., o que implicava certamente que as conhecesse previamente, tal não invalidaria, como não invalidou, que o arguido previsse a possibilidade de atingir outras pessoas que, na ocasião, se encontrassem no referido recinto, incluindo aquelas duas, enquanto outros indivíduos, mas não enquanto pessoas por si já identificadas.
b) factos julgados não provados:
i) o arguido agrediu o C………. com uma garrafa de vidro.
Sustenta-se que esta a ferida é lógica e racionalmente compatível com um corte de vidro e não com um soco.
Diga-se que está e segundo o que consta provado em 5.º) é uma “ferida com 3cm na região pré-auricular esquerda e equimose peri-orbitária direita com reacção conjuntival”.
Ora, estas lesões foram efectuadas por um instrumento contundente ou actuando como tal, as quais tanto são compatíveis com um soco, como com uma garrafa ou mesmo na sequência de uma queda, pelo que ao dar-se como não provado tal factualidade, não existe qualquer erro notório na apreciação da prova.
ii) o C.......... ia na direcção da sua casa “de costas voltadas para o arguido”.
Cremos que o recorrente se reporta ao facto não provado em 87.º, muito embora aí se diga “de costas viradas para o arguido” o que é precisamente o mesmo.
Como este item vai ser eliminado, encontra-se prejudicado o conhecimento deste preciso fundamento.
iii) o disparo que atingiu o C………. no membro superior esquerdo, o alvejou pelas costas.
Já nos referimos a esta questão, a propósito da apontada contradição insanável entre os factos dados como provados [a) i)], pelo que renovamos as considerações aí expostas e o cotejo que deve ser feito mediante conjugação dos itens 24.º) e 26.º).
iv) o arguido persistiu na intenção de matar o C………., mesmo depois de estar a fugir e de costas voltadas para o arguido.
Também aqui está novamente em causa o já referido item 87.º, pelo que esta questão encontra-se também prejudicada.
v) quando disparou os últimos tiros na direcção do C………. que fugia para se refugiar na multidão, não tenha previsto atingir outrem, quando, como sustenta o recorrente, as suas condições emocionais eram instáveis, as de visibilidade deficiente, não sabia se tinha acertado no alvo e estava em movimento
Trata-se de matéria descrita no item 90.º, que também se decidiu eliminar, estando por isso prejudicado o conhecimento desta questão.
vi) o projéctil referido a fls. 245 é de calibre 32 ou 7,65 mm. e foi disparado pelo revólver do arguido.
Para suportar a existência de um erro notório na apreciação da prova, o Ministério Público invoca o exame de perícia balística constante a fls. 555-570, mormente a sua última conclusão.
Sem cuidar de saber se esse exame deve ser considerado como pericial e, como tal enquadrável no art. 163.º, n.º 1, como nos parece que sucede, o certo é que o recorrente parte de um pressuposto apodíctico que não o é, ou seja, de tenha sido esse projéctil que tenha atingido a falecida E………. e a sua filha D………. .
Que não existem dúvidas que esse projéctil foi disparado pelo revólver empunhado pelo arguido, certamente que não existem.
Mas dúvidas persistem, de todo razoáveis e insuperáveis, é que tenha sido este a atingir aquelas, tendo aqui plena aplicação o princípio “in dubio pro reo”.
E isto porque, como se alude no comentário da foto n.º 15, a fls. 245, trata-se do “projéctil (este) que possivelmente atingiu as mesmas”, e possivelmente significa “talvez”, “provavelmente”.
Nesta conformidade, nem esta versão está subtraída à livre apreciação do tribunal, nem existe qualquer erro notório na apreciação da prova, mas, antes uma divergência da valoração da prova, que poderá configurar um erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, mas não o vício do art. 410.º, n.º 2.
vii) o projéctil que atingiu a D……….. e a E………. foi disparado pelo arguido com o seu revólver.
Para suportar este entendimento o Ministério Público sustenta que é fisicamente impossível que a 6,35 mm adaptada do C………. trespassasse o tórax da E………., depois de fracturar dois arcos costais, como demonstram os danos na porta, na mesa e os ferimentos causados no arguido.
Mas também aqui estamos perante uma circunstância valorativa da prova e uma divergência quanto à sua valoração, mas já não face a um erro notório na apreciação da prova.
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4.- Reexame da matéria de facto.
Decorre do disposto no art. 428.º, n.º 1, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no art. 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constatem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412.º, n.º 3; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por sua vez e de acordo com o precedente art. 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.
O reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas sindicar aquele que foi feito, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso – neste sentido o Ac. do STJ de 2005/Jun./16 (Recurso n.º 1577/05)[4], 2006/Jun./22 (Recurso n.º 1426/06)[5].
Mas para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar, como decorre do citado art. 412.º, os factos impugnados (i), a prova de que se pretende fazer valer (ii), identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova (iii), que, pela sua arbitrariedade ou manifesta desconexão, não possa suportar um juízo de julgamento segundo as regras da livre convicção, conduzindo à sua correcção nos termos apontados em sede de recurso.
É nesta trilogia respeitante à impugnação da factualidade (factos, prova e motivação) entre aquilo que foi efectuado pelo julgador, por um lado, e aquilo que pretende o recorrente, por outro lado, que deve incidir a dissidência deste e é objecto de apreciação por este tribunal de recurso.
Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação, o qual deverá abordá-los sem subterfúgios e especificamente – veja-se a propósito o Ac. do STJ de 2006/Nov./08[6]
Nesta conformidade, quando se pretende a revisão do julgamento dos factos efectuado em 1.ª instância não se pode ter dúvidas quanto ao que foi impugnado e qual o suporte de prova (oral, documental, pericial ou qualquer outra legalmente admissível) que conduz à verificação desse erro de julgamento.
Vejamos então quais foram os factos impugnados, a prova invocada pelo recorrente e em que se consubstanciou o juízo probatório do julgador, sendo certo que procederemos à apreciação conjunta daqueles quando os mesmos estejam conexionados.
*
1.- Factos provados.
i) “a E………. foi atingida quando se inclinou para agarrar a sua filha ao colo” [28.º)];
ii) “o projéctil que a atingiu fez o “trajecto, de baixo para cima, no tórax da E……….” [32.º)]
Por contraposição ao aqui descrito o Ministério Público propõe a seguinte versão:
“a E………. e a D………. foram atingidas quando aquela, levando a sua filha nos braços cingida à parte superior do seu corpo e com a mãozinha esquerda aberta nas suas costas, fugia para se por a salvo dos disparos”.
Não vemos, com todo o respeito, qual a relevância ou o significado da pretendida alteração, porquanto o recorrente insurge-se que se tenha dado como provado que a E………., “inclinando-se para agarrar a sua filha ao colo …, é atingida por uma bala na região dorsal direita abaixo da omoplata”, e propõe em sua substituição que tal sucedeu “quando aquela, levando a sua filha cingida à parte superior do seu corpo”.
O acórdão recorrido justifica esta sua opção com a seguinte motivação:
“.. o facto de a bala para perfurar o pulmão desde o lobo inferior ao lobo superior (acentuadamente de baixo para cima) e com o trajecto que melhor se observa na foto de 451 e 452 só teria sido disparada, no contexto dos factos, quando a falecida está inclinada / agachada, de costas, a agarrar a filha para fugir, pois se estivesse de pé o tiro teria de ser muito perto e por quem estivesse agachado ou fosse muito baixo (e nenhuma referência é feita a tal atitude), pelo contrário se se considerar que foi atingida quando está inclinada então coaduna-se com os depoimentos prestados mormente os que referem que a falecida está em frente á capela, quem dispara contra a multidão é o falecido (que a pode atingir de costas) logo no inicio que é quando ela agarra a filha e foge e ao passar em frente ao bar a fugir já vem ferida, e tudo indica ser atingida antes de o arguido disparar e atingir o falecido de costas o que aconteceu já no final da contenda e antes de o falecido entrar no aglomerado de pessoas (cf. depoimentos em especial de AB………., AC………., AE………., AQ………. e AU……….) sendo certo que qualquer projéctil podia causar os orifícios de entrada e saída do corpo da E………. (fls.568 e 569), e face ao local de saída do projéctil (como melhor se pode ver na foto de fls. 452) este podia sair sem atingir a t´shirt ou o casaco que a E………. vestia, o que deve ter acontecido, pois o projéctil que faz o orifício de saída como o que está no corpo da E………., tem de deixar vestígios á saída se embater em algo que ali se encontre e não chegar ali e cair sem força, a que acresce ainda que alguns dos vestígios e o seu posicionamento no local onde foram encontrados para aí podem ter sido arrastados pelas pessoas em fuga ou aquando do seu regresso ao local findos os factos”.
O Ministério Público sustenta essa alteração com base nos depoimentos que a seguir se indicam e passam a analisar:
- F………., mencionou, entre outras coisas: “Não dei conta de nada, eu” (p. 88), e à pergunta “Quando saiu já havia tiros na rua ou não havia tiros na rua?”, respondeu “Já tinha sido a confusão toda” (p. 90) e àquela outra “Olhe, portanto então o senhor quem disparou e quem não disparou e quem atingiu, isso não sabe?”, referiu “Não sei de nada” (94).
Na parte que o recorrente invoca foi anteriormente formulada a seguinte pergunta: “Deitada, da janela, para a reanimar, e a menina, onde é que estava?”, ao que o depoente retorquiu “A menina acho que estava no colo dela, e deu-a a um rapaz, para socorrê-la” – deixamos a negrito o que consta da motivação do recurso.
Convenhamos que este trecho do depoimento do assistente, conjugado com facto do mesmo não ter visto o desenrolar do confronto entre o arguido e o falecido C………., é de todo insubsistente para se sustentar que nesta parte existiu um erro de julgamento.
Aliás, também o depoimento da testemunha AB………., que apenas “viu um pouquinho de sangue na mão da criança, mas não achei que era da senhora que tinha levado o tiro …” (p. 256), nada adianta no sentido da impugnação do recorrente.
Aliás, não deixa de ser curioso que o Ministério Público invoque agora em recurso o relato desta testemunha, quando perante estas afirmações, em audiência, que foram precisamente “eu pra mim ela passou entre a bala, ela caiu, ela …”, tenha retorquido “Deixe lá o que é para si” (p. 265).
O depoimento das outras testemunhas indicadas no recurso do Ministério Público, também é inconclusivo ou pelo menos não dá para fundamentar a sua impugnação, senão vejamos:
- AF………., que na ocasião se encontrava a dançar (p. 368), que não chegou a ver o arguido (p. 372), mas apenas a falecida E………., quando esta foi colocada na janela, ou seja, já depois de ter sido atingida (p. 373)
- AK………., que apesar de ter afirmado que estava a cerca de 1 metro desta última (p. 435), logo disse que quando ouviu o tiros das pistolas fugiu (p. 438) e instado sobre a mesma respondeu simplesmente “Não sei, desde que, é assim desde que me apercebi do senhor C………. em si, não tomei mais atenção a ela, não me recordo mais vê-la” (p. 439), reafirmando esta versão mais à frente, quando disse “Não sei, que eu desde que eu vi, desde que tomei atenção ao senhor C………., não tomei mais atenção a ela, não a vi mais” (p. 443).
- AL………., que afirmou estar a cerca de 0,5 m da falecida E………. (p. 453), tendo-lhe dito aquando dos tiros “…foge, e ela fugiu, e eu fugi também, eu fugi …”, esclarecendo que “eu fugi noutro sentido, eu fugi para a zona da capela”, “Ela fugiu para cima, em frente, …” (p. 456), e à pergunta “Viu a E………. ser baleada?”, respondeu “Não, depois eu fugi para a traseira da capela, e eu fui para a zona da ponte, e aí na zona da ponte, vi cair uma rapariga com uma camisola vermelha, e deu-me a sensação que era a E………., no momento não tive a certeza, mas deu-me a sensação que era ela” (p. 457);
- AQ………., que disse estar na altura a tocar e cantar no palco da referida festa (p. 493) afirmou a dado momento “eu dediquei uma música aquela criancinha que levou o tiro, e estava de frente para mim, estava de frente para mim, depois o que se passou não sei, apercebi-me de qualquer coisa, mas não deduzi aquilo que era, não sabia, depois cá fora, vejo no meio da multidão alguém a disparar, e praticamente assim virado, para nós, palco, foi quando eu me apercebi que era mesmo a sério, e então atirei com a guitarra ao chão, e tentei refugiar dentro do palco” (p. 495), “Começou o tiroteio, depois quando houve o tiroteio cá fora, deixei de a ver”. E à pergunta “Também não sabe, também não sabe onde é que a E………. estava magoada, estava ferida”, respondeu “Vi, aqui, aqui já quando ela estava em cima, quando passou o temporal não é, …” (p. 498).
No que concerne ao exame tanatológico da falecida E………. e constante a fls. 446-450, não vemos como é que o colectivo a dar assente os factos agora impugnados, tenha se afastado do juízo pericial aí afirmado, que consistiu nas seguintes conclusões:
“1.- Em face dos resultados necroscópicos, a morte de E………., pode ter sido devida a traumatismo toracopulmonar, como atrás descrito …
2.- Esta terá resultado de traumatismos violento, provocado por arma de fogo ou como tal actuando, conforme consta da informação …”.
Aliás, quando o tribunal dá como assente a situação e momento em que se encontrava a referida E………., quando esta foi atingida, não está a formular um juízo subtraído à sua livre apreciação, porquanto o que incide sobre esta factualidade não corresponde a um juízo técnico ou científico e muito menos artístico e só estes e apenas estes são enquadráveis no disposto no art. 163.º.
*
iii) “o arguido agiu impulsionado pelo acto súbito e inesperado do AC………., de o querer matar”.
v) “O arguido agiu pressionado e em estado de estrema exaltação e emoção que não conseguiu controlar, que o impediram de avaliar correctamente as circunstâncias e a situação e lhe alteraram as suas normais faculdades” [36.º)]
Adiantamos, desde já, que perante a globalidade da prova produzida, não podemos dar como assente que o acto do C………. tivesse sido inesperado para o arguido.
Desde logo, porque o arguido sabia que este último era do ………., pois segundo o mesmo a testemunha H………. lhe disse “B………. olhe que eu se fosse a si não ia, era melhor não ir, e eu disse porquê, porque o senhor esteve à pega aqui à duas semanas atrás, ele mora para aquelas zonas” (p. 20).
Tal versão foi confirmada por essa testemunha H………. (fls. 178 e ss.), ao dizer ao arguido “você faça cuidado com ele, porque ele onde quer que se encontre ele tem-nas tesas, faça cuidado, era a única coisa que lhe dizia”.
Por outro lado, existem outros dados objectivos que apontam nesse sentido e que são os seguintes:
- a existência daquela primeira ocorrência, em que o arguido foi buscar a arma ao carro, não tendo qualquer credibilidade a versão apresentada pelo arguido de que nessa ocasião também tinha a sua arma em seu poder, pois se assim fosse tinha ripostado como fez na segunda ocorrência;
- o lapso de tempo de 15 dias entre um e outro acontecimento, quando tudo estava ainda muito presente;
- o facto do arguido se ter dirigido à dita festa, já armado com o seu revólver e pronto a disparar.
Daí que fosse, no mínimo, expectável que o referido C………. tomasse qualquer atitude que pusesse ou pudesse pôr em causa a sua integridade física ou mesmo a vida.
É certo que o arguido não se apercebeu da presença do C………., quando este entrou no referido bar e começou aos tiros.
Mas não se aperceber da presença de um indivíduo de quem se podia esperar que estivesse armado e podia disparar contra si, são coisas distintas, que não se podem confundir.
Também não se pode dizer que o arguido ficou impedido, o que significa impossibilitado, de avaliar correctamente as circunstâncias e a situação, mas antes perturbado ou seja, desnorteado.
Aliás, só tem sentido afirmar que o arguido ficou perturbado e não impedido, para depois se dizer que o mesmo não pode avaliar “correctamente as circunstâncias e a situação e lhe alteraram as suas normais faculdades de determinação”, pois caso contrário teria agido sem qualquer firmeza de propósitos, o que não foi manifestamente o caso.
Mas isto não significa, e daí se divirja da posição assumida pelo Ministério Público no seu recurso, que o arguido não tenha agido “em estado de extrema exaltação e emoção que não conseguiu controlar”.
E isto, porque não nos podemos esquecer, que apesar do mesmo já estar prevenido (pelo sucedido anteriormente e pelas referências da testemunha H……….) e preparado (trazia a seu revólver consigo), aquele não deu conta da presença do falecido C………. e foi vítima, num primeiro momento, dos disparos desferidos por este naquele.
Nesta conformidade, proceder-se-á à alteração do provado em 36.º, nos seguintes termos:
“O arguido, que não tinha visto o falecido antes dos tiros deste, agiu impulsionado pelo súbito aparecimento do C………., pressionado e motivado pela conduta deste de o querer matar, e, em estado de extrema exaltação e emoção que não conseguiu controlar, causada por aquela outra conduta e sem ter a noção da gravidade dos ferimentos por si sofridos, que o perturbaram e lhe alteraram as suas normais faculdades de avaliação e determinação”.
*
iv) “ao arguido nunca passou pela cabeça …atingir a D………. e a mãe” [64.º].
Trata-se de matéria a que já se fez alusão, aquando da apreciação do apontado vício do erro notório na apreciação da prova, onde se mencionou que, para o efeito, havia a necessidade de conjugar esse facto, com o descrito em 37.º, pelo o que estaria em causa naquela outra factualidade seria o conhecimento prévio da identidade daquelas vítimas.
O recorrente, ao pretender o reexame da matéria de facto nesta parte, não indica qualquer prova donde resulta que o arguido já conhecia a menor D………. e a sua mãe, pelo que se mantém aquela factualidade.
*
2.- factos cujo julgamento foi omitido.
A ser assim, haveria antes uma omissão de pronúncia, geradora de nulidade do acórdão [379.º, n.º 1, al. c)], mas já não um erro de julgamento.
Porém, não cremos que mesmo suceda, pelas razões que passamos a enumerar.
i) o C………. seguia “de costas para o arguido, na direcção da sua casa;
ii) e nessa posição foi alvejado por disparo efectuado pelo arguido que o atingiu no membro superior esquerdo.
Esta factualidade, encontra-se, de uma forma genérica, dada como provada no item 24.º já que, como aí se escreveu, dos dois tiros disparados pelo arguido – um quando o referido C………. seguia de costas e outro quando este se volta para aquele – veio “uma bala a atingi-lo no antebraço, trespassando-o, …”.
*
iii) o projéctil indicado a fls. 245 e identificado por (H) na perícia balística é de calibre 32 magnun ou 7,65 mm e foi disparado pelo revólver do arguido.
Trata-se de matéria relacionada com os itens 88.º), este ainda a apreciar, e 95.º), onde se refere que “O projéctil indicado a fls. 245 foi encontrado no local onde terá sido alvejada a E……….”.
Dai que a presente impugnação seja manifestamente infundada.
*
3.- factos não provados
i) o arguido agrediu o C………. “dando-lhe com uma garrafa de cerveja” [69.º];
Cremos que nesta parte o recorrente tem plena razão, porquanto, para além do arguido o admitir – “Eu, dá-me a impressão que sim, que peguei numa garrafa para me defender e que lhe dei com ela” (p. 40) – também a testemunha H………., que na ocasião presenciou o sucedido, afirmou que o arguido “agarrou e deu-lhe com uma garrafa de cerveja não sei onde é que foi, sei que lhe deu, ao mesmo tempo engancharam-se” (p. 181).
Nesta conformidade, o item 2.º será desdobrado em dois, passando a ter a seguinte redacção.
2.º-A) Nessa mesa estavam a discutir sobre questões de política nacional, designadamente sobre as eleições presidenciais, discussão na qual o C………. procurava envolver o arguido, o qual face à resposta deste de que a sua politica era a família, os amigos e o trabalho, se exaltou apelidando-o de “minhoto”, “salazarista”, “filho da puta”, “cabrão”.
2.º-B) E a dada altura o C………., empunhando uma garrafa de cerveja, vibra-a com o fim de bater no arguido, o que não consegue porque este o impede tirando-lha, tendo então o segundo vibrado no primeiro, uma pancada com uma garrafa de cerveja, ao mesmo tempo que se envolvem em luta e aos socos, atingindo-se por onde podiam, tendo, na sequência dessa luta, o C………. sido derrubado pelo arguido e caído ao chão”.
*
ii) o arguido depois de avisado “previa que podia ter problemas e novo conflito com o C………., em ………., terra deste”.
Diga-se, desde já, que esta matéria não se encontra redigida, tal como foi apontado no recurso, nos factos não provados, muito embora se aproxime do indicado em 71.º.
Só que o Ministério Público, nas conclusões do seu recurso, aponta uma generalidade de prova, não especificando, no entanto, a mesma.
Relendo a sua motivação, também não faz a precisão dessa prova, ao contrário do que sucede quanto a outras impugnações de facto.
Nesta conformidade e não tendo sido respeitado o respectivo ónus de impugnação, nem sendo caso de aperfeiçoamento, já que seria permitir um segundo momento de alegação, será de indeferir esta impugnação.
*
iii) o C………. “irrompeu no bar e saiu tal como entrara”;
iv) o arguido não foi “surpreendido” pelo ataque do C……….;
Mais uma vez não encontramos esta descrição nos factos não provados, pelo que também esta impugnação será indeferida.
*
v) o arguido “firmemente disposto a matar o C………. disparou sobre ele em local onde estavam 100 ou 150 pessoas”
vi) o arguido “persistiu em matar o C………. mesmo quando ele de costas viradas para o arguido fugia para a multidão para aí se refugiar” [87.º)]
vii) quando “o C………. estava de costas para o arguido e fugia para se refugiar na multidão, este efectuou mais que um disparo nessa direcção”. [86.º]
viii) “o arguido disparou a sua arma de fogo na direcção das pessoas que fugiam para se refugiarem nas traseiras do bar referido e previu como resultado possível do seu disparo não alvejar o C………. e previu como fortemente possível que o projéctil atingisse alguma ou algumas dessas pessoas, conformando-se com tal resultado” [90.º].
A primeira descrição factual não encontramos na matéria que foi dada como não provada, estando, de resto, provado a generalidade desse circunstancialismo, como se pode constatar do item 23.º e seguintes.
A restante factualidade encontra-se, no seu essencial, já descrita nos factos provados indicados sob os itens 24.º e 25.º, sendo certo que a redacção do item 87.º e 90.º, já foi eliminada, pelo que este reexame encontra-se prejudicado.
*
ix) o projéctil que atingiu a D………. e a E……….. é de calibre 32 ou 7,65 mm e foi disparado pelo arguido com o seu revólver;
Este segmento de facto é sem dúvida o cerne nuclear da impugnação do reexame da matéria de facto.
Quanto ao mesmo reafirma-mos, tal como no acórdão recorrido, que a prova testemunhal é de todo inconcludente para se determinar, com o mínimo de certeza, que tanto as desditas D………. e E………. foram atingidas pelo disparos efectuados pelo arguido, porquanto também os houve por parte do referido C………. .
Digamos, que perante o descrito de 23.º) a 28.º), qualquer um dos contentores podia ter atingido aqueles dois indivíduos.
Para inverter o sentido da fixação destes factos, não é suficiente o depoimento da testemunha V………., que partindo do pressuposto, de que o revólver “7,65 é mais forte” e de que a 6,35 mm “provavelmente não trespassa o corpo”, como afirmou, logo conclua que “pelas armas percebe-se logo que foi o revólver”.
O mesmo sucede com o invocado depoimento da testemunha AD………., de que “Para mim foi o senhor C……….”.
É que tudo isto são suposições e não se pode, sob pena de violação do princípio “in dubio pro reo”, condenar ninguém com base naquelas.
Aliás, o único elemento relevante e que com carácter de objectividade poderia dissipar algumas dúvidas, que consistiria no exame pericial de balística de fls. 555-570, não o faz.
É que muito embora na sua conclusão se aponte que “O projéctil suspeito, de provável calibre 32 J………. (equivalente a 7,65 mm no sistema métrico), referenciado por nós como H, foi muito provavelmente disparado pelo revólver de marca K………. examinado”, resta saber se foi esse o projéctil que atingiu a falecida e a filha desta.
É que muito embora na foto n.º 15 se faça alusão a foi este projéctil que “possivelmente atingiu as mesmas”, por se encontrar próximo do local onde a referida E………. entregou a sua filha D………., o certo é que se trata apenas de um “talvez” e não de uma “forte probabilidade” ou mesmo de uma “certeza”.
E isto porque aquele projéctil podia ter sido arrastado para aquele local, face à movimentação das várias pessoas que ali se encontravam, dando-se pleno assentimento à motivação que foi expressa no acórdão recorrido.
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4.- Do direito.
1.- Como será de constatar, a alteração da fixação da matéria de facto, no que concerne ao sucedido com a falecida E………. e à sua filha D………., não permite enquadrar a conduta do arguido tanto no crime de homicídio do art. 131.º, em relação à primeira, como do crime de ofensas à integridade física simples do art. 143.º, n.º 1, ambos do Código Penal.
E isto porque não se conseguiu determinar quem foi o seu autor, designadamente se a bala que vitimou as mesmas foi efectivamente disparada pelo arguido, porquanto tanto o podia sê-lo, como poderia tê-lo sido pelo C………. .
No entanto, cremos que a conduta do arguido integra um crime de participação em rixa, da previsão do art. 151.º, n.º 1 do Código Penal, que pune “Quem intervier ou tomar parte em rixa de duas ou mais pessoas, donde resulte a morte ou ofensa à integridade física grave”.
Mediante este crime tutela-se a vida ou a integridade física e indirectamente a ordem pública[7], pelo que havendo uma coincidência com o bem jurídico protegido pelo crime de homicídio, não se pode falar, sob uma perspectiva teleológica, que é a que está presente no segmento normativo da al. f), do art. 1.º do C. P. Penal, numa alteração substancial, tanto mais que a moldura penal do primeiro é inferior à do segundo.
Nem esta alteração da qualificação jurídica permite que seja concedida qualquer faculdade de produção de prova, porquanto está em causa apenas uma questão de direito e esta, como se sabe, não é susceptível de prova.
Assim e mediante o crime de participação em rixa pretende-se prevenir de situações perigo e, quando este se concretize, punir os seus intervenientes, quando não é de todo possível determinar quem foram os autores do resultado que se pretendia acautelar.
A acção típica deste ilícito consiste na participação (“intervier ou tomar parte”) numa rixa, ou seja, em situações de contenda onde intervêm, pelo menos, duas pessoas, as quais protagonizam acções de violência, portadoras de certo risco.
Daí que o resultado previsto neste tipo – “a morte ou ofensa à integridade física grave” – surjam antes como condição de punibilidade.
A ser assim e face à descrição típica deste ilícito não é necessário que para o seu preenchimento essa morte ou ofensa à integridade física grave tenha que resultar num dos intervenientes nessa rixa, podendo a mesma ocorrer noutra pessoa que aí se encontre casualmente e não tenha qualquer participação nessa ocorrência, como aqui sucedeu.
O elemento subjectivo basta-se com o dolo genérico, ou seja, mediante a consciência e vontade de participar nessa rixa e de que, através dessa intervenção, podia pôr em perigo a vida ou integridade física de outrem, como aqui resulta do provado em 37.º).
Nesta conformidade, podemos concluir que o arguido comete o crime de rixa do art. 151.º do Código Penal, ao participar numa contenda com uma outra pessoa, em que ambos disparam um contra o outro, no decurso da qual é atingida por um desses disparos, cujo autoria não se consegue precisar, uma pessoa que casualmente aí se encontrava numa festa, que, em consequência, do sucedido vem a falecer.
Atenta as lesões sofridas pela menor D………., descritas em 30.º) dos factos provados, e na sequencia da imputação do crime de ofensas à integridade física simples efectuada pelo Ministério Público, não podemos considerar tais ofensas como graves e susceptíveis de ser integradas numa das circunstâncias descritas no art. 144.º, do Código Penal, onde se descrevem quais são essas situações agravantes.
Por sua vez, a actuação do arguido não se enquadra na cláusula geral de justificação enunciada no n.º 2 do art. 151.º, porquanto a mesma não foi “determinada por motivo não censurável”, nomeadamente para reagir contra um ataque, defender outrem ou separar os contendores.
E isto porque, quando o arguido reagiu à agressão de que tinha sido vítima por parte do C………., já este se tinha ausentado do local da contenda inicial, tendo apenas aquele o intuito de retaliar.
Por isso e tendo já terminado essa agressão, não existiu, com essa actuação posterior do arguido, qualquer necessidade defensiva da sua parte.
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2.- O Ministério Público insurge-se com a integração da conduta do arguido no crime de homicídio privilegiado do art. 133.º do Código Penal.
O fundamento deste ilícito encontra-se na diminuição sensível da culpa do seu agente ao cometer um crime de homicídio, por se encontrar dominado por uma das circunstâncias aí enunciadas – compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral.
Trata-se de situações de conflito, geradoras de um desses estados ou motivos, catalisadoras de uma actuação homicida, que, muito embora censurável, correspondem a uma menor exigibilidade perante a não adopção de um comportamento distinto[8].
Porém, tal comportamento só será inteligível se o for para a generalidade dos cidadãos, no sentido de que qualquer pessoa, em circunstâncias idênticas, poderia agir do mesmo modo.
Relativamente à compreensível emoção violenta, tem se entendido que se trata de um “forte estado de afecto emocional” ou da “menor capacidade psicológica de o agente dominar os seus impulsos e determinar a sua vontade no sentido da preservação da vida de alguém”.
Tal implica que se estabeleça uma relação de conexão – que para uns seria de suficiência, para outros de proporcionalidade – entre a reacção do agente e a situação que a desencadeou, de modo que se possa concluir que aquela seria expectável para qualquer pessoa (homem médio) nas mesmas circunstâncias – no sentido deste critério subjectivo os Ac. R. Porto de 2001/Nov./21, 2002/Abr./04, 2003/Abr./02, divulgados em www.dgsi.pt
Assim, teremos de concluir que o arguido agiu mediante uma compreensível emoção violenta, quando, depois de ser atingido por vários tiros desferidos pelo seu agressor, que se afasta do local por pensar que o tinha morto, pega no seu revólver e vai no encalço deste, disparando a dada altura contra este último, num local onde se encontravam várias pessoas, atingindo-o e provocando a sua morte.
Naturalmente que existe uma persistência da actuação do arguido em querer matar o seu opositor, mas isso e atendendo à prontidão da sua resposta, não afasta a compreensão da mesma, nem a emoção violenta que o dominava, porquanto a sua conduta foi sempre a mesma, mediante uma única resolução, não havendo hiatos de reflexão ou de ponderação que pudessem afastar a exigibilidade de um outro comportamento.
Daí que não exista nesta parte qualquer censura a apontar ao acórdão recorrido.
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3.- A escolha e medida da pena.
A todo o crime corresponde uma reacção penal, mediante a qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada por quem viola os comandos legais do ordenamento penal, estando a mesma definida no respectivo tipo legal.
No caso do crime do art. 143.º, n.º 1, será uma pena de prisão até 3 anos ou uma pena de multa, que será até 360 dias [47.º C. P.], no crime do art. 151.º, uma pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias e no crime do art. 133.º, pena de prisão de 1 até 5 anos.
Estabelecida a medida legal da pena, opera-se a sua determinação judicial, sendo certo que, segundo o art. 40.º, n.º 1, do Código Penal “A aplicação das penas …visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade”, acrescentando o seu n.º 2 que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa.[9]
No entanto, prevendo o respectivo crime uma pena prisão e uma pena não privativa da liberdade, o comando do art. 70.º do Código Penal, manda dar preferência a esta última, “sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
No caso em apreço e por manifestas razões de prevenção especial, atenta a globalidade da conduta manifestada pelo arguido, será de optar desde logo pela pena de prisão, dando-se assim provimento ao recurso do Ministério Público nesta parte.
Por sua vez, de acordo com os critérios de determinação da medida da pena, fixados no art. 71.º do Código Penal e conjugados com aquele art. 40.º, esta, numa primeira fase, é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.
Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras centrais: a primeira, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta proteger eficazmente os bens jurídicos violados; a segunda é que deverá se ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e da necessidade desta defender-se do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Posto isto podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente, por um lado, para a responsabilização do arguido, atenta a sua culpa e a intensidade dos bens jurídicos violados, contribuindo ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a sua reinserção, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que o estritamente necessário – como aludia Kohlrausch[10] “Na determinação da pena o tribunal deve considerar principalmente que meios são necessários para que o réu leve de novo uma vida ordenada e conforme a lei” (vide “Mitt IKV Neue Folge”, t. 3, p. 7, citado por H.-H. Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal”, Vol. II, p. 1195).
Posto isto e atendendo que a culpa do arguido foi razoável na primeira ocorrência, mas já elevadíssima na segunda, atendendo ao circunstancialismo que envolveu a sua actuação, no recinto de uma festa, onde se encontravam muitas e muitas pessoas, pouco depondo a seu favor, para além de ser delinquente primário, afigura-se-nos, mais que ajustado, aplicar-lhe as seguintes penas de prisão:
- crime de ofensas à integridade física: 9 meses de prisão;
- crime de participação em rixa: 18 meses de prisão;
- crime de homicídio privilegiado: 4 anos de prisão.
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As regras de punição do concurso de crimes estão fixadas no art. 77.º, do Código Penal, preceituando-se no seu n.º 1 que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação de qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido”.
A pena a aplicar, segundo o n.º 2 deste mesmo preceito, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, que no caso são, respectivamente, quatro anos de prisão e seis anos e três meses de prisão.
Será de referir, como tem sido jurisprudência insistente, de que é exemplo o recente Ac. do STJ de 2007/Fev./07 (Recurso n.º 4592/06) que a fixação da pena conjunta pretende essencialmente sancionar a gravidade global do comportamento delituoso do agente, aferindo-se para o efeito, se todos esses factos e a personalidade do agente, revelam um carácter esporádico ou então uma tendência criminosa.
Por isso, na determinação da pena conjunta importa averiguar se existe ou não conexão entre os factos delituosos em concurso, devendo ainda ter-se em atenção o número de crimes praticados, a sua natureza e as penas que foram efectivamente aplicadas.
Ora a imagem global da ilicitude aqui em apreço do arguido é, sem dúvida, bastante acentuada, porquanto o mesmo não teve qualquer tibieza, e duma penada, em ter logo cometido dois crimes contra a vida, o que dá um carácter mais acentuado ou negativo à sua conduta global, ainda que de certo modo esporádica.
Pelo exposto, consideramos adequado aplicar-lhe uma pena única de cinco anos de prisão.
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III.- DECISÃO.
Nos termos e fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o presente recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se o acórdão recorrido na parte aqui impugnada e, em consequência, decide-se:
1.º) proceder-se à alteração da matéria de facto, nos termos anteriormente definidos;
2.º) condenar o arguido B………., pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de um crime de ofensa à integridade física simples do art. 143.º (referente a C……….) na pena de nove meses de prisão, de um crime de participação em rixa do art. 151.º (referente a E……….) na pena de dezoito meses de prisão e um crime de homicídio privilegiado do art. 133.º, (referente a C……….), todos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco (5) anos de prisão.

Não é devida tributação por este recurso.

Notifique.

Porto, 12 de Setembro de 2007
Joaquim Arménio Correia Gomes
Manuel Jorge França Moreira
José Ferreira Correia de Paiva
José Manuel Baião Papão

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[1] Procedeu-se à numeração dos factos provados e não provados, de modo a facilitar a apreciação do recurso, tornar mais facilmente inteligível a presente decisão e evitar-se repetições desnecessárias.
[2] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizerem referência sem indicação expressa da sua origem.
[3] Divulgado em www.dgsi.pt, relator Cons. Henriques Gaspar.
[4] Relatado pelo Cons. Sima Santos, divulgado em www.dgsi.pt, segundo o qual “O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa à repetição do julgamento na 2.ª Instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência”.
[5] Relatado pelo Cons. Sima Santos, divulgado em www.dgsi.pt, onde se referiu que “Vem repetindo o Supremo Tribunal de Justiça que o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros”.
[6] “Impugnada, em sede de recurso, a matéria de facto fixada em 1.ª instância, a Relação não pode eximir-se à respectiva apreciação, a pretexto de que o modo como o aquele tribunal procedeu à apreciação da prova constituir matéria não sindicável, por respeitar ao princípio da livre apreciação da prova. O tribunal da Relação, em sede de fundamentação do seu acórdão, terá necessariamente que abordar especificamente cada uma das provas e correspondentes razões indicadas, salvo naturalmente aquelas cuja consideração tiver ficado prejudicada, sob pena de omissão de pronúncia, conducente à nulidade de tal aresto.”
[7] Neste sentido Luigi Tramontano, no “Il Codice Penale Spiegato” (2006), p. 796; sustentando apenas a primeira vertente Taipa de Carvalho, no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I (1999), 317; Quintero Olivares e outros no “Comentário al Nuevo Código Penal” (2005), p. 815; no sentido de que se protege preferencialmente a paz social temos Frederico Isasca, “Da participação em rixa” (1985), p. 79 e ss. (p. 87).
[8] Veja-se J. Figueiredo Dias, no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I (1999), p. 47 e ss.; Fernanda Palma, em “Direito Penal – Parte Especial” (1983), p. 81 e ss; Teresa Serra, nas “Jornadas Sobre a Revisão do Código Penal” (1998), p. 136 e ss.
[9] Veja-se a propósito Claus Roxin, em “Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal”, p. 181; Figueiredo Dias, em “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime” (1993), p. 73 e no seu estudo “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na RPCC, ano I (1991), p. 22; Maria Fernanda Palma, no seu estudo sobre “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em “Jornadas sobre a revisão do Código Penal” (1998), p. 26, onde se traça as finalidades de punição deste artigo, com base no § 2 do projecto alternativo alemão (Alternativ-Entwurf).
[10] Certamente por lapso a ilustre advogada do arguido faz alusão a “Kohhausch”, não referindo a obra citada, motivo pelo qual se deixa aqui esta Menção, sendo naturalmente a tradução, do castelhano, de nossa autoria.