Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
228/20.7T8ARC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇÃO
NEGÓCIO JURÍDICO
Nº do Documento: RP20240208228/20.7T8ARC.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Embora a transacção tenha de ser homologada por sentença judicial, a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, mas apenas fiscalizar a regularidade e a validade do acordo.
II - Neste âmbito, não tem cabimento a excepção do caso julgado, podendo quando muito opor-se a excepção de transacção.
III - A transacção exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efectivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita.
IV - Sendo assim, a decisão judicial corporizada na homologação da transacção, constituindo um ato jurídico, deve interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos e, neste contexto, terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes aí exteriorizada, de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo possam ser clarificadas e tomar um sentido definitivamente exacto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 228/20.7T8ARC.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Arouca



Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Francisca Micaela da Mota Vieira
Aristides Rodrigues de Almeida





Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório:
AA, viúvo, com domicílio no Lugar ... ..., por si e na qualidade de progenitor da menor BB, consigo residente, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra a A..., S.A., com sede na Av.ª ..., Piso ..., Porto Salvo, ... Porto Salvo, pedindo a condenação desta a restituir aos AA. a totalidade dos prémios de seguro que recebeu por virtude da apólice de seguro de vida que capeava o mútuo para aquisição da habitação do casal, desde 11.10.2012 até Fevereiro de 2019, acrescidos de juros legais de mora contados desde 10.02.2020 até efectivo e integral pagamento.
Pediu ainda, no caso de entendimento diverso, que a Ré seja condenada a restituir ao A. metade dos prémios de seguro que recebeu por virtude da apólice de seguro de vida que capeava o mútuo para aquisição da habitação do casal, desde 11.10.2012 até Fevereiro de 2020, acrescidos de juros legais de mora contados desde 10.02.2020 até efectivo e integral pagamento; Ser a Ré condenada nas custas e no que mais legal se impuser.
Para tanto alegou, em síntese, que com a mulher, CC, entretanto falecida, com fundamento em incapacidade definitiva e permanente daquela, porque, possuíam na Ré a respectiva apólice de seguro de vida, em 13.05.2013, instauraram neste Tribunal uma acção contra a ré, onde, de entre o mais, pediram a sua condenação no pagamento da quantia que então deviam ao Banco 1... por virtude do mútuo aí contraído para aquisição da habitação do casal, a qual deu origem ao Processo nº. 160/13.0TBARC.
Mais alegou que à data da incapacidade da falecida mulher do A. (11.10.2012), o casal devia, àquele título, ao Banco 1... a quantia de €150.758,59. Na pendência da aludida acção, em 05.04.2018, veio a falecer a mulher do A., tendo, então, sido habilitados os seus herdeiros, a saber: ele, seu marido e a filha do casal, aqui AA.
Referiu ainda que, para o que nesta instância releva, em 10.02.2020, A. e Ré vieram a transigir naqueles autos, nos seguintes termos:
“Quanto ao certificado nº...90 relativo à apólice nº ...20 os autores reduzem o pedido à quantia de 150.758,59, quantia com a qual os autores se consideram integralmente ressarcidos no âmbito da responsabilidade contratual que emerge da apólice vinda do supra referido, declarando que nada mais tem a receber da ré A....”
Mais alegou que desde aquela data, 11.10.2012, até Fevereiro de 2019 (já que, em 01.03.2019 a Ré anulou a apólice por alegada falta de pagamento), sempre foi a débito, na conta indexada ao aludido mútuo, o prémio de seguro de vida cobrado pela Ré, crê o A.,
Como se vê da transacção acima referida, a Ré, por virtude da apólice respectiva, aceitou liquidar o capital vencido à data da incapacidade da falecida CC, cônjuge do Autor.
Com efeito, entre 11.10.2012 e Fevereiro de 2019, não era, pois, devido o prédio de seguro, já que, foi por virtude da dita incapacidade da segurada CC, ocorrida naquela data, que a Ré amortizou o capital em dívida.
Assim, está a Ré obrigada a restituir o valor total dos prémios recebidos, o que, já foi solicitado pelo A. e seu mandatário, mas a ré recusou-o com base na transacção acima.
Porém, sem fundamento, pois, na acção em que se transigiu não estavam pedidos os reembolsos do prédio de seguro, não fazendo, por conseguinte, essa matéria parte do pedido e da causa de pedir e, desse modo, não existe, como da Ré A..., seja a que título que levaram à dita transacção.
Ora, assumindo a Seguradora o sinistro à data da incapacidade, a decorrência lógica, nada sendo dito em contrário, passa pelo estorno dos prédios recebidos subsequentemente.
Se não tivesse havido demanda judicial, era, evidentemente, o que resultaria, pelo que, tendo havido, não vemos por que razão a Ré não estorne os ditos prémios ao Autor, já que lhe são devidos, inexistindo, por isso, qualquer caso julgado.
Por fim, mesmo que de outro modo fosse, mas não é, sempre estaria a Ré obrigada a restituir ao A. metade de tal valor, já que, desse jeito, nunca seria devida a parte dele no dito prédio desde então.
Em face do que, caso o prémio tenha sido igual em todos os meses, terá a Ré recebido, desde 10.02.2020 (data da dita transacção) até efectivo e integral pagamento.
Ou, a entender-se de outro modo, no que se não concede, a metade correspondente ao Autor, nos exactos termos alegados.
Válida e regularmente citada a Ré contestou a acção por excepção - no que respeita ao Certificado nº ...90 foi possível celebrar acordo pelo montante em dívida à data da pagamento de juros e declarando que, relativamente ao contrato em apreço, nada mais tinham a reclamar da Ré fosse a que título fosse.
Quanto ao certificado n.º ...34 com início a 27.11.2009, os então Autores desistiram do pedido uma vez que à data da contratação a Pessoa Segura já padecia de doença pré-existente. As partes celebraram, assim, a seguinte transacção: O Autor conferiu PLENA E GERAL QUITAÇÃO no âmbito da relação contratual que existia entre Autor e Ré (“(…) autores se consideram integralmente ressarcidos no âmbito da responsabilidade contratual da apólice vinda do supra referido (…)”). Assim uma vez feito o acordo global, para “encerrar” todas as questões contratuais que existissem entre as partes, se pudesse reabrir o processo dando o “dito pelo não dito”. Se assim não fosse nunca existiria qualquer interesse para as seguradoras em fazer um acordo pois o valor indemnizatório nunca poderia ser global, uma vez que se teria que especificar, detalhadamente o que se está a indemnizar e por outro lado seria sempre condicional pois os segurados poderiam, como pretende o Autor, alegar que existiam outros danos não contemplados nos acordos, isto apesar de terem declarado que davam quitação de todos os danos/responsabilidades contratuais. Essa foi a condição para que a Ré celebrasse este acordo: colocar um “ponto final” na relação contratual e, com o valor a pagar, nenhuma obrigação adicional existir.
O Autor declarou que nada mais tinha a receber da Ré!
Efectivamente, não é consentido à parte voltar a discutir aspectos de uma relação jurídica já estabilizada, pelo que, não podendo propriamente falar-se de caso julgado, não poderá deixar de se considerar precludida a possibilidade de repristinar tal controvérsia, posta a homologação, também por sentença, da transacção efectuada.
Conclui que na procedência da alegada excepção ou, se assim se não entender, na procedência do demais alegado em sede de contestação, pela improcedência da acção, com todas as consequências legais.
O A. respondeu à Excepção pugnando pela sua improcedência.
Os autos prosseguiram os seus termos proferindo-se despacho saneador, onde se fixou o valor da causa, se afirmou a validade e regularidade da instância, se identificou o objecto do litígio e se definiram os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, no culminar do qual foi proferida sentença na qual se julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, se condenou a Ré a restituir aos Autores a totalidade dos prémios de seguro que recebeu por virtude da apólice nº…20 de seguro de vida, associada ao mútuo para aquisição da habitação, desde 11.10.2012 até Fevereiro de 2019, o que perfaz o montante global de 8.057,28€, acrescidos de juros legais de mora contados desde 10.02.2020 até efectivo e integral pagamento.
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A Ré veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
Os Autores responderam.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela ré/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
I. Não assiste razão ao Tribunal a quo quando perfilha o entendimento de que a uma vez que na acção n.º 160/13.0TBARC não haviam sido peticionados os prémios de seguro, nunca uma transacção nesse mesmo processo poderia decidir acerca da totalidade da responsabilidade contratual emergente da apólice de seguro objecto daqueles autos.
II. Os Recorrentes, na qualidade de Autores na acção referida no ponto 1 dos FACTOS PROVADOS, conferiram PLENA E GERAL QUITAÇÃO no âmbito da relação contratual que existia entre o Recorrido (e a sua Mulher) e a Recorrente (“(…) autores se consideram integralmente ressarcidos no âmbito da responsabilidade contratual da apólice vinda do supra referido (…)”).
III. A expressão contida na transacção “responsabilidade contratual da apólice” não poderá ser outra senão, que as partes quiseram transigir relativamente a toda e qualquer responsabilidade contratual emanante da apólice.
IV. Na referida cláusula da transacção vinda de referir não se excepciona qualquer tipo de responsabilidade nem se refere que a mesma se cinge ao que se encontrava a ser dirimido nos autos.
V. A transacção é a solução contratual da lide, sendo, por isso, o equivalente contratual da sentença.
VI. A transacção é um negócio jurídico bilateral declaratório uma vez que reconhece ou declara direito, tornando certa uma situação jurídica controvertida e eliminando a incerteza que atinge um direito.
VII. O acordo firmado, em juízo pelos litigantes e homologado pelo magistrado é, concomitantemente, negocial, ou contratual, e processual.
VIII. Estamos aqui perante uma situação de manifesto caso julgado em que os Recorridos vêm peticionar um direito que, nos termos da transacção celebrada, se encontrava definitivamente dirimido entre as partes: “(…) quantia com a qual os autores se consideram integralmente ressarcidos no âmbito da responsabilidade contratual que emerge da apólice vinda do supra referido, declarando que nada mais tem a receber da ré A...”.
IX. Em face do teor desta declaração/transacção celebrada entre as partes dos presentes autos, não pode o Tribunal a quo cingir esta declaração àquilo que estava peticionado naqueles autos quando a declaração se refere a responsabilidade contratual total uma vez que os Recorridos terem declarado que davam quitação de todos os danos/responsabilidades contratuais.
X. Os Recorridos declaram que NADA MAIS TINHAM A RECEBER DA RECORRENTE!
XI. A decisão recorrida violou, assim, as normas constantes dos art.ºs 405.º e 406.º do Código Civil bem como os art.ºs 619.º e 628.º do Código de Processo Civil.
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Por outro lado, é o seguinte o teor das conclusões das contra alegações dos Autrores:
I – Tal qual resulta da certidão judicial junta aos autos, os ali AA. não peticionaram, nesses atos, a restituição de quaisquer prémios de seguro que pagaram após a comunicação do evento (sinistro) à Seguradora. Outrossim e, na sequência da assunção da responsabilidade desta nos respetivos autos, com o pagamento do capital em dívida à data do sinistro, vieram pela presente ação os AA. pedir o reembolso de tais valores, porquanto, desde a data do sinistro que, caso a Ré logo o tivesse regularizado voluntariamente, não seriam devidos e, por isso, além de não existir já interesse e risco para cobrir, existiu, ainda, um enriquecimento ilegítimo da Ré com tais pagamentos efetuados pelos AA.;
II- Não existiu em momento algum plena quitação à Ré, outrossim, foi dada quitação do que se achava pedido naqueles autos e do que era o seu objeto (onde não estavam em discussão os prémios de seguros) e, nada mais;
III- Não se provou que: a) o A. tenha declarado no clausulado da transação mencionado em 4. (…) fosse a que título fosse. E, não nos parece procedente o argumento da Ré, segundo qual os AA. deram quitação quanto a tudo que a apólice visava, pois, desde logo, como se sabe, uma apólice visa uma cobertura.
III- Os prémios de seguro não fazem parte dessa cobertura, fazem, outrossim, parte da contrapartida devida pela vigência de tal cobertura e, essa, repete-se, tem por base um risco e um interesse, pois, sem eles, o contrato é nulo, em conformidade com o que dispõem os Artº.s 43º e 44º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro;
IV- Ora, tendo a Ré aceitado liquidar o valor que estava em dívida ao Banco à data do evento (incapacidade da ali A., mulher do ora A.), desse essa data deixou de haver interesse e risco e, como tal, o contrato passou a enfermar de nulidade que, como se sabe, é de conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo;
V- Assim, “Aqui o autor tem direito à restituição desse pagamento pela seguradora, a título de enriquecimento sem causa desta: o autor pagou-lhe (através do banco) os prémios de seguro quando, a partir do sinistro, já não o tinha de fazer, pois que, com o pagamento do empréstimo a que a seguradora estava obrigada por força do sinistro, o seguro do empréstimo deixava de ter causa justificativa (arts. 473 e 476/1, ambos do CC).” – AC TRL de 24.05.2018, proferido no Processo nº. 844/16.1T8MTA.L1-2, assim disponível na internet;
VI- No que concerne ao risco coberto por um seguro a invalidez total e permanente, o sinistro ocorre quando ela se dá e não quando ela se apura no fim do processo destinado a isso. Quando os autores naquela acção declararam que se consideravam integralmente ressarcidos no âmbito da responsabilidade contratual que emerge da apólice em apreço, tal declaração, aos olhos de qualquer cidadão ou instituição, não significará certamente o direito de a ré fazer seus prémios pagos pelos seus segurados desde 11.10.2012 data a partir da qual, verificado o sinistro, já não tinham que o fazer, pois a seguradora estava obrigada por força do sinistro a proceder ao pagamento do empréstimo e nessa medida o seguro do empréstimo deixaria de ter causa justificativa.;
VII- Quanto à Boa-fé, apenas, uma vez mais, se nos afigura oportuno chamar a depor o que se adianta na decisão recorrida: Na verdade, o principio da boa fé deve nortear o comportamento das partes, e em nome desse principio, nem devia ter sido necessário o viúvo e a sua filha menor terem novamente de demandar a ré para obter o estorno dos prémios que com sacrifício (veja-se a fundamentação de facto – tiveram de pedir dinheiro emprestado) liquidaram durante mais de 6 anos, à ré.
VIII- Emerge é da boa fé que deveria ter determinado, que aceite pela ré que a incapacidade se devia reportar à data de 11.10.2012 se impunha a devolução/o estorno dos prémios pagos durante mais de 6 anos. E não se diga que por isso acordou com os autores naqueles termos, pois o valor acordado correspondia copiosamente ao montante do empréstimo que seencontrava em dívida ao Banco a 11.10.2012, tendo os autores prescindido do pagamento dos juros por eles ali peticionados, conforme se infere da petição inicial daqueles autos conjugada com o teor da transacção, pelo que o estorno dos prémios desnecessariamente pagos não constituiu objecto daqueles autos.
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Perante o antes exposto, resulta claro ser a seguinte a questão suscitada pela Ré neste seu recurso:
Saber se a transacção efectuada pelas partes no âmbito da acção nº160/13.0TBARC abarca (ou não) os prémios de seguro liquidados pelos Autores no período entre 11.10.2012 e 28.02.2019.
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Com relevo para a decisão a proferir, importa considerar o que quanto à matéria de facto, ficou consignado na sentença recorrida.
Assim:
Factos provados:
1º- O A. e sua falecida mulher, CC, com fundamento em incapacidade definitiva e permanente desta e, porque, possuíam na Ré a respectiva apólice de seguro de vida, em 13.05.2013, instauraram neste Tribunal uma acção contra esta, onde, de entre o mais, pediram a sua condenação no pagamento da quantia que então deviam ao Banco 1... por virtude do mútuo aí contraído para aquisição da habitação do casal, a qual deu origem ao Processo nº. 160/13.0TBARC.
2º- À data da incapacidade da falecida mulher do A. (11.10.2012), o casal devia, àquele título, ao Banco 1... a quantia de €150.758,59.
3º- Na pendência da aludida acção, em 05.04.2018, veio a falecer a mulher do A., tendo, então, sido habilitados os seus herdeiros, a saber: ele, seu marido e a filha do casal, aqui AA. [cf. certidão da escritura de habilitação junta a fls. 8 ss]
4º- A 10.02.2020, A. e Ré transigiram naqueles autos, pelo montante em dívida à data da incapacidade (11.10.2012) que ascendia a 150.758,59€, nos seguintes termos:
1.ª
O autor desiste do pedido relativo ao certificado individual n.º ...34.
Quanto ao certificado nº ...90 relativo à apólice nº ...20 os autores reduzem o pedido à quantia de 150.758,59€, quantia com a qual os autores se consideram integralmente ressarcidos no âmbito da responsabilidade contratual que emerge da apólice vinda do supra referido, declarando que nada mais tem a receber da ré A....”
2.ª
A quantia referida no número anterior será entregue pela ré A... ao beneficiário (Banco 1...) e revogada a apólice no prazo de 20 dias a contar da presente data.
3.ª
Custas em divida a juízo serão suportadas na proporção ½ para Autor e Ré A...” [cf. cópia da acta elaborada no âmbito do processo n.º 160/13.0TBARC junta a fls.10]”
5º- Desde aquela data, 11.10.2012 até 28 de Fevereiro de 2019 (já que, em 01.03.2019 a Ré anulou a apólice por falta de pagamento), sempre foi a débito, na conta indexada ao aludido mútuo, o prémio de seguro de vida cobrado pela Ré, crê o A., nunca actualizado, pese embora a amortização gradual do crédito, no valor mensal de € 104,64.
6º- Como se vê da transacção acima referida, a Ré, por virtude da apólice respectiva, aceitou liquidar o capital vencido à data da incapacidade da falecida CC, cônjuge do A.
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Factos não provados:
Não se provou que:
a) O A. tenha declarado no clausulado da transacção mencionada em 4. (…) fosse a que título fosse.
b) Os processos de sinistro, numa primeira fase, tinham sido encerrados por falta de documentação clínica necessária e imprescindível para análise do sinistro, sem prejuízo da sua reabertura na presença de novos elementos.

Com relevância para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, invocados nas peças processuais ou alegados em audiência, que não estejam já em oposição ou não tenham já resultado prejudicados pelos que ficaram provados, sendo a demais matéria alegada, conclusiva ou de direito.
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Motivação:
Para formar a sua convicção o Tribunal analisou criticamente a globalidade da prova produzida, designadamente das testemunhas ouvidas em sede de audiência, DD (tia dos autores), EE (gestora de sinistros que presta serviço para a ré desde 2006) e o teor dos documentos juntos pelas partes designadamente certidão da escritura de habilitação junta a fls. 8 ss, acta da audiência de julgamento da qual se infere o clausulado da transação celebrado entre o autor e a ré no âmbito do processo 160/13.0TBARC homologada por sentença cf. fls. 10 ss, petição inicial e prova documental do identificado processo junta a fls. 28 a 175 meios de prova que foram todos analisados à luz das regras de experiência comum, conjugados, confrontados e entrecruzados entre si, buscando-se os seus pontos de concludência, coerência e de consistência e que redundaram na prova da factualidade dada como provada.
Assim, e no que toca à factualidade constante dos pontos 1 a 4 o Tribunal ateve-se na prova documental que em cada momento fomos assinalando para melhor esclarecimento uma vez que os identificados documentos não foram infirmados por qualquer outro meio de prova.
No que concerne à matéria vertida nos pontos 5 a 6 a mesma não se revelou verdadeiramente controvertida, uma vez que nenhuma dúvida subsiste quanto ao facto de entre 11.10.2012 e 28 de Fevereiro de 2019, ter sido liquidado o prémio de seguro (77 meses x 104,64 o que perfaz o montante peticionado pelo autor e não a quantia indicada pela ré) já que, foi por virtude da dita incapacidade da segurada CC, ocorrida naquela data, que a Ré amortizou o capital em dívida.
O depoimento da testemunha DD, tia dos autores apenas foi relevante para acentuar que tendo sido ela que emprestou parte das quantias que suportaram as mensalidades e pagamento dos prémios de seguro desde a data da incapacidade da falecida CC, contava com o estorno desses prémios. Ademais é seguro que o estorno de tais quantias não era objecto dos autos onde foi celebrada a transacção pois os pedidos formulados não comtemplavam tal desiderato, crendo até o autor que tal restituição seria automática como sustentou o seu advogado.
Do teor daquela também se infere que dela não consta a expressão …” fosse a que título fosse” como sustenta a ré, pelo que foi considerada não provada tal factualidade.
Diga-se, por último, que dos autos não constam quaisquer outros elementos de prova que permitam julgar tal factualidade de forma diferente. Com efeito a testemunha EE, gestora de sinistros, afirmou que CC faleceu, que efectivamente a identificada apólice estava associada ao crédito de habitação, pela invalidez total e permanente procederam ao pagamento da quantia que estava em dívida à data da incapacidade e que com o pagamento desta quantia, em seu entendimento, se mostrava cumprida a responsabilidade contratual. Confrontada com o facto de desde 2013 a falecida CC e marido, o aqui autor, terem demandado a ré porquanto esta teve sempre dificuldade em reconhecer a invalidez daquela nos moldes que infelizmente só com a sua morte veio a reconhecer a 10.02.2020, reconhecendo a incapacidade daquela com efeitos desde 11.10.2012 - tal como CC e o marido tinham sustentado desde sempre se não seria expectável, a devolução voluntária de prémios cujo pagamento foi protelado no tempo 77 meses para depois a ré vir a final a reconhecer tal incapacidade desde 2012, acabou por bem entender qual é pretensão dos autores e a bondade e lógica da sua actuação.
Por fim a matéria vertida na alínea b) não se provou, pois das diversas missivas juntas aos autos, extraídas da acção 160/13.0tbarc, endereçadas pela ré a CC infere-se que a “dificuldade” da ré que obrigou CC e o autor desde 2012 até à data da celebração da transacção a socorrerem-se da ajuda financeira de familiares para continuar a liquidar a mensalidade ao banco e o prémio de seguro à ré até 28 de Fevereiro de 2019, prendia-se com a possibilidade de CC poder recuperar da invalidez que lhe foi atribuída, o que não veio a suceder, antes tendo ocorrido o seu óbito.”
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Vejamos, pois, da viabilidade da pretensão recursiva da Ré, tendo em conta a decisão de facto antes melhor referida.
Como decorre do acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 17.11.2016, no processo nº311/13.5TTEVR.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Ferreira Pinto, em www.dgsi.pt. “A transacção, embora sujeita a homologação judicial, é um contrato que, como tal, constitui a fonte das obrigações que, através dela, as partes constituíram, limitando-se a sentença homologatória a apreciar a validade da transacção, reconhecendo e declarando os direitos e obrigações que nela foram constituídos e nos exactos termos em que o foram.”
Também de acordo com o acórdão do mesmo Tribunal de 03.03.2020, no processo nº2056/14.0TBGMR-A.G2.S1, relatado pela Conselheira Maria João Vaz Tomé, www.dgsi.pt: “IV - A noção de transacção, constante do art.º 1248.º do CC, limita-se a tornar claro que as concessões das partes tanto podem dizer respeito ao direito controvertido como a direitos diferentes do direito controvertido.
V - As concessões recíprocas das partes tanto podem incidir exclusivamente sobre o objecto do litígio (transacção simples), como sobre direitos diversos do direito controvertido (transacção complexa).”.
Igualmente com interesse o que ficou exarado no acórdão do STJ de 23.01.2014, no processo nº3076/03.5TVPRT.P1.S1, relatado Conselheiro Serra Baptista, www.dgsi.pt.
“Embora a transacção tenha de ser homologada por sentença judicial (art.º 3000.º, n.º 3 do CPC, actual 290.º, n.º 3), a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, mas apenas fiscalizar a regularidade e a validade do acordo.
Podendo, por isso, afirmar-se que a verdadeira fonte de resolução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença homologatória proferida pelo juiz.
Não tem cabimento a excepção de caso julgado, já que o conflito existente não foi decidido por sentença”.
Como refere o Prof. Alberto dos Reis, na transacção “a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz” (cf. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Cível, vol. 3.º, pág. 499).
Como antes já vimos, a acção com o nº160/13.0TBARC, não foi decidida por sentença, mas foi dirimida por acordo das partes (cf. ponto 4.º dos factos provados).
É consabido que a transacção, ainda que não integre o elenco das excepções expressamente referidas no artigo 577º do CPC, pode configurar uma “excepção de transacção”, por obstar à apreciação do mérito da acção.
Neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2001, processo nº2924/01, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos, www.dgsi.pt, consta, onde se refere o seguinte:
“I - A função da sentença homologatória da transacção não é decidir a controvérsia substancial, mas apenas fiscalizar a regularidade e a validade do acordo das partes.
II - Desde que o conflito não foi decidido por sentença, não tem cabimento a excepção do caso julgado.
III - Em vez de opor a excepção do caso julgado, o que o réu deve opor é a excepção de transacção”.
Sendo assim, resulta evidente a argumentação da Ré neste seu recurso, a qual e como vimos assenta, entre o mais, na pretensa violação das normas contidas nos artigos 619º e 628º do CPC.
Prosseguindo:
Como se afirma no acórdão desta Relação do Porto de 20.09.2021, no processo nº2676/15.5T8PNF-C.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Fernandes, em www.dgsi.pt:
“I- A transacção exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efectivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita.
II- A decisão judicial corporizada na homologação da transacção, constituindo um ato jurídico, deve interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos e, neste contexto, terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes aí exteriorizada, de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo possam ser clarificadas e tomem um sentido definitivamente exacto.”
Sendo assim, todas as dúvidas que eventualmente acabem por surgir na determinação do conteúdo das declarações de vontade exaradas na transacção terão de ser esclarecidas com recurso aos critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos adiantados pelo disposto no artigo 236.º, n.º1, do Cód. Civil, que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, apenas com esta limitação:- para que tal sentido possa valer é preciso que seja possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este possa razoavelmente contar com ele (art.º 236º, nº1, parte final, do C.C.).
Em cumprimento desta imposição legal tem pois o julgador de ter em conta que a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição de real declaratário, lhe atribuiria; considera-se real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável (cf. Prof. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil; pág.419); e a normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante (cf. Prof. Pires de Lima e Antunes Varela; Cód. Civil Anotado, Vol. I. pág.153).
Como antes já vimos, na tese da Ré a transacção obtida no referido processo nº160/13.0TBARC, abarca o pedido aqui formulado pelos Autores de lhe serem restituídos os montantes referentes aos prémios de seguro que a Ré recebeu por virtude da apólice nº ...20 do seguro de vida associado ao mútuo para aquisição da habitação, desde Outubro de 2012 até Fevereiro de 2019.
Ora, do teor da transacção efectuada nos supra referidos autos, interpretado nos termos sobreditos, não resulta que tais montantes fizessem parte das quantias objecto da transacção celebrada em 10.10.2020 e antes melhor descrita (cf. ponto 4º dos factos provados).
A este propósito é também relevante considerar o que ficou a constar na alínea a) dos factos não provados.
Nestes termos, não tendo as partes, na referida transacção, pretendido dar cabal resposta ao litígio relativo aos supra identificados prémios de seguro, bem procedeu o Tribunal “a quo” quando fez prosseguir a acção e a final proferiu a sentença que agora é posta em causa.
Em suma, não merece pois provimento o recurso aqui interposto.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, sem mais, confirma-se a decisão proferida.
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Custas a cargo da ré/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.




Porto, 8 de Fevereiro de 2024
Carlos Portela
Francisca Mota Vieira
Aristides Rodrigues de Almeida