Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2325/12.3JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: ROUBO
ARMA APARENTE OU OCULTA
Nº do Documento: RP201410012325/12.3JAPRT.P1
Data do Acordão: 10/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não se pode considerar preenchida a agravante qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204º do Cód. Penal, ex vi do art. 210.º, n.º 2, al. b), do Cód. Penal [… trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta…] quando apenas se prova que o agente usou um objeto semelhante a uma arma de fogo sem se dar como provado que era uma arma de fogo.
II – A circunstância qualificativa da referida alínea só se preenche com uma arma verdadeira, e esta é todo o objeto utilizado como meio de agressão ou que como tal possa ser usado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº2325.12.3JAPRT.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C.S. nº 2325.12.3JAPRT.P1 do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vale de Cambra foram julgados os arguidos
B…, e
C…,

D…, ofendida, deduziu contra ambos os arguidos, pedido de indemnização civil, no valor de € 2.640,00 (dois mil, seiscentos e quarenta euros).

Após julgamento por sentença de 12/12/2013 foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, e atentos os fundamentos de facto e de Direito invocados, julgo:
1. Parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação pública, em consequência do que:
a. Absolvo a arguida C… quanto à imputada prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto na al. f) do n.º 2 do art. 204.º, todos do Código Penal;
b. Condeno o arguido B… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto na al. f) do n.º 2 do art. 204.º, todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;
c. Condeno a arguida C… pela prática, em cumplicidade e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º s 1 e 2, al. b), por referência ao disposto na al. f) do n.º 2 do art. 204.º, todos do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão;
d. Condeno a arguida C… pela prática, em autoria material e concurso efectivo, na forma consumada, de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º, n.º s 1 e 2 do DL n.º 02/98 de 03/01, por referência ao disposto nos arts. 121.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1 do Código da Estrada, na pena parcelar de 1 (um) ano de prisão;
e. Condeno a arguida C…, ao abrigo do disposto no art. 77.º do Código Penal, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão;
f. Determino, ao abrigo do disposto nos arts. 50.º, 51.º, n.º 1, al. b) e 52.º, n.º s 1, al. b) e 4, todos do Código Penal, a suspensão da execução da referida pena de prisão por igual período, e assim por 4 (quatro) anos, subordinada ao dever de dar a D…, ofendida nos autos satisfação moral adequada – pedido de desculpas formal e público, em sala de audiências, excepto se a mesma assim não o pretender – e à regra de conduta de frequência de escola de condução e submissão aos respectivos exames, sob supervisão dos serviços da DGRS.
2. Parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido nos autos por D… contra B… e C…, em consequência do que os condeno:
a. No pagamento solidário a D… de uma indemnização no valor de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros);
b. No pagamento solidário a D… de uma compensação no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), dividida em 10 (dez) prestações, iguais, mensais e sucessivas, no valor individual de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), vencendo-se a primeira no primeiro dia do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente sentença e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes.
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Custas criminais pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC – arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1 do Código do Processo Penal e art. 8.º do Regulamento das Custas Processuais – sendo as custas cíveis por demandante e demandados cíveis na proporção do respectivo decaimento – art. 527.º do Código do Processo Civil, ex vi art. 4.º do Código do Processo Penal. “

Recorre o arguido o qual no final da sua motivação apresenta conclusões das quais emergem as seguintes questões:
- erro notório na apreciação da prova, insuficiência de prova e princípio in dúbio pro reo;
- qualificação jurídica do crime de roubo
- medida da pena (atenuação especial e suspensão da pena)
e ainda
- aproveitamento da co arguida dos efeitos do recurso do arguido

O MºPº respondeu pugnando pela improcedência do recurso
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição):
“2. Dos factos
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2.1 Matéria de facto provada
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Da discussão resultaram provados os seguintes factos:
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1. Em Dezembro de 2012, D…, após o termo do seu período de trabalho ao final da tarde, costumava deslocar-se a pé do local onde laborava, sito no …, até à sua residência, sita no …, em …, em Vale de Cambra, efectuando parte desse percurso sozinha, seguindo por estrada secundária isolada e ladeada por mata.
2. Pelo menos o arguido B… decidiu que iria abordar D… e, mediante a exibição de objecto semelhante a arma de fogo, obrigá-la contra a sua vontade a entregar-lhe todos os bens e quantias em dinheiro que trouxesse consigo, com a intenção de os fazer seus, usando, para se deslocar de e para o local onde levaria a cabo essa abordagem, o veículo automóvel de marca “Renault”, modelo “..”, de cor branca, no qual seguiria a arguida C….
3. Em datas não concretamente apuradas, mas ocorridas no período compreendido entre 01/12/12 e 12/12/12, pelo menos o arguido B… deslocou-se até os acima mencionados lugares para confirmar os hábitos de deslocação e horários de D…, bem como as vias ali existentes, transportando-se para o efeito no identificado veículo.
4. Em 12/12/12, cerca das 17:00 horas, D…, após o termo do seu período de trabalho, iniciou o aludido trajecto que efectuava a pé do local onde laborava até à sua residência, a dada altura do mesmo, em concreto quando se encontrava a chegar ao …, tendo sido abordada pelo arguido B…, que saiu da zona de mata.
5. Ocasião em que o arguido B…, trazendo sobre o rosto um gorro tipo passa-montanhas com aberturas nos olhos e empunhando um objecto semelhante a arma de fogo, apontou com este na direcção de D…, ordenando-lhe que lhe entregasse a carteira que trazia.
6. Nesse momento, D… reagiu, negando essa entrega e atirando-lhe uma garrafa que trazia consigo, com a qual atingiu o arguido B… no braço, não obstante o que este agarrou a carteira que aquela trazia ao ombro, conseguindo arrancar-lha, e, na sua posse, fugiu pelo meio do pinhal.
7. A carteira de D…, no valor de € 15,00 (quinze euros), continha no seu interior um telemóvel de marca “Nokia” e no valor de € 20,00 (vinte euros), os seus documentos pessoais, a quantia de € 90,00 (noventa euros) em dinheiro, pelo menos um terço e algumas medalhas e cartões religiosos, bem como uma marmita de comida.
8. Na posse dessa carteira, o arguido B… entrou no identificado veículo, que logo após encetou a marcha, abandonando o local em conjunto com a arguida C…, e fazendo seus tais objectos, dos quais apenas foi recuperada a marmita de comida, encontrada no chão em local próximo, junto da empresa “E…, Lda.”, em …, ….
9. Em 12/12/12, a arguida C… não era titular de carta ou qualquer documento que a habilitasse a conduzir veículos automóveis na via pública.
10. Sabia, pelo menos o arguido B…, que ao usar e exibir a D… objecto semelhante a arma de fogo, que apontou na direcção desta ao mesmo tempo que lhe ordenava que lhe entregasse a carteira que trazia, a forçava, contra a sua vontade, a ficar sem aquela e sem os objectos que na mesma transportava, ciente de não serem seus, e de que esse apoderamento não consubstanciava a vontade dessa D…, o que quis e logrou.
11. Não ignorava ser tal conduta proibida e punida por lei.
12. Não obstante o que não deixou de actuar como na realidade actuou, agindo livre e conscientemente.
13. O arguido B… é solteiro; encontra-se presentemente recluso no EP do Porto, cumprindo pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses por condução de veículo motorizado sem habilitação legal; apresenta factores criminógenos relacionados com a baixa escolaridade, ausência de experiências significativas de trabalho, num quotidiano marcado pela ociosidade e dependência de terceiros.
14. Revelou baixa responsividade no decurso de penas de execução na comunidade, com incapacidade em cumprir os objectivos a que se propunha e na formulação de objectivos pró-sociais, a que não será alheio o deficitário quadro de valores relativamente ao respeito pelos direitos de terceiros e regras da vida em sociedade; o seu discurso é auto-centrado nos custos pessoais da sua prisão e ainda muito incipiente a sua capacidade de reflexão crítica sobre a sua trajectória criminal e danos causados à sociedade com o comportamento desviante.
15. São-lhe conhecidos os seguintes antecedentes criminais:
- PES n.º 189/06.5GAARC – Tribunal Judicial da Comarca de Arouca – Condenação, proferida em 13/10/06 e transitada em 30/10/06, pela prática, em 12/10/06, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos);
- PESS n.º 79/06.1GAARC – Tribunal Judicial da Comarca de Arouca – Condenação, proferida em 09/02/07 e transitada em 11/03/07, pela prática, em 09/04/06, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 3,00 (três euros);
- PES n.º 279/08.0GAARC – Tribunal Judicial da Comarca de Arouca – Condenação, proferida em 27/10/08 e transitada em 04/11/09, pela prática, em 13/10/08, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
- PES n.º 112/10.2GAVLC – 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vale de Cambra – Condenação, proferida em 12/04/10 e transitada em 12/05/10, pela prática, em 22/03/10, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de 1 (um) ano, subordinada a regime de prova;
- PEA n.º 316/11.0GDOAZ – 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis – Condenação, proferida em 20/03/12 e transitada em 11/07/13, pela prática, em 05/08/11, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
- PES n.º 63/11.3GAARC – Tribunal Judicial da Comarca de Arouca – Condenação, proferida em 28/03/11 e transitada em 29/04/11, pela prática, em 28/02/11, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 1 (um) ano de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de 1 (um) ano, subordinada a regime de prova;
- PCS n.º 14/11.5GAARC – Tribunal Judicial da Comarca de Arouca – Condenação, proferida em 30/03/12 e transitada em 30/04/12, pela prática, em 14/01/11, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 24 (vinte e quatro) períodos de prisão;
- PES n.º 90/12.3GAARC – Tribunal Judicial da Comarca de Arouca – Condenação, proferida em 30/03/12 e transitada em 23/01/13, pela prática, em
27/03/12, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 24 (vinte e quatro) períodos de prisão;
- PCS n.º 26/12.1GAARC – Tribunal Judicial da Comarca de Arouca – Condenação, proferida em 02/04/13 e transitada em 23/05/13, pela prática, em 24/01/12, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 42 (quarenta e dois) períodos de prisão;
- PES n.º 132/13.5GAARC – Tribunal Judicial da Comarca de Arouca – Condenação, proferida em 07/05/13 e transitada em 22/06/13, pela prática, em 17/04/13, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3.º do DL n.º 02/98 de 03/01, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
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Mais se demonstrou:
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16. Em 12/12/12, cerca das 17:00 horas, na mesma altura em que D… iniciou o aludido trajecto que efectuava a pé do local onde laborava até à sua residência, o identificado veículo, onde se faziam transportar ambos os arguidos, foi imobilizado no cruzamento que liga o … aos … e de …, junto do conjunto habitacional aí existente, do qual se apeou o arguido B…, tendo a arguida C… permanecido no interior do mesmo.
17. Após, o arguido B… seguiu apeado na direcção do …, tendo-se escondido na zona de mata e aguardado a passagem de D….
18. Quando o arguido B… entrou no identificado veículo posteriormente a se ter apossado da carteira de D…, que trazia consigo e do que a arguida C… se apercebeu, aquele era conduzido por esta, que se dirigiu ao seu encontro.
19. Sabia a arguida C… que a carteira que o arguido B… trazia consigo ao reentrar no identificado veículo lhe não pertencia e que, ao dirigir-se ao seu encontro e recolhê-lo, possibilitando que se ausentasse daquele local, o auxiliava materialmente no cometimento de crime, do que se encontrava ciente, sem prejuízo do que assim agiu, mais não tendo comunicado às autoridades policiais o sucedido, o que quis e logrou.
20. Sabia a arguida C… não dispor de carta ou outro documento que a habilitasse a conduzir veículos automóveis, actividade que por esse motivo se lhe encontrava vedada, do que se encontrava ciente, sem prejuízo do que assumiu a condução, na via pública, do veículo de marca “Renault”, modelo “..” e cor branca, o que quis e logrou.
21. Não ignorava serem tais condutas proibidas e punidas por lei.
22. Não obstante o que não deixou de actuar como na realidade actuou, agindo livre e conscientemente.
23. A arguida C… é divorciada; vive com um companheiro em condições análogas às dos cônjuges e os dois filhos menores de ambos; trabalha como costureira em meio empresarial, auferindo um vencimento mensal de € 492,00 (quatrocentos e noventa e dois euros); mora em casa arrendada, ascendendo o pagamento da respectiva renda a um total de € 230,00 (duzentos e trinta euros) mensais; concluiu o 6.º ano de escolaridade.
24. Está inscrita em escola de condução; reconhece em abstracto a ilicitude da natureza dos factos subjacente ao presente processo, identificando danos e vítimas e manifestando preocupação quanto ao respectivo desfecho; o seu companheiro tem vindo a assumir-se como um importante suporte para si, funcionando ainda como um elemento equilibrador ao nível familiar.
25. Em Dezembro de 2012, encontrava-se desempregada, estava separada do seu companheiro, mantinha um relacionamento amoroso com o arguido B… e levava um quotidiano de instabilidade, associada pelos seus pares a uma fase desfavorável da sua vida, reputando a sua vivência presente como mais equilibrada.
26. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
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Comprovou-se ainda:
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27. Como consequência directa e necessária do comportamento dos arguidos, D… ficou desapossada de uma carteira no valor de € 15,00 (quinze euros), de um telemóvel de marca “Nokia” e no valor de € 20,00 (vinte euros), dos seus documentos pessoais, da quantia de € 90,00 (noventa euros) em dinheiro, e de pelo menos um terço e algumas medalhas e cartões religiosos.
28. Assim como se sentiu humilhada, revoltada e receosa pela sua própria vida, ansiosa pela perda dos seus documentos, e desgostosa por se ter visto privada dos objectos de cariz religioso que lhe pertenciam e que muito estimava, sentimentos que perduram até ao presente,
29. Bem assim, não mais tendo conseguido voltar a fazer sozinha o trajecto a pé do seu local de trabalho até à sua residência, por recear que o ocorrido se repita, e ter deixado de ser uma pessoa calma e de índole positiva, o que se repercute negativamente nas suas relações interpessoais.
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Não logrou demonstração:
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A. Que igualmente a arguida C… decidisse, em conjunto com o arguido B…, a referida abordagem a D… e a impetração da mesma, mediante a exibição de objecto semelhante a arma de fogo, contra a sua vontade, a entregar-lhe todos os bens e quantias em dinheiro que trouxesse consigo, com a intenção de os fazer de ambos, usando, para se deslocar de e para o local onde levaria a cabo essa abordagem, o veículo automóvel de marca “Renault”, modelo “..”, de cor branca.
B. Que igualmente a arguida C… decidisse, em conjunto com o arguido B…, que a própria conduziria aquele veículo automóvel de marca “Renault”, modelo “..”, de cor branca, na deslocação de e para o local onde o mesmo levaria a cabo a abordagem a D….
C. Que igualmente a arguida C…, em datas não concretamente apuradas, mas ocorridas no período compreendido entre 01/12/12 e 12/12/12, se deslocasse, em conjunto com o arguido B…, até aos acima mencionados lugares para confirmar os hábitos de deslocação e horários de D…, bem como as vias ali existentes.
D. Que, em 12/12/12, cerca das 17:00 horas, na mesma altura em que D… iniciou o aludido trajecto que efectuava a pé do local onde laborava até à sua residência, a arguida C… colocasse em marcha o identificado veículo automóvel, conduzisse pelas estradas que ligam aqueles lugares e, nesse percurso, passasse por D…, avançando até ao local onde soubesse que estar iria passar adiante, ali deixando o arguido B….
E. Que na carteira de D… se encontrassem chaves e talheres.
F. Que o terço e as medalhas e cartões religiosos transportados no interior da carteira de D… valessem globalmente € 15,00 (quinze euros), e que a marmita de comida valesse € 5,00 (cinco euros).
G. Que os arguidos B… e C… actuassem no cumprimento de um plano prévio que traçaram em conjunto, de forma concertada e em união de esforços, com o propósito de, amedrontando D… com a exibição e uso de objecto semelhante a arma de fogo, que foi apontado na sua direcção pelo arguido B…, a forçar a entregar, contra a sua vontade, os objectos e dinheiro que tinha em seu poder.
H. Que a arguida C… fizesse seus os objectos e dinheiro que D… tinha em seu poder, sabendo que não lhes pertenciam e que, nessa conformidade, actuava contra a vontade da respectiva dona, o que representou e quis.
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Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa.
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2.2 Fundamentação da matéria de facto
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O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência e da normalidade, tendo considerado os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e os demais elementos juntos aos autos, que infra discriminaremos.
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Principiemos esta exegese pela prova por declarações e testemunhal.
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Os arguidos B… e C… optaram, no uso de direito que legalmente lhe assiste, por não prestarem declarações, perante o que este Tribunal se viu limitado ao teor dos relatórios sociais para determinação de sanção, cuja elaboração pelos serviços da DGRS foi oficiosamente determinada, os quais, por se reconduzirem a prova documental analisaremos em conjunto a demais.
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Em sede de acusação pública, foram arrolados como testemunhas D…, ofendida nestes autos, F… e G…, respectivamente irmã e vizinha da mesma, assim como H…, conhecida daquela e dos arguidos, e I…, vizinho do arguido B…. Todos depuseram de forma séria e assertiva, preconizando discursos coerentes e consequentes, concordantes entre si e no confronto com a restante prova carreada para os autos, que se nos evidenciaram expurgados de juízos ou conclusões de foro pessoal. Mereceram credibilidade por parte deste Tribunal.
D… afirmou que, desde há quatro ou cinco anos, por referência ao dia do sucedido, fazia a pé o trajecto do local onde trabalhava, no …, até à sua residência, no …, no que contava com a companhia da sua irmã, F… durante parte do percurso, no qual costumava haver movimento, galgando sozinha o restante, mais isolado e marginado por mata. Disse que, dias antes daquele em que sobreveio o evento, havia percepcionado uma viatura automóvel que passava igualmente pelo seu trajecto – descrevendo-a como sendo branca e apresentando uma mancha de fumo preto junto do tubo de escape, ignorando quem a conduziria ou na mesma se faria transportar, uma vez que os vidros se mostravam sempre “baços” (sic) –, não tendo cuidado de a estudar em detalhe, por pensar que se destinaria a uma fonte de água sita nas proximidades. Descreveu que, no dia 12/12/12, e em segmento do referido percurso que fazia desacompanhada, avistou essa viatura, que passou por si na estrada camarária, proveniente do “corte” (sic) pelo qual habitualmente se introduzia em ordem a chegar a casa, já quando pelo mencionado “corte” seguia se lhe tendo deparado um indivíduo, saído de trás de um pinheiro, envergando um gorro com aberturas apenas no local dos olhos e luvas, que empunhou uma arma na sua direcção e lhe pediu que lhe entregasse o seu saco – sendo que, confrontada com as imagens de fls. 164 a 166 dos autos, revelou assemelharem-lhe esse gorro e essa arma às retratadas, esclarecendo, quanto à última, não a saber descrever, por jamais ter visto alguma. Relatou que lho negou e usou de uma garrafa que tinha consigo, aquele se tendo defendido com o braço e arrancado do seu ombro o aludido saco, após o que seguiu mata adentro, a própria tendo retrocedido no caminho e regressado à estrada, onde gritou por socorro, nesse entretanto tendo assistido ao veículo que anteriormente detectara passar por si, desta feita assumindo o sentido de marcha descendente, e conduzido por uma mulher, que apenas logrou vislumbrar porquanto limpava o vidro, não a sabendo identificar. Acrescentou que a mesma viatura havia sido avistada igualmente pela sua predita irmã, ambas tendo chegado a comentar a sua curiosidade, mas pensando “que era dos apartamentos” (sic). Circunstanciou que, naquele seu saco, no valor de cerca de € 15,00 (quinze euros), tinha uma quantia aproximada de € 100,00 (cem euros) em dinheiro, documentos, terços e medalhas religiosas cujo valor não almejou precisar, mas que adiantou lhe serem preciosos do ponto de vista sentimental, uma marmita no valor aproximado de € 3,00 (três euros) e um telemóvel de marca “Nokia”, estimando que este valesse mais ou menos € 20,00 (vinte euros), apenas tendo recuperado essa marmita, encontrada na berma da estrada perto de uma empresa. Assumiu-se “atormentada” (sic) desde esse dia e “revoltada” (sic), sentindo receio, desde então, de sair de casa sozinha, nomeadamente não mais tendo feito o percurso a pé que lhe era habitual, antes sendo o seu marido quem a vai buscar ao seu local de trabalho, assim como preocupação quanto à possibilidade de os seus documentos serem abusivamente utilizados, que anuiu continuar a passar-lhe pela ideia, mesmo depois de ter providenciado por documentos novos, mais dando conta de noites sem dormir e de problemas com os familiares que consigo residem causados pelo seu estado de espírito.
F… corroborou que, por trabalhar no mesmo local que D…, se dirigiam ao final da tarde, juntas e a pé, para casa, a própria ficando a meio do caminho que esta última percorria, dado situar-se a sua casa a uma menor distância, alertando que o trajecto, por via de regra movimentado até esse local, deixa de o ser, passando a mato quando se entra no “corte” (sic) que permite aceder à residência da sua irmã. Esclareceu, por referência ao dia do acontecido, que uma viatura branca – que considerou ser um “Renault ..”, com uma área preta perto do tubo de escape, negando que fosse uma qualquer marca pintada e atribuindo-a ao fumo – passava por ambas há alguns dias, atento o sentido de marcha …/…, quedando-se estacionada junto a uns prédios novos e grandes que se localizam perto da casa da própria – instada, respondendo inexistirem quaisquer outros nas imediações –, sem que quem no mesmo seguisse saísse do seu interior. Concretizou que, naquele dia 12/12/12, avistou a mesma viatura aparcada nesse sítio e iniciando a marcha no sentido de …, para onde D… havia já seguido sozinha.
G… aduziu morar à face da estrada, da sua casa conseguindo ver a “cortada” (sic) usada por D… para aceder à sua residência, dando conta de ter presenciado, na tarde de 12/12/12, uma viatura branca imobilizada junto às “Alminhas” (sic), do seu quintal, que deita para essa estrada, se tendo apercebido de uma mulher sentada no lugar do condutor e de um homem que, avisado por esta quanto à presença da própria, entrou naquele veículo, que iniciou a marcha, apenas sabendo que o mesmo tinha “barbitas” (sic), não logrando, porém, identificar um ou outro. H… sufragou conhecer, quer D…, quer os dois arguidos, todos sendo clientes do estabelecimento de padaria onde trabalha, avançando que estes últimos, há cerca de um ano volvido, a frequentavam em conjunto e para a mesma se deslocavam numa viatura branca, a dada altura tendo passado a utilizar um outro veículo. I… argumentou ter trocado uma viatura com o arguido B…, em razão do que ficou com um “Renault ..” branco de dois lugares que lhe pertencia, o mesmo ostentando uma mancha de fumo preto por cima do tubo de escape, do qual no entretanto se desfez.
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Em sede de pedido de indemnização civil, e para além de D…, foi arrolado como testemunha J…, marido desta, o qual depôs de forma fluente e sentida, perfilhando um discurso congruente e destituído de animosidade, donde, imparcial. Mereceu credibilidade por parte deste Tribunal. Advogou que, no dia do ocorrido, se confrontou com D… quando chegou do seu trabalho, a mesma lhe tendo contado que havia sido assaltada e mostrando-se chorosa e perturbada, tendo até sido chamados os Bombeiros, salientando que todos os dias a vai buscar à saída do trabalho e que insiste em falar sobre os documentos que lhe foram subtraídos, ainda que lhe seja dito que os mesmos não poderão voltar a ser utilizados por outras pessoas sem mais. Disse ser a sua mulher uma pessoa religiosa, anteriormente ao assalto sendo calma, e posteriormente a este, passando a comportar-se de forma ansiosa.
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Em sede de contestação oferecida pela arguida C…, foram arrolados como testemunhas K…, seu companheiro, e L…, ambos tendo abonado com foros de credibilidade o carácter daquela.
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Assim percorrida a prova testemunhal, revertamos aos demais elementos juntos aos autos, que, concatenados com aquela e com as máximas da experiência e da normalidade, contribuíram para a convicção formada por este Tribunal.
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Concatenaram-se os relatos de diligências externas, de fls. 84 e 85 e de fls. 141, decorrendo das mesmas o apuramento de um processo pendente contra o arguido B… no Tribunal Judicial da Comarca de Arouca, no âmbito do qual foi detido pela GNR em 27/12/12, entre o mais, lhe tendo sido apreendidos dois gorros passa-montanhas e “um isqueiro em forma de pistola” (sic, cfr. fls. 141), as certidões extraídas dos autos de inquérito n.º 389/12.9GAARC, de fls. 145 a 163, de fls. 156 constando o correspondente auto de apreensão e de fls. 157 e seguinte fotografias dos referidos gorros e isqueiro em forma de arma, e de fls. 310 a 314, de fls. 310 constando a informação da manutenção de tal apreensão, e a reportagem fotográfica de fls. 164 a 166, referente a fotografias coloridas dos mencionados objectos.
Atendeu-se à cota de fls. 70 e à informação prestada pela operadora “M...”, de fls. 71 a 73, em conformidade com as quais o n.º de telemóvel ………, conhecido nos autos como sendo o de D…, se encontrou a ser utilizado até 12/12/12, de fls. 73 constando, por referência ao IMEI ……………, conhecido nos autos por corresponder ao telemóvel utilizado por aquela, uma listagem de registo de n.º s de telemóvel, datas do primeiro e último registos, nomes e moradas, nesta se incluindo aquele n.º ………, com último registo em 11/12/12, o n.º ……… com primeiro e último registos, respectivamente, em 13/12/12 e em 14/12/12, associado ao nome do arguido B…, e o n.º ………, com primeiro e último registos, respectivamente, em 14/12/12 e em 20/01/13, associado ao nome da arguida C…, que se relacionaram com o auto de busca e apreensão de fls. 138 e reportagem fotográfica dos objectos apreendidos de fls. 139 e 140, em cujo âmbito se constata ter sido apreendido ao arguido B… um telemóvel em que utilizava o referido n.º ……….
Considerou-se a reportagem fotográfica de fls. 51 a 55, elaborada pela Directoria do Norte da Polícia Judiciária em conformidade com os depoimentos prestados em sede de investigação, em cujas imagens surtem retratados os locais de avistamento da viatura na qual os arguidos se fariam transportar (cfr. fotos n.º s 1, 3 e 4, de fls. 52), do percurso por onde D… seguiria no trajecto que regularmente fazia em direcção à sua casa (cfr. fotos n.º s 1 e 2, de fls. 52, e fotos n.º s 5 a 8, de fls. 53), do ilícito sobrevindo (cfr. foto n.º 9, de fls. 54, relacionada com as fotos n.º s 6 a 8, de fls. 53) e da posterior localização da marmita subtraída e suas imediações (cfr. fotos n.º s 10 e 11, de fls. 54, e fotos n.º s 12, relacionada com as fotos n.º s 10 e 11, de fls. 54, e 13, de fls. 55), a qual especialmente se sopesou com os autos de reconhecimento a locais de fls. 182 a 190 e de fls. 191 a 194, igualmente elaborados pela Directoria do Norte da Polícia Judiciária, e com a presença e o consentimento de ambos os arguidos, cuja assinatura nos mesmos manuscreveram, e em cujo âmbito os próprios indicam os locais percorridos na consecução do ilícito e demonstram o modo como este foi levado a cabo, pelo que, não cuidando do reconhecimento de pessoas ou objectos, serão aqueles de subsumir à reconstituição de facto prevista no art. 150.º do Código do Processo Penal (neste sentido, cfr. o Ac. do TRC de 17/11/10, in www.dgsi.pt).
Neste conspecto, cumpre notar constituir jurisprudência pacífica o entendimento de que “a reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio, sem que tal configure violação do art. 357.º do Código de Processo Penal” (cfr. o Ac. do STJ de 10/04/06, in www.dgsi.pt), tratando-se, pois, de “meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, isto é, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, conforme o art. 127.º do Código do Processo Penal” (cfr. o Ac. do STJ de 05/01/05, in www.dgsi.pt), sendo certo que a “circunstância de o arguido ter participado na reconstituição dos factos não tem o efeito de fazer corresponder esse acto a declarações suas para se concluir pela impossibilidade de valoração daquele meio de prova” (cfr. o Ac. do STJ de 14/06/06, in www.dgsi.pt), ademais não tendo sido, em estádio processual algum, questionada a legalidade do meio de prova em análise.
Ora, comparadas as imagens a que se reporta a referida reportagem fotográfica de fls. 51 a 55 com as imagens retratadas no auto de reconhecimento de locais de fls. 182 a 190, em que interveio o arguido B…, dúvidas inexistem quanto à circunstância de versarem sobre uma mesma e única realidade espacial, afigurando-se-nos manifestas as similitudes, exemplificativamente, entre a foto n.º 3 da reportagem, de fls. 52, e a foto n.º 1 do auto, de fls. 183, entre a foto n.º 2 da reportagem, de fls. 52, e as fotos n.º s 2 e 3 do auto, de fls. 183 e de fls. 184, entre a foto n.º 4 da reportagem, de fls. 52, e a foto n.º 4 do auto, de fls. 184, entre a foto n.º 5 da reportagem, de fls. 53, e a foto n.º 6 do auto, de fls. 185, e entre a foto n.º 8 da reportagem, de fls. 53, e a foto n.º 7 do auto, de fls. 186. Concomitantemente, temos por evidente que a foto n.º 1 da reportagem, de fls. 52, reproduz o local que, de forma mais aproximada, se detecta nas fotos n.º s 3 e 4, de fls. 193, do auto de reconhecimento de locais de fls. 191 a 194, em que interveio a arguida C…, assim como a foto n.º 5, de fls. 185, do auto de fls. 182 a 190, reflecte o local visível nas fotos n.º s 5 e 6, de fls. 193, do auto de fls. 191 a 194.
Restringiu-se este Tribunal, no que aos ditos dois autos concerne, às percepções objectivas que os mesmos integram, que não aos concretos contornos do envolvimento de ambos os arguidos na factualidade em apreço, sob pena de desvirtuamento do seu direito ao silêncio e de recurso a percepções que, embora exaradas nesses autos, se nos revelam, à míngua de qualquer elemento probatório idóneo à sua confirmação, mormente por parte dos inspectores da Directoria do Norte da Polícia Judiciária que participaram em tais diligências, subjectivas – assim, e exemplificativamente, no que respeita ao auto de fls. 182 a 190, em que interveio o arguido B…, “o arguido afirmou que (…) juntamente com a sua namorada C… (…) deslocaram-se à localidade de … (…), local onde controlaram a rotina da vítima (…)” (sic, cfr. fls. 182), “(…) fazendo-se deslocar na sua viatura (…) acompanhado pela namorada C…” (sic, cfr. fls. 184), “(…) onde foi recolhido pela sua namorada alguns metros mais a baixo, depois de a ter contactado telefonicamente” (sic, fls. 187), “de seguida e conduzido pela namorada (…) o arguido e a namorada abandonaram a carteira (…), onde voltaram mais tarde para os recolher” (sic, cfr. fls. 188 e 189), e, no que tange ao auto de fls. 191 a 194, em que interveio a arguida C…, “aguardando o toque de telemóvel” (sic, cfr. fls. 191) e “após o toque de telemóvel que recebeu do B… (…)” (sic, cfr. 191).
Perspectivados globalmente os dois autos vindos de dissecar com os demais elementos de prova carreados para os autos analisados – desde os relatos de diligências externas de fls. 84 e 85 e de fls. 141, as certidões extraídas dos autos de inquérito n.º 389/12.9 GAARC de fls. 145 a 163 e de fls. 310 a 314, e a reportagem fotográfica de fls. 164 a 166, quanto ao gorro passa-montanhas e ao objecto semelhante a arma de fogo apreendidos na posse do arguido dias volvidos sobre o evento nestes autos em questão, à informação prestada pela operadora “M…” de fls. 71 a 73, ao auto de busca e apreensão de fls. 138 e à reportagem fotográfica dos objectos apreendidos de fls. 139 e 140, no que contende com o n.º do telemóvel utilizado por D… e respectivo IMEI, e posterior uso pelo arguido B… do seu n.º de telemóvel por referência ao mesmo IMEI no dia subsequente ao referido evento, e pela arguida C… a partir de 14/12/12 – e com a prova testemunhal produzida, imperiosa se nos prefigura a ilação de que o arguido B… foi o autor do ilícito descrito por D… e de que a arguida C… – considerada a fronteira da prova susceptível de valoração nesta sede –, como sua cúmplice actuou.
Realce-se, ainda, que a comissão, por parte desta, do crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal, demonstrada que quedou, assentou, não apenas na informação prestada pelo IMTT, de fls. 346, e em concordância com a qual a mesma arguida não se encontra registada como sendo titular de carta de condução, mas na sua conjugação com as preditas percepções objectivas plasmadas no auto de reconhecimento de locais de fls. 191 a 194, em que interveio a arguida C…, neste se mostrando retratada, nas fotos n.º s 5 e 6, de fls. 193, a descrição da marcha do veículo como tendo “(…) [seguido] no sentido descendente da via, que liga ao …” (sic, cfr. 191), e, nas fotos n.º s 7 a 9, de fls. 194, a descrição da marcha do veículo “(…) ao entrar no …, junto de um portão de ferro de acesso a uma quinta” (sic, cfr. fls. 191). Queremos com isto significar que, pese embora a arguida em causa, no âmbito do auto em crise, haja admitido ter conduzido na via pública, a consabida viatura, a essa conclusão – repetimo-lo, à míngua de qualquer elemento probatório idóneo à sua confirmação, mormente por parte dos inspectores da Directoria do Norte da Polícia Judiciária que participaram em tal diligência – sempre chegaríamos por apelo a ditames de lógica e de experiência comum, dada a inexistência de qualquer outra pessoa, que não os dois arguidos, comprometida com os factos.
Ponderaram-se, por fim, os CRC dos arguidos C… e B…, respectivamente, de fls. 378 e de fls. 379 a 392, assim como os relatórios sociais elaborados com relação a ambos, respectivamente, de fls. 435 a 440 e de fls. 413 a 432 verso. “
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São as seguintes as questões a apreciar:
- erro notório na apreciação da prova, insuficiência de prova e princípio in dúbio pro reo;
- qualificação jurídica do crime de roubo
- medida da pena (atenuação especial e suspensão da pena)
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor: “é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Destes o recorrente nenhum suscita o erro notório na apreciação da prova que será ponderado.
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Impugnação da matéria de facto.
Nos termos do n.º 1 do art.º 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito, e podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto artº 431º CPP), pela via da “ revista alargada” dos vícios do artº 410º2 CPP (supra) e através da impugnação ampla da matéria de facto regulada pelo artº 412º CPP.
Na revista alargada está em causa a apreciação dos vícios da decisão, cuja indagação tem de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos á decisão, como os dados existentes nos autos ou resultantes da audiência de julgamento (cfr. Maia Gonçalves, CPP Anotado, 10 ª ed. pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal Vol III, verbo 2ª ed. pág. 339, e Simas Santos et alli, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. pág. 77)
No 2º caso - impugnação ampla - a apreciação da matéria de facto alargasse á prova produzida em audiência (se documentada) mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhes é imposto pelos nºs 3, 4 do artº 412º CPP, nos termos dos quais:
“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas;
4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº2 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
………
6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

Todavia há que ter presente que tal recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um remédio para eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pelo recorrente e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para essa reapreciação o tribunal verifica se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e em caso afirmativo avalia-os e compara-os de molde a apurar se impõem ou não decisão diversa (cfr. Ac. STJ 14.3.07, Proc. 07P21, e de 23.5.07, Proc. 07P1498, in www. dgsi.pt/jstj).
A especificação dos “concretos pontos de facto” constituem a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados,
e as “concretas provas” consistem na identificação e indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida, e
havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação;
Mas o Tribunal pode sempre apreciar outras que ache relevantes (nº 4 e 6 do artº412º CPP)

Todavia o conhecimento da prova indicada pelo recorrente está limitado à sua concreta indicação (e/ou transcrição) na medida em que o recorrente delimita desse modo a impugnação e o conhecimento, delimitação que o STJ através do nº Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012 in DR 18/4/2012 legitima “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”
Mas mesmo essa reapreciação, como assinala o STJ ac. de 2.6.08, no proc. 07P4375, in www.dgsi.pt. Relator Juiz Conselheiro Raul Borges sofre as limitações consistentes nas que decorrem
- da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo como assinalado o conhecimento aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, e
- da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; e resultam
- de a análise e ponderação a efectuar pela Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita á averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de
- o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art. 412º) (cfr. também o Ac. RLx de 10.10.07, no proc. 8428/07, em www.dgsi.pt/jtrl), e não apenas a permitirem;

Acresce, em consonância com o descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância, limita-se a controlar o processo de formação da convicção decisória da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/ fundamentação da decisão, e
neste recurso de impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não vai à procura de uma nova convicção - a sua - mas procura saber se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado na prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugados com as regras da experiencia e demais prova existente nos autos (documental, pericial etc..) e,
em face disso, obviamente o controlo da matéria de facto apurada tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, mas não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, tendo presente que como expressa o Prof. Figueiredo Dias, in Dto Proc. Penal, 1º Vol. Coimbra ed. 1974, pág. 233/234, só aqueles princípios da imediação e da oralidade “… permitem …avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.
Mesmo assim a apreciação que o tribunal pode fazer está condicionada á concreta passagem gravada indicada pelo recorrente na motivação e na transcrição que efectua, pois não pode reapreciar toda a prova como se de um 2º julgamento se tratasse;

Só que o recorrente parecendo querer impugnar a matéria de facto provada com base na prova gravada, vem a final a questioná-la apenas com base no erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo e insuficiência de prova.
Na verdade, impondo-lhe o 412º CPP o ónus de especificação:
Dos concretos pontos de facto, o arguido recorrente não o faz e remete para todos os factos provados (nºs 1 a 29), sem indicar aqueles que efectivamente impugna;
Das concretas provas, o arguido de igual modo não o faz, pois não indica para cada facto a prova que imporia decisão diversa, tal como fazendo referencia á gravação, não indica concretamente as passagens em que se funda a impugnação em relação a cada prova, e procede apenas à transcrição das declarações da ofendida.
Questiona por isso a matéria de facto provada, com base na insuficiência de prova, por considerar insuficiente as declarações da ofendida e por em face de os demais depoentes não terem presenciados os factos, e serem depoimentos indirectos “por ouvir dizer” ter ocorrido erro notório e violação do princípio in dubio pro reo.

Manifestamente o recorrente labora em erro, pois a convicção do tribunal e os meios de prova de que se serviu para formar a sua convicção quanto aos factos provados, se baseou em mais prova do que a indicada pelo recorrente, como da fundamentação consta, prova essa qua não é questionada, pelo que a impugnação mesmo que devidamente formulada estaria votada ao insucesso, sendo que os depoimentos questionados como sendo indirectos ou por ouvir dizer não se demonstra que o sejam e não o são, estando devidamente explicitados na fundamentação sobre o que viram ou ouviram;
Por outro lado, a invocada “insuficiência da prova” para decidir, é irrelevante como fundamento da alteração da matéria de facto (cf. Ac. STJ 9/12/98 BMJ 482, 68), pelo que com tal fundamento, que em lado algum se demonstra, não pode ser alterada a matéria de facto no sentido proposto pelo recorrente

Invoca o recorrente o “erro notório na apreciação da prova” mas este é aquele erro ostensivo, o erro que é de tal modo evidente que não possa passar despercebido ao comum dos observadores, “como facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório” Ac. STJ 6/4/94 CJ STJ II, 2, 186), ou “não escapa á observação do homem de formação média” Ac. STJ 17/12/98 BMJ 472, 407, quando procede á leitura do acórdão ou “… quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” (G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol., 3ª ed. 2009, pág. 336, ou ainda “… quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional ou lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis ...” (Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 740)
No fundo, quando “…no texto e no contexto da decisão recorrida, …existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável…” Ac. STJ de 9/2/05 - Proc. 04P4721 www.dgsi.pt, e essa “… incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum” cf., também neste sentido, entre muitos outros, podem-se ver os Ac. do STJ de 13/10/99 CJ STJ III 184, e de 16/6/99 BMJ 488/262; ou ainda quando “…resulta que se deram como provados factos que para a generalidade dos cidadãos se apresente como evidente que não poderiam ter ocorrido ou são contraditados por documentos que façam prova plena e não tenham sido arguidos de falsos. Ou, no aspecto negativo, que nessas circunstâncias, tenham sido afastados factos que o não deviam ser. O toque característico do conceito consiste na evidência, na notoriedade do erro, facilmente captável por qualquer pessoa de média inteligência, sem necessidade de particular exame de raciocínio mental.”- Ac. STJ 22/3/2006 www.dgsi.pt/jstj Cons. Silva Flor
O recorrente alega tal erro mas em momento algum o demonstra ou se esforça para o fazer, tal como deve ser interpretado, nem vista a decisão, ele se vislumbra, pelo que também como fundamento para modificação da matéria de facto não pode ser acolhido.

A analise da violação do principio in dubio pro reo e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, como modo para a alteração da matéria de facto.
Tal princípio in dubio pro reo, (como corolário do principio da livre apreciação da prova), ínsito no princípio da inocência do arguido, verifica-se quando o tribunal opta por decidir, na dúvida, contra o arguido – cfr. Ac STJ 19/11/97, BMJ, 471.º-115, e STJ 10/1/08 in www.dgsi.pt/jstj Proc. nº 07P4198 no qual se expressa que:
“IV- Não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu – «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997. Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, pág. 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, pág. 13)». E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação, não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo...”.
Ou ainda na fase recursiva:
Ac. STJ 17/4/08 www.dgsi.pt/jstj proc. 08P823 rel. Juiz Conselheiro Pires da Graça “I- A violação do principio in dubio pro reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um principio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artº 410º nº2 do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar á conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido – pela prova em que assenta a convicção”.
Ora em lado algum se demonstra que o tribunal na dúvida, optou por decidir contra o arguido ou que o Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, escolheu a tese desfavorável ao arguido (Ac. do STJ de 27/5/1998, BMJ nº 477, 303), pelo que não se vislumbra a ocorrência de tal vício ou erro (que teria de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiencia), pois que a dúvida que possibilita a aplicação do princípio in dubio pro reo, é uma dúvida insanável: por não ter sido possível ultrapassar o estado de incerteza após aplicação de todo o empenho e diligência no esclarecimento dos factos; dúvida razoável: sendo uma dúvida séria, racional e argumentada; e dúvida objectivável: porque justificável perante terceiros excluindo as dúvidas arbitrárias ou as meras conjecturas ou suposições), o que não ocorreu no presente caso por parte do tribunal, sendo que como expressa o Ac. R.P. 29/4/2009 proc. 89/06.9PAVCD.P1 “… o principio in dubio pro reo é, … uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido”.
Não existindo essa duvida por esta via não é possível alterar a matéria de facto.
Improcede assim a questão suscitada visando a alteração da matéria de facto.
+
- qualificação jurídica do crime de roubo
Alega o recorrente que o crime de roubo praticado não é qualificado, pois que não ocorre a agravante “ trazer arma aparente ou oculta” e o valor apropriado é diminuto pelo que afasta qualquer qualificativa.

O Tribunal recorrido, expressa-se do seguinte modo:
“Dispõe o art. 210.º, n.º 1 do Código Penal que quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. Acrescenta o seu n.º 2 que a pena é a de prisão de três a quinze anos se (…) se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos números 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo, no caso concreto importando atender ao quanto estatui aquele n.º 2 do art. 204.º, este se atendo à agravante relacionada com a detenção, por ocasião da perpetração da subtracção, de arma aparente ou oculta, prescrevendo, por seu turno, o referido n.º 4 que não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor, o mesmo é dizer, em observância à al. c) do art. 202.º do mesmo Código, de valor que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto.
*
Não obstante constar a incriminação vertente do Título II do Código Penal, atinente à criminalidade contra o património, estamos perante um crime dito complexo, uma vez que a respectiva tipicidade se reporta não apenas à ofensa da propriedade, mas também à lesão de bens jurídicos iminentemente pessoais, maxime, a vida e a integridade física. No que diz respeito ao tipo objectivo de ilícito, alude o preceito em questão à subtracção de coisa móvel alheia por parte do agente, ou constrangimento no sentido de esta lhe ser entregue, assim como refere o correspondente meio de execução – o uso de violência, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou a colocação da vítima em estado que determine a sua impossibilidade de reacção perante os factos. Em concreto, haverá violência quando se assista ao emprego de força física, ameaça sempre que exista coerção moral e determinação de impossibilidade reactiva da vítima na hipótese de esta, à custa de processos físicos ou psíquicos, se quedar em situação de disponibilidade relativamente aos propósitos do perpetrador, pela incapacidade de aos mesmos se opor. Preenche-se o correspondente elemento subjectivo com a ilegítima intenção de apropriação, que se pode traduzir como “a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des) apropriar terceiro” (Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, II, Coimbra Editora, 1999, 33).
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Da prova produzida, resultou que, pelo menos o arguido C… decidiu que iria abordar D… e, mediante a exibição de objecto semelhante a arma de fogo, obrigá-la contra a sua vontade a entregar-lhe todos os bens e quantias em dinheiro que trouxesse consigo, com a intenção de os fazer seus, para o que apurou dos seus hábitos de deslocação e horários, levando por diante o seu plano cerca das 17:00 horas do dia 12/12/12, ocasião em que, saído de uma zona de mata, surpreendeu D… no trajecto que esta percorria sozinha a pé. Igualmente se apurou que, apontando na direcção da mesma um objecto semelhante a arma de fogo, lhe ordenou a entrega da carteira que trazia ao ombro, ao que aquela ainda reagiu, mas sem êxito, tendo o referido arguido agarrado nessa carteira e encetado a fuga pela referida mata, deste modo se apoderando da mesma e dos bens transportados no seu interior. Logrou ainda a adesão da prova que, em ordem a deslocar-se de e para o local onde perpetrou o ilícito, o arguido B… se serviu de veículo automóvel de marca e modelo “Renault ..”, onde também se fazia transportar a arguida C…, o qual foi imobilizado no cruzamento que liga o … aos … e de …, junto do conjunto habitacional aí existente, tendo aquela última permanecido no seu interior e o primeiro seguido apeado, após o sucedido tendo sido recolhido pela referida arguida, conduzindo a viatura descrita, na qual entrou trazendo a mencionada carteira e respectivo conteúdo, objectos que fez seus.
Apurou-se que ambos os arguidos assim agiram, sabendo o arguido B… que, ao exibir e apontar na direcção de D… objecto semelhante a arma de fogo, ao mesmo tempo que lhe ordenava que lhe entregasse a carteira que trazia, a forçava, contra a sua vontade, a ficar desapossada da mesma e do quanto no seu interior transportava, ciente de não se tratar de coisa sua e de que esse apoderamento não consubstanciava a vontade da aludida D…, o que quis e logrou, e sabendo a arguida C… que a carteira que o arguido B… trazia consigo ao reentrar no identificado veículo lhe não pertencia e que, ao dirigir-se ao seu encontro e recolhê-lo, possibilitando que se ausentasse daquele local, o auxiliava materialmente no cometimento de crime, do que se encontrava ciente, sem prejuízo do que assim agiu, mais não tendo comunicado às autoridades policiais o sucedido, o que quis e logrou, o que fizeram de forma livre, deliberada e consciente, donde, animada de dolo directo.
Dúvidas inexistem, pois, quanto ao comprometimento do arguido B… como autor material do ilícito em crise, restando caracterizar juridicamente a intervenção da arguida C… nesse feito. Sendo certo que a acusação pública igualmente lhe imputa a autoria do crime em causa, preconizando a tese da co-autoria na consecução do evento, somos a entender, face à factualidade que logrou a adesão da prova, ter-se a mesma quedado pela cumplicidade, na precisa medida em que não se descortinou com a necessária segurança – ainda que assim o intuamos – que nomeadamente tenha executado o facto ou tomado parte directa na sua execução, antes se nos prefigurando que dolosamente prestou auxílio material à prática por outrem, no caso concreto pelo arguido B…, de facto doloso, na precisa medida em que consideramos não se lhe pode assacar “o domínio funcional do facto sobre a base de um acordo comum” (cfr. o Ac. do TRC de 29/10/10, in www.dgsi.pt).
Repristinando, para a dilucidação destes conceitos, a doutrina mais avalizada, “a linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la”, reconduzindo-se a cumplicidade a uma forma de comparticipação secundária na comparticipação criminosa, e num “duplo sentido: de dependência na execução do crime ou começo de execução e de menor gravidade objectiva, na medida em que não é determinante da prática do crime (o crime seria sempre realizado, embora eventualmente em modo, tempo, lugar ou circunstâncias diversas” (cfr. Germano Marques Da Silva, Direito Penal Português, II, Verbo, 1998, 279 e 291). Deste modo, a atenta a factualidade apurada nos autos, suscitando-se-nos reservas sobre o carácter determinante da participação da arguida C… na comissão do ilícito e acerca do seu domínio funcional do facto, mormente cabendo equacionar a possibilidade de o ilícito sempre se vir a realizar, ainda que em circunstâncias diversas, já dúvidas não nos assaltam quanto à circunstância de ter auxiliado o autor, ou seja, o arguido B…, na sua comissão, pois que, tendo ido ao seu encontro na viatura em crise, para o interior da qual o mesmo entrou com uma carteira que aquela sabia não lhe pertencer, o que, de resto, sucedeu posteriormente a ambos se terem deslocado até determinado local, seguindo o arguido B… marcha apeado, enquanto que aquela ficava no seu interior, não podia ignorar a incursão do referido arguido na prática do crime, sem prejuízo do que conjuntamente abandonaram o lugar, sem que a arguida C… houvesse, por alguma forma, actuado contrariamente aos propósitos do ilícito, nomeadamente dando conhecimento do sucedido às autoridades policiais. Donde, e salvo melhor opinião, tão só a cumplicidade, que não a verdadeira co-autoria, resultou demonstrada. “ donde não se pronuncia expressamente sobre a questão suscitada.

Assim se quanto ao valor dos bens subtraídos, que motivaria a desqualificação do crime de roubo (nº 4 do artº 204 ex vi artº 210º2b) CP, se verifica que não ocorre tal desqualificação, pois que o valor dos bens ascende a 125,00€, sendo por isso superior à unidade de conta à data dos factos: Dez/2012 (102,00€), já quanto à questão da arma se se tratava de uma questão discutida, afigura-se-nos que hoje é objecto de alguma uniformidade jurisprudencial.
Resulta dos factos provados que os arguidos fizeram uso de “um objecto semelhante a arma de fogo” (nº 5 dos factos provados), e por isso a questão a averiguar é a de saber se para a qualificação do crime pela circunstancia de uso de arma, previsto no artº 204º 2 f) ex vi artº 210º2 b) CP) é necessário estarmos perante uma verdadeira arma ou basta a aparência dela, no sentido de “ parecer” ou ser semelhante a uma arma.
Como tivemos oportunidade de salientar no rec. 1208.08.6GAVCD.P2 sobre tal questão a “ Jurisprudência mesmo do STJ divergiu e teve alguma hesitação, como anota o ac. 18/3/98 Cons Lopes Rocha, in www.dgsi.pt/jstj:
“II - A Jurisprudência do STJ não se tem mostrado uniforme quanto a constituir ou não a circunstância agravativa da alínea f) do artigo 204 do CP, "ex vi" do artigo 210 n.º 2 do mesmo diploma legal, a utilização, na prática do crime de roubo, de uma arma aparente, tal como a pistola de alarme.”
Assim é que:
o STJ ac. 30/7/86 BMJ 359º 411, entendeu que apesar de um revolver se encontrar insusceptível de disparar projecteis não é arma de fogo para os fins da al., a) do nº3 do artº 306º CP 1982, mas “constitui um meio de agressão, cabendo… no conceito de “arma” utilizado na al. a) do nº2 daquela norma”, qualificando o roubo,
e a R. Porto ac. de 6/5/87 BMJ 367, 570, considerou que de igual modo agrava tal crime o uso de uma arma de fogo descarregada, e
“Integra a prática do crime de roubo qualificado, do artº 306º nº1 e 2 alça) 1ª parte do C. Penal de 1982, a utilização de um isqueiro em forma de pistola, apontado á cabeça dos ofendidos, a quem foi criada a convicção de que se tratava de verdadeira arma de fogo …” Ac. STJ 11/5/94 proc 46064, in Jurisprudência Penal, Simas Santos et alli, 1995, Rei dos Livros, pág. 576, e
O certo é que se começou a gerar alguma uniformidade, sendo hoje, cremos, predominante no STJ o entendimento de que o conceito relevante de arma é aquele que decorre da própria natureza e da definição legal do artº 4º DL 48/95: “Para efeitos do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou possa ser utilizado para tal fim”
Por isso:
“III - As pistolas de alarme, quer pela sua função quer pelo material de que são feitas, não integram o conceito de arma, hoje com definição na própria lei (artigo 4 do DL n.º 48/95 de 15 de Março de 1995).
IV - O uso de uma pistola de alarme, por forma a criar no ofendido a ideia de tratar-se de uma arma de fogo, é suficiente para consubstanciar a ameaça de perigo eminente, elemento típico do crime de roubo (simples) mas é facto atípico para o efeito de qualificação” mesmo Ac. 18/3/98
No Ac. STJ 4/6/98 www. dgsi.pt/jstj Cons. Nunes da Cruz:
I - O que está na base da agravação prevista na alínea f), do n. 2, do artigo 204, do Código Penal, é o perigo objectivo da utilização da arma (aparente ou oculta), determinando uma maior dificuldade de defesa e de maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz. Ora, para que tal perigo se verifique, objectivamente, é necessário que o agente esteja munido de uma arma eficaz.
II - Para tal efeito, portanto, uma simples pistola de plástico (tal como um spray de limpeza da viseira de capacetes, de nula nocividade para as pessoas), ainda que exibida à vista, na medida em que não tem potencialidade alguma para produzir disparos nem aptidão ofensiva para, normalmente, causar ofensas físicas, não pode considerar-se uma arma, nem mesmo quando provoca, na vítima, o receio (subjectivo) de poder ser ofendida na sua integridade física.
III - Porém, não sendo arma, para efeitos da qualificação do crime de roubo, a pistola de plástico, se tiver a aparência de uma verdadeira e, por isso, tiver infundido medo na vítima, não deixa de constituir um meio de intimidação idóneo a colocá-la na impossibilidade de resistir e, assim, a constrangê-la à entrega do dinheiro, pelo que o agente comete o crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210, n. 1, do Código Penal.”
Ac 23/10/97 in www.dgsi.pt/jstj Cons Bessa Pacheco:
“I - Uma pistola de alarme não se insere na definição de arma de fogo, já que só se pode considerar como tal o objecto que, através de um dispositivo de deflagração próprio, é susceptível de lançar à distância um projéctil, geralmente perfurante.
II - Porém, tal pistola tem de ser considerada arma para o efeito do crime de roubo cometido mediante a sua utilização poder ser punido nos termos do artigo 306 do Código Penal de 1982 ou do artigo 210 ns. 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204 n. 2, alínea f), ambos do CP de 1995.”
Ac STJ 28/5/98 in www.dgsi.pt/jstj Cons Garcia Guimarães:
I - As pistolas de alarme - quer pela sua função quer pelo material de que são feitas - não integram o conceito de arma, hoje com definição na própria lei.
II - Não se alcança que no conceito de arma, tal qual é definido no artigo 4 do Decreto-Lei 48/95, se possibilite descortinar outro significado que não seja o de instrumento apto para desencadear o efeito agressivo que dele é próprio para o qual adequado seja.
E esse tem de ser o conceito que subjaz à qualificativa da alínea f) do n. 2 do artigo 204, retomando também, como vertente agravativa, na alínea b) do n. 2 do artigo 210 subsequente.
III - Não qualifica o crime de roubo o ter este sido cometido com ameaça de uma pistola de alarme.”
E neste acórdão se escreve, posicionando a questão nos seguintes termos:
“Tal questão não é nova nem é liquida, como bem o ilustra um recente Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça (o de 18 de Março de 1998, proferido no processo n. 1461/97, 3. Secção, 1. Subsecção) aresto do qual se acha por bem transcrever o seguinte:
"Aqui, temos de atender à jurisprudência deste Supremo Tribunal que não se tem mostrado uniforme.
Assim, no recente Acórdão de 3 de Julho de 1997, entendeu-se que a utilização de uma pistola de alarme, fazendo crer ao ofendido que se tratava de uma arma de fogo, qualifica o crime de roubo nos termos do artigo 210, n. 2, alínea b), conjugado com o artigo 204, n. 2, alínea f), ambos do Código Penal
Em contrapartida, no Acórdão de 11 de Junho de 1997, processo n. 396/97, entendeu-se de maneira oposta escrevendo-se: "Se uma pistola de alarme constitui ou não o facto qualificativo arma é uma questão objecto de controvérsia. Para uns a qualificativa é de ordem subjectiva e enraiza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima; segundo outros a qualificativa é de ordem objectiva por representar uma maior dificuldade de defesa e um maior perigo para o ofendido e para quem acorra em seu socorro, além de revelar maior perigosidade do agente, pois, como refere Luís Osório, Notas ao Código Penal Português, IV, 2. Edição, página 86, em regra quem traz arma é para dela se servir".
E prossegue o mesmo acórdão:
"Cremos que no nosso Direito - agora, segundo qualquer das referidas versões do actual Código Penal, tal como já anteriormente no Código Penal de 1886 (artigos 426, n. 1 e 434 n. 1) - pela circunstância da lei ter sempre integrado na qualificativa tanto as armas aparentes (trazidas à vista) como as ocultas (não apercebidas pelo ofendido e consequentemente destituídas de efeito intimidativo) não deve hesitar-se em classificar a qualificação como de ordem objectiva (neste sentido veja-se, por exemplo, a palavra autorizada de Luís Osório, loc. cit. e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 1950, de que nos dão notícia Vitor Faveiro e Laurentino da Silva Araújo, Código Penal Português Anotado, 6. Edição, Coimbra Editora, 1969, página 747, segundo o qual um roubo cometido só com um revólver simulado não pode considerar-se como cometido com arma e assim qualificado).
Ora as pistolas de alarme - quer pela sua função quer pelo material de que são feitas - não integram o conceito de arma, hoje com definição na própria lei...".
Revela ainda o acórdão que vimos citando:
"Entre os autores, a polémica, nos termos expostos, também existe.
Assim, para Leal Henriques e Simas Santos, em comentário à alínea f) do n. 2 do artigo 204 "Esta alínea abrange tudo o que possa ser usado como instrumento eficaz de agressão, portanto, quaisquer armas, quer as próprias (as destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas), quer as impróprias (todas as que tem aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos). O porte aparente ou oculto de arma que facilite a execução do crime ao tornar o agente mais audaz e criar também maiores dificuldades de defesa ao ofendido.
Já foi objectado que se a vítima não vê a arma não pode esta contribuir para vencer a sua resistência própria ou física (Carlos Codeço, op. citada, 199). Por nossa banda entendemos que, mesmo aí, objectivamente, as possibilidades de defesa estão diminuídas, o que basta para funcionar a agravante.
Não é necessário que o agente se sirva da arma, mas ao trazê-la deve estar predisposto a usá-la se necessário".
E anota:
"Nalguma doutrina francesa e a propósito do artigo 311-8, do Código Penal em vigor (furto agravado) cometido quer com uso ou ameaça de uma arma quer por pessoa portadora de arma sujeita a autorização ou cujo porte é proibido, entende-se que pode tratar-se de uma arma por destinação (objecto perigoso, utilizado para matar, ferir ou ameaçar) ou mesmo de uma arma ficticia que apresente uma semelhança susceptível de criar uma confusão (como uma pistola de alarme ou uma pistola ficticia) - Cfr "Code Pénal Commente"... Dalloz, página 538.
Também em comentário ao referido artigo se diz no "Code Pénal - Nouveau Code Pénal, Ancien Code Pénal", da Dalloz, 1995-96 que "os factos que justificam as questões relativas à circunstância agravante do furto, do porte de uma arma aparente ou oculta prevista pelo artigo 384 do antigo Código Penal, entrou também na definição nova da circunstância de ameaça ou de uso de armas que agrava o furto, prevista pelo artigo 311-8 do novo Código Penal, cujas disposições menos severas se aplicam aos factos praticados anteriormente à sua entrada em vigor no dia 1 de Março de 1994" (ob cit, página 111).
No artigo 384 do anterior Código, o furto agravado pelo porte de uma arma aparente ou oculta era punido com reclusão criminal perpétua. E havia jurisprudência no sentido de que uma "pistola de alarme", na posse do agente de um furto, constituía, desde logo, independentemente do uso que dela tivesse sido feito, a circunstância agravante prevista no texto do mesmo artigo (ob cit., página 1958).”
Ac. 10/5/2006 in www.dgsi.pt/jstj Cons Silva Flor:
“I - A expressão «arma aparente» contemplada na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP nada tem a ver com o que «aparenta» ser uma arma; surge em contraposição a «arma oculta», como aquela que aparece, que se pode ver.
II - A apontada circunstância qualificativa pressupõe um perigo objectivo emergente das características da arma como instrumento de agressão, sendo irrelevante que tenha sido ou não criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime. Aliás, a vítima pode nem se aperceber da detenção da arma pelo agente.
III - Por isso, tendo-se apenas provado que os arguidos, na execução do crime de roubo, utilizaram «um objecto similar a uma arma de fogo, cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada», não podia o tribunal concluir pelo preenchimento daquela qualificativa.
IV - A tal não obsta a circunstância de a exibição do mencionado instrumento pelos arguidos, acompanhada pelas ameaças proferidas, ter sido decisiva para o desencadear do medo que levou as ofendidas a não oferecerem resistência à subtracção do dinheiro existente na estação dos correios, que apenas releva no âmbito do n.º 1 do art. 210.º do CP, como forma de violência contra as ofendidas”
Adiantando no respectivo texto que: “A jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal tem sido no sentido de considerar que a circunstância de o agente ser portador de uma pistola simulada ou de uma pistola de alarme não qualifica o roubo nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º ─ acórdãos de 17-01-2002, proc. n.º 3132/01, 19-11-2003, proc. n.º 3272/03, e de 24-11-2005, proc. 2755/05, entre outros.”
Ac 4/11/2004 in www.dgsi.pt/jstj Cons Santos Carvalho:
“1- Como não se provou que o arguido trouxesse uma arma, mas um objecto que pareceu ao ofendido ser uma arma de fogo, o roubo não é qualificado pela circunstância da al. f) do art.º 204.º do CP, uma vez que "arma aparente" não é o objecto que "aparenta" ser uma arma, mas aquela que é exibida perante a vista do ofendido (por oposição a "arma oculta"). …”
Ac. 21/3/2007 in www.dgsi.pt/jstj Cons Soreto de Barros:
“I - O STJ tem vindo a decidir que «a circunstância qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP pressupõe um perigo objectivo emergente das características da arma como instrumento de agressão, sendo irrelevante que tenha sido ou não criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime. É uma manifestação de perigosidade do agente; a vítima pode nem sequer se aperceber da detenção da arma pelo agente, situação que será até a comum na perpetração dos crimes de furto. Por isso, não importa para o efeito de preenchimento da apontada qualificativa a circunstância de o arguido ter utilizado “um objecto com forma, cor e aspecto de uma arma de fogo verdadeira”, embora, no caso, a exibição do referido instrumento pelo arguido tivesse sido decisiva para o desencadear do medo que levou os ofendidos a não oferecerem resistência à subtracção dos objectos de que foram desapossados. Mas tal releva tão-somente no âmbito do n.º 1 do art. 210.º do CP, como forma de violência contra os ofendidos” (cf. Ac. do STJ de 18-05-2006, Proc. n.º 1170/06, citando, no mesmo sentido, os Acs. do mesmo Tribunal de 26-03-1998, Proc. n.º 1293/97, de 20-05-1998, Proc. n.º 261/1998, de 17-01-2002, Proc. n.° 3132/2001, de 19-11-2003, Proc. n.º 3272/2003, e de 23-02-2005, Proc. n.º 4443/04). E, em sentido idêntico, poderiam ainda citar-se, a título de exemplo, os Acs. do STJ de 10-05-2006, Proc. n.º 962/06, de 04-05-2006, Proc. n.º 1187/06, de 25-10-2006, Proc. n.º 3042/06, de 09-03-2006, Proc. n.º 272/06, de 22-02-2006, Proc. n.° 105/06, e de 18-03-1998, Proc. n.º 1461/97.
II - Face a esta jurisprudência, conclui-se que, no caso [em síntese: os arguidos, para melhor alcançarem os seus intentos – de, sob ameaça de atentarem contra a integridade física ou mesmo a vida, coagirem as vítimas a entregarem-lhes dinheiro – muniram-se de uma arma de alarme, com forma de pistola, de acção simples, funcionando por actuação do percursor, sendo réplica de uma Walter PPK/S 380 ACP] se não verifica a circunstância qualificativa de “trazer o agente, no momento do crime, arma aparente ou oculta” (al. b) do n.º 2 do art. 210.° do CP, e al. f) do n.º 2 do art. 204.° do mesmo diploma), isto sem embargo de se ter por assente que os ofendidos “só lhos entregaram [os bens] sob a ameaça de uma pistola”, embora daquela concreta réplica de pistola”
Ac. 20/9/2007 in www.dgsi.pt/jstj Cons Souto de Moura:
“I - Em sede de roubo agravado, a qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP só deverá operar se se tiver usado mesmo uma arma e não um mero simulacro de arma. O instrumento usado terá então que constituir um perigo objectivo, daí decorrendo ser a qualificativa também de ordem objectiva.
II - Tal posição é defendida em face, por um lado, do conceito de arma, que reclama uma aptidão real do objecto usado – cf. art. 4.º do DL 48/95, de 15-03 – e, por outro lado, porque o medo ou a intimidação sentida pela vítima podem ser considerados no elemento “violência” típico do roubo.
III - Em consequência, “uma réplica de arma de fogo tipo Walther P 99” ou “uma pistola em plástico de cor preta”, sendo objectivamente inofensivas não podem agravar o roubo.”
Ac 27/10/2010 in www.dgsi.pt/jstj Cons. Armindo Monteiro:
I - O legislador define o conceito de arma no art. 4.º do DL 48/95, de 15-03, enquanto instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja usado como meio de agressão ou que possa ser usado para tal fim.
II - Numa visão sistémica e integrada do entrelaçado de normas de que a requalificação pretendida não prescinde, particularmente do art. 210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, o legislador, que expressa de forma clara, em princípio, no texto da lei, o seu pensamento, ao referir-se ao uso de arma, de forma visível ou encoberta, a esse elemento da acção típica do crime de roubo qualificado pela remissão operada para o art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, fá-lo em sentido técnico, enquanto instrumento com a aptidão e a virtualidade que ressalta do art. 4.º da Lei 48/95, de 15-03, para ferir ou agredir.
III - A qualificativa assenta na maior vulnerabilidade do visado ao agente, que, ao usar da arma, coloca a vítima numa situação de maior indefesa, de maior perigo, denotando ousadia e audácia para consumação do crime, reclamando, por isso mesmo, face a um “plus” de culpa e ilicitude, uma punição agravada, quando comparativamente com o roubo simples.
IV - O crime de roubo assume natureza pluriofensiva fusionando-se no tipo, através de uma síntese normativa, conseguida através da reunião de preceitos protegendo interesses patrimoniais e pessoais, como a vida, a integridade física e a liberdade de circulação, que sobrelevam sobre os primeiros. O modus faciendi do crime de roubo reconduz-se ao denominado delito de execução vinculada obedecendo a sua consumação a comportamentos predeterminados, em jeito de numerus clausus, sob a forma – art. 201.º, n.º 1, do CP – de violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou colocação na impossibilidade de resistir, levando, contra a vontade do ofendido, à deslocação patrimonial de coisa móvel para o agente ou terceiro.
V - Mas repousando a agravação punitiva na maior perigosidade que para a vítima representa o porte de arma no momento do crime, importa que se trate de instrumento efectivamente produtor daquele risco, o que não sucede quando o agente usa de uma réplica de arma de fogo, de um revólver, porque em tal caso o que transparece da sua posse não é o propósito de atentar contra a vida ou integridade física de outrem.
VI -De um ponto de vista do destinatário, subjectivo, o uso desse instrumento, pode gerar-lhe, e gera normalmente, a impressão de que aqueles valores são colocados em perigo, porque desconhece a natureza do instrumento, ligando-lhe, sem reservas, os efeitos, que, como é usual e natural, ao homem médio, dele derivam, não sendo razoável, proporcionado ou justo que, para protecção de interesses pessoais e em nome da prevenção geral, se exigisse mais do que a aparência de arma.
VII - Mas se atentarmos que a agravação radica numa maior culpa e ilicitude do agente do crime, e que, em caso algum, a culpa pode ser ultrapassada por necessidades de prevenção – art. 40.º, n.º 2, do CP –, as coisas deverão ser analisadas à luz de outro enquadramento, que descendo do conceito irrestrito de arma o cinja, ao invés, a instrumento que, de acordo com a sua normal destinação, à luz de critérios objectivos, produz, de acordo com a sua aptidão normal, efeitos lesivos à vida e integridade física alheias. Por isso, o acento tónico na resolução da questão da qualificação jurídica deslocar-se-á da mera impressão, mais ou menos subjectiva, que causa na pessoa do ofendido, do lado psicológico que origina à vítima, com o inerente medo ou temor nela causado, como parece perfilhar o Prof. Faria Costa, citado no Ac. do STJ, de 08-03-2007, Proc. n.º 4819/06 - 5.ª, aresto que enveredou por entendimento consagrando a concepção, oposta, de matiz objectiva, de há muito enraizada no STJ.
VIII - Nesta medida, é à aptidão para ferir ou produzir um resultado letal que deve atentar-se para se qualificar como arma, de outro modo a exibição de instrumento inidóneo “pode servir como meio de coacção e de intimidação, mas, no domínio da objectividade e legalidade, não pode ser considerada como um instrumento, uma arma de agressão”, ou seja para ameaçar a vítima, como aliás considerou em vários dos factos provados o acórdão recorrido, não se vendo razão para divergir da que constitui orientação dominante do STJ, em contrário do que se fez no acórdão recorrido (…).”,
cremos estar hoje consolidado o entendimento de que o conceito de arma para os fins do artº 210º2 b) e 204º 2 f) CP é o legalmente definido no artº 4º DL 48/95, regendo-se a sua apreciação por critério objectivo, mas abrangendo qualquer tipo de arma (de fogo ou não) e pode sê-lo qualquer objecto utilizado como meio de agressão ou que o possa ser.”
Assim, estando provado o uso de objecto semelhante a arma de fogo, mas sem que esteja provado que seja arma de fogo (e muito provavelmente seria o “isqueiro em forma de pistola apreendido ao arguido – v.d. fundamentação a fls 483 e 484 e fotos) em face da necessidade de prova das características da arma ou da sua afirmação como tal, e por isso da sua genuinidade e aptidão a produzir efeitos danosos mesmo que não a usasse, não se pode considerar preenchida a agravante qualificativa da al.f) do nº2 do artº204º ex vi artº 210º2 b) CP “ Trazendo no momento do crime arma aparente ou oculta”.
Concluindo: a circunstância qualificativa (arma) da al. f) do nº2 do artº204º CP apenas se preenche com uma arma verdadeira e esta é todo o objecto utilizado como meio de agressão ou como tal possa ser usado.
Daqui decorre que o crime praticado e que lhes pode ser imputado é o crime de roubo simples, p.p. pelo artº 210º1 CP, incorrendo na pena de 1 a 8 anos de prisão, e não aquele porque foram julgados e condenados p.p. pelo artigo 210.º nº 1 e nº 2, al. b), com referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), CP.
Procede assim nesta parte o recurso.
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- medida da pena (atenuação especial)
Questiona o arguido a medida da pena, e vista a alteração da qualificação jurídica há que equacionar de novo toda a pena, quer do arguido recorrente quer da arguida não recorrente, por a esta lhe aproveitar nos termos do artº 402º2ª) CPP;
Assim, importa desde logo salientar que o crime de roubo é um crime de natureza complexa, protegendo simultaneamente diversos bens jurídicos, como a liberdade individual, a integridade física e a vida (a pessoa) e o direito de propriedade e a detenção das coisas (o património), mas em que os bens jurídicos pessoais assumem particular relevo - Cfr. Leal Henriques et alli, Cód. Penal 1982,Vol 4, pág.105, Ac.R.C. 27/4/83 BMJ 327, 701, e Ac.STJ 15/2/95 CJ.STJ, 1995, I, 216, Ac. STJ 14/4/83 BMJ 326, 422, de 30/11/83 BMJ 331, 345, de 30/7/86 BMJ 359, 411, de 15/11/89 BMJ 391, 239), complexidade e bens jurídicos a proteger que se reflectem na moldura penal do crime em apreço
Na determinação da pena concreta a aplicar ao arguido atender-se à nos termos do artº71º CP, à culpa do arguido, suporte axiológico de toda a pena, ou “A culpa é o pressuposto e fundamento da responsabilidade penal. A responsabilidade é a consequência ou efeito que recai sobre o culpado. (...) Sendo pressuposto e fundamento da responsabilidade deve ser também a sua medida, (...). O domínio do facto pelo agente é o domínio da sua vontade racional e livre, e é esta que constitui o substrato da culpa” - Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições de Dto. Penal, I, págs. 184 e 185, sendo que o principio da culpa é a “consequência da exigência incondicional da defesa da dignidade da pessoa humana que ressalta dos artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa” - Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 84, e às exigência de prevenção, que neste campo são acentuadas quer em termos gerais, face à quantidade de crimes de roubo que estão ocorrendo todos os dias e de que dão ecos os meios de comunicação social, com o consequente alarme e sentimentos de insegurança, fundados, que geram, e a que há que por cobro, de modo a que o homem não seja visto pelo outro homem como objecto de agressão, mas antes de convívio, procurando todos e cada um o bem comum e não o mal de alguns, mas tendo presente que essas exigências assumem um relevo acentuadíssimo nos tempos que correm pois, no cometimento destes crimes, já são abundantes as noticias da sua pratica não apenas na rua ou em estabelecimentos comerciais, mas também com invasão das casas de habitação com os seus moradores presentes e sujeitos a sevicias e, em especial face ao percurso e modo de vida de cada um dos arguidos, sem esquecer os antecedentes criminais do arguido cujas advertências ínsitas nas penas inclusive de prisão efectiva não surtiram qualquer efeito, e sem antecedentes a arguida, e ainda ao elevado grau de ilicitude do facto, o modo, condições e local em que foi praticado o que implica um planeamento organizado para a prática do crime, os bens o objectos subtraídos e seu valor, o dolo intenso e directo exigido na preparação e execução do crime, os sentimentos de falta de respeito e consideração por parte dos agentes destes crimes, do património alheio, do esforço dos seus donos e das próprias pessoas e o motivo, de obter desse modo bens de modo fácil e sem trabalhar, apoderando-se do fruto do trabalho alheio, o modo e condições de vida, social e familiar e económica de cada um dos arguidos apuradas e a personalidade que o arguido revela nos factos praticados e a sua propensão para o crime, e ainda a idade, e ainda o modo especial de actuação, não apenas com objecto semelhante a arma mas encapuçado, forma especial de execução revelador de duas vertentes da personalidade do arguido: uma como meio que dificulta a descoberta da autoria desses actos ilícitos e consequentemente visa e gera um sentimento de impunidade, ao mesmo tempo que por esse modo de execução cria um clima de maior atemorização aquando da prática do acto e logo maior sofrimento aos visados, e outra porque manifesta a vontade de continuar na senda do crime face ao sentimento de que não se saberá/ descobrirá quem agiu encapuçado, pelo que pode continuar a sua actividade criminosa sem temer ser detido;
Assim, e tendo presente que se tem defendido (e assim Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e sgt.s) que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer,
Ou como se expressa o STJ Ac. 17/4/2008 in www.dgsi.pt/jstj
“A norma do artigo 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limita da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não podem em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal está vinculado, pois, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, a critérios definidos em função de exigências de prevenção, limitadas pela culpa do agente.”
e que o tribunal recorrido, como expressa na sentença observou.
Ponderando, que a razão da discordância do arguido se centra na não atenuação especial da pena e que não ocorre nenhum dos motivos elencados na norma legal nem existe qualquer razão para o efeito, e visto o que dispõe o artº 72º1 CP exigindo a ocorrência de “circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.” que não se verificam, pois que nada restituiu ou reparou, nem confessou, nem mostrou arrependimento, ou até mudança de vida, não ocorrendo nenhum facto que possa levar a essa atenuação, afigura-se-nos, ponderando todos esses factores e a necessidade de protecção de todos os bens jurídicos postos em causa pela conduta do arguido, e a necessidade de reintegração do arguido (artº 40º1 CP), e tendo em conta a moldura penal do crime praticado e os antecedentes criminais, justo e adequado punir o arguido com a pena de dois anos e dez meses de prisão.

No que se refere à arguida não recorrente e atento este crime de roubo, e visto que foi punida como cúmplice, na pena de 3 anos de prisão, importa atentos os factos ponderados na sentença condenatória importa observar uma certa proporcionalidade por necessidade de salvaguardar um tratamento igualitário, resultante do principio da igualdade dos cidadãos perante a lei (artº 13º CRP) que impõe também a igualdade na aplicação do direito, (e constituindo uma proibição de discriminação) pressupõe em geral que perante uma igualdade de situações de facto, as diferencias de tratamento sejam fundadas e não discricionárias ou arbitrárias e se fundem numa distinção objectiva e se revelem necessárias, e assim não sendo deve tal principio ser observado.
A nível das penas, expendeu o STJ no seu ac. 16/2/06, proc. nº 06P124 in www.dgsi/pt/jstj Juiz Cons. Simas Santos, que:
“3 – O princípio da igualdade, no domínio da aplicação do direito significa que nessa aplicação não há lugar a discriminação em função das pessoas; todos beneficiam por forma idêntica dos direitos que a lei estabelece, todos por forma idêntica se acham sujeitos aos deveres que ela impõe.
4 – Um dos princípios fundamentais do direito penal é o da igualdade nas decisões de justiça, preocupando quase todas as sociedades democráticas o problema conexo das disparidades na aplicação das penas. Com efeito, a desigualdade no sistema de justiça penal é uma questão fundamental pois que, mal é notada, perturba não só a paz social mas também as infracções a que pretende responder, problema a abordar de maneira operacional, pois seria uma operação vã confrontar os sistemas de justiça penal com um ideal absoluto e mítico – por essência, inacessível.
5 – Na individualização da pena o juiz deve procurar não infringir o princípio constitucional de igualdade, o qual exige que, na individualização da pena, não se façam distinções arbitrárias. Sem deixar de reconhecer que considerações de justiça relativa impõem que se considerem na fixação de penas em caso de comparticipação as penas dos restantes co-autores, importa notar que a questão das disparidades injustificadas nas penas deve gerar essencialmente uma resposta sistémica, tendente a, em geral, compreender e reduzir o fenómeno. (…)
7 – Se é patente, no quadro de facto, o diferente o posicionamento dos dois arguidos, e de muito maior responsabilidade, para o arguido, que se situa num patamar acima no tráfico de droga, de que a co-arguida é mero correio, colaborando esta com a Polícia e aceitando a materialidade dos factos apurados e negando-os o arguido, procurando debalde construir uma versão que o inocentasse, justificasse a imposição de uma pena mais grave para este último.”
Transpondo esta doutrina para o caso dos autos, afigura-se-nos que, tendo em conta os factos apurados e ponderados na sentença recorrida quanto à medida da pena ali aplicada à arguida e as novas regras quanto à atenuação especial (artº 73º1b) CP), será justo que a pena pelo crime de roubo se fixe no ano e seis meses de prisão.
A arguida foi ainda condenada em concurso real pela prática de um crime de condução ilegal na pena de um ano de prisão, pelo que importa proceder ao cumulo jurídico das penas, refazendo-o, pelo que em face, da apreciação do tribunal recorrido, e os novos dados, atento o disposto no artº 77º CP, afigura-se-nos justo condenar a arguida na pena única de dois anos e três meses de prisão.
No mais tendo a pena única aplicada à arguida sido suspensa com subordinação a deveres, a mesma deve ser mantida, não apenas por estar a coberto do caso julgado como pelo facto de se mostrar adequada, alterando apenas o período de suspensão, por que legalmente determinado, que passa a ser de dois anos e três meses;
+
Pretende o arguido que a pena de prisão lhe seja suspensa.
Cremos que tal não é possível pois que nos termos do artº 50º1 CP, necessário para a suspensão da pena é que nos termos legais “ a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” juízo (de prognose favorável ao arguido) esse a apurar perante a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstancias deste, e sendo que “A finalidade político-criminal do instituto da suspensão consiste no afastamento do delinquente da prática de novos crimes ou, dito de outro modo, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção de reincidência». – Ac. STJ de 27/3/2003 in www.dgsi.pt/jstj
Ora o arguido tem muitos antecedentes criminais (dez condenações, desde 2006 pelo mesmo crime de condução ilegal) tendo sido condenado em todo o tipo de penas (incluindo de substituição), incluindo prisão efectiva, e não foi demovido para alterar o seu comportamento e não delinquir antes persistiu na sua vontade criminosa afrontando sistematicamente (e anualmente) o ordenamento jurídico, e em face da apreciação que se afigura correcta, feita na sentença recorrida - de que as “…. necessidades de prevenção especial, e no que se refere ao arguido B…, temos as mesmas como elevadas, militando em seu desabono o seu comportamento denotador de falta de assunção das responsabilidades pelos seus feitos, o seu extenso historial criminoso – este, ainda que sistematicamente reportado a um tipo de ilícito em absoluto diverso do ora em debate, denotador da sua falta de preparação para adoptar uma vivência em conformidade com os ditames do Direito, ao ponto de se encontrar recluso, em cumprimento de pena de prisão efectiva, pelo crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal –, e o teor do relatório social elaborado acerca da sua pessoa, francamente desanimador no que toca à sua recuperação da delinquência, associando-lhe características incompatíveis com uma existência equilibrada e salutar no seio da comunidade;” -, não permite a emissão de um juízo de prognose favorável ao arguido, nem perante a situação concreta do arguido, de não confissão ou arrependimento a suspensão da pena seria compreensível para a Comunidade, capaz de contribuir para a paz social.
Como se expende no citado Ac. STJ de 27/3/2003 in www.dgsi.pt/jstj: “II - Havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente para não repetir a prática de crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada, sendo descabida, neste âmbito, qualquer invocação do princípio in dubio pro reo. III (…) “
e acrescenta,
“IV - Em situações de facto em que se manifeste o desrespeito, já recorrente, pelas diversas injunções do tribunal, traduzidas em outras tantas penas suspensas não respeitadas, a opção pela pena de substituição acarreta o sério risco - que deve ser resolutamente evitado - de transformar a nova pena suspensa em «andrajoso simulacro de condenação», pelo que não pode reclamar-se do juiz que faça da magnanimidade lei, ou sobreponha sentimentos ao dever de julgar segundo o direito.
V - Aliás, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, [só] na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, pelo que, em caso algum, a defesa da ordem jurídica pode ser postergada por preocupações de socialização em liberdade.”
Pelo que não se vêm razões para suspender a pena ao arguido.
Improcede esta questão
Não se suscitam outras questões de que cumpra conhecer.
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Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido B… e em consequência:
- altera a decisão recorrida, nos seguintes termos:
Condena o arguido B… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de dois (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;
- Condena a arguida C… pela prática, em cumplicidade e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de um (um) ano e seis meses de prisão;
- Condena a arguida C…, ao abrigo do disposto no art. 77.º CP, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de dois anos e três meses de prisão;
- Ao abrigo do disposto nos arts. 50.º, 51.º, n.º 1, al. b) e 52.º, n.º s 1, al. b) e 4, CP suspende a execução da pena de dois anos e três meses de prisão em que foi condenada a arguida C… por igual período, subordinada ao dever de dar a D…, ofendida nos autos satisfação moral adequada – pedido de desculpas formal e público, em sala de audiências, excepto se a mesma assim não o pretender – e à regra de conduta de frequência de escola de condução e submissão aos respectivos exames, sob supervisão dos serviços da DGRS.
- confirma no mais a sentença recorrida;
Sem custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 01/10/2014
José Carreto
Paula Guerreiro