Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
79/05.9GBVNG-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: PRÁTICA DE ACTO FORA DE PRAZO
MULTA
DISPENSA DA MULTA
EXCEPCIONALIDADE
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RP2013112079/05.9GBVNG-D.P1
Data do Acordão: 11/20/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Resulta do disposto no nº 8 do art. 145º do CPC vigente à data em que foi proferida a decisão sob recurso (hoje correspondente ao nº 8 do art. 139º do CPC) que a redução ou dispensa da multa devida pela prática do acto fora do prazo (no condicionalismo previsto na mesma norma) é um mecanismo excepcional, que depende de decisão judicial (na qual é analisada cada situação concreta), sendo apenas concedido “nos casos de manifesta carência económica” ou quando o montante da multa “se revele manifestamente desproporcionado”.
II - O facto de a requerente/recorrente gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos não significa que esteja em situação de “manifesta carência económica”; se assim fosse, o legislador teria ressalvado expressamente essa situação na norma em causa (art. 145º, nº 8, do CPC, hoje correspondente ao nº 8 do art. 139º do mesmo código), o que não sucedeu.
III - A referida norma contida no CPC tem um pendor claramente sancionatório do atraso negligente da parte, quando pratica o acto fora do prazo, não se compadecendo esse regime excepcional com a alegação abstracta da insuficiência económica, nem com a invocação de beneficiar de apoio judiciário.
IV - A concessão de apoio judiciário não dispensa o pagamento de multa, de natureza civil, devido ao atraso na entrega atempada de requerimento sujeito a prazo peremptório. Aquela multa processual não se integra no conceito de custas e, a consequência do seu não pagamento é a preclusão do direito de praticar o acto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (processo nº 79/05.9GBVNG-D.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. No processo comum nº 79/05.9GBVNG, que corre termos no 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, na sequência de requerimento apresentado conjuntamente pelos arguidos tendo em vista a dispensa de pagamento das multas por prática de acto fora do prazo (invocando para o efeito o disposto no art. 145º, nº 8, do CPC), foi proferido o seguinte despacho datado de 5.12.2012 (fls. 11 e 12 destes autos de recurso em separado):
Consigno que efectuei pesquisa nas bases de dados da segurança social, em nome do condenado, conforme resultado que antecede.
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Foi dado como provado na sentença entretanto transitada em julgado que B… está reformada, auferindo mensalmente rendimento não concretamente apurado mas não inferior a € 274 (duzentos e setenta e quatro euros), bem como que C… é panificador de profissão, auferindo rendimento mensal não concretamente apurado mas não inferior a € 500 (quinhentos euros), estando de baixa médica há cerca de 1 (um) ano, auferindo cerca de € 380 (trezentos e oitenta euros).
Ficou ainda provado que B… é casada com C…, vivendo em casa emprestada pela qual nada pagam.
Muito embora o condenado apenas tenha junto um documento atestando a incapacidade para o trabalho até 19.8.2012, o certo é que, conforme pesquisa efectuada, o mesmo manter-se-á a auferir subsídio de doença.
É curioso que os condenados no requerimento em preço, embora refiram encargos, nunca quantificam os seus rendimentos.
Acresce que os documentos que juntam, do primeiro extrai-se que o valor do encargo é pouco significativo e do segundo que o pagamento a que o mesmo se refere deveria ser efectuado em Março de 2012, desconhecendo-se se o mesmo se mantém na actualidade.
De acordo com o disposto no art. 145º, nº 8, do CPC, não basta uma qualquer dificuldade económica, sendo necessário uma situação de manifesta carência económica ou quando o montante da multa se revela manifestamente desproporcionado, podendo dar lugar à dispensa ou à redução.
No presente caso, os condenados auferem rendimento, sendo que não demonstraram possuir encargos excepcionais, razão pela qual não se poderá considerar existir uma situação de manifesta carência económica.
Por outro lado, o valor da multa devida por cada um deles é inferior aos rendimentos que, individualmente, auferem, razão pela qual não se poderá considerar o mesmo manifestamente desproporcionado.
Assim, indefiro o requerido.
Notifique-os, novamente, para proceder ao pagamento das multas em causa.
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2. Não se conformando com essa decisão, vieram recorrer os dois arguidos conjuntamente, sendo apenas admitido o recurso da arguida B…, por beneficiar de dispensa de pagamento da taxa de justiça devida (cf. despacho de 18.6.2013 junto a fls. 28 destes autos de recurso em separado), constando do recurso as seguintes conclusões (fls. 4 a 6 destes autos):
1º O pobre casal de arguidos que é muito pobre, foi notificado juntamente com o despacho de que se recorre pela secretaria do tribunal para pagar no total a quantia de € 3.324,60 (três mil trezentos e vinte e quatro euros e sessenta cêntimos).
2º Em todos os processos judiciais anteriores a este e posteriores a este foi concedido aos arguidos (casal) o beneficio do apoio judiciário com a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo conforme V.ª Ex.ªs podem verificar nos autos, pois já forma juntos aos mesmos várias decisões a este respeito, proferidas para o casal para outros processos judiciais, e conforme também a última decisão que ora se junta em relação ao arguido C….
3º Neste processo, sem razão que o justifica-se foi, por manifesto erro da segurança social, inicialmente indeferido ao casal este benefício, que foi impugnado judicialmente a fls., e por força dessa impugnação tacitamente revogado e deferido o beneficio aos arguidos, mas que o tribunal “a quo”, por razões que desconhecemos, nunca se pronunciou expressamente sobre esta referida impugnação, existindo aqui desde inicio uma omissão de pronuncia, em clara violação dos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
4º Mais tarde, e porque os arguidos não se podiam defender por falta de dinheiro, voltaram a pedir apoio judiciário e aconteceu o insólito, a segurança social, à requerente mulher B… deferiu o pedido e ao requerente marido indeferiu.
5º E, como resulta das regras da experiência da vida e do normal acontecer, as pessoas, neste caso o casal dos aqui arguidos, não são nem podem ser para a segurança social ou para o tribunal pobres para todos os outros processos, e apenas o arguido C… rico para este processo.
6º Resulta assim de todos os documentos juntos aos autos, nomeadamente os mais recentes da segurança social chamada a pronunciar-se sobre as condições económicas dos arguidos que estes são pessoas manifestamente pobres.
7º Infelizmente, além de economicamente pobres, os aqui arguidos também são de instrução escolar muito pobre, e foi por força desta sua última carência que os arguidos não entregaram atempadamente nos correios o seu requerimento de ratificação do que anteriormente e atempadamente tinha já sido requerido pelo seu defensor, e esse requerimento por ter dado entrada no tribunal no 2º dia útil, o Juiz “a quo” mandou aplicar o disposto nos arts. 145º, n.º 5 e n.º 6 do CPC e 107, n.º 5 do CPP, conforme resulta do despacho com referência 16248579.
8º Como os arguidos não têm dinheiro, requereram a dispensa da multa nos termos do n.º 8 do art. 145º do CPC, que lhes foi indeferido pelo despacho de que ora se recorre, que violou este normativo e os anteriores aqui referidos.
9º É por demais evidente, que os arguidos não têm condições económicas para poderem pagar esta multa pelos dois dias de atraso do requerimento que o tribunal quis que fosse pessoal dos arguidos - de quem não entende nem tem de entender o direito, os aqui arguidos - e por este motivo, torna-se até imensamente injusta, senão ilegal.
10º Além de todos os documentos que se encontram juntos aos autos de deferimentos dos pedidos de apoio judiciário dos arguidos supra já referidos e que já são muitos, e que o tribunal “a quo” não considerou, junta-se um certificado mais recente e actual de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença (até 17-01-2013) do arguido C…, donde resulta a falta de meios económicos deste casal de arguidos.
11º Somos de modesto entendimento, que os próprios rendimentos que o despacho de que se recorre refere, são suficientes para a dispensa da multa.
12º Somos de modesto entendimento, que os arguidos estão em condições de lhes ser dispensada a multa de acordo com o disposto no art. 145º, nº 8 do C.P.C., devendo V.ªs Ex.ªs revogar o despacho do tribunal “ a quo” com a referência 16569888, como único acto passível de fazer justiça.
Termina pedindo o provimento do recurso[1], com consequente revogação da decisão impugnada.
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3. Respondeu o Ministério Público na 1ª instância (fls. 13 a 15 destes autos de recurso em separado), pugnando pelo não provimento do recurso.
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4. O Sr. Juiz sustentou e manteve, nos seus precisos termos, o despacho recorrido (fls. 29 destes autos de recurso em separado).
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5. Neste Tribunal da Relação, o Sr. PGA emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público na 1ª instância, concluindo no sentido da improcedência do recurso (fls. 82 destes autos de recurso em separado).
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6. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
A recorrente respondeu ao parecer do Sr. PGA, nos termos que constam de fls. 87 e 88, concluindo como no recurso.
Posteriormente ainda juntou, a estes autos de recurso em separado (cf. fls. 89 a 93), relatório social “para eventual suspensão da execução da pena de prisão subsidiária”, datado de 30.9.2013, que foi junto ao processo nº 79/05.9GVNG, a solicitação do tribunal da 1ª instância.
Feito o exame preliminar e, após junção de elementos pertinentes em falta com vista à boa decisão da causa, foram colhidos os vistos legais, tendo-se realizado a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir, sendo certo que, como já foi adiantado no exame preliminar, tendo em vista o disposto nos arts. 406º, nº 2, 407º, nº 2, al. a) e 408º do CPP (ao contrário do que alega conclusivamente a recorrente em sede de resposta ao parecer do Sr. PGA, mas sem adiantar qualquer explicação, nem citar disposição legal que suporte essa sua conclusão), o recurso aqui em causa não tem efeito suspensivo.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
A arguida/recorrente impugna o despacho proferido em 5.12.2012, acima transcrito (o qual, indeferiu o requerimento apresentado a pedir excepcionalmente a dispensa de pagamento de multas, ao abrigo do art. 145º, nº 8, do CPP) por, na sua perspectiva, tendo em atenção o disposto no art. 145º, nº 8, do CPC, estar em condições de beneficiar da dispensa do pagamento de multa pela prática de acto processual no 2º dia útil posterior ao termo do prazo.
Para tanto, argumenta que nos processos judiciais foi concedido ao casal o beneficio de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos (conforme várias decisões juntas aos autos), que haveria erro da segurança social quando lhe (à recorrente) concedeu apoio judiciário e indeferiu ao marido, também arguido, deduzindo das decisões da segurança social sobre o apoio judiciário que o casal é manifestamente pobre, invocando a sua instrução escolar baixa para explicar a razão pela qual apenas apresentaram requerimento de ratificação do que anteriormente havia sido requerido pelo seu Defensor Oficioso (relativo a pedido de substituição por trabalho da pena de multa em que cada um deles foi condenado) no 2º dia útil posterior ao termo do prazo e, por último, que foi por não terem dinheiro que pediram excepcionalmente a dispensa da multa pela prática do acto fora do prazo (considerando ilegal o entendimento do tribunal no sentido do requerimento a que se refere o art. 48º do CP ter de ser apresentado pessoalmente pelos condenados, os quais não entendem, nem têm de entender o direito) e que os próprios rendimentos a que o despacho impugnado se refere são suficientes para a dispensa da multa pretendida.
Para conhecer da questão colocada pela recorrente, em primeiro lugar importa ter em atenção o disposto no nº 8 do art. 145º (modalidades do prazo) do CPC, na versão então vigente, segundo o qual “O juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte.”
Dessa norma (que não sofreu alterações de relevo, correspondendo hoje ao art. 139º do CPC) decorre que a redução ou dispensa da multa devida pela prática do acto fora do prazo (no condicionalismo previsto no art. 145º, nº 3 a nº 6 do CPC) é um mecanismo excepcional, que depende de decisão judicial (na qual é analisada cada situação concreta), sendo apenas concedido “nos casos de manifesta carência económica” ou quando o montante da multa “se revele manifestamente desproporcionado” (indicando-se, a titulo exemplificativo, situação em que o montante da multa se revela “manifestamente desproporcionado”).
O facto da requerente/recorrente gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos não significa que esteja em situação “de manifesta carência económica”.
Se assim fosse (como pretende a recorrente), o legislador teria ressalvado expressamente essa situação na norma em causa (art. 145º, nº 8, do CPC, hoje correspondente ao nº 8 do art. 139º do mesmo código), o que não sucedeu.
Aliás, como se diz no Ac. do TC nº 197/2006[2] «Para obter apoio judiciário basta a “insuficiência de meios económicos” (n.º 1 do artigo 1.º), a prova da “insuficiência económica” provada ou presumida (artigos 19.º e 20.º da Lei n.º 30-E/2000). Para que o pagamento da multa seja dispensado ou esta seja reduzida é necessário que o interessado esteja em situação de “manifesta carência económica” para suportá-la. Há aqui a exigência de uma situação de mais acentuada incapacidade económica, o que bem se compreende porque no primeiro caso se trata de viabilizar o acesso aos tribunais e no segundo de corrigir a desproporção de um obstáculo às condições desse acesso que tem a sua causa imediata no incumprimento do prazo, (processualmente) imputável ao requerente.».
A norma contida no art. 145º, nº 5 e nº 6, do CPC assume um pendor claramente sancionatório do atraso negligente da parte, quando pratica o acto fora do prazo, não se compadecendo o regime excepcional previsto no seu nº 8 com a alegação abstracta da insuficiência económica, nem com a invocação de beneficiar de apoio judiciário (cf. também o preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12[3])[4], como sucede no caso destes autos, em que a recorrente (e marido) nem teve o cuidado de alegar de forma concreta, clara e transparente todos os rendimentos e encargos que efectivamente tinham para se poder aferir se estavam ou não preenchidos todos os pressupostos do referido regime excepcional.
Essa omissão não é suprida pelos documentos a que se referiu no requerimento com carimbo de entrada em 30.11.2012[5], que deu causa à decisão sob recurso, na qual foram analisados, não merecendo censura a apreciação ali feita.
Diremos também, resumidamente, que não basta alegar encargos - que nem sequer demonstrou que existissem ou subsistissem na altura em que apresentou, juntamente com o marido, o dito requerimento - e omitir os rendimentos para concluir que se verifica situação de “manifesta carência económica”.
Em segundo lugar interessa ter presente que a multa a que se refere o art. 145º, nº 5 e nº 6 do CPC é uma sanção de natureza civil (devida pela prática do acto fora do prazo dentro de determinado condicionalismo, isto é, num dos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo) e a consequência do seu não pagamento, quando se trata, como aqui sucede (em que estava em causa a substituição da multa por trabalho nos termos do art. 48º do CPP, requerida pelo respectivo advogado, mas que estava dependente de ratificação pelos condenados), de prazo peremptório é a preclusão do direito de praticar o acto (portanto não poder requerer a substituição da multa por trabalho nos termos do art. 48º do CP).
Em terceiro lugar é irrelevante a argumentação da recorrente no sentido de ser ilegal o despacho proferido pelo Sr. Juiz, em 18.9.2012, quando exigiu que o requerimento feito ao abrigo do art. 48º do CP, subscrito pelo seu advogado, fosse ratificado pelos condenados.
Essa irrelevância resulta desde logo dessa decisão não ter sido objecto de recurso e, consequentemente, ter transitado em julgado, sendo certo que a própria recorrente admite (em sede de motivação do recurso ora em apreciação) ter sido alertada inclusivamente pelo Defensor Oficioso para a entrega atempada do requerimento de ratificação do requerimento por aquele apresentado em seu nome e do marido.
Em quarto lugar a concessão de apoio judiciário não dispensa o pagamento de multa, v.g. de natureza civil, como sucede neste caso, devido ao atraso na entrega atempada de requerimento sujeito a prazo peremptório.
Essa multa processual não se integra no conceito de custas, nem está abrangida pelo apoio judiciário na modalidade concedida à recorrente[6].
Isso mesmo também se extrai do teor da própria decisão de apoio judiciário que foi concedida à recorrente no âmbito destes autos (sendo irrelevante que ao marido tivesse sido negado o apoio judiciário nestes autos e concedido no âmbito de outros processos).
É igualmente indiferente que em diversos processos distintos deste lhe tivesse sido concedido apoio judiciário (quer à recorrente, quer mesmo ao marido, também arguido) e que nos autos se encontrem documentos relativos a tais pedidos (cf. arts. 6º, nº 2 e 18º do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais).
O mesmo se diga em relação aos documentos a que se refere o requerimento que deu causa à decisão sob recurso, uma vez que deles não se extrai que se encontrem preenchidos os pressupostos do art. 145º, nº 8, do CPC.
Não se confunda, por isso (como o faz a recorrente), a dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos (ver respectiva decisão de concessão de apoio judiciário nessa modalidade) com a dispensa de pagamento de multa processual, de natureza civil, pela prática de acto fora do prazo.
É evidente que a invocação do erro da Segurança Social, por não ter concedido apoio judiciário ao marido da recorrente, é descabida tendo em atenção a matéria objecto do presente recurso.
Acrescente-se que o facto da recorrente neste processo (e é só neste processo que interessa) ter beneficiado de apoio judiciário não significa que o casal constituído por ela e pelo marido seja (como alega conclusiva e genericamente) “manifestamente pobre”, ou que ambos sejam “pessoas muito pobres”, que vivam “com imensas dificuldades”, que estejam “numa situação económica muito difícil”, “que o pouco dinheiro que lhes sobra é absolutamente necessário à satisfação das suas necessidades mais básicas”, “diariamente proverem à sua normal sobrevivência”.
Tão pouco dessa decisão sobre o apoio judiciário que lhe foi concedido se pode extrair que se encontre em situação de manifesta carência económica que justifique a dispensa da multa pelo atraso na prática do acto processual em causa.
Em quinto lugar, anote-se que dos factos dados como provados na sentença proferida no processo aqui em causa (nº 79/05.9GBVNG), não se pode concluir que, estando em causa o pagamento da multa de € 204,00 pela prática de acto fora do prazo, a recorrente estivesse em situação de manifesta carência económica.
Com efeito, extrai-se da sentença transitada em julgado, proferida nos autos, que a recorrente vive com o marido em casa emprestada, pela qual nada pagam, estando (ela) reformada, auferindo mensalmente rendimento não concretamente apurado mas não inferior a € 274,00, enquanto o marido, que tem a profissão de panificador, aufere rendimento mensal não apurado, mas não inferior a € 500,00 estando de baixa médica, auferindo cerca de € 380,00.
Recebendo, um e outro, mensalmente pelo menos os referidos quantitativos (de valor superior ao montante da multa em que cada um deles foi condenado) não se vê que a recorrente esteja em situação de manifesta carência económica para pagar a multa de 204 euros pela prática do acto fora do prazo, a que só ela (e marido) deu causa.
A esse propósito, apesar de se poder prever que pagando aquela multa de 204 euros a recorrente iria viver nesse mês com mais apertos económicos, isso não traduz, nem significa “manifesta carência económica”.
E, perante o que consta da sentença transitada em julgado é lógico que os documentos existentes nos autos relativos à situação económica da recorrente e marido não infirmam o ali decidido, como aliás também decorre do próprio recurso (v.g. quando se chega a alegar, mais uma vez de forma conclusiva, que “os próprios rendimentos que o despacho … refere, são suficientes para a dispensa da multa”).
Em sexto lugar, é de esclarecer que de nada vale invocar a “condição social e escolar muito baixa” (outra alegação vaga e genérica), pois, que se por um lado a ignorância não justifica a falta de cumprimento da lei, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas (art. 6º[7] do CC), por outro lado, o que é certo é que a recorrente até tinha sido alertada pelo Defensor Oficioso para a necessidade da junção atempada do requerimento de ratificação (tal como decorre da motivação do recurso ora em apreço), pelo que ao não o fazer tempestivamente (dentro do prazo) só a si lhe pode ser imputada a multa de natureza civil a que ficou sujeita.
Ao contrário do que alega a recorrente, tinha a obrigação de ter apresentado atempadamente o requerimento em causa, tanto mais que até fora alertada para o efeito pelo Defensor Oficioso (o que significou o acatamento daquela decisão, independentemente de conhecer ou não outras do mesmo género) e, portanto, só por atitude censurável, por ter sido negligente, é que o fez fora do prazo, sujeitando-se ao pagamento da respectiva sanção, não lhe aproveitando a alegada ignorância como já se explicou (art. 6º do CC aplicável ex vi do art. 4º do CPP).
Em sétimo lugar é irrelevante para a sindicância da decisão sob recurso o teor do relatório social para eventual suspensão da execução da pena de prisão subsidiária que a recorrente juntou aos autos a fls. 89 a 93.
Para além da sua junção significar a subversão do sistema processual, v.g. a nível da fase do recurso (ver art. 165º, nº 1, do CPP[8], quanto à junção de documentos), o certo é que esse relatório relaciona-se com fase distinta (até posterior) à decisão objecto de recurso, sendo certo que por despacho de 17.6.2013 (fls. 28 destes autos de recurso em separado) o Sr. Juiz deu sem efeito o despacho proferido em 6.5.2013 (que é o despacho que converteu a multa penal não paga em prisão subsidiária) relativamente à recorrente.
A verificar-se alteração superveniente das circunstâncias que existiam no momento em que foi proferida a decisão sob recurso, deveria a recorrente dar conhecimento desses factos à 1ª instância, para que a mesma pudesse proferir decisão sobre essa matéria. O tribunal da Relação não funciona, neste caso, como tribunal da 1ª instância, apenas conhece de recursos interpostos de decisões proferidas pela 1ª instância.
Não tendo a recorrente junto a estes autos de recurso qualquer decisão da 1ª instância sobre esse relatório social (que, como já assinalado, até pelo seu título, indica que se relaciona com fase posterior à do despacho sob recurso, na qual está em causa o não pagamento voluntário ou coercivo da multa penal em que foi condenada, o que é diferente da multa de natureza civil aqui em causa), nem manifestado a sua vontade de desistir do recurso em apreço é manifesto que não incumbe a este tribunal da Relação debruçar-se sobre o teor daquele relatório social, desde logo tendo em atenção a decisão que é objecto deste recurso, única matéria sobre a qual se tem de pronunciar.
Apenas se podia de algum modo compreender (apesar de ser anómalo) a junção desse relatório social caso a recorrente pretendesse sustentar a desistência da interposição do recurso ora em apreço, o que não fez.
Em oitavo lugar, incumbe relembrar que o que aqui está em causa é apenas o pagamento da multa de 204 euros pela prática do acto fora do prazo e não o pagamento da multa penal e das custas, em que a recorrente também foi condenada.
Por isso, é irrelevante, neste momento, tendo em atenção o teor da decisão sob recurso (que tem a ver com o pagamento de uma multa de natureza cível), argumentar que não tem condições de pagar a multa penal e custas.
De resto, como não é objecto deste recurso o despacho que determinou que o requerimento feito ao abrigo do art. 48º do CP, fosse ratificado pelos condenados, também é irrelevante essa argumentação da recorrente, bem como o seu desconhecimento (como alega em sede de resposta ao parecer do Sr. PGA nesta Relação) sobre a existência ou não de outras decisões no mesmo sentido.
Em nono lugar, convém esclarecer que (perante a genérica e abstracta argumentação da recorrente) para além de não se poder concluir que este seja um caso de dispensa da multa de 204 euros acima aludida (que nem é manifestamente desproporcionada, tendo em atenção os fins visados pela recorrente), também não se pode deduzir que estejamos perante situação que justifique excepcionalmente a redução dessa mesma multa.
O que bem se compreende tendo em atenção o que foi dado como provado, na sentença transitada em julgado, quanto à situação económica da recorrente e marido (que vivem da reforma e subsidio acima indicados, que vão recebendo, em casa emprestada pela qual nada pagam) e bem assim o teor do requerimento que deu causa à decisão sob recurso.
Apesar da situação económica da recorrente e marido ser modesta daí não se pode concluir que vivam em situação de manifesta carência económica que justifique a redução daquela multa de 204 euros.
Até tendo em atenção a situação de muitos outros portugueses, que não trabalham, não recebem subsídios, nem vivem gratuitamente em casas emprestadas (para além de não terem outros meios económicos), é manifesto que não se podia concluir, como o faz a recorrente, que os rendimentos a que o despacho sob recurso se refere permitiam a dispensa da multa (o alegado pela recorrente não permite deduzir, como foi explicado na decisão sob recurso, que esteja em situação de “manifesta carência económica”, para além de que não se pode confundir esse estado com o da insuficiência económica que decorre da concessão do pedido de apoio judiciário neste processo).
Em décimo lugar, importa realçar que a recorrente não foi impedido de exercer os seus direitos, nomeadamente, de se defender; o que sucedeu neste caso é que a recorrente, apesar de alertada pelo seu Defensor Oficioso, foi negligente na apresentação do requerimento de ratificação do acto anterior por aquele praticado e, por se verificar o condicionalismo previsto no art. 145º, nºs 5 e 6, do CPC e 107º, nº 5, do CPP (cf. despacho do Sr. Juiz de 17.10.2012), foi liquidada a multa pela prática desse acto fora do prazo.
E que a arguida não foi impedido de exercer os seus direitos resulta evidente também do facto de lhe ser dada a oportunidade de pagar a quantia aludida na notificação (de 204 euros cujo cálculo não discordou), o que permitiria (caso tivesse feito esse pagamento) que o tribunal depois se pronunciasse sobre o requerimento que ratificara, onde era pedida a substituição da multa por trabalho.
De resto, sempre a recorrente (tal como o marido a seu tempo o podia ter feito, se é que o não fez) pode vir a requerer a suspensão da execução da prisão subsidiária que lhe venha a ser fixada, nos termos do art. 49º, nº 3, do CPP.
Não há, por isso, qualquer preclusão dos direitos de defesa (incluindo contraditório) da recorrente, nem tão pouco do princípio da igualdade ou do acesso ao direito e ao tribunal, não se vendo que a 1ª instância tivesse interpretado erradamente o disposto nos arts. 13º e 20º da CRP.
Em décimo primeiro lugar, importa esclarecer que não há qualquer omissão de pronúncia, uma vez que, como já acima foi esclarecido, neste recurso não estão em causa outras decisões para além daquela aqui em análise, que é a que indeferiu o pedido de dispensa das multas, feito no requerimento com carimbo de 30.11.2012, no que respeita à recorrente.
Em décimo segundo lugar e, também por último, será de esclarecer que perante o alegado pela recorrente (tendo em atenção o que resultava da sentença transitada em julgado que não evidenciava situação de manifesta carência económica, o mesmo sucedendo com a concessão do pedido de apoio judiciário como já foi explicado), não se justificava o uso excepcional do disposto no art. 145º, nº 8, do CPC (como foi esclarecido na decisão sob recurso), sendo a própria (e não o tribunal ou outras entidades, v.g. segurança social) a única responsável pelo indeferimento do requerimento com carimbo de entrada de 30.11.2012.
Improcede, pois, a argumentação da recorrente, sendo certo que não foram violados os preceitos legais por ela invocados.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pela arguida B….
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 20-11-2013
Maria do Carmo Silva Dias (relatora)
Ernesto Nascimento (Adjunto)
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[1] Com o recurso foi junto o requerimento apresentado pelos arguidos que deu causa à decisão impugnada e documentos (sendo o primeiro relativo a certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença do arguido C… - marido da recorrente -, datado de 20.7.2012 e com termo em 19.08.2012, o segundo emitido pela AT autoridade tributária e aduaneira relativo a penhora de crédito em processo judicial, com referência a 5.7.2012 e o terceiro referente a guia para pagamento do executado C…, datado de 24.3.2012, no valor de € 255.85) referidos nesse mesmo requerimento.
[2] Ac. do TC nº 197/2006, relatado por Vítor Gomes, consultado no site do Tribunal Constitucional. No mesmo sentido Ac. do TRC de 6.11.2012, proferido no processo nº 147-G/2002.C1, relatado por Falcão de Magalhães (consultado no site www.dgsi.pt).
[3] Consta do preâmbulo do citado DL nº 329-A/95, a propósito da norma em questão o seguinte: “Revê-se o regime vigente relativo ao direito de praticar o acto processual nos três dias subsequentes ao termo de um prazo peremptório, no sentido de assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade substancial das partes, facultando ao juiz a concreta adequação da sanção patrimonial correspondente ao grau de negligência da parte ou à eventual situação de carência económica do beneficiário do exercício de tal direito.”
[4] Assim, também Ac. do TRC de 29.2.2012, proferido no processo nº 201/05.5TBFZZ-B.C1, relatado por Francisco Caetano (consultado no mesmo site).
[5] Nesse requerimento os arguidos alegam conclusivamente o seguinte:
(…)
Os arguidos além de terem muito baixa instrução, são pessoas muito pobres e vivem com imensas dificuldades.
A arguida está reformada por invalidez, sendo que o arguido marido é que é o sustento da casa e está neste momento de baixa (cf. documento que foi anteriormente junto), pelo qual recebe subsidio de doença.
Contra os arguidos corre um processo executivo para pagamento de quantia certa, referente ao processo 645/01.1GBVNG-B, do 3º Juízo Criminal, deste Tribunal de V. N. de Gaia, onde lhes foi penhorado o IRS conforme documento do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – 3 que se juntaram anteriormente a estes autos e guia para pagamento do valor de € 255,85 conforme documento da agente de execução que também se juntou.
O pouco dinheiro que lhes sobra é absolutamente necessário à satisfação das suas necessidades mais básicas, encontrando-se numa situação económica muito difícil. Não têm possibilidades de poder pagar as multas face à necessidade que têm de diariamente proverem à sua normal sobrevivência. (…)”
[6] Ver acórdãos do TC nº 197/2006 (acima citado) e jurisprudência aí indicada, v.g. Ac. do TC nº 17/91.
[7] Artigo 6º (Ignorância ou má interpretação da lei) do Código Civil
A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.
[8] Artigo 165º (Quando podem juntar-se documentos) do Código de Processo Penal
1 - O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.
2 - Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, os quais podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência.