Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
794/00.3GBAMT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
EXECUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
Nº do Documento: RP20150930794/00.3GBAMT-A.P1
Data do Acordão: 09/30/2015
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INCIDENTE CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DECIDIDO O CONFLITO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: As secções de competência especializada da Instância Central são competentes para a execução das suas decisões condenatórias em quantia líquida, proferidas na sequência de pedido civil deduzido em processo crime.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 794/00.3GBAMT-A.P1

Importa a resolução do conflito negativo de competência entre os Ex.mos juízes da Secção Criminal J-1 da Instância Central de Penafiel e a Secção de Execução J1, Instância Central de Lousada, do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este.
Os magistrados atribuem-se reciprocamente a competência, negando a própria, para tramitar a execução derivada de condenação em indemnização civil proferida em processo penal.
Os despachos em que assim foi entendido transitaram em julgado.
Esta Relação, concretamente o presidente da secção criminal, é legalmente competente para conhecer do conflito e decidi-lo, art.º 12º, n.º5º, al. a) do Código de Processo Penal.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a competência pertence à Secção Criminal – J3 da Instância Central de Penafiel.

Dos autos colhem-se os seguintes factos relevantes:

Por Acórdão de 2 de Maio de 2001, proferido no Círculo Judicial de Penafiel e transitado em julgado, foi o arguido condenado, entre o mais, no pagamento da quantia global de trinta e seis milhões trezentos e cinquenta mil escudos, acrescida de juros legais desde a “notificação do pedido de indemnização” quanto aos danos patrimoniais; e desde a decisão quanto aos danos não patrimoniais.
Na pendência da execução na Secção Criminal J-1 da Instância Central de Penafiel o Ex.mo juiz, estribando-se nos artºs 129º, n.º3 da LOSJ e no art.º 85º, n.º2 do CPCivil determinou a cessação da sua conexão com o processo principal e ordenou a sua remessa para a Secção de Execução, Instância Central de Lousada.
Aqui o Ex.mo juiz declarou-se incompetente e, remetidos os autos à origem, com base no seguinte argumentário:
Dizendo respeito o processo a uma execução de sentença crime (ainda que no seu segmento da parte de indemnização civil, não se aplica o art.º 129º, n.º3, da LOSJ) face à nova organização judiciária a secção de execução não tem competência sobre tal matéria, como decorre do art.º 129º, n.º2 e do art.º 131º da lei n.º62/2013, dispondo este que os tribunais de competência territorial alargada, as secções da instância central e as secções de competência genérica da instância local são ainda competentes para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável…..
Em face do exposto declarou a incompetência em razão da matéria da Instância Central, Secção de Execução de Lousada, e competente a Instância Central Criminal sediada em Penafiel.

A questão a decidir consiste em saber, nas actuais comarcas em que há tribunais rectius secções especializadas, qual é a secção competente para a execução de uma decisão que condenou em processo penal o arguido demandado no pagamento de uma indemnização, o tribunal/secção de execução ou o tribunal/secção criminal que proferiu a decisão condenatória em indemnização cível?

Abreviando razões[1], na certeza de que a Secção Criminal de Competência Especializada da Instância Central de Penafiel do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este “corresponde” e “sucedeu”, em matéria criminal, ao anterior Círculo Judicial de Penafiel, vejamos os normativos relevantes.

Dispõe o artigo 129.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, LOSJ:
1 - Compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, às secções de família e menores, às secções do trabalho, às secções de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível.

E o artigo 131.º, da mesma Lei que “Os tribunais de competência territorial alargada, as secções da instância central e as secções de competência genérica da instância local são ainda competentes para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável”.
Estatui a artigo 71.º do Código de Processo Penal:
O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

E o artigo 82.º
1 - Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.
2 - Pode, no entanto, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e conferir-lhe o efeito previsto no artigo seguinte.
3 - O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

Afasta-se, liminarmente, a aplicação ou mera relevância argumentativa, do art.º 131º da LOSJ [Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto], pois ao dizer que (…) as secções da instância central (…) são ainda competentes para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual aplicável, não integra no seu âmbito de previsão normativa a indemnização formulada no pedido civil formulado em processo penal. De outro modo ficaria esvaziado de sentido e conteúdo o art.º 129º, n.º3 da LOSJ “Para a execução das decisões proferidas pela secção cível da instância central é competente a secção de execução que seria competente caso a causa não fosse da competência daquela secção da instância central em razão do valor.
As indemnizações a que alude o art.º 131º da LOSJ são, v.g., as relativas à previsão dos artigos 542.ºdo CPC (1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir), 543.º CPC (1 - A indemnização pode consistir….), 544.º CPC (Quando a parte for um incapaz, a responsabilidade …da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má-fé na causa)

A primeira questão a abordar é a do âmbito da excepção do n.º2 do art.º 129º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto. Aí se excepciona da competência dos juízos de execução “as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível”.
A resposta deve ser procurada na lei processual, penal donde se retira que a execução corre perante o tribunal/secção penal da condenação, quando a condenação for em quantia determinada ou determinável, e perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal, quando o tribunal, não dispondo de elementos bastantes para fixar a indemnização, condenar no que se liquidar em execução de sentença.
Do regime normativo transcrito resulta claro que as secções de competência especializada criminal da Instâncias Centrais, são competentes para a execução da suas decisões condenatórias proferidas na sequência de pedido cível deduzido em processo crime, por força do princípio da adesão contido no art. 71.º e segts. do Código de Processo Penal. E no caso é tanto mais assim já que o Acórdão condenatório condenou e fixou uma quantia líquida, sem necessidade de previamente ocorrer liquidação em execução de sentença, na nomenclatura do artigo 82º n.º1 do Código de Processo Penal.
Argumenta o Ex.mo juiz da secção criminal, que o art.º 82º, n.º1 do Código de Processo Penal mais não visa do que clarificar uma matéria susceptível de gerar dúvida, a de saber se o tribunal criminal que condena em indemnização a liquidar em execução de sentença mantém competência para, em sede de execução, liquidar a indemnização em causa, ou se, diferentemente, essa tarefa de liquidação deve ser efectuada por um tribunal cível.
Na economia do instituto da adesão a disposição do art.º 82º n.º1 do Código de Processo Penal ao consagrar, nos casos de necessidade de prévia liquidação, a competência é do tribunal civil, constitui a excepção, já que a regra é a competência do tribunal criminal para executar as suas decisões mesmo em matéria de indemnização.
Saber se este regime legal que resulta do Código de Processo Penal e foi ressalvado de modo expresso pela LOSJ se compatibiliza com a filosofia que essa lei quis implementar é outra e diversa questão.
Nesta vertente não estamos perante um problema ainda interpretativo mas legislativo, e não pode o intérprete a pretexto de interpretação violar a separação de poderes e sonegar parcela do poder legislativo. A interpretação não se pode reconduzir a uma mera errata onde o intérprete, a gosto e a contento, diz que o legislador disse aquilo que ele intérprete entende que ele devia ter dito.
Concede-se, como ao cabo e ao resto sustenta o Ex.mo juiz da instância criminal, que não fará muito sentido que a execução das decisões da instância civil seja da competência da secção de execução e as penais, em quantia certa não.
A solução legal global, quando escrutinada no contexto da declarada intencionalidade que presidiu à Lei n.º62/2013, parece disrupta, mas tendo sido mantida pela Lei n.º 62/2013 a solução constante do art.º 82º, n.º1 do Código de Processo Penal, até ponderação legislativa em contrário é a que, no nosso modo de ver, vigora e por isso a aplicável.

Decisão:
Julga-se competente para tramitar a execução a Secção Criminal J-1 da Instância Central de Penafiel do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.
Notifique, enviando cópia ao juiz Presidente da Comarca do Porto Este.
Sem tributação.

Porto, 30 de Setembro de 2015.
António Gama
_________
[1] Esta é uma longa história com início no DL n.º 38/2003, de 8 de Março que aditou, através do seu art.º 14º, à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro o artigo 102.º-A, que começou por dispor que Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil. Neste contexto normativo não se suscitava dúvida perante o disposto no art.º 82 do Código de Processo Penal.
Continuou com a Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, que através do seu artigo 1.º alterou a Lei n.º 3/99, e concretamente, no que aqui releva, o já referido artigo 102.º-A , que passou a dispor:
1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.
3 - Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior.
E o artigo 103.º passou a dizer, no respeitante a execução das decisões, que Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões.
A exclusão a que passou a aludir o nº 2 do art.º 102º-A, não constitui, no que ao processo penal respeita uma verdadeira exclusão, pois essa matéria não estava prevista no n.º1. O teor do n.º2, no que ao processo penal respeita, e perante a redacção do art.º 82º que se manteve intocada, é redundante e desnecessário, criando apenas ruído interpretativo.
Na Lei n.º 52/2008 retomou-se a última solução normativa passando / continuando o art.º 126 q dispor o que já dispunha o equivalente art.º 102º-A da Lei n.º 3/99, com a novidade de, em vez de tribunais referir “juízos”
A Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho o artigo 126.º, manteve a solução normativa anterior:
1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, aos juízos de propriedade intelectual e aos juízos marítimos e as execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível.
3 - Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos juízos de competência especializada referidos no número anterior.