Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
40/10.1TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ANULABILIDADE POR FALSAS DECLARAÇÕES NA DECLARAÇÃO INICIAL DO RISCO
INOPONIBILIDADE A TERCEIRO LESADO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
ILEGITIMIDADE PASSIVA
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
Nº do Documento: RP2015092840/10.1TVPRT.P1
Data do Acordão: 09/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A exceção perentória de anulabilidade do seguro obrigatório de responsabilidade civil por falsas declarações na declaração inicial do risco não é oponível a terceiro lesado.
II - Nos casos de litisconsórcio necessário passivo, a ilegitimidade passiva legal, aproveita tanto à recorrente como aos não recorrentes litisconsortes necessários.
III - A ampliação do âmbito do recurso apenas é conhecida quando for necessária, ou seja, quando o recurso proceder, em termos de afetar a posição jurídica do requerente da ampliação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 40/10.1TVPRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 40/10.1TVPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. A exceção perentória de anulabilidade do seguro obrigatório de responsabilidade civil por falsas declarações na declaração inicial do risco não é oponível a terceiro lesado.
2. Nos casos de litisconsórcio necessário passivo, a ilegitimidade passiva legal, aproveita tanto à recorrente como aos não recorrentes litisconsortes necessários.
3. A ampliação do âmbito do recurso apenas é conhecida quando for necessária, ou seja, quando o recurso proceder, em termos de afetar a posição jurídica do requerente da ampliação.
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
A 11 de Janeiro de 2010, nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, B… intentou a presente ação declarativa comum na forma ordinária contra o Fundo de Garantia Automóvel, Herdeiros Incertos de C… e D…, pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhe:
a)- a quantia de € 39.769,93, a título de prestações já entregues à viúva do seu segurado;
b)- a quantia de € 19.878,95, a título de prestações já entregues à filha do seu segurado;
c)- a quantia de € 126.417,00, a título de prestações futuras a entregar pela autora à viúva do seu segurado;
d)- a quantia de € 99.914,66, a título de prestações futuras a entregar pela autora à filha do seu segurado;
e)- juros de mora, à taxa legal, contados sobre as quantias antes enunciadas, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentar as suas pretensões, a autora alega que no dia 20 de maio de 2004, por volta da 23h35 ocorreu um acidente de viação na Estrada da Circunvalação, Porto, em que foram intervenientes o veículo automóvel com a matrícula UL-..-.. (pertencente à ré D… e que era conduzido por C… no interesse desta, a qual, todavia, não mantinha qualquer contrato de seguro válido que cobrisse a responsabilidade civil decorrente da circulação do aludido veículo) e o motociclo com a matrícula ..-..-TD (conduzido por E…, seu proprietário); mais alega que o referido acidente se ficou a dever exclusivamente a culpa do condutor do veículo com a matrícula UL-..-.., já que, nas aludidas circunstâncias de tempo e lugar, não respeitou a luz encarnada do semáforo colocado na via de onde provinha (Estrada Exterior da Circunvalação), invadindo a faixa de rodagem por onde circulava o veículo com a matrícula ..-..-TD (que seguia na Estrada Interior da Circunvalação), acabando por aí lhe embater, sendo que em consequência desse embate o condutor do veículo UL faleceu no próprio local, enquanto que o condutor do veículo TD veio a falecer, no dia imediato, no Hospital de S. João, para onde foi transportado; em virtude de E… ser segurado/beneficiário da autora, e em consequência da sua morte, a autora passou a pagar a cada uma das suas herdeiras (concretamente F… e G…, respetivamente, viúva e filha do segurado) uma pensão, com periodicidade mensal, a partir de 1 de junho de 2004, ficando, nessa medida, sub-rogada nos direitos destas últimas perante os responsáveis pelo acidente.
Citado, o Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação, na qual, se defendeu por exceção perentória, suscitando a prescrição parcial do direito da autora no que tange às prestações pagas às beneficiárias em data anterior a 7 de janeiro de 2007 e sustentando que a autora não tem direito a ser reembolsada das prestações futuras por falta de verificação dos necessários pressupostos, mormente a ausência de satisfação efetiva da prestação; acrescenta que para a eclosão do acidente houve concorrência de culpas dos condutores nele intervenientes, na proporção de 75% para o condutor do veículo UL e de 25% para o condutor do veículo TD, referindo que procedeu ao pagamento às herdeiras do falecido E… da quantia de € 70.000,00 (a título de indemnização pela perda do direito à vida, pelo sofrimento suportado pela vítima com o vislumbre da morte e pelos danos não patrimoniais sofridos pela viúva e filha com a morte do marido e pai), tendo ainda procedido ao reembolso da quantia de € 151.016,97, que a seguradora de acidente de trabalho (Companhia de Seguros H…, S.A.) suportou a título de despesas com o funeral, subsídio por morte e com as pensões de sobrevivência, não lhe podendo, por isso, ser exigido pela autora o reembolso das quantias que esta tenha liquidado às herdeiras do referido E…; afirma ainda que à autora não assiste direito a reclamar o reembolso do que terá liquidado às herdeiras do falecido E…, posto que pagou as subvenções no cumprimento de uma obrigação própria, que tem como correlato os descontos que o beneficiário fez; finalmente, deduziu incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros H…, S.A., de F… e de G…, incidente que, em face de esclarecimento prestado pelo requerente, foi admitido como intervenção acessória.
Por seu turno, a ré D… apresentou contestação, defendendo-se por exceção dilatória, alegando carecer de legitimidade passiva para a lide, porquanto, na data da ocorrência do acidente, existia seguro válido e em vigor celebrado com a Companhia de Seguros I…, S.A. que cobria a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo com a matrícula UL-..-..; refere igualmente que a autora carece de legitimidade ativa para intentar a presente ação, dado que o direito de peticionar qualquer indemnização cabe apenas às herdeiras do falecido E…; defendeu-se também por exceção perentória, invocando a prescrição do direito que a autora pretende fazer valer na presente demanda; em sede de impugnação, alegou que a responsabilidade pela produção do acidente se ficou a dever ao condutor do TD, já que, no momento do embate, circulava a uma velocidade de 170 Km/hora (quando o limite legal nesse local seria de 50 Km/hora), não conseguindo imobilizar esse veículo antes do embate e no espaço livre e visível à sua frente, embatendo violentamente no veículo UL e provocando o seu capotamento; mais alegou que, apesar de ser formalmente a proprietária do veículo UL, na ocasião do acidente, o mesmo não era conduzido por sua conta e no seu interesse, pois encontra-se separada de facto do condutor do veículo desde 27 de outubro de 2012; referiu que, em todo o caso, nunca a autora se poderá subrogar relativamente a prestações futuras e deduziu incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros I…, S.A., assentando tal chamamento no facto de, na data da ocorrência do acidente, se encontrar transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pela circulação do veículo com a matrícula UL-..-.. para a seguradora chamada, incidente esse que foi admitido.
O Ministério Público foi citado em representação dos incertos.
O Centro Distrital de Segurança Social do Porto informou ter sido concedido apoio judiciário a D… na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
A autora replicou pugnando pela improcedência das exceções suscitadas pelos réus contestantes.
A interveniente principal I… – Companhia de Seguros, S.A. apresentou contestação, na qual invocou a prescrição do direito exercido pela autora, alegando ainda que o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que segurava os riscos de circulação do veículo de matrícula UL-..-.. enferma de nulidade, porquanto o tomador do seguro, J…, pai do falecido C…, declarou falsamente ser o dono do veículo UL e ser o seu condutor habitual, invocando, a título subsidiário, a anulabilidade do mesmo contrato e pelos mesmos fundamentos; mais alegou que a culpa na produção do acidente se ficou a dever ao comportamento do condutor do veículo TD, que, nas circunstâncias em que tal evento ocorreu, imprimia ao veículo que conduzia uma velocidade superior a 190 Km/hora.
As intervenientes acessórias F… e G… apresentaram articulado invocando a prescrição do eventual direito de regresso a exercer pelo Fundo de Garantia Automóvel e impugnaram alguns dos factos alegados na contestação desta entidade, bem como na petição inicial, acompanhando o Fundo de Garantia Automóvel na invocação da prescrição do direito exercido pela autora, bem como na inviabilidade da pretensão da autora de subrogação em prestações futuras e impugnaram todos os factos articulados na contestação da ré D….
A interveniente acessória Companhia de Seguros H…, S.A. contestou invocando a prescrição do direito exercido pela autora, a inexistência de subrogação ou de direito de regresso relativamente a prestações futuras e alegou que não foram alegados factos pelo Fundo de Garantia Automóvel que fundamentem a sua intervenção nos autos, afirmando que a culpa na produção do acidente se ficou a dever ao comportamento do condutor do veículo UL e terminou impugnando parte das contestações oferecidas pelos réus Fundo de Garantia Automóvel e D…, bem como parte da petição e da réplica oferecidas pela autora.
I… – Companhia de Seguros, S.A. ofereceu articulado em que impugnou parte das contestações oferecidas pelas intervenientes F…, G… e pela Companhia de Seguros H…, S.A.
Companhia de Seguros H…, S.A. impugnou parte da contestação oferecida pela I… – Companhia de Seguros, S.A. e alegou que, face ao teor da contestação oferecida pelas intervenientes F… e G…, é patente que estas têm plena consciência de estarem a receber prestações em duplicado que decorrem de um mesmo facto jurídico.
F… e G… vieram oferecer articulado em que afirmam dever considerar-se impugnada toda a factualidade vertida nas contestações da I… – Companhia de Seguros, S.A. e da Companhia de Seguros H…, S.A. que esteja em oposição com a defesa daquelas.
A autora ofereceu réplica às contestações da I… – Companhia de Seguros, S.A., de F… e G… e da Companhia de Seguros H…, S.A., pugnando pela improcedência da defesa por excepção constante de tais articulados.
D… ofereceu articulado que denominou de réplica à contestação da chamada I… Companhia de Seguros, S.A., impugnando alguma da factualidade invocada para integrar a falsidade das declarações do tomador do seguro do veículo UL e referindo que o contrato de seguro foi alterado por sugestão de um mediador de seguros e por conta da chamada, pugnando pela legitimidade passiva desta para o pleito; a mesma ré pronunciou-se sobre as contestações das chamadas F…, G… e Companhia de Seguros H…, S.A.
A I… Companhia de Seguros, S.A. ofereceu articulado impugnando a factualidade vertida na réplica da autora que se ache em oposição com a sua contestação e, noutro articulado, pronunciou-se sobre a “réplica” da ré D…, reafirmando a nulidade do contrato de seguro por si invocada.
A ré D… veio arguir a nulidade do articulado oferecido na sequência da sua “resposta”, requerendo o seu desentranhamento dos autos ou que seja considerado não escrito e, na eventualidade de assim se não entender, reiterou a posição que assumiu na sua “resposta”.
A autora foi convidada a juntar aos autos cópia e respectiva tradução das normas de direito estrangeiro invocadas por aquela, convite que acatou.
Realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual a autora requereu prazo para dedução de incidente de intervenção principal dos herdeiros legitimários de C…, pretensão que foi deferida.
A autora deduziu incidente de intervenção principal provocada de D…, J… e K…, na qualidade de herdeiros de C…, o qual foi admitido.
Os intervenientes J… e K… apresentaram contestação na qual invocam a prescrição do direito que a autora pretende fazer valer na presente demanda, defendendo igualmente carecerem de legitimidade passiva para a lide, porquanto, à data do acidente, havia seguro válido e eficaz que cobria a responsabilidade civil por danos ocasionados pela circulação do UL; contestaram, de igual modo, por impugnação, concluindo pela improcedência da invocada nulidade do contrato de seguro que cobria os riscos da circulação do UL.
A autora replicou concluindo pela improcedência das exceções invocadas na contestação apresentada pelos intervenientes J… e K….
I… – Companhia de Seguros, S.A., notificada da contestação oferecida pelos intervenientes J… e K… veio reiterar a posição que assumiu na sua contestação.
A ré D…, notificada da contestação oferecida pelos intervenientes J… e K… veio reiterar a posição que assumiu na sua contestação.
O Fundo de Garantia Automóvel, notificado do requerimento apresentado pela interveniente I… – Companhia de Seguros, S.A. veio requerer o seu desentranhamento dos autos, por ser ilegal.
A ré D…, notificada da “resposta” da I… – Companhia de Seguros, S.A. às contestações de J… e K…, reiterou a contestação por aqueles apresentada.
O Centro Distrital de Segurança Social do Porto veio informar ter sido concedido apoio judiciário a J… e K…, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Realizou-se audiência preliminar em duas sessões, fixando-se o valor da causa no montante de € 285.980,54 e proferiu-se despacho saneador no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa e passiva invocada por D…, J…, K…, relegando-se para final o conhecimento das exceções perentórias de prescrição, pagamento e de invalidade do contrato de seguro. Procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se a matéria de facto assente, da controvertida, esta última a integrar a base instrutória.
As partes ofereceram os seus meios prova, sendo deferida reclamação e ampliação da matéria de facto requeridas pelo Fundo de Garantia Automóvel e admitidas as provas oferecidas pelas partes.
Produziu-se carta rogatória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento em quatro sessões, a última das quais para resposta à matéria vertida na base instrutória, tendo sido informado na primeira sessão que I… – Companhia de Seguros, S.A. e Companhia de Seguros H…, S.A. se fundiram por incorporação, passando a sua denominação a ser H… Companhia de Seguros, S.A..
Proferiu-se decisão sobre a matéria de facto.
Após, solicitou-se informação aos intervenientes principais J…, K… e D… sobre a efetivação de partilhas por óbito de C… e, obtida a informação pretendida, com a necessária documentação, a 16 de Dezembro de 2014[2], foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando J…, K… e D…, na qualidade de herdeiros de C… e na proporção das quotas que a cada um deles coube na herança deste último, a pagar à autora a quantia de € 13.802,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a sua citação até efectivo pagamento, sendo absolvidos os demais intervenientes e demandados dos pedidos contra si deduzidos[3].
A 02 de Fevereiro de 2015, inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. A sentença objecto do presente recurso, apesar da sua irrepreensível estrutura e coerência, na análise de cada um dos segmentos que constituem o caso dos autos, não extraiu dos factos apurados e das normas aplicáveis todas as consequências que o Direito permitiria.
2. A Recorrente considera que a decisão judicial impugnada deveria ter-se pronunciado diferentemente quanto às consequências da anulabilidade do contrato de seguro relativo ao veículo UL-..-.., quanto aos pagamentos efectuados pelo Apelado Fundo de Garantia Automóvel, bem como quanto à determinação das prestações atingidas pela prescrição.
3. A jurisprudência produzida em período anterior à entrada em vigor do D.L. 72/2008, de 16 de Abril, foi no sentido de considerar que o disposto no art.º 429º do Código Comercial, não obstante referir-se expressamente à “nulidade”, tinha em vista uma mera anulabilidade.
4. O Tribunal a quo, embora aceitando tal posição, não declarou a anulabilidade do contrato de seguro de 11.6.1999, relativo aos riscos de circulação do veículo UL-..-...
5. À data da celebração do contrato de seguro relativo ao UL-..-.. (11.6.1999), bem como à data do acidente dos autos (20.5.2004), não estava em vigor o D.L. 72/2008, de 16 de Abril, pelo que a declaração de anulabilidade do contrato de seguro não operava pela forma prevista nos artigos 24º/1 e 25º/1 do citado diploma, ou seja, por comunicação da seguradora ao segurado.
6. Nos termos do disposto no art.º 12º do C.C., as regras aplicáveis à consumação e à validade formal do contrato de seguro relativo ao UL-..-.. eram as resultantes do D.L. 522/85, de 31 de Dezembro, bem como os artigos 425º a 462º do Código Comercial.
7. O art.º 14º do D.L. 522/85, de 31 de Dezembro, determina a inoponibilidade da anulabilidade prevista no art.º 429º do Código Comercial aos lesados com o acidente de 20.5.2004 e, reflexamente, ao Apelado Fundo de Garantia Automóvel e à Apelante.
8. À data do acidente dos autos, ocorrido a 20.5.2004, o seguro relativo ao veículo UL-..-.. era juridicamente eficaz relativamente aos lesados nesse sinistro.
9. A condenação constante da sentença recorrida deveria ter incluído a responsabilização da Apelada H…, S.A., pelo ressarcimento dos prejuízos causados pelo condutor do veículo por si segurado, de forma solidária com os herdeiros desse condutor, nos termos do art.º 497º/1 do C.C.
10. A Apelante faz parte do Département Fédéral des Finances (Departamento Federal de Finanças – DFF) da Confederação Helvética e, mais concretamente, na respectiva Centrale de Compensation (Central de Compensação – CdC) do referido departamento, cabendo-lhe a gestão da execução da lei suíça e das Convenções Internacionais em que a Suíça é parte, nomeadamente quanto ao pagamento de pensões e à gestão de carreiras contributivas.
11. A Apelante é responsável originária e não culposa, por via da lei suíça, pelos prejuízos decorrentes de sinistros que determinem o pagamento de pensões aos respectivos lesados – e não apenas uma responsável subsidiária, como é o caso do Apelado Fundo de Garantia Automóvel.
12. A aproximação que o art.º 36º da Convenção de Segurança Social entre Portugal e a Suíça, aprovada pelo Decreto n.º 30/76, de 16 de Janeiro, opera entre a Apelante e o Apelado Fundo de Garantia Automóvel não determina qualquer identidade factual de posições entre ambas as entidades, no sentido de partilharem créditos ou obrigações, mas apenas uma semelhança de funcionamento, para efeitos de execução desse acordo internacional bilateral.
13. Não está demonstrado nos autos que os pagamentos feitos pelo Apelado Fundo de Garantia Automóvel às herdeiras do beneficiário da Apelante tenham correspondido a tudo o que lei exigiria que lhes fosse pago, pelo que a obrigação desse mesmo Apelado não se extinguiu pelo cumprimento.
14. Caso a posição da Apelante quanto à impossibilidade de opor a invalidade do contrato de seguro do UL-..-.. não seja aceite, o Apelado Fundo de Garantia Automóvel deverá ser chamado como co-responsável solidário pelas quantias devidas à Apelante.
15. Dos pagamentos do Apelado Fundo de Garantia Automóvel e da Apelante às herdeiras do beneficiário desta última, tal como foram demonstrados nos autos, deve concluir-se que aquelas herdeiras receberam em excesso o valor equivalente à coincidência das entregas, por ambas as mencionadas entidades, a título de compensação por danos patrimoniais – ou seja, € 59.648,88.
16. As herdeiras do beneficiário da Apelante deverão restituir a esta o excesso que dela auferiram, deduzido do que os Demandados responsáveis pelas consequências do acidente de 20.5.2004 forem em concreto condenados a pagar à mesma Apelante.
17. A restituição deverá ser consumada na mesma proporção em que tais herdeiras receberam da Apelante, ou seja, 66,67% para a herdeira Mulher, e 33,33€ para a herdeira Filha.
18. Face à função social de previdência da Apelante, a restituição deverá operar através da suspensão dos pagamentos de pensões pela Apelante às herdeiras do seu falecido beneficiário, pelo período necessário a que seja atingido o montante a restituir, solução que advém da aplicação analógica ao caso dos autos do disposto no art.º 9º/1 do D.L. 329/93 de 25 de Setembro (em vigor à data do acidente) e do art.º 6º/1 do D.L. 187/2007, de 10 de Maio, que posteriormente o revogou.
19. Todos os Demandados oportunamente arguiram a excepção peremptória de prescrição de créditos da Apelante, com base no disposto no art.º 498º/1 e 2 do C.C., pelo que esta última apenas poderá exigir dos mesmos as prestações que entregou às herdeiras do seu beneficiário até 3 anos antes da citação de cada um deles.
20. Os herdeiros de C… foram citados, pessoalmente e como tal, em 30.9.2011.
21. Tais herdeiros – J…, K… e D… – haviam já sido citados em 15.2.2010 (os dois primeiros, como incertos) e 15.3.2010 (a terceira, pessoalmente, como proprietária do veículo UL-..-.. à data do acidente).
22. As citações feitas nesses termos exprimiram a intenção da Apelante de exercer os direitos que invoca nestes autos, pelo que, por via do art.º 323º/1 e 4 do C.C., esses actos judiciais interromperam os prazos prescricionais em curso na data da sua consumação.
23. A Apelada H…, S.A. foi citada em 18.11.2010.
24. As herdeiras do falecido beneficiário da Apelante foram citadas em 17.12.2010.
25. A charneira da prescrição limita a exigibilidade dos créditos da Apelante a (i) € 15.492,57, perante os Apelados J…, K…, D…, todos estes, na proporção e até ao que receberam em partilha sucessória, e H…, S.A., solidariamente; (ii) € 4.729,19, perante os Apelados J…, K… e D…, na proporção e até ao que receberam em partilha sucessória, solidariamente; (iii) € 658,65, perante os Apelados J… e K…, na proporção e até ao que receberam em partilha sucessória, solidariamente; (iv) toso os montantes anteriormente apurados, perante o Apelado Fundo de Garantia Automóvel, a título de obrigação solidária; e (v) consoante o que o Tribunal de recurso a esse respeito decidir, perante as herdeiras do seu beneficiário, através da entrega ou da suspensão do pagamento de pensões às mesmas até à coincidência com o montante devido, na proporção de 66,7% para a herdeira Mulher e de 33,33% para a herdeira Filha, o valor eventualmente necessário para, depois de apuradas as quantias devidas pelos Demandados anteriores, em virtude da limitação decorrente da partilha por óbito, se perfazer o montante de € 20.880,41.
26. Atenta a alegação que antecede, e as respectivas conclusões, considera a Apelante ter a sentença recorrida preterido o disposto no art.º 14º do D.L. 522/85, de 31 de Dezembro, bem como os artigos 12º, 323º/1 e 4 e 498º/1 e 2, todos do C.C.
27. Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão impugnada e proferindo-se acórdão que proceda à aplicação das normas agora invocadas, na sequência e pela forma acima sustentada.”
O Fundo de Garantia Automóvel contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação em virtude da factualidade provada não ser bastante para demonstrar que a recorrente é titular de algum direito, adquirido por subrogação e exercitável contra si, tendo a obrigação do Fundo sido cumprida e extinguindo-se, desta forma, os direitos dos lesados contra si e, ainda, que atenta a sua natureza subsidiária, a pretensão do credor subrogado apenas poderia ser exercida contra o lesante a título directo; além disso, prevenindo a procedência do recurso da autora, requereu a ampliação do objecto do recurso, pedindo a condenação da dona do veículo UL que omitiu a celebração do contrato de seguro e deu azo à sua invalidade e bem assim o conhecimento da exceção de prescrição que suscitou na contestação.
D… contra-alegou afirmando pretender a ampliação do objecto do recurso, reiterando argumentação já aduzida na sua contestação, isto é, a sua ilegitimidade passiva, a prescrição do direito acionado pela recorrente e arguindo a nulidade da sentença recorrida[4], por violar o disposto no nº 1, do artigo 498º do Código Civil.
H… – Companhia de Seguros, S.A. contra-alegou pugnou pela total improcedência do recurso de apelação com a consequente confirmação da sentença recorrida.
O Fundo de Garantia Automóvel, notificado das contra-alegações oferecidas pela ré D…, veio requerer que a exceção de prescrição que aí se mostra aduzida seja conhecida nos termos do artigo 665º do Código de Processo Civil[5].
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, não se admitindo, neste tribunal, a ampliação do âmbito do recurso requerido pelo Fundo de Garantia Automóvel e admitindo-se, em parte, a ampliação do âmbito do recurso requerido pela ré D… e, após audição das partes, decidiu-se mandar seguir como recurso subordinado a ampliação do âmbito do recurso requerida por D…, na qualidade de herdeira de C….
Ordenou-se a citação do Ministério Público para os efeitos previstos no artigo 325º do Código de Processo Civil.
Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto dos recursos principal e subordinado delimitados pelas recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos) e da ampliação do âmbito do recurso (artigo 636º, nº 1, do Código de Processo Civil), por ordem lógica[6] e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
I. Do recurso principal e do subordinado
2.1 Da nulidade da sentença recorrida por violação do nº 1, do artigo 498º do Código Civil (questão do recurso subordinado);
2.2 Da oponibilidade à autora da anulabilidade do contrato de seguro referente ao veículo UL (questão do recurso principal);
2.3 Da ilegitimidade passiva da ré D…, na qualidade de herdeira de C… e da ilegitimidade ativa da recorrente principal (questão do recurso subordinado);
2.4 Dos reflexos dos pagamentos efectuados pelo Fundo de Garantia Automóvel aos lesados na pretensão da autora (questão do recurso principal);
2.5 Da determinação do termo final da prescrição do direito exercido pela autora (questão do recurso principal);
II. Da ampliação do âmbito do recurso requerida pela ré D…
2.6 Da ilegitimidade passiva da ré D… e da ilegitimidade ativa da recorrente principal (questão suscitada a título de ampliação do âmbito de recurso nas contra-alegações);
2.7 Da nulidade da sentença recorrida por violação do nº 1, do artigo 498º do Código Civil (questão suscitada a título de ampliação do âmbito de recurso nas contra-alegações).
3. Fundamentos de facto não impugnados, não se divisando qualquer fundamento legal para a sua oficiosa alteração, a que se aditam os factos julgados plenamente provados na sentença recorrida, em sede de fundamentação de direito, sem qualquer impugnação das partes
3.1
A autora é uma instituição de previdência de direito suíço (alínea A) da matéria
de facto assente).
3.2
E… era segurado/beneficiário da autora, tendo sido titular da apólice nº …….........., o qual manteve a sua residência na Confederação Suíça entre 1989 e 1998, tendo nesse período aí exercido uma atividade lucrativa (resposta ao facto
controvertido nº 1).
3.3
No dia 20 de Maio de 2004, E… circulava na Estrada Interior da Circunvalação, no Porto, no motociclo que lhe pertencia, de matrícula ..-..-TD, no sentido … – … (resposta ao facto controvertido nº 2).
3.4
O TD circulava na Estrada Interior da Circunvalação, no sentido Oeste/Este (resposta ao facto controvertido nº 15).
3.5
O UL circulava na Estrada Exterior da Circunvalação, no sentido Este/Oeste (resposta ao facto controvertido nº 14).
3.6
A Estrada Interior da Circunvalação e a Estrada Exterior da Circunvalação são estradas paralelas, que ligam a zona Este à zona Oeste do Porto e que são separadas, exceto nas zonas de cruzamentos, por um separador central que, regra geral, está ajardinado (resposta ao facto controvertido nº 16).
3.7
A circulação no sentido Este/Oeste faz-se através da Estrada Exterior da Circunvalação, sendo que a circulação no sentido Oeste/Este se faz pela Estrada Interior da Circunvalação (resposta ao facto controvertido nº 17).
3.8
A Estrada Interior da Circunvalação, na zona do sinistro dos autos, caracteriza-se por ser uma reta com visibilidade superior a 200m, em ambos os sentidos de marcha, com duas hemifaixas de rodagem, com cerca de 3,5 metros de largura cada uma (resposta ao facto controvertido nº 18).
3.9
A Estrada Exterior da Circunvalação, na zona do sinistro, apresenta 3 (três) hemifaixas de rodagem, com 3,5 metros de largura cada uma, sendo que as hemifaixas do meio e da direita servem para quem pretende seguir o sentido em direção a Oeste, enquanto a hemifaixa mais à esquerda serve para quem pretende inverter o sentido de marcha e passar a circular na Estrada Interior da Circunvalação ou para quem pretende virar para passar a circular na Rua … (resposta ao facto controvertido nº 19).
3.10
A zona do acidente caracteriza-se, ainda, por ser uma zona de entroncamento/cruzamento entre as Estradas Interior/Exterior da Circunvalação e as Ruas … e … (resposta ao facto controvertido nº 20).
3.11
A Rua … apresenta-se à direita da Estrada Interior da Circunvalação, sendo que a Rua … se apresenta à direita da Estrada Exterior da Circunvalação (resposta ao facto controvertido nº 21).
3.12
O trânsito neste entroncamento/cruzamento é regulado por sinalização semafórica (resposta ao facto controvertido nº 22).
3.13
Quando o sinal de semáforo se encontra na posição “verde” quer na Estrada Exterior da Circunvalação quer na Estrada Interior da Circunvalação, para os veículos que seguem a sua marcha quer no sentido Este/Oeste quer no sentido oposto, existe uma luz do semáforo, na posição amarela, que funciona de forma intermitente, isto para os veículos que circulam na hemifaixa de rodagem mais à esquerda da Estrada Exterior da Circunvalação e cujos seus condutores pretendem ou inverter a marcha dos veículos por si conduzidos ou prosseguir a sua marcha em direção à Rua … (resposta ao facto controvertido nº 23).
3.14
O limite de velocidade na Estrada Interior da Circunvalação é de 50 km/h (resposta ao facto controvertido nº 24).
3.15
O tempo estava seco sendo o pavimento da via em asfalto e encontrava-se em razoável estado de conservação (resposta ao facto controvertido nº 25).
3.16
A Estrada Interior da Circunvalação era ladeada por edificações, nomeadamente stands automóveis, casas de habitação e casas de restauração (resposta ao facto controvertido nº 26).
3.17
O UL circulava na Estrada Exterior da Circunvalação e pretendia seguir em direção à Rua … (resposta ao facto controvertido nº 27).
3.18
O condutor do UL colocou-se na hemifaixa de rodagem mais à esquerda da via pela qual circulava (resposta ao facto controvertido nº 28).
3.19
O semáforo encontrava-se na posição de verde para os veículos que pretendiam seguir na direção Este/Oeste (resposta ao facto controvertido nº 29).
3.20
E na posição de amarelo, intermitente, para os veículos que, como sucedia com o condutor do UL, pretendiam passar a circular na Rua … (resposta ao facto controvertido nº 30).
3.21
Pelas 23 horas e 35 minutos, do dia 20 de maio de 2004, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-JB, conduzido por L…, e um táxi estavam imobilizados no semáforo localizado no cruzamento da via referida em 3º [3.3] com a Rua …, à esquerda, e a Rua …, à direita, uma vez que o semáforo apresentava luz encarnada, aguardando ambos que o mesmo acendesse a luz verde (resposta aos factos controvertidos nºs 3, 4 e 5).
3.22
Quando o semáforo mudou a luz para verde, o táxi e o veículo ..-..-JB arrancaram em velocidade lenta (resposta ao facto controvertido nº 6).
3.23
O condutor do UL iniciou a manobra de atravessamento da primeira das duas hemifaixas da Estrada Interior da Circunvalação, sendo aí embatido pelo TD (resposta ao facto controvertido nº 33).
3.24
O TD circulava a uma velocidade não inferior a 100 km/h (resposta ao facto controvertido nº 34).
3.25
O condutor do TD tinha toda a hemifaixa direita da Estrada Interior da Circunvalação para passar pelo UL (resposta ao facto controvertido nº 35).
3.26
O embate deu-se entre a parte frontal do TD e a parte lateral direita, zona central, do UL provocando o capotamento deste (resposta ao facto controvertido nº 36).
3.27
O UL invadiu a hemifaixa de rodagem por onde circulava o TD (resposta ao facto controvertido nº 39).
3.28
Nos momentos que antecederam o acidente o UL circulava na Circunvalação mas em sentido contrário ao do TD (resposta ao facto controvertido nº 40).
3.29
O embate entre o UL e o TD processou-se na hemifaixa de rodagem esquerda da Estrada Interior da Circunvalação, atento o sentido …-…, sendo que em consequência desse embate E… foi arremessado ao solo, tendo sido projetado de rojo para junto da berma da via em que se deu o embate entre os referidos veículos (resposta aos factos controvertidos nºs 9 e 10).
3.30
Em consequência do acidente, o condutor do UL-..-.. faleceu no próprio local (resposta ao facto controvertido nº 11).
3.31
Tendo E… ficado gravemente ferido, sendo de imediato transportado para o Hospital de S. João do Porto pelo INEM (resposta ao facto controvertido nº 12).
3.32
E minutos depois de aí ter chegado, já no dia 21 de Maio de 2004, faleceu em consequências das lesões sofridas em virtude do acidente (resposta ao facto controvertido nº 13).
3.33
Desde 26 de junho de 1999 encontrava-se registada a favor de D… a propriedade do veículo UL-..-.., o qual, aquando do acidente, era conduzido por C… (resposta ao facto controvertido nº 8).
3.34
Em 20 de Maio de 2004 existia um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice nº AU…….., que segurava os riscos de circulação do veículo de matrícula UL-..-.. (alínea D) da matéria de facto assente).
3.35
Aquando da celebração do contrato referido em 34º [3.34] o respetivo tomador, J…, declarou ser o condutor habitual do veículo de matrícula UL-..-.. (resposta ao facto controvertido nº 58).
3.36
E declarou que tal veículo lhe pertencia (resposta ao facto controvertido nº 59).
3.37
Na data da celebração do contrato referido em 34º [3.34] o condutor habitual do veículo de matrícula UL-..-.. era C…, filho de J… (resposta ao facto controvertido nº 60).
3.38
O qual tinha carta de condução há menos de dois anos, contando 23 anos de idade (resposta ao facto controvertido nº 61).
3.39
Na data da celebração do contrato referido em 34º [3.34] o veículo de matrícula UL-..-.. pertencia à corré D… (resposta ao facto controvertido nº 62).
3.40
Os factos referidos em 37º e 38º [3.37 e 3.38] a terem sido declarados à Companhia de Seguros I…, S.A. teriam dado lugar a um agravamento do prémio de seguro (resposta ao facto controvertido nº 63).
3.41
E se o facto referido em 39º [3.39] fosse declarado à Companhia de Seguros I…, S.A. esta não celebraria o contrato de seguro (resposta ao facto controvertido nº 64).
3.42
A autora pagou à viúva de E…, F…, desde 1 de Junho de 2004, uma pensão mensal de CHF 846,00 (resposta ao facto controvertido nº 42).
3.43
A partir de 1 de Janeiro de 2005, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 862,00 (resposta ao facto controvertido nº 43).
3.44
A partir de 1 de Janeiro de 2007, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 882,00 (resposta ao facto controvertido nº 44).
3.45
E a partir de 1 de Janeiro de 2009, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 914,00 (resposta ao facto controvertido nº 45).
3.46
Entre 1 de Junho de 2004 e 31 de Dezembro de 2009, a autora pagou a F…, o montante de CHF 58.842,00 (€ 39.769,93) (resposta ao facto controvertido nº 46).
3.47
A autora pagou à filha de E…, G…, desde 1 de Junho de 2004, uma pensão mensal de CHF 423,00 (resposta ao facto controvertido nº 47).
3.48
A partir de 1 de Janeiro de 2005, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 431,00 (resposta ao facto controvertido nº 48).
3.49
A partir de 1 de Janeiro de 2007, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 443,00 (resposta ao facto controvertido nº 49).
3.50
E a partir de 1 de Janeiro de 2009, pagou-lhe uma pensão mensal de CFH 457,00 (resposta ao facto controvertido nº 50).
3.51
Entre 1 de Junho de 2004 e 31 de Dezembro de 2009, a autora pagou a G…, o montante de CHF 29.421,00 (€ 19.878,95) (resposta ao facto controvertido nº 51).
3.52
A autora criou reservas matemáticas, para o pagamento da pensão devida a F…, no montante de CHF 187.071,00 (€ 126.417,00) (resposta ao facto controvertido nº 52).
3.53
E criou reservas matemáticas para o pagamento da pensão devida a G… no montante de CHF 147.807,00 (€ 99.914,66) (resposta ao facto controvertido nº 53).
3.54
O 1º corréu procedeu ao pagamento às herdeiras de E…, da quantia de € 70.000,00, a título de indemnização pela perda do direito à vida, pelo sofrimento sofrido pela malograda vítima com o vislumbre da morte e pelos danos não patrimoniais
sofridos pela viúva e filha com a morte do marido e pai (resposta ao facto controvertido nº 54).
3.55
O 1º corréu pagou à Companhia de Seguros H…, S.A. a importância de € 151.016,97, a título de despesas com o funeral, subsídio por morte e com as pensões de sobrevivência (resposta ao facto controvertido nº 55).
3.56
Sendo que dessa quantia € 26.095,18 corresponde a pagamento feito à viúva a título de pensões (resposta ao facto controvertido nº 56).
3.57
E que dessa importância, € 119.285,54 corresponde a pagamento feito à filha a título de pensões (resposta ao facto controvertido nº 57).
3.58
E a quantia de € 5.636,26, a título de despesas com transportes, alojamento, despesas com o funeral e subsídio por morte (resposta ao facto controvertido nº 57-A).
3.59
Foi enviada ao 1º corréu a carta que se mostra junta a fls. 34 a 37 dos autos[7], à
qual este respondeu através da missiva junta a fls. 40[8] (alínea B) da matéria de facto
assente).
3.60
Pela 2ª Secção do DIAP do Porto, correu o inquérito nº 361/04.9TDPRT, o qual culminou com uma decisão de arquivamento nos termos que constam de fls. 108 e seguinte[9] (alínea C) da matéria de facto assente).
3.61
No processo nº 5616/05.6TBMTS, do 4º Juízo Cível do Porto, D…, J… e K…, acordaram em pôr termo à lide mediante a celebração da seguinte transacção, judicialmente homologada por sentença proferida a 22 de Janeiro de 2008 e já transitada em julgado:
“I – Metade do Bem ímovel do activo da herança:
1º A cabeça de casal [D…] e os requerentes [J… e K…], em relação ao único bem imóvel constante do activo – VERBA 1 – acordam em atribuir-lhe o valor global de € 65.000,00.
2º O imóvel será colocado à venda, por ambos, pelo valor de € 69.000,00 de forma a assegurar o pagamento da respectiva comissão à imobiliária que conseguir angariar a venda.
3º Até à respectiva venda, a cabeça-de-casal poderá usufruir do imóvel, nele habitando.
4º Na data da respectiva escritura pública de compra e venda serão pagas as tornas respectivas que a cabeça de casal e os requerentes têm direito, nos termos legais previstos, quanto à metade do imóvel relacionada neste processo.
II – Metade dos Bens móveis do activo da herança:
5º Quanto aos bens móveis relacionados nas VERBAS 2, 3 e 4 acordam que ficam adjudicados à cabeça de casal pelos valores de, respectivamente, € 750,00, € 550,00 e € 200,00, sendo que cabeça de casal pagará as tornas respectivas a que os requerentes têm direito aquando da venda do bem imóvel como atrás se alude em I.
6º Quanto aos bens móveis relacionados nas VERBAS 5 e 6 acordam que ficam adjudicados à cabeça de casal pelos valores relacionados tendo já os requerentes desta recebido as respectivas tornas.
7º Quanto aos bens móveis relacionados nas VERBAS 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 acordam ambos prescindir de relacionar tais verbas como existentes no activo da herança, pelo que nada há a dividir ou a adjudicar.
8º Quanto aos bens móveis relacionados no Ponto 23º da Reclamação apresentada pelos requerentes nos autos, acordam ambos prescindir de relacionar tais verbas como existentes no activo da herança, pelo que nada há a dividir ou a adjudicar.
9º Quanto aos bens móveis relacionados na VERBA 19 (acções e depósitos a prazo), ambas as partes aceitam prescindir de relacionar os depósitos a prazo como existentes no activo da herança, pelo que nada há a dividir ou a adjudicar a este propósito e que o número de acções são os seguintes: 676 acções da “M…, SA” e 2631 acções da “N…, SA”, procedendo-se à partilha das mesmas da seguinte forma:
a) das 338 acções da “M…, SA”, são adjudicadas à cabeça de casal 282 acções e aos requerentes 56 acções;
b) das 2631 acções da “N…, SA”, são adjudicadas à cabeça de casal 2192 acções e aos requerentes 439 acções.
III – Passivo da herança
10º Quanto ao passivo relacionado na VERBA 20 fica prejudicado com o acordado em I.
11º Quanto ao passivo relacionado nas VERBAS 21, 22, 23, 24, 25 acordam ambos no reconhecimento da existência de tais verbas e aceitam pagar os respectivos montantes relacionados nas proporções legais respectivas.
12º Quanto ao passivo relacionado nas VERBAS 26 e 27 acordam ambos prescindir de relacionar tais verbas como existentes no passivo da herança, pelo que nada há a dividir ou a pagar.
13º Quanto ao passivo relacionado nos Pontos 32, 33, 34 e 35 da Reclamação apresentada pelos requerentes acordam ambos no reconhecimento da existência de tais passivos e aceitam pagar os respectivos montantes relacionados nas proporções legais respectivas. Sendo certo ainda, que a cabeça-de-casal já requereu, junto da Segurança Social, o respectivo subsídio de funeral obrigando-se esta a entregar aos requerentes a respectiva quantia que venha a receber na proporção legal.
14º Acordam ainda acrescentar ao passivo da herança a quantia de € 583,53 dispendida pela cabeça de casal no pagamento do IMI do bem imóvel da herança respeitante aos anos de 2004, 2005 e 2006, sendo que dessa quantia os requerentes se obrigam a pagar àquela a quantia de € 97,26.
IV – Custas
15º O pagamento das custas judiciais em dívida a juízo bem como o imposto de selo devido pela presente transacção, se a ele houver lugar, será suportado em partes iguais por ambas as partes, prescindindo ambas de custas de parte e procuradoria na parte disponível.”
3.62
No dia 31 de Julho de 2008, no Cartório Notarial do Sr. Notário O…, em Matosinhos, no livro de escrituras diversas número cento e noventa e sete-A, de folhas quarenta e uma a quarenta e três, foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros e partilha, na qual os seus outorgantes, D…, J… e K… declararam serem os únicos herdeiros de C…, falecido a 20 de Maio de 2004, sem deixar testamento ou outra disposição de última vontade, a primeira na qualidade de viúva do falecido e o segundo e a terceira, na qualidade de progenitores do finado; mais declararam que a herança aberta por óbito de C… era composta por uma fracção autónoma, designada pelas letras “AC”, correspondente a uma habitação no segundo andar esquerdo e na cave, lugar de aparcamento, com entrada pelo nº …, na Rua …, registada a favor do autor da herança e da viúva deste, ainda no estado de solteiros, na freguesia …, concelho de Matosinhos e descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número dois mil trezentos e quarenta e quatro, com o valor global de quarenta e quatro mil novecentos e sessenta euros; mais acordaram na adjudicação a D… da fracção antes descrita, declarando J… e K… terem recebido de D…, a título de tornas em dinheiro, a quantia de sete mil quatrocentos e noventa e três euros e três cents.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da nulidade da sentença recorrida por violação do nº 1, do artigo 498º do Código Civil (questão do recurso subordinado)
A recorrente subordinada imputa à sentença recorrida o vício de nulidade, em virtude de ter violado o disposto no nº 1, do artigo 498º do Código Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 615º, nº 1, do Código de Processo Civil típica os casos passíveis de integrar nulidade de sentença, de forma taxativa ao que cremos, sendo que todas as hipóteses legalmente previstas respeitam à violação de exigências formais da sentença.
A violação de uma norma substantiva, como é referido pela recorrente, não integra uma situação de nulidade de sentença, sendo antes uma hipótese típica de erro de julgamento por violação de lei substantiva.
Assim, face ao exposto, a sentença recorrida não enferma da nulidade que a recorrente subordinada lhe imputa, improcedendo esta questão.
4.2 Da oponibilidade à autora da anulabilidade do contrato de seguro referente ao veículo UL (questão do recurso principal)
A recorrente principal, estribando-se no disposto no artigo 14º do decreto-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, sustenta que a anulabilidade decorrente de declarações falsas ou de reticências prestadas pelo tomador, aquando da celebração do contrato de seguro não lhe é oponível, abonando-se com os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Setembro de 2006, proferido no processo nº 06A2276, da Relação do Porto de 18 de Junho de 2008, proferido no processo nº 0833208, da Relação do Porto de 02 de Dezembro de 2008, proferido no processo nº 0854261, da Relação do Porto de 29 de Setembro de 2009, proferido no processo nº 4473/03.1TBMAI.P1, do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Maio de 2011, proferido no processo nº 2693/07.9TBMTS.P1.S1, todos acessíveis nas respetivas bases de dados da DGSI.
A decisão recorrida não se debruçou desenvolvidamente sobre esta questão e cremos que isso não sucedeu por acaso, porquanto a autora, em sede de réplica, não suscitou a inoponibilidade da excepção perentória invocada pela I… – Companhia de Seguros, SA, tendo a sentença discorrido a propósito do vício do contrato de seguro, nos termos que seguem[10]:
“Com vista a neutralizarem a pretensão que contra eles é direcionada, na contestação que apresentaram, os referidos intervenientes advogam que na data da ocorrência do acidente se encontrava transferida para a interveniente principal Companhia de Seguros I…, S.A. os riscos de circulação do veículo de matrícula UL-..-.., mediante contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice nº AU……... Tal entendimento é rechaçado pela identificada seguradora, a qual argumenta que o referido contrato enferma de vício de nulidade/anulabilidade, porquanto o tomador do seguro prestou declarações inexatas e omitiu voluntariamente circunstâncias suas conhecidas que teriam podido influir, e influiriam, sobre a existência ou condições desse contrato.
A respeito de tal materialidade, resultou provado que, aquando da celebração do mencionado contrato de seguro, o respetivo tomador (o interveniente J…), declarou ser o condutor habitual do veículo, declarando outrossim que o mesmo lhe pertencia.
O certo é que ficou igualmente demonstrado que, na data da outorga desse contrato, o condutor habitual da viatura não era o indicado tomador, mas antes o seu filho D…, o qual tinha carta de condução há menos de dois anos, contando 23 anos de idade, sendo que nessa data o veículo pertencia (como anteriormente se salientou) à corré D….
Ainda em conformidade com o quadro factual apurado, esta última factualidade (isto é, que o condutor habitual do veículo não era o tomador do seguro mas antes o seu filho, que contava 23 anos de idade, sendo possuidor de carta de condução há menos de dois anos) a ter sido declarada à seguradora teria dado lugar a um agravamento do prémio de seguro (em valor correspondente ao triplo do que veio a ser efetivamente liquidado, tal como se dá nota na motivação da decisão de facto), sendo certo que a seguradora não celebraria contrato de seguro caso lhe tivesse sido declarado que o veículo não pertencia ao tomador do mesmo.
Tendo por base tal realidade factual importa, pois, apurar se efetivamente, aquando da ocorrência do ajuizado acidente de trânsito, se encontrava em vigor seguro válido e eficaz.
Considerando que o referido contrato de seguro foi celebrado em 11 de junho de 1999 e que o ajuizado acidente teve lugar no dia 20 de maio de 2004, por mor do disposto nos arts. 2º, nº 1 e 3º, nº 1, ambos do DL nº 72/2008, de 16.04, o normativo a trazer à colação para efeito de apreciação da enunciada questão será, pois, o art. 429º do Cód. Comercial, que no seu nº 1 dispõe que “toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem faz o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.
Assim, tal como deflui da exegese do normativo transcrito, o regime jurídico nele estipulado coloca o enfoque na objetividade dos factos praticados pelo proponente, pouco relevando o grau de culpa do mesmo, e no potencial vício da vontade do segurador.
Os pressupostos objetivos de tal preceito referem-se à ação ou omissão do proponente, cumprindo aí distinguir as declarações inexatas das reticências. Enquanto as primeiras traduzem a prestação de uma informação desconforme com a realidade, as reticências reportam-se à pura e simples omissão, sonegação, ocultação ou à incompletude de uma informação, sendo certo que a generalidade da doutrina e jurisprudência interpreta o referido normativo no sentido de que o requisito do conhecimento se reporta tanto às omissões como às declarações inexatas.
Outrossim, como defende a generalidade da doutrina atual e é também voz quase unânime na jurisprudência[11], a invalidade que comina o contrato viciado por uma declaração de risco com omissões e inexatidões é a anulabilidade.
Isto posto, perante as concretas afirmações de facto que adrede lograram demonstração, afigura-se-nos claro que o referido contrato de seguro se mostra inquinado de vício de anulabilidade face às apontadas declarações inexatas que foram prestadas pelo tomador do seguro relativamente à (falsa) indicação do condutor habitual do veículo e bem assim quanto à (falsa) indicação do proprietário do mesmo, porquanto, como se salientou, tais declarações tiveram influência determinante nas condições que vieram a ser contratadas, mormente no concernente ao valor do prémio convencionado.
Com efeito, é do domínio comum que, em regra, os condutores mais jovens e os mais inexperientes têm maior probabilidade de sofrer acidentes de viação e que, em consequência, os seguradores aplicam geralmente coeficientes de agravamento em função da idade do condutor habitual e da antiguidade da respetiva licença de condução, podendo mesmo os seguradores mais prudentes recusar a contratação de seguros em função de tais parâmetros. Idênticas considerações são válidas quando a inexatidão incide sobre a identidade do proprietário do veículo.
Daí que, nesse circunstancialismo, em face da inexistência de um válido contrato de seguro não poderá, pois, a interveniente Companhia de Seguros I…, S.A. ser chamada a responder pelas consequências do acidente de trânsito em questão, sendo que a afirmada invalidade contratual é oponível aos terceiros lesados[12].”
Cumpre apreciar e decidir.
No caso em apreço, conforme se concluiu na sentença recorrida, sem crítica da recorrente principal, é aplicável ao caso dos autos o regime jurídico que vigorava quando foi celebrado o contrato de seguro, bem como o regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel vigente na data do sinistro (vejam-se os artigos 2º, nº 1, do decreto-lei nº 72/2008 de 16 de Abril e o artigo 95º do decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto)[13].
Não é também objecto de controvérsia que no caso dos autos foram produzidas declarações falsas que influíram decisivamente na avaliação do risco e na celebração do contrato de seguro, patologia geradora de anulabilidade do contrato de seguro, segundo a decisão recorrida, ex vi artigo 429º do Código Comercial[14].
O dissídio apenas surge quando se questiona se a aludida anulabilidade do contrato de seguro por declarações falsas ou inexactas é oponível a terceiro lesado.
Na sentença recorrida, com o apoio de alguma doutrina e jurisprudência, entendeu-se que essa invalidade era oponível à autora, agora recorrente principal.
Ao invés, a recorrente principal, apoiada nalguma jurisprudência de tribunais superiores, sustenta que essa patologia não lhe é oponível.
Que dizer?
Nos termos do artigo 14º do decreto-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, “[p]ara além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro.”
Como se refere no preâmbulo do decreto-lei nº 522/85, a “institucionalização do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel revelou-se uma medida de alcance social, inquestionável, que, com o decurso do tempo, apenas impõe reforçar, procurando dar uma resposta cabal aos legítimos interesses dos lesados por acidentes de viação.”
Na interpretação do normativo supra transcrito afigura-se-nos que há que não perder de vista esta teleologia legal, sob pena de se pôr em causa o propósito tutelador almejado pelo legislador. E não se argumente para rebater esta consideração teleológica com o regime instituído para o Fundo de Garantia Automóvel que sempre acautelaria este propósito do legislador, porquanto a intervenção desta instituição não tem a amplitude da seguradora da responsabilidade civil automóvel (veja-se, atualmente, o artigo 49º do decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto e, anteriormente, o artigo 21º do decreto-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro)[15].
A invalidade oposta à ora recorrente principal não está prevista no diploma do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel[16], mas resulta antes do disposto no corpo do artigo 429º do Código Comercial, numa interpretação atualista, no que respeita a qualificação da consequência jurídica aí delineada. Por isso, não está preenchida a primeira parte do artigo 14º do decreto-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro.
Sendo uma anulabilidade, como sem controvérsia está assumido nos autos, também não se preenche a segunda parte do artigo que se acaba de citar que apenas prevê a resolução e a nulidade[17], em todo o caso, desde que anteriores ao sinistro[18]. Atente-se que em 1985, o legislador estava bem ciente da distinção entre a nulidade e a anulabilidade, tal como não podia ignorar a problemática das declarações iniciais sobre o risco falsas ou inexactas e a sanção que lhes estava associada.
Assim, na senda do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Março de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, no processo nº 2007/09.3TVPRT.P1.S1, acessível na base de dados da DGSI[19], concluímos que a anulabilidade do contrato de seguro do veículo UL-..-.., por efeito de declarações falsas ou inexactas do tomador do seguro, não é oponível à recorrente principal, razão pela qual a I… – Companhia de Seguros, SA, actualmente, Companhia de Seguros H…, SA responde civilmente perante a recorrente, devendo, nesta parte, revogar-se a sentença recorrida, quando concluiu no sentido da oponibilidade daquela anulabilidade à ora recorrente principal.
Uma vez que a Companhia de Seguros H…, SA não requereu a ampliação do âmbito do recurso, nomeadamente no que tange o direito de subrogação da recorrente principal e a medida da contribuição causal dos envolvidos no sinistro, deve a nossa análise, cingir-se ao conhecimento da exceção perentória de prescrição, ao abrigo do disposto no artigo 665º, nº 2, do Código de Processo Civil e à determinação do montante da obrigação de indemnizar, caso se conclua pela parcial procedência da exceção de prescrição.
Na contestação, a então I… – Companhia de Seguros, SA invocou a prescrição do direito da autora, baseando-se no disposto no nº 1, do artigo 498º do Código Civil, na ocorrência do acidente a 20 de Maio de 2004 e na circunstância da sua citação ter sido efectuada a 18 de Dezembro de 2010.
Na decisão recorrida, a propósito da matéria da prescrição, com pertinência para o caso escreveu-se o seguinte[20]:
“Como se notou, com o fito de neutralizar a pretensão de tutela jurisdicional aduzida pela autora, foi invocada pelos demandados a exceção da prescrição do direito daquela, exceção essa que assume natureza perentória de carácter material, posto que se traduz na invocação de um objeto cuja procedência obsta à produção dos efeitos decorrentes do objeto definido pela demandante e determina a absolvição, total ou parcial, do pedido por este formulado (cfr. arts. 571º, nº 2 in fine e 576º, nº 3, ambos do Cód. Processo Civil).
A propósito da prescrição[21] na responsabilidade civil extracontratual rege o art. 498º, que, no seu nº 1, consagra uma prescrição especial de curto prazo, que se estriba, primordialmente, em razões de perecimento da prova que o decurso do tempo inelutavelmente ocasiona.
Dispõe, com efeito, o citado normativo que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (...)”.
Por seu turno, o nº 2 do mesmo artigo estabelece que “prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre responsáveis”.
No caso sub judice discute-se se o direito da autora assume natureza de direito de regresso em sentido próprio, ou antes de sub-rogação.
É certo que formalmente a Loi Fédérale sur l`Assurance Vieillesse et Survivants (Lei suíça sobre o seguro de velhice e sobreviventes), a Loi sur l`Assurance Invalidité (Lei Suíça sobre o seguro de invalidez), a Loi Fédérale sur l`Assurance Accidentes (lei suíça sobre seguros de acidentes), bem como a Convenção de Segurança Social entre Portugal e a Suíça, aprovada pelo Decreto nº 30/76, de 16.01, aludem a um direito de subrogação (direito esse que o Estado Português se obrigou a reconhecer, por força do disposto no art. 93º do Regulamento (CEE) nº 1408/71, do Conselho, de 14.06.1971).
No entanto, afigura-se-nos que o direito da autora é um verdadeiro direito de regresso, já que tal direito é inerente ao que normalmente se designa por uma solidariedade imperfeita entre devedores, pois que sendo a autora responsável pela satisfação dos danos decorrentes do acidente para o seu beneficiário e seus herdeiros (no caso do seu óbito, como foi o caso), só o é, como anteriormente se referiu, subsidiariamente.
Acresce que, por mor do estatuído na LAVS, a autora estava legalmente obrigada a indemnizar o seu beneficiário/segurado ou os respetivos herdeiros por causa do sinistro em questão, circunstância essa que, na nossa perspetiva, contende com a qualificação do seu direito como um verdadeiro direito de sub-rogação, porquanto, nessas condições, não tinha a qualidade de terceira, como é suposto pelo nº 1 do art. 592º.
Daí que, com a satisfação do pagamento das pensões devidas às herdeiras do seu beneficiário, e só com esse pagamento, surge na esfera jurídico-patrimonial da autora um direito de crédito verdadeiramente novo, embora consequente à extinção daquela relação creditícia anterior.
Como quer que seja, pese embora o enunciado linguístico plasmado no nº 2 do citado art. 498º apenas se refira ao direito de regresso, o certo é que, por argumento de identidade de razão, se vem defendendo que o mesmo é igualmente aplicável à sub-rogação[22].
Nessas circunstâncias, o direito que a demandante se arroga deveria, pois, ser exercitado dentro do prazo de três anos, não se aplicando, contrariamente ao entendimento que preconiza, o alargamento previsto no nº 3 do art. 498º, já que esse alargamento apenas beneficia o próprio lesado[23].
E, na esteira da jurisprudência majoritária[24], igualmente entendemos que o dies a quo do aludido prazo prescricional corre a partir de cada pagamento parcelar e não a partir do último pagamento.”
Cumpre apreciar e decidir.
A longa citação da decisão recorrida, com a qual se concorda, dispensa-nos de maiores desenvolvimentos, apenas se justificando um enfoque especial na razão pela qual a prescrição não pode operar, no caso em apreço, nos termos que foram sustentados pela então I… – Companhia de Seguros, SA.
Na perspectiva desta antecessora da recorrida Companhia de Seguros H…, SA, decorrido o prazo prescricional contado da data do sinistro, extinguir-se-ia a totalidade do crédito exercido pela recorrente, independentemente da sua obrigação se prolongar ao longo dos anos.
A proceder a argumentação da I…, prescreveriam créditos que a autora não podia exercer porque ainda não tinha efectuado as prestações em causa. Por um lado, pacificamente, sustenta-se que a recorrente não pode exercer o seu direito relativamente a prestações futuras. Por outro lado, na visão daquela contestante, decorrido o prazo prescricional contado da ocorrência do sinistro, extinguir-se-ia na totalidade o crédito da recorrente, mesmo relativamente a prestações ainda não realizadas e que está obrigada a efectuar ao longo de um lapso temporal mais ou menos alargado.
Parece claro que esta argumentação da antecessora da Companhia de Seguros H…, SA não pode proceder, pois que a sua admissão equivaleria a permitir a prescrição de direitos que ainda não podiam ser exercidos e que, em rigor, ainda nem sequer se mostravam constituídos.
Assim, tudo sopesado, atenta a citação da I… no dia 18 de Novembro[25] de 2010 (veja-se folhas 145), prescreveram as pretensões da autora que respeitam a prestações realizadas antes de 18 de novembro de 2007 e apenas poderão ser atendidas as que foram cumpridas a partir dessa data.
Neste circunstancialismo, as prestações a atender são as seguintes:
I. relativamente a pagamentos efetuados a F…:
- uma prestação no montante unitário de CFH 882,00 (dezembro de 2007)
- doze prestações no montante unitário de CFH 882,00 (janeiro de 2008 a dezembro de 2008);
- doze prestações no montante unitário de CFH 914,00 (janeiro de 2009 a dezembro de 2009), tudo num total de CFH 22.434,00;
II. relativamente a pagamentos efetuados a G…:
- uma prestação no montante unitário de CFH 443,00 (dezembro de 2007)
- doze prestações no montante unitário de CFH 443,00 (janeiro de 2008 a dezembro de 2008);
- doze prestações no montante unitário de CFH 457,00 (janeiro de 2009 a dezembro de 2009), tudo num total de CFH 11.241,00.
Tendo em conta que a responsabilidade do condutor do veículo UL foi fixada em 70%, o valor global a pagar pela Companhia de Seguros H…, SA é de CFH 23.572,50 ([CFH 22.434,00+CFH 11.241,00] x 0,7).
Aplicando a taxa de conversão do franco suíço em euros adoptada na sentença recorrida (1,480), o montante total a pagar pela Companhia de Seguros H…, SA é de € 15.927.36.
Porém, porque a recorrente fixou o montante a pagar por esta recorrida em € 15.492,57, em obediência ao princípio do pedido, não pode ser ultrapassado este limite (artigos 609º e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil).
A recorrente não pediu no momento próprio a condenação desta recorrida em juros de mora, mas, surpreendentemente, pediu a sua condenação solidária com os herdeiros de D….
Ora, como é sabido, excluindo os casos em que o montante da indemnização excede os limites do capital seguro, no âmbito do contrato de seguro obrigatório, a responsabilidade da seguradora exclui a responsabilidade dos restantes responsáveis civis. Daí que, em condições processuais normais, a responsabilização da seguradora do veículo UL exclua a responsabilização dos herdeiros do condutor daquele veículo, o que nos remete para o conhecimento da questão enunciada para ser conhecida de seguida.
4.3 Da ilegitimidade passiva da ré D…, na qualidade de herdeira de C… e da ilegitimidade ativa da recorrente (questão do recurso subordinado)
A recorrente subordinada sustenta quer a sua ilegitimidade passiva, quer a ilegitimidade activa da recorrente principal referindo para tanto que não foi instaurado qualquer processo pelas herdeiras do falecido beneficiário da autora até 20 de maio de 2007, pelo que não assiste qualquer direito à autora, tal como não pode ser assacada qualquer responsabilidade à recorrente subordinada, sendo que no momento do acidente, relativamente ao veículo de matrícula UL-..-.. existia contrato de seguro, titulado pela apólice nº AU …….., da I… – Companhia de Seguros, S.A..
Na fase do saneador, sobre estas questões, foi proferida a seguinte decisão:
“Os co-réus D…, J… e K… nas contestações que apresentaram, defendem-se, para além do mais, por excepção dilatória invocando a ilegitimidade activa, uma vez que a autora “não poderá pleitear em juízo por si só, pois é às herdeiras que cabe o direito de pedir o conhecimento da responsabilidade relativamente ao ajuizado acidente, assim como o peticionamento de qualquer indemnização”. De igual modo suscitam a sua própria ilegitimidade passiva, porquanto inexistiu qualquer processo judicial a decorrer para apuramento de responsabilidades quer da ré D…, quer de C… e E… e bem assim pelo facto de à data do ajuizado acidente se encontrava transferida para a Companhia de Seguros I…, S.A. a responsabilidade civil por acidentes causados a terceiros pelo veículo com a matrícula UL-..-...
Apreciando.
Como é sabido, a legitimidade é um conceito da teoria geral do direito. Ele tem sido utilizado tanto no direito material, como no direito processual, sendo, por isso, costume distinguir e relacionar uma legitimidade material e uma legitimidade processual.
No campo do direito processual a legitimidade tem sido definida por uma certa posição de um sujeito – a parte processual – face a um certo objecto – o objecto processual – exigida pelo direito. Ora, sendo, a parte processual quem propõe ou contra quem é proposta certa acção, e o objecto do processo a tutela jurisdicional requerida pelo autor para uma individualizada pretensão processual, a legitimidade processual será, assim, uma certa posição exigida às partes em relação a este objecto. Esta posição traduz-se num poder de dispor em processo da situação jurídica que se quer fazer valer.
A existência deste poder para dispor por via processual permite ao respectivo sujeito uma determinada actuação no campo da acção, qual seja a de fazer valer a pretensão ao longo do processo (legitimidade do autor) ou opor-se à procedência da pretensão (legitimidade do réu).
A regra deverá ser a de que não pode ter legitimidade para propor acção ou ser nela demandado quem materialmente não pode dispor da situação que será objecto dos efeitos dessa decisão final.
A este respeito, tal como deriva do art. 26º do CPC, constitui solução legal que a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor.
Uma das implicações de tal tomada de posição radica no facto de haver necessidade de destrinçar entre legitimidade processual e legitimidade substantiva, porquanto apenas a apreciação da primeira interessa neste momento enquanto pressuposto processual cuja inobservância conduz à absolvição da instância ( arts. 288º, nº 1 al. d), 493º, 494º al. e) e 510º, nº 1 al. a) do CPC ).
Posto sucintamente isto, interessa, antes de mais, apurar, face ao conteúdo da petição inicial, os termos em que a autora configura, no caso, o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida por ela posta.
Tal como decorre do respectivo articulado inicial, a autora faz ancorar a concreta pretensão que direcciona contra os co-réus D…, J… e K… no facto de o direito que se arroga estar substantivamente legitimado à luz dos instrumentos normativos que aí invoca, mormente na Convenção de Segurança Social celebrada entre Portugal e a Suíça, aprovada pelo DL nº 30/76, de 16.01 e no art. 93º do Regulamento (CEE) nº 1408/71, do Conselho. Outrossim fundamenta a demanda dos co-réus D…, J… e K… na circunstância de a o co-ré D… ser a proprietária do veículo com a matrícula UL-..-.., o qual interveio no ajuizado acidente, sendo certo que, conforme alega, o respectivo condutor ( filho dos co-réus J… e K… ) fazia-o sob as suas ordens e direcção efectiva.
Daí que tanto baste para conferir quer à demandante quer aos co-réus D…, J… e K… legitimidade processual para a lide face ao critério legalmente consagrado.
Com efeito, determinar se a autora possui título (entendida a expressão no seu sentido civilístico, isto é enquanto fundamento ou causa da titularidade de determinado direito) que legitime a aludida pretensão bem como dilucidar se a causa petendi por si invocada justifica o pedido que nesse particular contra eles deduz é algo que se prende não com a legitimidade enquanto pressuposto processual, mas sim com matéria que interessa já à questão de mérito e como tal não deve o juiz na apreciação de tal pressuposto formal fazer um julgamento antecipado da questão substancial que lhe é submetida.
As partes são, pois, legítimas.”
Cumpre apreciar e decidir.
Subscrevemos inteiramente as considerações que o tribunal a quo teceu relativamente à ilegitimidade activa e à ilegitimidade passiva da ora recorrente subordinada.
Ao que aí ficou escrito, relativamente à legitimidade passiva, apenas há que ressalvar a eventual fonte legal da legitimidade, como expressamente decorre na primeira parte do nº 3, do artigo 30º do Código de Processo Civil, na redacção que actualmente vigora.
Na verdade, como é salientado pela recorrente subordinada, na data do acidente existia um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil decorrente dos danos causados com intervenção do veículo de matrícula UL-..-...
Ora, no caso dos autos, contendo-se o pedido da autora dentro dos limites do capital mínimo do seguro obrigatório, sendo inoponível à autora a anulabilidade do contrato de seguro, apenas a ré seguradora é dotada de legitimidade legal no presente pleito (artigo 64º, nº 1, alínea a), do decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto), pelo que a recorrente subordinada não tem de facto legitimidade passiva legal.
A questão que ora se coloca é a de saber se esta ilegitimidade também aproveita aos restantes herdeiros de C….
A nosso ver, a resposta à interrogação que se acaba de formular está contida no nº 1, do artigo 634º do Código de Processo Civil.
Na verdade, a intervenção nestes autos dos herdeiros de C… tem como fonte legal, a nível sucessório, o disposto no nº 1, do artigo 2091º do Código Civil e, à luz do seguro obrigatório, no artigo 62º, nº 1, do decreto-lei nº 291/2007, de 21 de agosto. Destas previsões legais resulta inequívoco que estes herdeiros se acham numa situação de litisconsórcio necessário legal, razão pela qual a ilegitimidade passiva da recorrente subordinada lhes aproveita, devendo todos estes demandados ser absolvidos da instância, com tal fundamento. Procede assim este fundamento do recurso subordinado, ficando prejudicado o conhecimento do outro fundamento do recurso subordinado, a prescrição do direito exercido pela autora.
4.4 Dos reflexos dos pagamentos efectuados pelo Fundo de Garantia Automóvel aos lesados na pretensão da autora
Na sua apelação, a recorrente principal critica o segmento da decisão recorrida que concluiu pela irresponsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel, ressalvando, contudo, que o tratamento desta questão só terá sentido se acaso não vingar a sua tese quanto à inoponibilidade da anulabilidade do contrato de seguro. Acrescenta que face à duplicação de pagamentos efectuados pela apelante e pelo apelado Fundo de Garantia Automóvel às herdeiras do beneficiário da apelante, estas receberam valores em duplicado, na parte em que há coincidência de prestações, estando por isso obrigadas a restituir à apelante o montante que esta lhes pagou, restituição a operar na proporção do recebido por cada uma das duas herdeiras do beneficiário e a efectivar mediante a suspensão do pagamento das prestações que a apelante está obrigada a pagar-lhes, até perfazer o montante global de € 14.893,92, na proporção de € 9.929,78, para a viúva do beneficiário e de € 4.964,14, para a filha do beneficiário, já ponderando a repercussão da exceção de prescrição por estas invocada, na pretensão da recorrente.
Na sentença recorrida, fundamentou-se a absolvição do Fundo de Garantia Automóvel nos termos que seguem[26]:
“Com relação à responsabilidade do réu Fundo de Garantia Automóvel, é facto que, primo conspectu, tal organismo encontra-se igualmente constituído na obrigação de responder pelas consequências de tal evento à luz do disposto no art. 21º, nº 1 al. a) do DL nº 522/85, de 31.12 (entretanto revogado pelo DL nº 291/2007, de 21.08, que no seu art. 49º, nº 1 al. a) consagra idêntica solução), isto é, quando haja lugar ao pagamento de indemnizações por danos corporais e o responsável não beneficie de seguro válido e eficaz (como foi o caso).
No entanto, haverá que atentar que, de acordo com o referido regime legal (cfr. arts. 21º e 26º do DL nº 522/85, de 31.12), a responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel é uma responsabilidade meramente subsidiária[27].
Apelando, a este propósito, ao quadro factual apurado, verifica-se que o correu Fundo de Garantia Automóvel procedeu ao pagamento às herdeiras de E…, da quantia de € 70.000,00, a título de indemnização pela perda do direito à vida, pelo sofrimento sofrido pela malograda vítima com o vislumbre da morte e pelos danos não patrimoniais sofridos pela viúva e filha com a morte do marido e pai.
De igual modo, pagou à Companhia de Seguros H…, S.A. a importância de € 151.016,97, a título de despesas com o funeral, subsídio por morte e com as pensões de sobrevivência, sendo que dessa quantia € 26.095,18 corresponde a pagamento feito à viúva a título de pensões e € 119.285,54 corresponde a pagamento feito à filha a título de pensões. Liquidou ainda a quantia de € 5.636,26, a título de despesas com transportes, alojamento, despesas com o funeral e subsídio por morte.
Ora, de acordo com o disposto no art. 36º da já aludida Convenção de Segurança Social celebrada entre Portugal e a Suíça, a autora é “assimilada à instituição nacional de seguro social”, ou seja é equiparada, para o fim aí previsto (exercício da sub-rogação) ao Fundo de Garantia Automóvel.
Nessas circunstâncias, considerando que o Fundo de Garantia Automóvel já satisfez a indemnização a que legalmente se mostrava obrigado (tendo cumprido, nessa medida, a sua função de apoio imediato às respetivas beneficiárias), não pode ser novamente responsabilizado pelas consequências do mesmo facto danoso.
Acresce que, de acordo com o regime do fenómeno sub-rogatório, a pretensão do credor sub-rogado deverá ser aduzida contra o efetivo responsável civil pelo facto lesivo e não contra o Fundo de Garantia Automóvel, cuja responsabilidade, como se sublinhou, é apenas subsidiária.”
Na sentença recorrida nada se escreveu sobre uma eventual responsabilidade das herdeiras do beneficiário da recorrente.
Cumpre apreciar e decidir.
Como é sabido, o Fundo de Garantia Automóvel é uma entidade que visa proteger o lesado em acidente de viação sempre que o responsável, o causador do acidente seja desconhecido ou quando o responsável, sendo conhecido, não disponha de seguro de responsabilidade civil válido e eficaz. Este objectivo de protecção do lesado por acidente de viação é que fundamenta a criação do Fundo de Garantia Automóvel e que delimita os termos em que se processa a sua intervenção[28].
Ora, no caso em apreço, a procedência da questão da oponibilidade da exceção perentória de anulabilidade suscitada pela recorrente principal, prejudica o conhecimento da questão enunciada para agora ser apreciada, porquanto, sendo eficaz o contrato de seguro, não estão reunidas as condições legais para que tenha intervenção o Fundo de Garantia Automóvel.
No que respeita a responsabilização das herdeiras do beneficiário da apelante por via da suspensão do pagamento das pensões que a recorrente está obrigada a pagar até que se atinja o valor de € 14.893,92, na proporção de € 9.929,78, para a viúva do beneficiário e de € 4.964,14, para a filha do beneficiário, deve começar-se por salientar que se trata de um pedido novo, em cumulação sucessiva, agora formulado em sede de recurso, pela primeira vez, ao arrepio completo das exigências do princípio da estabilidade da instância (artigo 260º do Código de Processo Civil). Além disso, as herdeiras do beneficiário da recorrente estão na lide na qualidade de intervenientes acessórias (vejam-se folhas 140 a 143 destes autos), o que também só por si, sempre obstaria a que pudessem ser alvo directo de uma qualquer providência judicial nestes autos.
Deste modo, por efeito da procedência da primeira questão objecto do recurso principal, no que respeita o Fundo de Garantia Automóvel, fica prejudicado o conhecimento desta questão, sendo improcedente a pretensão da recorrente relativamente às herdeiras do seu beneficiário pelas razões que antes se enunciaram.
O que até ao momento se decidiu prejudica necessariamente o conhecimento da questão da determinação do termo final da prescrição do direito exercido pela autora, pois não existe qualquer outro responsável além da seguradora do veículo UL e, relativamente a esta, esse termo já foi determinado.
4.4 Da ilegitimidade passiva da ré D… e da ilegitimidade ativa da recorrente principal (questão suscitada a título de ampliação do âmbito de recurso nas contra-alegações desta ré)
A ré D…, na qualidade de dona do veículo UL, vem reiterar, em sede de ampliação do âmbito de recurso as exceções de ilegitimidade que suscitou na sua contestação e que em sede de despacho saneador foram julgadas improcedentes.
Cumpre apreciar e decidir.
Em despacho lavrado pelo relator deste acórdão, referiu-se já que a ampliação do âmbito do recurso apenas é conhecida quando for necessária, ou seja, quando o recurso proceder, em termos de afetar a posição jurídica do requerente da ampliação.
No caso dos autos, não obstante a parcial procedência do recurso de apelação, certo é que essa procedência parcial em nada contendeu com a absolvição do pedido da dona do veículo UL, a recorrida D…. Aliás, nem essa absolvição foi colocada em crise pela apelação interposta pela autora, pois que esta apenas pretendeu atingir D…, na qualidade de herdeira de C….
Assim, face a quanto precede, conclui-se que, não obstante a parcial procedência da apelação, não tendo sido afetada a posição jurídica de D…, na qualidade de dona do veículo de matrícula UL, não há que conhecer desta questão suscitada em via de ampliação do âmbito do recurso, bem como das restantes antes enunciadas para serem conhecidas a tal título.
As custas do recurso e da ação são a cargo da recorrente e da recorrida vencidas, na exacta proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por B…, bem como o recurso subordinado interposto por D…, na qualidade de herdeira de C… e, em consequência, decide-se o seguinte:
a) revoga-se o segmento da sentença recorrida que absolveu do pedido a H… Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de sucessora da I… – Companhia de Seguros, S.A. e seguradora do veículo de matrícula UL-..-.., condenando-se a mesma a pagar a B… a quantia de quinze mil quatrocentos e noventa e dois euros e cinquenta e sete cents (€ 15.492,57);
b) revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou D…, J… e K..., todos na qualidade de herdeiros de C… e, com fundamento em ilegitimidade legal, absolvem-se todos da instância;
c) no mais, mantém-se a sentença recorrida;
d) custas do recurso principal e da ação a cargo da recorrente principal e da recorrida vencidas, na exacta proporção do decaimento, sendo as custas do recurso subordinado da conta exclusiva da autora, aplicando-se a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça dos recursos.
***
O presente acórdão compõe-se de trinta e sete páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 28 de Setembro de 2015
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
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[1] Segue-se, em parte, o relatório da sentença recorrida.
[2] Notificada às partes em expediente electrónico elaborado a 17 de Dezembro de 2014.
[3] O dispositivo da sentença é o seguinte: “II)- absolver os identificados intervenientes e demais demandados dos pedidos contra si aduzidos.”
[4] No corpo das alegações, é invocada a violação da alínea d), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil.
[5] É duvidoso o alcance desta tomada de posição do Fundo de Garantia Automóvel pois que, tomada ao pé da letra, parece referir-se ao conhecimento de uma exceção perentória que não lhe aproveita, sendo certo, em todo o caso, que o conhecimento das questões prejudicadas não depende de requerimento das partes, sendo matéria de conhecimento oficioso (veja-se o nº 2, do artigo 665º do Código de Processo Civil).
[6] No que respeita a ampliação do âmbito do recurso a ordem de conhecimento não é a lógica, antes se determinando por um critério de necessidade, ou seja, desde que a apelação proceda na parte relativa ao apelado requerente da ampliação do âmbito do recurso.
[7] Esta carta, com data de 15 de Outubro de 2009, tem o seguinte conteúdo: “Assunto: Proc Nº 59561 Acidente de viação de 20.5.2004 Área funcional: sinistros / Gestora: P…” “Exmos. Senhores, Escrevo a V. Exas. na qualidade de Advogado da B…, entidade suíça de previdência que garante o pagamento de pensões por invalidez e/ou velhice a trabalhadores, suíços ou estrangeiros, residentes na Confederação Suíça, e respectivos descendentes sobrevivos, na sequência de correspondência que a referida entidade vem mantendo com V. Exas. a respeito do assunto acima identificado. No acidente de viação acima referido esteve envolvido, para além de veículo cuja circulação não se encontrava garantida por seguro obrigatório, o beneficiário da minha constituinte, Sr. E…, que faleceu em consequência do mesmo. Dos elementos documentais elaborados pelas autoridades que acorreram ao acidente decorre ter existido responsabilidade do condutor do veículo que não tinha seguro válido (matrícula UL-..-..), como aliás V. Exas. confirmaram através de e-mail remetido à minha Constituinte em 25.9.2009. Por obrigação legal decorrente da sua natureza de instituição de previdência, e perante as consequências do acidente, a minha Constituinte paga à Mulher e à Filha menor do falecido uma pensão desde 1.6.2004. Os montantes já entregues pela minha Constituinte às pessoas acima mencionadas, acrescidos das reservas matemáticas que a lei suíça a obriga a constituir para pagamentos futuros (art.º 90º/2 da L.A.A. (Loi Fédérale sur L´Assurance Accidents – Lei Federal suíça sobre Seguros de Acidentes de 20.3.1981), ascendem actualmente a CHF. 416.286,00, ou seja, € 275.572,42, como resulta da discriminação abreviada que remeto a V. Exas. em anexo. Nos termos do disposto no art.º 36º da Convenção de Segurança Social entre Portugal e a Suíça, bem como no art.º 41º, do Capítulo 4º, da L.A.A. – disposições reconhecidas no art.º 93º do Regulamento (CEE) n.º 1408/71, do Conselho, de 14.6.1971 – a B… fica, com a constituição da obrigação de pagamento das prestações mensais aos seus segurados, subrogada nos direitos destes últimos perante os responsáveis pelo acidente. Por via da transferência de responsabilidade civil operada pela ausência de seguro válido que cobrisse o risco de circulação do veículo cujo condutor foi responsável pelo acidente, o Fundo de V. Exas. responde pelos prejuízos sofridos pelos beneficiários da minha Constituinte, em cujo ressarcimento a mesma ficou subrogada. Tal situação é absolutamente independente da questão relativa à indemnização por se ter tratado de um acidente de trabalho in itinere, cuja responsabilidade foi assumida e consumada pela H…. Por estes motivos recebi instruções da B… para reclamar de V. Exas. o pagamento voluntário do montante de € 275.572,42 que aguardarei pelo período de 20 dias.” O anexo para que a carta remete tem o teor que segue: “Rente de veuve por F…: du 01.06.2004 ao 31.12.2004 Fr. 846.-/par mois Fr. 5´922.- du 01.01.2005 ao 31.12.2006 Fr. 862.-/par mois Fr. 20´688.- du 01.01.2007 ao 31.12.2008 Fr. 886.-/par mois Fr. 21´264.- du 01.01.2009 ao 31.07.2009 Fr. 914.-/par mois Fr. 6´398.- Capital 01.08.2009 Fr. 187´071-. Rente pour orpheline G…: du 01.06.2004 ao 31.12.2004 Fr. 423.-/par mois Fr. 2´961.- du 01.01.2005 ao 31.12.2006 Fr. 431.-/par mois Fr. 10´344.- du 01.01.2007 ao 31.12.2008 Fr. 443.-/par mois Fr. 10´632- du 01.01.2009 ao 31.07.2009 Fr. 457.-/par mois Fr. 3´199.- Capital 01.08.2009 Fr. 147´807- Total prestations Fr. 416´807.-”
[8] Carta datada de 09 de Novembro de 2009, com referência a acidente ocorrido a 20 de Maio de 2004, com o processo nº 59561, sendo o Gestor Q…/GPS/FGA/ISP e que tem o seguinte conteúdo: “Ex.mo Senhor Dr. Registámos a vossa correspondência, a qual mereceu a melhor atenção. Cumpre-nos informar, que tendo o FGA reembolsado a Companhia de Seguros H… e as herdeiras do malogrado falecido – E… – pelos valores processados pela Seguradora responsável por Acidentes de Trabalho e pelos Danos Morais, respectivamente, não poderemos atender à pretensão de V.Exa. Face ao exposto, procedemos ao encerramento do nosso processo.”
[9] Com o seguinte teor, na parte pertinente: “Iniciaram-se os presentes autos com vista à averiguação das causas da morte de E… e realização de autópsia ao seu cadáver bem como de C…, também falecido. Dos autos resulta terem ambos falecido em consequência de acidente de viação ocorrido no dia 20 de Maio de 2004, pelas 23h35horas, na Estrada Interior da Circunvalação – Porto. Sendo estes factos susceptíveis de indiciarem a eventual prática de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art. 137º.1 do Código Penal, foi iniciado o presente inquérito. Foram ouvidas duas testemunhas presenciais do acidente, tendo ambas declarado que na data e hora do local do acidente, seguiam na estrada Interior da Circunvalação, no sentido … – …. Imobilizaram as respectivas viaturas ao sinal vermelho do semáforo existente ao cruzamento com a Rua …. Quando o sinal passou a verde reiniciaram a marcha, apercebendo-se de um estrondo. Verificaram então que um veículo automóvel havia chocado com uma motorizada, sem conseguirem, contudo, descrever o modo como aconteceu o acidente. Foi junta as participação da PSP e inquiridos os agentes que se deslocaram ao local a tomar conta da ocorrência. Foi realizada a autópsia ao cadáver de E…, junta de fls. 26 a 34, no mesmo se concluindo que «1 – A morte de E… foi devida às lesões traumáticas encefálicas do tórax e do abdómen. 2 – Esta, resultaram de violente traumatismo de natureza contundente, tal como o que pode ter sido devido a acidente de viação (…) 3- O exame toxicológico feito ao sangue não revelou a presença de álcool etílico no sangue 4. O Exame toxicológico feito ao sangue não revelou a presença de opiáceos, nem de cocaína ou seus metabolitos, nem de canabinóides e nem de anfetaminas 5. Houve intervenção cirúrgica.» Foi realizada a autópsia ao cadáver de C…, junta de fls. 55 a 62 (apenso 3367), no mesmo se concluindo que «1 – A morte de C… foi devida às lesões traumáticas Crâneo-encefálicas, torácicas e do membro inferior direito. 2 – Esta, resultaram de violento traumatismo de natureza contundente, tal como o que pode ter sido devido a acidente de viação (…) 3- O Exame toxicológico feito ao sangue não revelou a presença de álcool, nem de opiáceos, nem de cocaína ou seus metabolitos, nem de canabinóides e nem de anfetaminas.» Dos elementos recolhidos nos autos não foi possível apurar a forma como ocorreu o acidente em apurar responsabilidade quanto ás causas do mesmo já que ambos os intervenientes no acidente vieram a falecer. Nesta conformidade, perante todo o circunstancialismo supra descrito que envolveu o acidente, consideramos não existirem indícios suficientes da prática de crime, sendo certo que ainda que, qualquer responsabilidade criminal a apurar-se quanto a qualquer dos intervenientes, se mostraria extinta, nos termos do artigo 115º do Código Penal. Pelo exposto, ordeno o arquivamento dos autos nos termos do art. 277º, nº 1 e 2, do Código de Processo Penal.”
[10] Na reprodução que segue, a própria numeração das notas de rodapé corresponde à do texto original.
[11] Cfr., por todos, ROMANO MARTINEZ, Direito dos Seguros – Apontamentos, pág. 71, JOSÉ VASQUES, Contrato de seguro, pág. 379, acórdão do STJ de 19.02.2009 (processo 09A0334) e acórdão da Relação do Porto de 23.02.2012 (processo 6833/09), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[12] Cfr., sobre a questão, FILIPE ALBUQUERQUE DE MATOS, O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel: Breves considerações, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Almeida Costa, pág. 615 e seguintes, JOSÉ ALBERTO VIEIRA, O dever de informação do tomador de seguro em contrato de seguro automóvel, in Estudos em memória do Prof. Doutor Marques dos Santos, Vol. I, págs. 1009 e seguintes e acórdão da Relação do Porto de 7.01.98 (processo 9710863) e de 12.12.2002 (processo 232311), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Tal entendimento mostra-se hoje expressamente vertido em letra de forma no art. 147º do DL nº 72/2008, de 16.04, que, no seu nº 2, estabelece, como meio de defesa do segurador, a oponibilidade ao lesado da invalidade do contrato de seguro.
[13] Neste sentido, quanto à aplicação no tempo do novo regime jurídico do seguro, no que tange a declaração inicial do risco veja-se, O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro, Almedina 2013, Luís Poças, páginas 326 a 327 e, no que respeita o panorama jurisprudencial, veja-se a nota 1213, na página 327 da citada obra.
[14] E poderia ter sido questionado se esta era a sanção aplicável à falsa declaração do proprietário, porquanto parece que à luz do direito aplicável ao caso dos autos, se trataria de nulidade prevista no § 1º, do artigo 428º do Código Comercial (neste sentido veja-se O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro, Almedina 2013, Luís Poças, páginas 700 a 707. Não tendo sido criticado este segmento da decisão, exorbita do objeto deste recurso a sua apreciação por este tribunal.
[15] Recorrendo a este argumento e sustentando de forma desenvolvida a oponibilidade ao terceiro lesado da excepção de anulabilidade no caso de inexatidão quanto ao condutor habitual, veja-se, Luís Poças in O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro, Almedina 2013, páginas 684 a 699.
[16] Refira-se que não se divisa neste decreto-lei qualquer anulabilidade, pelo que mal se percebe a referência legal a “anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma”.
[17] Não nos convence a argumentação de Filipe Albuquerque Matos in O Fundo de Garantia Automóvel, Um Organismo com uma Vocação Eminentemente Social, Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes, Universidade Católica Portuguesa 2011, Volume I, página 578, nota 44, quando apela a um entendimento teleológico para sustentar que se deve ler “invalidade” onde o legislador exarou “nulidade”. Pela nossa parte, a teleologia protectiva do diploma referente ao seguro obrigatório de responsabilidade civil conduz-nos a uma solução diametralmente oposta, porquanto é de presumir que o legislador, bem ciente da distinção dogmática entre a nulidade e a anulabilidade, como aliás bem resulta da primeira parte do preceito, restringiu a oponibilidade ao lesado das patologias do contrato de seguro nos termos legais e regulamentares em vigor à invalidade mais grave, precisamente a nulidade. Não por acaso, o nº 2, do artigo 147º, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, anexo ao decreto-lei nº 72/2008, de 16 de Abril, inaplicável ao caso dos autos, prevê, além do mais, a oponibilidade ao lesado como meios de defesa do segurador, da invalidade do contrato (itálico nosso).
[18] Não cremos que a circunstância da anulabilidade não ser de conhecimento oficioso e carecer de ser suscitada por quem é legalmente legitimado para tanto, obste a que uma anulabilidade invocada após o sinistro possa considerar-se anterior ao mesmo sinistro. Na verdade, uma coisa é a invocação do vício e outra, distinta, é a produção dos efeitos do vício declarado e decretado que, no caso das declarações falsas ou inexactas, retroage ao momento em que foram produzidas as declarações viciadas.
[19] No mesmo sentido vejam-se os seguintes acórdãos dos Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis na base de dados da DGSI, ordenados por ordem cronológica: de 05 de Novembro de 2002, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Barros, no processo nº 03B1611; de 25 de Março de 2004, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Araújo Barros, no processo nº 04B3374; de 12 de Setembro de 2006, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alves Velho, no processo nº 06A2276; de 21 de Novembro de 2006, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Azevedo Ramos, no processo nº 06A3600; de 16 de Outubro de 2008, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alves Velho, no processo nº 08A2362.
[20] Desta feita a numeração das notas de rodapé neste acórdão não corresponde à do texto original, havendo uma discrepância para mais em quatro números relativamente ao texto transcrito.
[21] Como é sabido, vem constituindo objeto de controvérsia na doutrina a questão de saber se a prescrição extingue o direito ou se apenas confere ao obrigado o direito potestativo de recusar o cumprimento – cfr., sobre esta temática, VAZ SERRA, Prescrição e caducidade, BMJ nº 105, págs. 157 e seguintes; PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 757 e CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pág. 650.
[22] Cfr., inter alia, acórdão da Relação de Coimbra de 27.05.2012 (processo nº 1953/08.6TBPBL), disponível em www.dgsi.pt. Em análogo sentido milita BRANDÃO PROENÇA (Cadernos de Direito Privado, nº 41, pág. 40), o qual advoga que em ambas as situações estaremos antes em presença de um direito de reembolso, independentemente da roupagem jurídica que lhes seja dada pelo legislador.
[23] Cfr., por todos, acórdãos do STJ de 5.06.2012 (processo nº 644/10.2TBCBR) e de 7.05.2014 (processo nº 8304/11.0T2SNT); acórdão da Relação de Évora de 16.01.2014 (processo 566/12); acórdão da Relação de Coimbra de 24.01.2012 (processo nº 644/10.2TBCBR); acórdão da Relação de Guimarães de 4.04.2013 (processo nº 1918/12.3TBBCL) e acórdãos da Relação do Porto de 7.03.2013 (processo nº 1613/11.0TBMCN) e de 18.02.2014 (processo nº 1189/12.1TBCHV), todos disponíveis no sítio www.dgsi.pt. Tal jurisprudência vem entendendo que as razões que justificam a atribuição, ao lesado, de um prazo de prescrição criminal superior àquele prazo de três anos, para o exercício do seu direito à indemnização, se não verificam já em favor da entidade que exerce um direito de regresso relativamente às quantias que desembolsou, direito esse surgido ex novo na sua esfera jurídica e não subjetivado na vítima do crime, para a qual o respetivo exercício aparecia condicionado pela própria lei processual penal. Daí que, na ação de regresso, essa entidade (seguradora ou outra) não exerce um direito igual ao lesado que indemnizou, dado que não propõe contra o réu uma ação de indemnização por danos, antes se limita a exigir o reembolso do que pagou. Daqui resulta que o alongamento do prazo de prescrição se compreende quando esteja em causa o direito do lesado, mas não o direito de regresso, sendo certo outrossim ser diverso o momento a partir do qual começa a correr o prazo de prescrição do direito do lesado e do direito de regresso (enquanto, no caso do direito do lesado, o momento a partir do qual começa a correr o prazo se reporta àquele em que este teve conhecimento do direito que lhe compete, já no direito de regresso começa a correr na data do cumprimento da obrigação).
[24] Cfr., neste sentido, acórdãos do STJ de 7.05.2014 (processo 8304/11.0T2SNT), de 14.11.2013 processo 2311/07.8TJVNF) e de 26.06.2007 (processo nº 07A1523) e acórdão da Relação de Lisboa de 19.12.2013 (processo nº 1080/12.1TVLSB), todos disponíveis em www.dgsi.pt, nos quais se enfatiza particularmente o argumento de que se assim não fosse, no caso de atribuição duma pensão vitalícia (como é o caso), só após o óbito do beneficiário seria possível à autora peticionar o valor desembolsado.
[25] E não dezembro como certamente por lapso foi referido na contestação.
[26] Uma vez mais a numeração da nota de rodapé no texto reproduzido não corresponde à numeração original, havendo uma diferença, para mais, de treze, entre a numeração deste acórdão e a numeração do texto original.
[27] Cfr., para maior desenvolvimento, FILIPE ALBUQUERQUE DE MATOS, O Fundo de Garantia Automóvel:um organismo para uma vocação eminente social, in Estudos dedicados ao Prof. Dr. Carvalho Fernandes, Vol. I, págs. 559 e seguintes.
[28] Ilustra de forma eloquente esta realidade o seguinte considerando da Segunda Directiva do Conselho de 30 de Dezembro de 1983 (84/5/CEE), publicada no JOCE nº L 8/17, de 11 de Janeiro de 1984, responsável, a nível comunitário, pela imposição de criação de uma entidade destinada à tutela dos lesados em acidentes de viação, quando o responsável é desconhecido ou sendo conhecido, não beneficia de seguro válido e eficaz, entidade que é entre nós o Fundo de Garantia Automóvel e que já vinha prevista no artigo 20º do decreto-lei nº 408/79, de 25 de Setembro: “Considerando que é necessário prever a existência de um organismo que garanta que a vítima não ficará sem indemnização, no caso de veículo causador não estar seguro ou não ser identificado; que, sem prejuízo das disposições aplicadas pelos Estados-membros relativamente à natureza, subsidiária ou não, da intervenção deste organismo, bem como às normas aplicáveis em matéria de sub-rogação, é importante prever que a vítima de um sinistro ocorrido naquelas circunstâncias se possa dirigir directa e prioritariamente a esse organismo; que é, todavia, conveniente, dar aos Estados-membros a possibilidade de aplicarem certas exclusões limitativas no que respeita este organismo e de prever, no caso de danos materiais causados por um veículo não identificado. Devido aos riscos de fraude, que a indemnização por tais danos possa ser limitada ou excluída.”