Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5623/19.1T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CORTE DE ÁRVORES
FACTOS PROVADOS
FACTOS NÃO ALEGADOS
Nº do Documento: RP202211105623/19.1T8MTS.P1
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A integração no elenco dos factos provados da sentença de factualidade que não foi alegada nos articulados nem constitui complemento ou concretização dos factos alegados viola o princípio do dispositivo previsto no art. 5º, nº 1, do C.P.C..
II – Constitui fundamento para a resolução do contrato, por configurar situação de inexigibilidade de manutenção do arrendamento, o comportamento da arrendatária que, sem qualquer comunicação prévia ou justificação posterior, procede ao corte de uma árvore existente na fachada principal do imóvel, com mais de 50 anos, de que as senhorias não pretendiam prescindir, e que ali estava colocada porque a obra assim fora concebida pelo arquitecto respectivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 5623/19.1T8MTS.P1
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 2)

Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Deolinda Varão
2ª Adjunta: Isoleta Costa
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA, residente na Rua ..., ..., Matosinhos, e BB, residente na Estrada ..., ..., ..., Matosinhos, intentaram, no Juízo Local Cível de Matosinhos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum, contra CC, residente na Estrada ..., ..., ..., Matosinhos, pedindo:
- seja declarado resolvido o contrato de arrendamento vigente entre as partes e, consequentemente, determinada a entrega do imóvel objecto daquele, livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação e limpeza;
- seja a R. condenada a pagar-lhes a quantia de € 2.000,00 a título de danos patrimoniais.
Alegaram para tal que são proprietárias do prédio urbano composto por casa de três pavimentos, anexo e quintal, sito na Estrada ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, freguesia ..., sob o nº ..., que foi dado de arrendamento aos pais da R., a qual lhes sucedeu na posição de arrendatária, por óbito dos mesmos, e que esta procedeu, em 2019, sem disso informar as AA., ao corte de uma magnólia com mais de 50 anos, que compunha o arranjo urbanístico da fachada principal da casa e da qual as AA. não pretendiam prescindir, o que era do conhecimento da R., para além de não ter respondido às interpelações das AA., com vista a explicação do sucedido e a vistoriar o interior do imóvel, nem lhes abrir a porta, mesmo estando em casa.
Alegaram ainda que uma magnólia com 50 anos de idade tem um custo aproximado de € 500,00 e que o seu corte provocou um dano estético à concepção arquitetónica do imóvel de € 1.500,00.
A R. contestou, impugnando os factos alegados pelas AA. para fundamentar a sua pretensão e alegando que não cortou a árvore, antes a podou, porque esta estava a causar muita sombra, os seus ramos espalhavam-se pela caleira do alpendre da frente, provocando o seu entupimento, e já batiam nos vidros de um dos quartos, para além de terem vindo a apodrecer com o decorrer do tempo, e as suas raízes provocaram o rompimento do tubo do contador, o que acarretou um acréscimo do consumo de água.
Com base em tais factos, por si alegados, e alegando também que com o comportamento das AA., inclusivamente neste pleito, tem vivido em stress e tem perdido paz e sossego, não consegue dormir tranquilamente e não se alimenta sossegada, e que efectuou obras de pintura no interior da casa e de colocação de quatro portas novas, no que despendeu € 3.500,00, a R. deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação das AA. a pagar-lhe a quantia de € 9.500,00, acrescida de juros legais até integral pagamento.
As AA. replicaram, impugnando os factos alegados pela R. na contestação-reconvenção, alegando que se esta realizou obras no locado tal foi para reparar danos que a própria havia causado e invocando a prescrição do direito da R. ao pagamento do custo dessas obras.
Pediram ainda a condenação da R. como litigante de má-fé.
Foi admitida a reconvenção, foram dispensadas a realização da audiência prévia e a prolação dos despachos de fixação do objecto do litígio e de selecção de temas de prova, e foi elaborado despacho saneador.
Procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, em 01/05/2022 (rectificada por despacho de 03/06/2022), na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
- declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado com a R. relativo ao prédio urbano composto por casa de três pavimentos, anexo e quintal, sito na Estrada ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, freguesia ..., sob o nº ...;
- condenar a R. a despejar o imóvel, no prazo de um mês a contar do trânsito em julgado da sentença;
- condenar a R. a pagar às AA. a quantia de € 1.000,00 a título de danos patrimoniais causados;
- absolver a R. do demais pedido.
Decidiu-se ainda julgar a reconvenção improcedente e absolver as AA. do pedido.
De tal sentença veio a R. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões (!), que se transcrevem:
«1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença, nos termos da qual, se declarou “resolvido o contrato de arrendamento celebrado com a Ré relativo ao prédio urbano composto por casa de três pavimentos, anexo e quintal, sito na Estrada ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, freguesia ..., sob o n.º ...” e condenou a ora Recorrente a “despejar esse imóvel, no prazo de um mês a contar do trânsito em julgado da presente sentença” e “(…) a pagar às Autoras a quantia de € 1.000,00, a título de danos patrimoniais causados”;
2. Com a aludida decisão não se conformou a aqui Recorrente, pelo que da mesma interpõe o recurso sub judice;
3. É fundamento do presente recurso a errónea apreciação da matéria de facto e de direito, pelo que pugna a Recorrente pela alteração da decisão sobre a matéria de facto;
4. A sentença sub judice encontra-se inquinada de vicio por errónea apreciação e interpretado da matéria dada como provada e não provada;
5. Deste modo, tem o presente recurso por objecto a reapreciação da prova gravada, no que concerne à resposta dada aos factos elencados em sentença sob o n°s 5, 12, 13, 14, 15 e 16, dos factos dados como provados e das alíneas f), g) e n), dos factos dados como não provados, bem como a matéria de direito;
6. Da dissecação da Douta Sentença, colhe-se que, com pertinência para o presente recurso, foi considerada provada a seguinte factualidade:
(…)
7. Foi considerada não provada a seguinte Factualidade:
(…)
8. Analisada criticamente a prova produzida, conclui-se ter ocorrido erro de apreciação e valoração da prova, não tendo o Tribunal a quo ponderado como grau de exigência adequado e com a reflexão necessária, a apreciação dos factos com vista à aplicação da lei;
9. O Tribunal a quo deu como provado, no seu ponto 5, que a árvore” com mais de 50 anos, era uma peça fundamental e marcante desse imóvel e da envolvente urbanística, de que as Autores não pretenderiam prescindir”;
10. Sustentou, para o efeito, a sua convicção na conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD e EE;
11. Sucede, porém que quando insta[da]da a testemunha DD se, a nível estético, a moradia terá ficado prejudicada sem a árvore ali instalada, a resposta foi que tal árvore, dada a sua dimensão actual, deveria ter sido mudada para um terreno mais largo, conforme abaixo se transcreve:
Advogado das Autoras - 00:10:18
“A nível estético aquilo ficou prejudicado sem a magnólia? A nível estético, a nível da beleza daquele conjunto de casas e jardins, ficou prejudicado?”
DD - 00:10:33
“Eu acho que uma árvore daquelas… Que a mudasse ou que falasse em mudar-se para um terreno mais largo… Pronto, porque ela estava mesmo muito grande… Acho que é uma pena abater uma árvore daquelas… Eu, para mim, acho… Tenho pena disso…”;
12. Equivale isto a dizer que não estamos perante uma questão de natureza estética, mas antes de adequada disposição, face à sua actual localização;
13. Por outro lado, importa salientar que, à semelhança da árvore em causa, também outras árvores que existiam naquela envolvente urbanística foram igualmente retiradas – cfr. depoimento da R. CC -:
Advogado da Ré - 00:10:36
“Também pergunto-lhe… Embora não esteja aqui alegado, pergunto: a Senhora Dona AA/as senhorias são donas das casas vizinhas?”
CC - 00:10:47 “Sim”.
Advogado da Ré - 00:10:47
“E cortaram também as árvores? As árvores foram cortadas?” CC - 00:10:51
“Houve uma árvore do lado direito que foi cortada. Aliás, vê-se na fotografia que têm aí da árvore, da Casa do Livro. E a outra árvore, do lado esquerdo, para fazer o portão, que recuou, para esse portão recuar cortaram a outra árvore.”
14. E idêntica evidência ressuma do teor do depoimento prestado pela testemunha FF:
Advogado da Ré - 00:04:46
“E árvores vizinhas há ou até já foram cortadas… Parece-me que há outras casas cujas senhorias são as mesmas?”
FF - 00:04:56
“Sim. Havia. Nas casas contíguas havia árvores que foram abatidas. Pronto. Já não estão lá. Suponho que foi a proprietária que terá feito isso.”
Advogado da Ré - 00:05:09
“Sabia, quer o senhor, quer a senhora sua mãe, sabiam da… Portanto, não tinha qualquer relevo urbanístico… E sabiam da importância subjetiva que tinha para a senhoria, para a Senhora Doutora AA?”
FF - 00:05:25
“Não. Nunca fui informado de qualquer referência cara que tivesse especificamente”.
Advogado da Ré - 00:05:32
“Portanto, não sabiam que tinha relevância sob o ponto de vista pessoal da senhoria?”
FF - 00:05:40 “Não. Não. Não sabíamos.”
15. E, mais à frente, prosseguiu:
Advogado das Autoras - 00:19:23
“Mas o Senhor Arquiteto, até como arquiteto que é, e conhecedor da obra do Arquiteto GG, sabe a importância que o paisagismo tem na arquitetura dele?”
FF - 00:19:33
“Sim, na arquitetura, sim, mas naquela árvore, não.”
Advogado das Autoras - 00:19:37
“Naquela árvore não?”
FF - 00:19:39
“Não, não atribuo nenhuma importância arquitectónica àquela árvore. Quando muito poderia ter uma importância sentimental, mas além disso não vejo…”
Advogado das Autoras - 00:19:47
“Sim, mas a nível da fachada da composição exterior, aquilo é a parte virada para a circunvalação, para a zona mais movimentada?”
FF - 00:19:55 “Sim.”
Advogado das Autoras - 00:19:56
“E o senhor não admite que isto era uma componente importante na concepção da…?”
FF - 00:20:03
“Era tão importante como as outras duas do lado que despareceram.”
Advogado das Autoras - 00:20:07
“Mas o Senhor Arquiteto sabe, a que teve que ser tirada do lado, como refere, se foi inclusivamente por imposição camarária?”
FF - 00:20:17
“Não sei. Eu só estou a emitir a minha opinião.”
Advogado das Autoras - 00:20:19
“Claro. Por isso é que lhe estou a perguntar.”
FF - 00:20:21
“Sim.”
Advogado das Autoras - 00:20:22 “Não sabe?”
FF - 00:20:23 “Não, não sei.”
Advogado das Autoras - 00:20:24
“Mas todas elas teriam árvores então?” FF - 00:20:29
“Sim.”
Advogado das Autoras - 00:20:29
“Então é porque as árvores seriam importantes na composição da fachada?”
FF - 00:20:34
“Então se eram importantes porque é que não plantaram lá outras para manter a importância na composição?”
Advogado das Autoras - 00:20:39 “Estou-lhe a perguntar.
FF - 00:20:41
“Não sei. Não me parece que seja assim tão importante.”
16. Concomitantemente, atente-se, ainda a este propósito, às declarações prestadas pela testemunha HH, jardineiro de profissão:
Advogado da Ré - 00:09:42
“Pela sua perspetiva, na sua área de jardineiro, acha que aquela árvore tinha qualquer coisa ou era uma árvore normal, pela sua experiência?”
HH - 00:09:55
“É uma árvore vulgar, não é assim uma árvore muito… Não é uma oliveira, não é uma árvore assim especial… É das que se vê mais, as magnólias… Esta aqui… Se fosse das brancas ou das outras que são mais… Esta é uma árvore vulgar…”
Advogado da Ré - 00:10:12
“É?”
HH - 00:10:12
“Sim, sim.”
Advogado da Ré - 00:10:13
“É uma árvore vulgar?”
HH - 00:10:14
“Sim, esta é.”
17. Quando perguntado relativamente ao corte de outras árvores, esta testemunha afirmou o seguinte:
Advogado da Ré - 00:12:47
“Parece, consta aqui, que as outras árvores das casas vizinhas foram cortadas. Soube disso?”
HH - 00:12:57
“Sim. Eu passo lá todos os dias e vejo que as árvores…”
Advogado da Ré - 00:13:00
“E reparou alguma vez?”
HH - 00:13:02
“Antes também cortaram…”
Advogado da Ré - 00:13:03
“Estamos a falar das casas vizinhas.”
HH - 00:13:06
“Cortaram aquilo tudo. Da casa da Senhora AA para cima cortaram aqueles pinheiros grandes e cortaram aquilo tudo para lá. Não sei… Para baixo, não sei… Já não é do meu tempo, se calhar, não sei… Cortaram há pouco, foi para cima, onde a senhora mora para cima…”
Advogado da Ré - 00:13:23
“Como?”
HH - 00:13:24
“De onde a Senhora AA mora, para cima, cortaram. Tinha uns pinheiros grandes e essas coisas, cortaram aquilo tudo. Agora, para baixo, que conheça já esteve praticamente sempre assim.”
Advogado da Ré - 00:13:37
“Sim. Mas reparou que nas casas vizinhas havia árvores?”
HH - 00:13:43
“Tinha lá umas japoneiras… Acho que tinha lá umas japoneiras também… Agora acho que estão pequenas, mas agora não sei se…”
18. Ora, do acervo dos depoimentos ora transcritos afigura-se assaz demonstrativo de que tal elemento – magnólia - estaria longe de representar uma “peça fundamental e marcante do arranjo urbanístico” composto pelas 4 moradias contíguas;
19. É, por conseguinte, manifesta a errónea apreciação da prova por parte do Tribunal a quo no que concerne ao facto dado como provado sob o 5, pelo que se impunha que o mesmo constasse do elenco da factualidade não provada;
20. Para prova dos factos 12 e 13 da factualidade provada, o Tribunal “inferiu-a dos depoimentos das testemunhas EE e II”;
21. A esse respeito, vejamos, então, o que foi referido no depoimento da testemunha EE:
EE - 00:01:25
“Houve, sim senhor. Primeiro, sou amiga da AA há quase sessenta anos, por isso é normal que almoçamos todas as semanas, ambas, confidenciando uma à outra o que se passa na nossa vida. A AA estava realmente muito, muito preocupada com uma situação e houve uma altura que me disse: “importas-te de vir ver uma casa da inquilina que tenho”, ao lado da casa da Avó JJ… “Vem comigo porque eu preciso de uma testemunha porque ela não me abre a porta”… Eu disse: “claro que sim, claro que vou”.
Advogado das Autoras - 00:01:59
“E tem ideia quando é que foi isso?”
EE - 00:02:01
“Olhe, fui ver exatamente a data, foi no dia 25 de outubro de 2019 e lembro-me também que tinha sido no dia a seguir aos anos de casados dos meus pais e foi imediatamente antes da pandemia.”
Advogado das Autoras - 00:02:13
“Foi imediatamente antes da pandemia. Estavam só as duas ou estava mais alguém?”
EE - 00:02:17
“Não. Estávamos as duas e estava, acho, um funcionário… Acho que era um funcionário…”
Advogado das Autoras - 00:02:26
“Pronto. Sim senhor. Chegaram lá, tocaram à campainha? A campainha tocou? Lembra-se?”
EE - 00:02:33
“A campainha tocou e esperámos, esperámos e esperámos. A luz estava acesa, a luz da sala estava acesa, cá de fora vê-se perfeitamente, e vimos a cortina a abanar e um vulto que abriu e fechou a cortina e nós ficámos ali à espera.”
Advogado das Autoras - 00:02:48 “E não abriram a porta?”
EE - 00:02:49
“Não. Ficámos para aí meia hora, seguramente.”
22. Salientemos, contudo, a circunstância de a R. manter a luz acesa da sala no locado durante o dia, nem por isso se assume reveladora da sua efectiva presença em casa;
23. Tal como, de resto, a própria A. AA admitiu a determinada passagem do seu depoimento:
AA - 00:10:09
“Quanto ao ensombrar, a casa é virada a poente, portanto, a casa a partir de agora, desta hora, começa a ter o sol todo lá. Mesmo aquele taipal não é suficiente para ensombrar a casa porque não tem altura nem inclinação do sol dá para vedar o sol, então muito mais tem aquelas árvores todas nas traseiras que estão ainda e que nunca foram podadas no jardim da Dona CC e isso então ensombra muito mais e elas nunca foram podadas! Isso da sombra, eu não… Precisamente por causa da localização da casa estar virada a poente. Portanto, a partir do meio-dia/uma hora tem o sol todo até ao pôr-do-sol a dar nos vidros e na casa. Aliás, a Dona CC tem sempre a luz da sala acesa de manhã até à noite e continua. Não sei, deve ser um hábito, mas tem sempre e tem há muitos anos”.
Meritíssima Juiz – 00:11:22
“Mas porquê? Não abre a janela, é isso?”
AA – 00:11:23
“Não sei, a gente passa e vê luz lá dentro da sala, sempre, sempre, sempre, sempre.”
24. Veja-se, agora, o que foi dito pela testemunha II após ter relatado uma alegada tentativa de contacto para verificação do saneamento:
Advogado das Autoras - 00:05:51
“A nível de tentativas de contacto do senhor não aconteceu mais nada?”
II - 00:05:53
“Exato. Não senhor.”
25. E, mais à frente, acaba por explicitar o seguinte:
II - 00:13:36
“Acompanhei numa ocasião em que foi preciso entregar um documento através… Alguém lá foi de propósito do Tribunal e também se bateu à porta.”
Advogado da Ré - 00:13:47
“E quem lá foi? Ia o senhor e quem é que ia?”
II - 00:13:50
“Como?”
Advogado da Ré - 00:13:51
“Quem é que ia? Quando o senhor diz que foi à porta tentar bater, quem foi que lhe pediu para ir?”
II - 00:13:58
“Foi esta Doutora que me pediu para acompanhá-la, para não ir sozinha, e para eu ir lá também.”
Advogado da Ré - 00:14:04
“Então e nesse momento quem foi bater à porta?”
II - 00:14:08
“Bati à campainha.”
Advogado da Ré - 00:14:08
“Foi a Senhora Dona AA? A Doutora AA?”
II - 00:14:10
“Bati à campainha.”
Advogado da Ré - 00:14:11
“Quem?”
II - 00:14:12
“Bati à campainha. Tocámos à campainha.”
Advogado da Ré - 00:14:13
“Mas quem foi? Foi a Senhora Doutora AA?”
II - 00:14:15
“Agora não posso estar a dizer se fui eu ou se foi a Doutora AA. Provavelmente poderia ter sido eu que toquei à campainha.”
Advogado da Ré - 00:14:22
“Eu estou a perguntar o seguinte: nesse dia que o senhor diz que foi bater à porta, quem é que foi? Quem foi bater à porta?”
II - 00:14:31
“Quem foi à porta bater?”
Meritíssima Juiz - 00:14:32
“Senhora Testemunha, desculpe. Estava o senhor, estava a Doutora AA e estava mais quem?”
II - 00:14:36
“E estava o responsável do Tribunal para entregar um documento.”
Meritíssima Juiz - 00:14:40 “Muito bem.”
II - 00:14:41
“Eram três pessoas.”
Meritíssima Juiz - 00:14:42
“Muito bem.”
II - 00:14:43 “Não estava mais outra pessoa.”
Advogado da Ré - 00:14:44
“Está bem. Olhe, e como é que sabe que foi esta senhora que foi espreitar e que não abriu? Como é que sabe? Onde é que esta senhora estava?”
II - 00:14:52
“A senhora estava na parte de cima e via-se a silhueta. Tinha a cortina… Tinha a cortina mas via-se por trás da cortina a silhueta da pessoa… Pronto… Não é uma cortina tapada, via-se que estava uma silhueta. Pronto. Era por causa de abrir e fui para trás.”
26. Sucede, porém, que do depoimento prestado pela A. AA ressalta à evidência que a testemunha II não esteve presente em tal visita;
27. Mas, antes, uma outra pessoa, conforme infra se transcreve:
AA - 00:16:27
“Sim. Fomos vistoriar. A partir daí eu fiz depois outras tentativas para ver até se aquilo que estava estragado, como uma porta aberta, uma gaveta que eu abri e fiquei como fundo todo no chão, tudo isso se estava reposto. Sempre que tentámos fazer alguma coisa nunca conseguimos. O Senhor Doutor sabe que depois andou-se com cartas registadas com avisos de recepção que não eram levantadas e depois cartas normais que foram para o correio e não sei se foram recepcionadas ou não. Depois o agente de execução marcou um dia… Andou atrás e nunca conseguiu também e depois deixou um aviso de que no dia tantos, às tantas horas, portanto, 25 de outubro de 2019, às onze da manhã, eu ia lá fazer uma vistoria. Pronto. Foi quando eu pedi a uma amiga minha que viesse, para depois até testemunhar, e na altura levei o senhor que estava lá a trabalhar. O senhor agora está muito doente agora e eu nem sequer… Infelizmente não consegui pedir que ele viesse cá… Portanto…”
28. Ora, da conjugação destes depoimentos, resultam, desde logo, quatro contradições insanáveis:
a) por um lado, a testemunha EE afirmou peremptoriamente que acompanhou a A. AA no dia 25-10-2019 para examinar o locado, igualmente acompanhada por um funcionário desta (provavelmente o tal “senhor que estava lá a trabalhar. O senhor agora está muito doente agora e eu nem sequer… Infelizmente não consegui pedir que ele viesse cá…”);
b) por outro lado, a testemunha II refere que esteve presente na visita de 25-10-2019, quando, na verdade, se infere do depoimento da A. AA que foi pessoa distinta que alegadamente ali esteve (o tal “senhor que estava lá a trabalhar. O senhor agora está muito doente agora e eu nem sequer… Infelizmente não consegui pedir que ele viesse cá…”);
c) ademais, a testemunha II referiu inequivocamente que a suposta visita de 25-10-2019 ocorreu com a A. AA e com uma pessoa do tribunal (e não com a amiga da Autora, EE); e
d) por outro lado, a testemunha EE asseverou que a luz da sala estava acesa e viu uma cortina a abanar e um vulto que abriu e fechou a cortina; acontece que, a testemunha II afirmou inequivocamente que a “senhora estava na parte de cima”, e, como tal, alegadamente na divisão dos quartos, e não na sala, tal como havia anteriormente sido afirmado pela testemunha EE;
30. Por último, e para rematar o quadro “pintado”, a testemunha II, na parte final do seu depoimento, acaba por admitir que não sabe efectivamente se se trataria da R. a pessoa cuja silhueta terá alegadamente avistado no interior de casa:
Meritíssima Juiz - 00:15:16
“Obrigada. Diga-me só uma coisa. O senhor então foi lá duas vezes bater e a senhora não atendeu, é isso?”
II - 00:15:21
“Exatamente”.
Meritíssima Juiz - 00:15:22
“O senhor sabe se a campainha não tocava? É que há algumas campainhas que tocam e nós ouvimos cá fora e outras vezes não ouvimos.”
II - 00:15:29
“Isso aí posso dizer…”
Meritíssima Juiz - 00:15:32 “Não sabe? Não sabe?”
II - 00:15:34
“Estou cá fora e não estou lá dentro a ouvir a campainha.”
Meritíssima Juiz - 00:15:35
“Apercebeu-se que das duas vezes estava alguém lá em cima que viu e não abriu a porta?”
II - 00:15:42
“Alguém estava.”
Meritíssima Juiz - 00:15:44
“Muito bem.”
II - 00:15:44
“Eu não vou dizer que era a senhora ou deixava de ser a senhora porque não se via, mas alguém estava. Via-se uma silhueta por trás da cortina.”
Meritíssima Juiz – 00:15:51
“Pronto. Muito obrigada.”
Advogado da Ré - 00:15:52
“Mas não sabia… Senhora Doutora, um esclarecimento… Mas não sabe se era esta senhora?”
Meritíssima Juiz - 00:15:56
“Já disse que não sabia, Senhor Doutor.”
II - 00:15:59
“Eu acho que não consigo ter uma visão através de… Se há uma cortina e se se vê uma silhueta é a mesma coisa como ter um vidro temperado fosco. No vidro fosco vê-se uma silhueta mas não se conhece a pessoa.”
31. Deste modo, afiguram-se inúmeras, manifestas e insanáveis as incongruências evidenciadas nas declarações da A. AA e nos depoimentos das testemunhas EE e II, relativamente à factualidade constante dos pontos 12 e 13;
32. Pelo que, indispensável se torna concluir que a matéria de facto dada como provada naqueles concretos pontos está erradamente julgada, impondo-se necessariamente a modificabilidade da decisão de facto, considerando aqueles factos 12 e 13 como não provados;
33. Entendeu o Tribunal a quo que o facto descrito no ponto 14 dos factos provados resultou “(…) do depoimento da testemunha II e (…) foi ainda confirmado pela testemunha KK que relatou de forma coincidente a tentativa de aceder ao locado, mas apesar de a campainha tocar e a testemunha ver que a Ré estava em casa, esta não abriu a porta.”;
34. Salvo melhor opinião, não foi produzida qualquer prova, através de tais depoimentos, que impusesse resposta positiva à matéria dada como provada sob o n.º 14;
35. Recorde-se, assim, o que foi afirmado pela testemunha II a este propósito:
II - 00:04:18
“Porque estávamos a fazer obras e o saneamento estava “entupido”, vamos chamar. Embora fosse carpinteiro também dava ajuda naquilo que era preciso na parte das outras artes. Então precisávamos de ir ao outro lado ver se havia entupimento ou não, para desentupirmos e fazermos o que fosse preciso. No entanto, batemos à porta e a Dona CC aparecia por dentro, na parte interior da cortina – víamos -e não abria a porta. Não me pergunte a razão do porquê, mas não abria por qualquer razão. Mas isso aconteceu mais do que uma vez, até que depois chegou-se a um ponto em que nunca mais se ligou e comuniquei à Doutora AA que aquela casa não abria a porta para ver o saneamento e assim ficou conforme está. Agora neste momento não sei.”
Advogado das Autoras - 00:05:09
“Mas a Dona CC sabia que o senhor trabalhava para a Doutora AA e para a Dona BB? Tinha conhecimento disso?”
II - 00:05:18
“Ora bem, ela via-nos ao lado a trabalhar quando passava”.
36. Com efeito, do teor do depoimento prestado por esta testemunha ressaltam, desde logo, dois aspectos que se impõem assinalar:
a) a visita pretendida efectuar ao locado não foi previamente agendada e combinada entre as AA. e a R.; e
b) não [foi] feita qualquer prova que a R. conhecia – nem tinha obrigação de conhecer – a testemunha II e, muito menos, que esta iria a mando ou em representação das AA.;
37. Quer isto dizer que, unicamente com base no depoimento da testemunha II, ao considerar provado que “a Ré não permitiu que os funcionários das Autoras acedessem ao imóvel identificado em 1 para verificarem o saneamento” – Ponto 14 dos factos provados -, o Tribunal recorrido mais não fez do que dar “um salto de fé”;
38. E a fragilidade de tal suporte probatório adensa-se, quando analisamos o depoimento da testemunha KK que, no entendimento do Tribunal recorrido, terá igualmente contribuído para prova deste ponto 14 dos factos provados:
Advogado da Ré - 00:07:56
“Pois. Pois. Pois. Mas como é que sabe que a senhora estava lá em casa, ou alguém?”
KK - 00:08:00
“Eu sei porque eu estava a trabalhar ao lado e vejo. Ela estava lá com uma menina. Parece-me que é neta da senhora.”
39. Ora, pela primeira vez, é referenciada a existência de uma “menina” que, até então, foi um detalhe “esquecido”, quer pela testemunha EE, quer pela testemunha II, quer até pela própria A. AA;
40. Por último, afigura-se pertinente trazer à colação um excerto do depoimento prestado pela A. AA, a qual simplesmente adiciona novos factos à versão alegadamente presenciada somente pelas testemunhas II e KK:
AA - 00:14:42
“E queríamos saber. Eu disse: “os senhores, se faz favor, vão e batam à casa da senhora e perguntem, é fácil, ela abre torneiras lá dentro ou torneiras cá fora para ver onde as águas pluviais vêm ter”. Eles viram a senhora entrar, foram lá bater e viram… A luz está sempre lá, como disse… Viram a senhora a vir e tudo” (sublinhado nosso);
41. Parece que, afinal, as testemunhas já teriam avistado a R. entrar no locado, e já não se tratava de uma mera silhueta atrás das cortinas…;
42. Perante a manifesta discrepância evidenciada nos depoimentos prestados por estas testemunhas e nas declarações prestadas pela própria A., a factualidade inserta no ponto 14 dos factos provados não se pode ter como provada, devendo eliminar-se a mesma do elenco dos factos provados;
43. Sobre os pontos 15 e 16 dos factos provados foram instadas as testemunhas II e LL];
44. Todavia, em nenhuma das passagens de tais depoimentos foi produzida prova suficiente que permitisse ao Tribunal inferir, com a segurança e convicção necessárias, a alteração da disposição externa e do eventual prejuízo causado no imóvel;
45. Razão pela qual os factos dados como provados sob os n.ºs 15 e 16 deverão inelutavelmente ser integrados no quadro da factualidade não provada;
46. A Mma. Juiz a quo entendeu não considerar provada a factualidade que a Ré podou a árvore – facto f) dos factos não provados;
47. A Apelante não concorda, contudo, com o entendimento preconizado pelo douto Tribunal recorrido;
48. Veja-se, pois, o que foi dito pela testemunha LL:
Advogado da Ré - 00:03:51
“Em seu entender, na sua qualidade profissional, ela foi podada ou foi cortada?” LL - 00:03:57
“Eu passei por lá para ver e a árvore está podada.” Advogado da Ré - 00:04:01
“Está…?”
LL - 00:04:01
“Não está cortada. Quer dizer, uma poda é sempre um corte, não é? As árvores crescem… Tudo o que é vegetação carece de tratamento de podas, de cortes, de orientação e de encaminhamento. Se foi tecnicamente bem feito ou não, não consigo dizer. Agora, daquilo que é o senso comum, a natureza precisa de orientação.”
49. A alínea F) dos factos não provados merecia, assim, resposta positiva, devendo integrar a relação dos factos provados na sentença;
50.Mal andou o Tribunal recorrido ao dar como não provado que a árvore em causa começou a causar muita sombra na casa – alínea G) dos factos não provados;
51. Na verdade, atente-se, uma vez mais, nas declarações da testemunha LL:
Advogado da Ré - 00:03:06
Ela estava a invadir/a criar sombra?
LL - 00:03:06
Se ela cria sombra?
Advogado da Ré - 00:03:16
Se criava sombra?
LL - 00:03:19
A casa está virada, portanto, a norte… É provável que criasse alguma sombra.
52. Tais afirmações não foram devidamente consideradas pela Mma. Juiz a quo na resposta dada a tal matéria;
53. Razão pela qual a factualidade constante da alínea G) dos factos provados deverá integrar o elenco dos factos provados;
54. A matéria de facto dada como não provada na alínea N) está erradamente julgada;
55. De facto, uma correcta valoração e apreciação da prova impunham resposta positiva àquela matéria;
56. Vejamos, destarte, o que foi referido pela testemunha HH: Advogado da Ré - 00:05:06
“Põe-se aqui a questão de uma árvore. Conhecia a árvore?”
HH - 00:05:11
“Sim, a magnólia.”
Advogado da Ré - 00:05:12
“No prédio que estava arrendado, ou não?”
HH - 00:05:15
“Sim. É uma magnólia.”
Advogado da Ré - 00:05:16
“Na casa eles tinham uma magnólia?”
HH - 00:05:18
“Uma magnólia, sim. A folha era cor-de-rosa. Tem a flor cor-de-rosa. Era uma magnólia de folha caduca, sim”
Advogado da Ré - 00:05:28
“E o que se passou com ela? O senhor interveio nela?”
HH - 00:05:30
“Eh?”
Advogado da Ré - 00:05:31
“Interveio?”
HH - 00:05:32
“Sim. Tinha os ramos a sair já quase a chegar à rua onde passavam os carros, eu ia lá só espontar para não ir para a rua, e também já estava a entrar quase pelas janelas. Ia só espontar, mas já tinha ramos que estavam pousados em cima do telheiro que ali tinha e no meio, que não se via, estava podre.”
Advogado da Ré - 00:05:56 “No meio de…?”
HH - 00:05:57
“No meio. Portanto, os ramos saiam assim, não é? Mas no meio estava podre.”
Advogado da Ré - 00:06:01
“No tronco?”
HH - 00:06:04
“No tronco. No meio, no miolo, não é? Os primeiros galhos de cima, os primeiros já estavam pousados no telheiro e da parte da rua também já estavam, que as pessoas tinham que se desviar ao passar e tudo. Então eu falei à senhora e disse: “é melhor cortar mais abaixo um bocadinho para coisar”, e depois ao cortar viu-se que estava podre, não é? E aparecia lá bicho, também. Portanto, fui cortando até o bicho… Eu disse a ela: “é melhor tirar porque senão depois ele vem, vem, vem e vai acabar por secar a árvore”.”
Advogado da Ré - 00:06:40
“E que tipo de bicho era, já agora?”
HH - 00:06:51
“Posso mostrar… Não sei se…”
Advogado da Ré - 00:06:52
“Pode mostrar, se calhar, à Senhora Doutora Juiz.”
Meritíssima Juiz - 00:06:54
“Olhe, tirou fotografias da árvore com bicho?”
HH - 00:06:56
“Não... Isto é idêntico como estava… É só para identificar…”
Meritíssima Juiz - 00:07:01
“Tinha umas larvas brancas, é isso?”
HH - 00:07:03
“Sim.”
57. E mais à frente prossegue:
Advogado da Ré - 00:07:45
“Portanto, perante o diagnóstico… Não é bem… Mas perante aquilo o senhor viu na árvore, os bichos, que tinha bicho, estavam minar o tronco?”
HH - 00:07:53
“Estavam a minar o tronco por dentro. Na parte de cima já estava… Os primeiros talos, com o peso, já estavam mesmo esgaçados, não é? Estávamos todos à beira do telheiro já… E tinha um que ia para o lado da rua que também já estava pousado em cima de outro que estava por baixo, só que como já estava tudo minado por dentro, não é? Ia para baixo.”
Advogado da Ré - 00:08:19
“Então acha que foi um mal necessário?
HH - 00:08:24
“É assim, tem que ser cortado mais tarde ou mais cedo porque…”
Advogado da Ré - 00:08:27
“Se não tivessem…?”
HH - 00:08:28
“Se não tivesse sido naquela altura até podia alguém passar e levar com um galho.”
Advogado da Ré - 00:08:33
“E se não fizesse nada? Se na altura não fizesse nada o que é que acontecia à árvore?”
HH - 00:08:37
“É assim, podia durar mais dois ou três anos, mas o bicho ia descendo para baixo e ia acabar por… Acho que ia acabar por secar, não sei… Depende às vezes dos ovos que as larvas iam pôr, não é?”
Meritíssima Juiz - 00:08:53
“E não pôde tratá-la?
HH - 00:08:56
“Mas estava toda podre já no meio e já podia estar mais lá para o fundo. Eu cortei a primeira parte e só era farinha. Eu encontrei isto na segunda rodela, mais ou menos, ao tirar um bocado lá em baixo, no fundo.”
58. Resulta, assim, do depoimento deste[a] testemunha que a árvore em causa estava em adiantado estado de podridão, com presença de bichos e que o tratamento que lhe foi dispensada se afigurava absolutamente indispensável à sua sobrevivência;
59. Sobre a R., dentro dos seus deveres de vigilância, como detentora da coisa, impendia a obrigação específica de anular todas as circunstâncias que propiciassem a queda/morte da árvore, exercendo uma fiscalização técnica regular, apropriada e adequada à conservação do conjunto arbóreo implantado no locado;
60. E, no caso dos autos, essa fiscalização traduziu-se na necessidade de realizar uma intervenção na árvore implantada;
61. E a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem entendido que não é necessário que se evidenciem quaisquer circunstâncias externas de queda iminente da árvore para que exista o ónus de adopção de medidas que a evitem;
62. Mais especificamente, tem-se entendido que, tratando-se de árvores passíveis de cair na via pública, e de causar toda a espécie de danos pessoais e patrimoniais a quem aí circule ou que aí se encontre ou mantenha bens, existe uma acrescida medida de cuidado, que deve ser concretizada na adopção de medidas;
63. Com efeito, resulta provado dos autos que a árvore em causa é de grande porte, ou seja, notoriamente mais susceptível de cair, dada a maior área de exposição aos elementos potencialmente em risco;
64. Pelo que, [será] a resposta à matéria constante da alínea N) deverá ser positiva relativamente à prova dos factos em causa, devendo passar a integrar o quadro da factualidade provada;
65. Em resumo, o Tribunal não deveria ter atribuído ao depoimento de determinadas testemunhas, a credibilidade que lhes conferiu, com repercussão na fixação da matéria de facto;
66. E, simultan[ea]mente, considerar essas mesmas testemunhas inidóneas para fazer prova de matéria constante do quadro da factualidade não provada;
67. A matéria factual, dada como provada e não provada, materializada numa errada interpretação dos factos, quando aplicados ao Direito, e que constituiu fundamento material da sentença, não resulta de uma análise atenta, crítica e objectiva, por parte da Mma. Juiz a quo, dos elementos carreados para os autos por ambas as partes, incluindo o[s] depoimentos prestados pelas testemunhas e transcritos supra;
68. Verifica-se, portanto, na sentença sob recurso erro na apreciação das provas e, por isso, erro de julgamento, por ausência de valoração racional, integrada, percepção e análise dos depoimentos das testemunhas nos autos;
69. Salvo melhor e Douta Opinião, no entendimento da aqui Recorrente, a forma como o Tribunal a quo conciliou a matéria controvertida e assente com todo este conspecto fáctico e a prova que sobre o mesmo incidiu, é de deduzir uma outra decisão, que não no sentido da do Douto Tribunal recorrido;
70. Invoca a sentença recorrida uma violação contratual, nos termos da qual, entende que a conduta da ora Recorrente, ao cortar a árvore, nos moldes em que o fez, se traduziu numa deterioração que altera substancialmente a estrutura externa do locado, em face do estatuído no artigo 1073.º, n.º 1 do Código Civil;
71. Ressalvado o devido respeito, tal entendimento não poderá colher;
72. Na verdade, os actos ou deteriorações que alteram substancialmente a estrutura externa são aqueles que "modificam fundamentalmente as linhas exteriores do prédio de tal modo a que ele passe a ter outra configuração (…) em suma, que externamente pareça outra coisa".– vide Pais & Sousa in Extinção do Arrendamento Urbano, pág. 209):
73. Quer isto significar que não são quaisquer deteriorações que fundamentam a resolução da contrato de arrendamento, mas apenas aquelas que sendo exteriores, desfiguram e transformam a morfologia do locado;
74. O legislador não definiu, contudo, um critério que permita caracterizar aquilo que denomina de “alteração substan[t]ial”, pelo que, em rigor, só caso a caso será possível proceder a essa determinação, face à multiplicidade das situações da vida real, em especial, duração do contrato, idade do arrendatário, tipo de prédio arrendado, grau de conservação do locado, histórico de intervenções realizadas pelo senhorio no locado, etc., para a partir daí se indagar se houve ou não alteração substancial da estrutura externa do locado;
75. E, descendo ao caso dos autos, pergunta-se ainda: o corte da árvore destruiu o equilíbrio contratual existente durante décadas de vigência do contrato de arrendamento?;
76. A resposta – como não poderia deixar de ser - é manifestamente negativa;
77. De facto, na situação dos autos, o corte da árvore não modificou as linhas exteriores ou a configuração do imóvel, mantendo-se o mesmo com as mesmas características, nomeadamente, a mesma traça, a mesma distribuição, a mesma forma de ocupação e a mesma disposição externa;
78. Nas palavras de Henrique Mesquita e Meneses Cordeiro, terá de tratar-se de “uma alteração irreparável ou irremediável do prédio, antes podendo legitimar esse mesmo despejo aquelas obras que alterem a sua configuração ou linha arquitectónica, mas sempre considerando que se deve estar diante de uma alteração considerável, a ponto de modificar profunda ou fundamentalmente a sua fisionomia, a sua traça arquitectónica – v. Henrique Mesquita e Meneses Cordeiro, in loc. cits. e Ac. do STJ, de 4.1.97, in BMJ 463-571;
79. Que o mesmo é dizer que a alteração terá de ser de monta, considerável ou profunda, a ponto de colocar em crise a própria fisionomia do prédio;
80. Como é bom de ver, tal não é manifestamente o caso pois que estamos perante o corte de uma árvore que, por sinal, apresenta já sinais evidentes de crescimento de forma viçosa e pujante, tal como resulta inequivocamente dos depoimentos prestados pelas testemunhas auscultadas;
81. Veja-se, a este propósito, o entendimento sufragado pela Jurisprudência dos Tribunais Portugueses: “Obras que alteram substancialmente a estrutura externa são as que modificam consideravelmente a sua resistência ou segurança ou causam prejuízo estético, em termos de essas alterações serem irreparáveis e irremediáveis” - Acórdão da Relação de Lisboa de 29.4.93;
82. Assim, as obras/deteriorações que alterem substancialmente a estrutura do prédio deverão traduzir-se num desvio à linha arquitectónica, estética e de segurança, solidez e salubridade da mesma;
83. O que não é, de todo, a factualidade verificada na situação vertida nos autos;
84. Acresce que, tal como inequivocamente ressuma do depoimento da testemunha HH, jardineiro de profissão, a realização da poda da árvore prendeu-se com razões relacionadas com a solidez, higiene e segurança do arrendado, pelo que, por esse prisma, essa “deterioração” não poderá ser tida como ilícita;
85. E ainda que se entenda – o que, desde já, nem por mera hipótese académica se concede - que o corte da á[r]vore, nos moldes em que o foi, alterou a estrutura externa do prédio, e que não se tenha provado que tal acto se revelasse necessário em face da utilização dada ao locado;
86. Averdade é que somente constituirá causa justificativa de resolução do contrato de arrendamento se, pela sua gravidade ou consequências, tornasse inexigível a manutenção do mesmo, de acordo com o disposto no artigo 1083.º do Código Civil;
87. Tal inexigibilidade tem forçosamente de ser aferida[,] segundo critérios de razoabilidade, adequação e proporcionalidade, considerando a sua gravidade e consequências, sempre ponderadas à luz do princípio geral da boa fé - artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil – e da ordem pública e abuso do direito;
88. Cremos, assim, que a solução encontrada pelo Tribunal recorrido não se afigura correcta;
89. Ademais, a Apelada invocou, igualmente, como fundamento para a resolução do contrato de arrendamento a violação do disposto no artigo 1038.º al. b), do Código Civil, ou seja, o dever geral que incumbe sobre o arrendatário de facultar ao locador o exame da coisa;
90. Ora, se é verdade que, no período reportado nos autos entre 28-06-2019 e 25-10-2019, ou seja, 4 meses, não está probatoriamente demonstrado nos autos que a aqui Recorrente tenha obstaculizado deliberadamente o acesso ao interior do prédio na medida em que dos depoimentos prestados pelas testemunhas não resulta, de forma manifesta e inequívoca, que aquela estivesse efectivamente em casa;
91. Também não é menos verdade que - ainda que se entenda que a Recorrente não franqueou o acesso ao interior do prédio - a situação descrita não é enquadrável na violação culposa e reiterada do dever previsto no artigo 1038.º, al. b) do Código Civil, a ponto de determinar a inexigibilidade da manutenção da relação contratual;
92. Porquanto, se assim fosse, estaríamos perante uma situação de abuso de direito por parte da senhoria/recorrida, exercendo o direito à resolução do contrato de uma forma profundamente injusta e iníqua, com manifesto desrespeito pelos limites axiológico-materiais da comunidade e afectante do sentimento de justiça imanente à ordem jurídica e aos princípios de ordem pública;
93. De facto, revertendo à situação concreta dos autos, coloca-se a questão de saber que consequências resultaram para a Recorrida que, pela sua gravidade, tornaram inexigível a ma[n]utenção do arrendamento?;
94. No limite, tais consequências determinariam uma nova deslocação ao locado e repetição de um acto, que não é de todo de difícil concretização;
95. Todavia, tais consequências não revestem de suficiência para apelidar de grave o incumprimento da aqui Recorrente;
96. A gravidade supõe a existência de um prejuízo assinalável, com uma reparação demorada ou custosa;
97. Com efeito, não se apuraram quaisquer consequências relevantes nesta sede, sendo que a Recorrida não logrou demonstrar qualquer prejuízo económico decorrente deste eventual incumprimento assacado à ora Recorrente;
98. Por outro lado, estamos na presença de um contrato de arrendamento para habitação que teve o seu inicio em 1973, com os pais da aqui Recorrente, entretanto falecidos e que, por via disso, lhes sucedeu na posição de arrendatária;
99. Nessa medida, na vigência de um contrato de arrendamento que dura há cerca de 49 anos, a perda de confiança recíproca na manutenção regular do vínculo terá inevitavelmente de ser antecedida de uma conduta reiterada e assaz comprometedora dessa mesma confiança;
100. O que não é, a nosso ver, claramente o caso dos autos;
101. Deste modo, não será proporcional, face aos interesses em causa e conforme à equidade, admitir que, pelo facto de a ora Recorrente, pessoa idosa de 77 anos, não ter aberto a porta por duas ou três ocasiões num período curto de 4 meses, em plena conjuntura pandémica, no âmbito de um arrendamento com cerca de 49 anos de duração, se tornou inexigível à senhoria/Recorrida a manutenção do mesmo ou que tal conduta, neste contexto, assume um nível de gravidade e gera consequências tais que não seja razoavelmente exigível à outra parte de um ponto de vista objectivo a manutenção do contrato de arrendamento;
102. Acresce que, a eventual declaração de resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo da R. afigura-se manifestamente desproporcionada, face à actual idade da R. (77 anos), ficando esta física e socialmente desenraizada da zona geográfica onde desde sempre fixou a sua residência e onde tem estabelecido o centro nevrálgico da sua vida;
103. Vendo-se forçada a alterar as suas rotinas de longa data, bem como o apoio logístico que presta diariamente aos seus netos;
104. E, mais [do] grave do que isso, ficará totalmente desprovida de um lar, não tendo para onde ir, o que na sua idade, é absolutamente destituído de humanidade;
105. Resulta, assim, à saciedade que se mostra inelutavelmente afastada a previsão legal do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil;
106. Por fim, a Recorrente não se conforma com o entendimento acolhido pelo Tribunal Recorrido no que respeita à indemnização fixada no valor de € 1.000,00 para reparação de danos patrimoniais causados;
107. Isto porque, a Autora/Recorrida não fez qualquer prova nesta sede, pois que não foi junto qualquer documento que pudesse atestar o quantum do dano por si invocado;
108. À míngua de qualquer outro meio de prova idóneo, o Tribunal a quo bastou-se com os depoimentos de LL] e DD, sendo certo [que] dos mesmos não é possível quantificar, com grau de certeza considerável, tal dano visto que nenhuma das testemunhas em causa foi capaz de indicar um montante exacto;
109. Sendo incontroverso que tal incapacidade faz necessariamente claudicar a força/valor probatório, a ponto de ser legítimo concluir que essa imprecisão – desacompanhada de quaisquer outros meios de prova complementares - deverá tornar estes depoimentos totalmente imprestáveis nesse ponto concreto para fundamentar uma resposta à matéria de facto quanto ao valor de uma eventual indemnização;
110. Mal andou, pois, o Tribunal a quo, quando concluiu pelo preenchimento d[a]os artigos 1043.º, 1073.º, 1083.º n.º 2, 1038.º B), 562.º e 566.º, todos do Código Civil na medida em que, no que concerne ao direito aplicável aos autos em apreço, apreciou incorrectamente os factos a ele subsumíveis;
111.A Recorrente entende que, ao proferir a Decisão ora em crise, o Douto Tribunal a quo violou os artigos 1043.º, 1073.º, 1083.º n.º 2, 1038.º B), 562.º e 566.º do Código Civil, razão pela qual se impõe seja proferida decisão diversa.
Termos em que,
deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a Sentença Recorrida em acto de inteira realização do direito e de sã JUSTIÇA!».
Os RR. apresentaram contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a sentença recorrida.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar:
a) apurar da alteração da matéria de facto conforme propugnado pela recorrente;
b) averiguar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se inexiste fundamento para a resolução do contrato de arrendamento em causa;
c) apreciar da fixação de indemnização por danos patrimoniais às AA..
**
Vejamos a primeira questão.
O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).
Neste caso, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º):
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
No caso concreto, verifica-se que a recorrente deu cumprimento às referidas exigências, especificando os concretos factos que põe em causa e indicando as razões da sua discordância, nomeadamente por referência aos meios de prova que, em seu entender, sustentam a solução que propugna.
Apreciemos então.
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida (transcrição):
«1 - Encontra-se inscrito em nome das Autoras na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, freguesia ..., sob o nº ..., o prédio urbano composto por casa de três pavimentos, anexo e quintal, sito na Estrada ..., ..., ... [rectificação por despacho de 03/06/2022].
2 – O gozo e fruição desse imóvel[,] foi cedido aos pais da Ré, mediante pagamento de contraprestação pecuniária e com o seu falecimento[,] o mesmo transmitiu-se à Ré, sendo atualmente de €580,50 por mês o valor da contraprestação pecuniária.
3 - As Autoras e a Ré são vizinhas, não existindo desde há vários anos qualquer tipo de relação entre elas, uma vez que as Autoras entendem que a Ré mantém o locado visivelmente em más condições de limpeza.
4 - No final do mês de junho de 2019, as Autoras verificaram que uma árvore que compunha o arranjo urbanístico da fachada principal da casa referida em 1 havia sido cortada, concretamente uma magnólia.
5 - Essa árvore, com mais de 50 anos, era uma peça fundamental e marcante desse imóvel e da envolvente urbanística, de que as Autoras não pretenderiam prescindir.
6 - A empresa N... S.A. fez da fachada da referida casa capa de calendário no ano de 1970.
7 - O arquiteto concebeu a obra e previu aquele local como o de implantação de uma árvore de grande porte.
8 - A Ré nunca informou as Autoras de que a árvore afetava a utilização do imóvel e que pretendia cortar a mesma.
9 - As Autoras interpelaram a Ré para que justificasse a atitude tomada e informaram da sua pretensão em vistoriar o interior da casa referida em 1.
10 – Para esse efeito, em 28/06/2019, foi remetida à Ré por parte do mandatário das Autoras uma carta registada com aviso de receção que não foi recebida.
11 - Em 15/07/2019, foi enviada pelo mandatário das Autoras uma carta registada simples para a Ré.
12 - No dia 25/10/2019, pelas 11h00, a Autora AA deslocou-se ao prédio referido em 1, acompanhada de testemunhas para pedir para examinar o mesmo.
13 - A Ré não abriu a porta.
14 - Em data não concretamente apurada, a Ré não permitiu que os funcionários das Autoras acedessem ao imóvel identificado em 1 para verificarem o saneamento.
15 - O corte da árvore alterou a disposição externa do imóvel referido em 1.
16 - E prejudicou o imóvel e a envolvente urbanística.
17 - Os custos de uma magnólia com 50 anos de idade e com o respetivo transplante variam num intervalo entre os €500,00 a €1000,00.
18 - As Autoras propuseram contra a Ré uma ação de despejo que correu termos sob o nº 7698/09.2TBMTS, no extinto 4º Juízo Cível deste Tribunal.
19 - Em 2010, a Ré efetuou as seguintes obras: colocou quatro portas novas, uma na cozinha e três na cave.».
Tendo sido dados como não provados os seguintes factos (transcrição):
«a) A Ré mantém o locado visivelmente em más condições de limpeza.
b) Era de conhecimento da Ré a factualidade referida em 5, uma vez que várias vezes se falou inclusivamente na presença da Ré do valor sentimental que a referida árvore tinha
c) O arquiteto deslocalizou propositadamente as tampas de saneamento para o lado oposto de modo a permitir a colocação da árvore.
d) A árvore em nada afetava a normal utilização do imóvel, apenas o beneficiando pelo fator estético e pelo resguardo que proporcionava.
e) A Ré nunca se escusou a falar com as Autoras, no que for necessário, na qualidade de arrendatária.
f) A Ré podou a árvore.
g) A árvore começou a causar muita sombra na casa.
h) A perda de luminosidade foi agravada com a colocação, pelas Autoras, de chapas sobre o muro, que separa as casas de ambas, sem darem qualquer satisfação à Ré.
i) As raízes prolongaram-se sobre o tubo – ou seja, este encontrava-se por baixo daquelas - que vai do contador para o interior da habitação, estrangulando-o e rompendo-o.
j) Tal rompimento provocou fuga de água, o que acarretou um inesperado consumo de água pela Ré, com o consequente pagamento de uma fatura mensal de €250,00, em abril de 2019.
k) A Ré chamou a sua casa um picheleiro que constatou, após a mudança da boia do depósito, a referida fuga do tubo do contador.
l) Face à sua espessura – 37 cm de diâmetro na parte mais larga e 28 cm, na parte mais estreita -, a árvore é mais recente que à idade referida em 5.
m) A árvore já se estava a expandir para as caleiras do alpendre, com os consequentes entupimentos.
n) A árvore estava podre e com bichos e, por isso, precisava de ser cortada.
o) A Ré pintou a casa no seu interior.
p) A Ré despendeu a quantia de €3 500,00 nas obras.
q) As obras realizadas pela Ré visaram a reparação de danos por si provocados.
r) A Ré tem vivido em stress, tem perdido paz e sossego com o comportamento das Autoras neste pleito, quer como senhorias, quer pelo facto de não falarem para si.
s) A Ré não consegue dormir tranquilamente e não se alimenta.».
a) Pretende a recorrente que deve ser dado como não provado o facto do ponto 5 dos factos provados.
Para o efeito, invoca uma parte do depoimento da testemunha DD e partes das declarações da R. e dos depoimentos das testemunhas FF e HH que, em seu entender infirmam que a magnólia em causa fosse “uma peça fundamental e marcante desse imóvel e da envolvente urbanística” (não obstante o ponto 5 conter mais matéria de facto, da alegação apresentada pela recorrente verifica-se que é apenas este o segmento que efectivamente põe em causa).
Na sentença recorrida a prova do facto em causa foi fundamentada na “conjugação dos depoimentos das testemunhas DD e EE”, aduzindo-se o seguinte:
«Com efeito, a testemunha DD trabalhou como jardineiro para o arquiteto GG, marido da Autora MM e pai da Autora AA, desde dos anos 1950/1960, confirmando ter plantado a magnólia há 50 anos.
A testemunha EE, amiga da Autora AA há 60 anos e frequentadora da casa das Autoras, confirmou a importância que o arquiteto dava às arvores, em especial as magnólias. Referindo, ainda, que a Autora AA faz de tudo para preservar a obra do pai e que o corte da árvore a abalou.
Depoimentos que foram bastante espontâneos e escorreitos e que se mostram consentâneos com as declarações prestadas pela Autora AA que ao Tribunal referiu que a magnólia teria sido plantada 1 ou 2 anos após a construção da casa em 1966.
A referida Autora explicou também que o seu pai construiu primeiro uma casa para a sua família e, após, construiu naquela zona mais duas casas para arrendar, uma delas a casa que se encontra arrendada à Ré, e que em todas as casas existiam magnólias, a planta favorita do seu pai e que simbolizava a assinatura do seu trabalho. Mais, referiu que se a Ré lhe comunicasse que pretendia cortar a árvore arranjaria maneira de transplantar a mesma para sua casa.»
Como se percebe da motivação transcrita, o tribunal recorrido considerou a factualidade em questão (alegada no art. 7º da petição inicial e conjugada com a alegação dos arts. 8º e 9º da mesma peça) tendo em conta a concepção inicial das moradias pelo pai e marido das AA. e a circunstância de este imóvel se tratar de uma dessas moradias e ter uma composição e uma aparência (que se mantinham à data de 2019), pensadas pelo arquitecto que as concebeu, e a importância do conjunto habitacional resultante do projecto deste arquitecto, o que efectivamente resulta do conjunto dos depoimentos prestados, designadamente os referidos na convicção do tribunal, e das declarações de parte da A. AA, e não é infirmado pelos depoimentos e pelas declarações de parte que a recorrente invoca.
Na verdade, o que resulta destes depoimentos e declarações é que houve outras árvores que foram cortadas em imóveis existentes na zona, sendo que algumas eram pinheiros, e que a opinião subjectiva da testemunha FF (filho da R.) é a de que aquela magnólia não tinha importância arquitectónica.
Ora, uma opinião é apenas isso, “uma opinião”, não tendo virtualidade para colocar em causa os factos objectivos de que as moradias foram concebidas de uma determinada forma, para ter uma determinada aparência e composição, que incluía uma magnólia no jardim da parte de frente da casa, elemento marcante do conjunto urbanístico projectado.
E o facto de terem sido cortadas árvores em outros imóveis existentes na zona não retira essa característica de elemento marcante ao conjunto dos imóveis com as magnólias implantadas pelo arquitecto GG, desde logo porque várias dessas árvores não são magnólias (fala-se em pinheiros, que não dão flor, pelo menos com a aparência normalmente associada às flores), são desconhecidos os motivos que levaram a esse corte e não se sabe de que tipo de corte se tratou, nomeadamente se houve lugar ao abate das árvores ou não.
Aliás, nas palavras de uma outra testemunha, LL, “aquele conjunto é todo ele um conjunto de um ponto de vista de arquitectura especial”, tendo em conta o autor do projecto, sendo “uma obra que faz a cidade”.
Portanto, vista a prova produzida (que ouvimos na totalidade, não só os depoimentos indicados) não resulta que a mesma imponha decisão diversa (cfr. art. 662º, nº 1, do C.P.C.) sobre o ponto 5 da matéria de facto, posto que, como se viu, não está em causa a árvore em si, individualmente considerada, mas a mesma enquanto elemento integrante do conjunto de habitações da autoria do arquitecto GG – voltando ao depoimento da testemunha LL, “é o conjunto que tem valor”, embora a árvore também tenha valor (mas não esquecendo que se trata de um elemento finito).
Pelo que, não pode obter provimento nesta parte a impugnação da matéria de facto.
b) Defende ainda a recorrente que devem ser dados como não provados os factos dos pontos 12 e 13 dos factos provados, invocando a existência de contradições entre os depoimentos das testemunhas EE e II, invocados pelo tribunal para fundar a sua convicção nessa parte, e as declarações de parte da A. AA.
No que concerne a estes factos, o tribunal recorrido motivou a sua convicção nos seguintes termos:
«A factualidade presente em 12 e 13 dos factos provados, o Tribunal inferiu-a dos depoimentos das testemunhas EE e II.
A testemunha EE confirmou que no dia 25/10/2019 se dirigiu com a Autora AA e com um funcionário desta à casa dada em arrendamento à Ré. Mais referiu que tocaram à campainha e viram um vulto à janela, mas que ninguém abriu a porta.
A testemunha II, que trabalha para as Autoras, confirmou também se ter deslocado à casa arrendada com a Autora AA, mas que a Ré não abriu a porta.
Apesar destas testemunhas terem uma ligação, quer de amizade, quer profissional com as Autoras, explicaram de modo coincidente e credível a factualidade agora em análise.»
A recorrente invoca contradições porque a testemunha EE referiu que na ocasião estava ela, a A. AA e um funcionário e viu um vulto na sala, enquanto a testemunha II afirmou que na ocasião os presentes eram ele, a A. AA e o “responsável do tribunal” e que a “silhueta” que viu por trás da cortina foi na parte de cima (que a recorrente afirma tratar-se da divisão dos quartos), ocorrendo ainda que das declarações da A. resulta que o funcionário presente será pessoa diferente da testemunha (porque é alguém que se encontra actualmente doente e não é testemunha).
Quanto a esta questão impõe-se começar por dizer que a prova não é asséptica, e estando em causa testemunhos de situações vivenciadas ou assistidas por pessoas há que contar com a interferência das diferentes percepções individuais e do comportamento da memória de cada um, sendo normal que o mesmo acontecimento visto por várias pessoas diferentes seja relatado por cada uma delas também de forma diferente, nomeadamente porque a memória e a percepção das pessoas não consegue abarcar todos os pormenores das situações que se lhe apresentam e os pormenores a que uma pessoa dá importância (em detrimento de outros) não são os mesmos a que outra pessoa dará, dependendo da experiência pessoal de vida de cada um e até do imponderável comportamento da respectiva memória.
E daí que o facto de haver depoimentos que não são exactamente coincidentes sobre a mesma matéria não signifique necessariamente a existência de contradições ou que alguém esteja deliberadamente a faltar à verdade.
Aliás, mais facilmente se poderá estar perante falta de verdade quando os vários depoimentos são muito “certinhos”, coincidindo em todos os pormenores, sem a mínima falha (tal, não sendo o normal suceder, inculcará logo a ideia de acerto anterior dos testemunhos).
No caso, aquilo que a recorrente apelida de contradições mais não é do que essa diferença de percepções e memórias entre as testemunhas, que depuseram de forma escorreita, que se afigurou sincera e com apelo precisamente à memória que cada uma tinha do sucedido, conforme resulta da audição da gravação da totalidade dos respectivos depoimentos.
Com efeito, explicou a A. AA nas suas declarações de parte que esta se tratou de uma diligência com um “agente de execução”, no dia 25/10/2019, estando presentes ela própria, uma amiga sua e um funcionário.
A testemunha EE explicou que esteve presente com a A. no dia 25/10/2019, dando conta do motivo pelo qual se recordava dessa data, e que também estava um funcionário.
Por sua vez a testemunha II deu conta de que esteve presente numa ocasião em que estava presente “um responsável do tribunal” e a A..
Donde, embora a A. tenha mostrado convencimento de que o funcionário presente seria outro, a testemunha II não se recorde da presença da testemunha EE e esta não aluda à presença de um agente oficial, e esta testemunha refira que o vulto que viu foi na sala e aquela diga que a silhueta estava no andar de cima, afigura-se que se trata da mesma diligência aquela a que as testemunhas aludem.
Sendo que, quanto ao essencial da questão, que é a circunstância de a R. estar em casa e não ter aberto a porta, as testemunhas foram coincidentes, pois ambas viram uma pessoa adulta por trás da cortina (o vulto ou a silhueta), ditando as regras da normalidade que essa pessoa teria que ser a R. pois, de acordo com o que resultou da generalidade dos depoimentos, era esta a única pessoa adulta que habitava na casa, não tendo sido produzida qualquer prova de que, ao menos na data em causa, qualquer outra pessoa estivesse naquela residência.
Assim, vista a prova produzida (ouvida na totalidade, como já se referiu) também nesta parte não resulta que aquela imponha decisão diversa (cfr. art. 662º, nº 1, do C.P.C.) sobre os pontos 12 e 13 da matéria de facto.
Pelo que, não pode obter provimento nesta parte a impugnação da matéria de facto.
c) Igualmente pretende a recorrente que o facto do ponto 14 da matéria de facto seja considerado não provado.
Neste ponto consta como provado que “Em data não concretamente apurada, a Ré não permitiu que os funcionários das Autoras acedessem ao imóvel identificado em 1 para verificarem o saneamento”.
Porém, compulsados os articulados apresentados pelas partes (petição inicial, contestação-reconvenção e réplica) constata-se que tal factualidade respeita a matéria que não foi alegada por qualquer das partes, para além de que não tem com a matéria alegada qualquer ligação em termos de se tratar de seu complemento ou concretização nos termos previstos no art. 5º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil, pois que em nada se relaciona nem com a causa de pedir da acção (respeitante ao corte da árvore e a furtar-se a R. às tentativas de contacto para pedir explicações sobre o sucedido e verificar o estado da árvore) nem com a causa de pedir da reconvenção (respeitante a indemnização da R. por obras efectuadas no locado e por danos não patrimoniais), não complementando nem concretizando quaisquer dos factos que integram as referidas causas de pedir.
Sendo assim, a integração na factualidade provada da sentença daquele ponto 14 da matéria de facto consiste numa violação do princípio do dispositivo previsto no art. 5º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Donde que não há que apreciar se a matéria em questão deve passar para a factualidade não provada, antes se impondo a sua eliminação, sem mais, da matéria de facto considerada na sentença, não tendo que constar nem dos factos provados, nem dos factos não provados.
Pelo exposto, retira-se da matéria de facto provada constante da sentença recorrida o respectivo ponto 14.
d) Quanto aos factos provados, defende ainda a recorrente que devem ser considerados não provados os constantes dos pontos 15 e 16, por entender que nenhuma das passagens dos depoimentos das testemunhas sobre eles instadas permite inferi-los com a segurança e convicção necessárias.
Nessa parte, consta da sentença recorrida:
A factualidade que se deu como provada sob o ponto 15 foi corroborada pelo depoimento da testemunha II que de forma natural referiu que a imagem é agora a de «um prédio nu».
Tal factualidade é também compatível com as regras de experiência comum, uma vez que um corte de uma árvore que se encontra em frente a um prédio vai alterar a sua disposição externa, tanto mais que desapareceu um elemento que lá estava.
A convicção do Tribunal quanto ao facto 16 assentou no depoimento da testemunha LL, engenheiro e conhecedor da obra do arquiteto GG que confirmou a importância das árvores na obra do arquiteto. Referiu também que aquele conjunto urbanístico era referenciado e importante para a cidade. Mais referiu a desvalorização das moradias com a perda de uma árvore.
Na realidade, sendo certo que os depoimentos das testemunhas nas partes referidas confirmam a factualidade em causa, nos termos aduzidos, tais factos até resultam de forma notória da simples visualização do local, pois bastaria olhar para a casa e para os imóveis envolventes, designadamente os projectados pelo arquitecto GG, para perceber a alteração da sua figura externa e o prejuízo causado, constatando-se o aspecto que a parte exterior do imóvel passou a ter e o estado em que ficou a árvore do auto de inspecção constante da acta de audiência de julgamento de 09/02/2022 e das fotografias juntas pela própria R. com os dois primeiros requerimentos de 15/03/2022, e o aspecto que tinha a zona envolvente da fotografia aérea 3D constante da cópia do relatório de peritagem respeitante a outro processo junto com a contestação.
Portanto, sem necessidade de outras considerações, mais uma vez se verifica que ainda nesta parte não resulta que a prova produzida imponha decisão diversa (cfr. art. 662º, nº 1, do C.P.C.) sobre os pontos 15 e 16 da matéria de facto.
Pelo que, não igualmente pode obter provimento nesta parte a impugnação da matéria de facto.
e) Finalmente, a recorrente pretende que os factos constantes das alíneas f), g) e n) dos factos não provados sejam considerados provados.
Relativamente ao facto da alínea f) [A Ré podou a árvore], há que ter em conta que “podar”, em jardinagem, e tal como é entendido pelo comum das pessoas quando se fala da “poda” de plantas, respeita ao corte de ramos, galhos e folhas de árvores, arbustos ou outras plantas para favorecer o seu crescimento, tratando-as, renovando-as e dando-lhes forma.
Quanto está em causa o corte do próprio tronco não se utiliza comummente a expressão “podar”, mas precisamente a expressão “cortar”, sendo que o que sucedeu no caso da magnólia das AA. foi que a mesma foi efectivamente cortada e não podada, como é visível das já referidas fotografias juntas pela R. com os dois primeiros requerimentos de 15/03/2020 e como foi visto pelo tribunal a quo na sua deslocação ao local documentada na acta da audiência de julgamento.
Logo, há que concordar com a sentença recorrida quando aí se diz que “no que concerne ao facto f), ficou provado o contrário nos termos suprarreferidos aquando da análise do facto provado 4”.
Na verdade, tendo resultado provado, no ponto 4, que a magnólia foi cortada (facto este que não foi impugnado, estando definitivamente assente a sua factualidade), manifestamente está não provado que a mesma foi somente podada
No que concerne ao facto da alínea g) [A árvore começou a causar muita sombra na casa], diz-se na motivação do tribunal recorrido que “nenhuma prova foi produzida”, sendo que a recorrente apenas indicou uma pequena passagem do depoimento da testemunha LL, quando esta responde que “a casa está virada, portanto, a norte… é provável que criasse alguma sombra”.
Ora, esta afirmação (e não tendo havido, na realidade, qualquer outra prova sobre esta questão) por si só nada prova, pois que a testemunha nada sabia, falando apenas em probabilidade, e baseada em premissa errada, pois que partiu da consideração de que a casa estaria virada a norte, quando resulta do auto de inspecção constante da acta de audiência de julgamento que a casa tem a fachada em causa (virada para a Estrada ...) orientada a poente, para além de que “alguma sombra” não é a mesma coisa que “muita sombra”.
Não resultou, pois, provado o facto da alínea g) dos factos não provados.
E quanto ao facto da alínea n) [A árvore estava podre e com bichos e, por isso, precisava de ser cortada], defende a recorrente que o depoimento da testemunha HH impunha decisão diversa, com a consideração de tal facto como provado.
Não o entendeu assim o tribunal recorrido, que motivou a sua decisão aduzindo:
Quanto ao facto n), veio a ré, em declarações de parte, afirmar que a árvore estava podre e com bichos e que era necessário proceder a uma poda sanitária.
A testemunha FF, filho da ré, veio corroborar com esta versão.
Contudo, o depoimento desta testemunha, para além de parcial, mostrou-se lacunoso. Inicialmente começou por afirmar que o «bichado» estava à vista e que a árvore estava a apodrecer e, por isso, chamou o jardineiro. Mas, posteriormente, referiu que o bicho que estava na árvore não se via e só se apercebeu quando foi chamado à atenção pelo jardineiro e que árvore apresentava «um aspeto normal».
A testemunha HH, jardineiro que procedeu ao corte da árvore, veio apresentar outra versão.
A testemunha referiu que foi chamado para podar a árvore e quando começou a podar apercebeu-se que a árvore tinha no meio, no tronco, no «miolo», como refere, umas larvas brancas e, por isso, a árvore teria de ser cortada naquela zona.
Ora, se a testemunha foi chamada para podar (ato que pressupõe o corte de ramos inúteis, como referido supra), é inverosímil que se aperceba que árvore tenha bichos no tronco.
Esta versão apresenta-se, também, lacunosa e pouco credível, até porque a estar a árvore no descrito estado teria que ter todos os ramos caídos e em péssimas condições, sendo a todos manifesta a sua doença, o que ninguém relatou.
Não mereceu, assim, esta versão dos factos qualquer crédito do Tribunal.
Ou seja, resultando que a R. e o seu filho, no fundo, apenas sabiam o que lhes teria sido dito pelo jardineiro, verdadeiramente apenas este, a indicada testemunha HH, poderia ter conhecimento da factualidade em causa.
Ocorre, todavia, que o seu depoimento apresenta realmente as fragilidades apontadas na sentença recorrida, sendo de estranhar que a árvore estivesse no estado descrito e ninguém disso se apercebesse ao passar no local e olhar para a árvore, nem mesmo o jardineiro quando iniciou a poda (nas suas palavras, “eu ia lá só espontar o que dava ali para a rua” … “mas no meio, não se via, estava podre”), não sendo o mesmo, por si só, sem qualquer outros elementos de prova a corroborá-lo, suficiente para a consideração como provado do facto em causa, não havendo elementos que imponham decisão diversa.
Aliás, mesmo que se considerasse existir uma situação de dúvida quanto à prova deste facto, a mesma teria de se resolver contra a parte a quem o facto aproveita, no caso a R., nos termos do art. 414º do Código de Processo Civil, o que sempre implicaria a consideração deste facto como não provado.
Desta feita, vista a prova produzida (ouvida na totalidade, como já se referiu) igualmente não resulta que aquela imponha decisão diversa (cfr. art. 662º, nº 1, do C.P.C.) quanto à não prova dos factos constantes das alíneas f), g) e n) dos factos não provados
Não merece, portanto, provimento o recurso ainda quanto a esta parte da impugnação da matéria de facto.
*
Passemos à segunda questão.
Tendo em conta a eliminação do ponto 14 da matéria de facto, a factualidade relevante apurada para apreciação da existência ou não de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento é a seguinte:
«3 - As Autoras e a Ré são vizinhas, não existindo desde há vários anos qualquer tipo de relação entre elas, uma vez que as Autoras entendem que a Ré mantém o locado visivelmente em más condições de limpeza.
4 - No final do mês de junho de 2019, as Autoras verificaram que uma árvore que compunha o arranjo urbanístico da fachada principal da casa referida em 1 havia sido cortada, concretamente uma magnólia.
5 - Essa árvore, com mais de 50 anos, era uma peça fundamental e marcante desse imóvel e da envolvente urbanística, de que as Autoras não pretenderiam prescindir.
7 - O arquiteto concebeu a obra e previu aquele local como o de implantação de uma árvore de grande porte.
8 - A Ré nunca informou as Autoras de que a árvore afetava a utilização do imóvel e que pretendia cortar a mesma.
9 - As Autoras interpelaram a Ré para que justificasse a atitude tomada e informaram da sua pretensão em vistoriar o interior da casa referida em 1.
10 – Para esse efeito, em 28/06/2019, foi remetida à Ré por parte do mandatário das Autoras uma carta registada com aviso de receção que não foi recebida.
11 - Em 15/07/2019, foi enviada pelo mandatário das Autoras uma carta registada simples para a Ré.
12 - No dia 25/10/2019, pelas 11h00, a Autora AA deslocou-se ao prédio referido em 1, acompanhada de testemunhas para pedir para examinar o mesmo.
13 - A Ré não abriu a porta.
15 - O corte da árvore alterou a disposição externa do imóvel.
16 - E prejudicou o imóvel e a envolvente urbanística.»
Encontra-se, pois, em vigor, entre as AA. e a R. um contrato de arrendamento, tendo por objecto o imóvel identificado no ponto 1 da matéria de facto.
Perante esta relação locatícia, as AA. invocam a existência de um fundamento para a resolução do contrato que a criou.
Dispõe o art. 1083º, nº 1, do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 6/2006, de 27/02, sobre a resolução dos contratos de arrendamento urbano, que qualquer das partes pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
E o seu nº 2, que é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, nomeando, de seguida, várias situações que, quando esteja em causa a resolução pelo senhorio, são susceptíveis de traduzir essa gravidade.
Antes de mais, há que aferir, então, da existência de incumprimento por parte da arrendatária, desde logo à luz do que dispõe o art. 1038º do Código Civil, que enumera as obrigações do locatário, entre as quais a de não fazer uma utilização imprudente da coisa [al. d)], e a de avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador [al. h)], invocadas na petição inicial como tendo sido incumpridas pela recorrente.
No caso da alínea d), a caracterização da imprudência “tem de fazer-se caso a caso, através de um também prudente arbítrio do juiz”, aferindo-se “pela “diligência do bom pai de família”, isto é, pelo comportamento que, nas circunstâncias concretas, deverá exigir-se a uma pessoa de bem”.
“A facti species desta al. d) do art. 1038 constitui uma aplicação do dever de guarda e conservação que impende sobre o locatário, em geral.
A utilização deve ser prudente, porque é isso mesmo que decorre do dever de guarda e conservação da coisa locada” (cfr. Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 3ª ed. revista e actualizada, 2021, pág. 143).
Também o art. 1043º, nº 1, do Código Civil alude ao dever de prudente utilização da coisa, determinando que, na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
Como se diz no Ac. da R.P. de 12/03/2019, publicado em www.gde.mj.pt/jtrc, com o nº de processo 1047/15.8T8LMG.C1, “o uso prudente do locado corresponde, no fundo, ao dever de conservar e manter o imóvel nas condições em que o mesmo foi recebido e de nele não provocar quaisquer deteriorações além daquelas que se devem ter como normais e razoáveis numa utilização prudente do locado para os fins a que se destina”.
Ou no Ac. da R.C. de 04/12/2007, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de processo 668/03.6TBMGR.C1: “O locatário será prudente no uso da coisa locada e cumprirá o seu dever, sempre que a sua actuação se paute pela diligência exigível ao bonus pater familias, ao homem médio ou normal, de boa formação e de são procedimento que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade. E esse uso normal ou bom da coisa locada deve ser perspectivado sob o ângulo dos fins a que a coisa locada se destina”.
Quer isto significar que o arrendatário deve utilizar a coisa locada de forma a que a possa devolver no final do contrato no mesmo estado em que a recebeu, ressalvadas unicamente as deteriorações decorrentes da prudente utilização da mesma.
Até porque, embora lhe estejam ainda permitidas deteriorações necessárias para assegurar o seu conforto e comodidade, estas devem ser reparadas pelo arrendatário antes da restituição do prédio, salvo estipulação em contrário – art. 1073º do Código Civil.
Tratando-se aqui de deveres do arrendatário, caso este não faça uma utilização prudente da coisa, nos termos que resultam das normas citadas, estaremos perante uma situação de incumprimento contratual.
Porém, nem todo o incumprimento contratual destes deveres é fundamento de resolução, sendo apenas aquele que ocorrer em circunstâncias tais que pela sua gravidade ou consequências tornem inexigível ao senhorio a manutenção do contrato.
Pois que, se bem que pode entender-se que, ao enumerar exemplificativamente as situações aludidas nas várias alíneas do art. 1083º, nº 2, do Código Civil, o legislador entende que estas são situações indiciadoras precisamente dessa tal gravidade justificadora da colocação de um fim na relação contratual, não é menos certo que, ao introduzir no corpo da norma em causa uma cláusula geral de justa causa de resolução, com a consagração de uma regra aplicável a todos os contratos de arrendamento, se ofereceu ao juiz uma “margem de apreciação da relevância extintiva dos incumprimentos invocados” (cfr. David Magalhães, Nótula sobre a Justa causa de Resolução do Contrato de Arrendamento Urbano, in Revista Julgar, nº 5, Maio-Agosto de 2008, págs. 29 a 35, concretamente pág. 33).
No caso concreto, verifica-se que a R., sem qualquer aviso prévio ou comunicação às AA., procedeu ao corte de uma magnólia existente na fachada principal da casa, árvore com mais de 50 anos, de que as AA. não pretendiam prescindir, e ali estava colocada porque a obra assim fora concebida pelo arquitecto respectivo.
Ademais, a R. também não justificou a posteriori a atitude tomada, não tendo falado com as AA., não tendo recebido a carta registada que lhe enviaram, não tendo respondido à carta simples que também lhe enviaram e não abrindo a porta quando a A. AA se deslocou ao locado para pedir para examinar o mesmo.
Não restam dúvidas de que estamos aqui perante uma conduta que alterou a coisa locada, tendo a R. procedido ao corte de uma árvore que não era sua, pertencia ao imóvel e, portanto, às AA., de tal modo que, mesmo voltando a crescer, a magnólia não voltará a ter a forma nem a altura que tinha (tendo em conta o local por onde o corte foi efectuado).
O que significa que, e independentemente da maior ou menor importância urbanística e na composição da fachada e da envolvente urbanística que a árvore tivesse, o certo é que estamos perante uma conduta que não era permitida à inquilina, já que não constitui uma deterioração normal e razoável do locado para o fim a que se destina, nem mesmo uma deterioração lícita nos termos do art. 1073º do Código Civil, não só porque não se mostra provado que tal ocorrência se destinou a assegurar o conforto e comodidade da R., mas principalmente porque constitui uma situação que não pode ser reparada, já que não é possível devolver a árvore ao seu estado anterior ao corte e, obviamente, não é possível a sua substituição por outra árvore nas mesmas condições.
Note-se que, mesmo que se tivessem provado as razões alegadas pela R. para o corte da árvore, tal não lhe conferia o direito de o fazer por si só. Teria que comunicar a situação às AA. (não sendo a tal impeditiva a circunstância de não existir qualquer relação entre as partes há vários anos, pois a comunicação poderia ser feita por via postal, ou até, se fosse necessário, por notificação judicial avulsa), para que fossem estas a decidir o que fazer com a árvore – veja-se que nem sequer se estava perante uma qualquer situação de emergência, pois que as testemunhas que aludiram à suposta “doença” da árvore aduziram que a mesma ainda duraria 2-3 anos.
Conclui-se, assim, que a R. não agiu como uma pessoa de bem, com a diligência do bom pai de família, não se tratando de uma actuação razoável e decorrente do uso normal do locado, não tendo cumprido com o dever de guarda e conservação do imóvel arrendado.
Houve, pois, incumprimento contratual da parte da R..
Ademais, afigura-se-nos que, tal como considerou a sentença recorrida, este incumprimento configura a situação de inexigibilidade de manutenção do arrendamento prevista no nº 2 do art. 1083º do Código Civil.
Na verdade, desde logo não se pode dizer que se trata de uma situação irrelevante ou insignificante, pois a R. danificou património das AA., de modo que o mesmo não voltará a ter a configuração que tinha, e fê-lo sem cuidar de falar com estas, nem antes, nem depois da ocorrência dos factos.
E com o seu comportamento, a R. destruiu a confiança que deve existir entre as partes nos contratos, tanto mais exigível em contratos, como o de arrendamento, em que o proprietário deixa um bem seu nas mãos de outra pessoa, que passa a utilizá-lo exclusivamente, sem ter qualquer controlo sobre a forma como o mesmo é utilizado, só podendo confiar que será utilizado de forma prudente, de acordo com uma actuação razoável e cuidadosa.
Se o senhorio deixa de poder confiar em que o arrendatário vai utilizar a coisa sem a danificar e que vai cumprir com os seus deveres de guarda e manutenção da mesma, e os de aviso quando houver alguma situação de perigo para a mesma, para que seja ele, proprietário, a tomar as providências que se se afigurem adequadas, correndo o risco de que aquele se comporte como se fosse ele o proprietário e não um arrendatário, mero detentor da coisa, então estamos perante uma situação que tem como consequência um desequilíbrio acentuado na relação locatícia, que torna inexigível a manutenção do contrato de arrendamento.
Donde se conclui que existe, efectivamente, fundamento para a resolução do contrato de arrendamento no caso (no mesmo sentido, a propósito de intervenção num pomar, veja-se o Ac. do S.T.J. de 07/07/2009, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de processo 809/2000.S1), embora com argumentação não exactamente coincidente com a da sentença recorrida.
Não se considera, para o efeito, a violação do dever de facultar ao locador o exame da coisa locada, previsto no art. 1038º, al. b), do Código Civil, que, não obstante não invocado na petição inicial, foi considerado na sentença recorrida, não só porque o facto do ponto 14 foi eliminado da matéria de facto, mas também porque a situação descrita nos pontos 9 a 13 da matéria de facto foi considerada não por si só mas conjugada com a actuação respeitante ao corte da árvore, como um todo que integra o incumprimento da R. e fundamenta a resolução com base nos normativos que antes se analisaram.
Não merece, assim, acolhimento a pretensão da recorrente no sentido da inexistência de fundamento para a resolução do contrato.
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Resta apreciar a terceira questão.
A recorrente não se conforma com a fixação da indemnização de € 1.000,00 pelo tribunal recorrido, invocando que não se fez prova que pudesse atestar o quantum do dano invocado, por não ter sido junto documento e porque os depoimentos das testemunhas LL e DD são imprestáveis para o efeito, por nenhuma delas ter conseguido indicar um montante exacto (conclusões 106 a 109).
Afigura-se-nos que a recorrente confunde aqui os planos da impugnação da matéria de facto e da fundamentação de direito.
Na verdade, a R. coloca em causa um montante indemnizatório que o tribunal recorrido fixou com base na equidade, precisamente por não se ter apurado um valor exacto dos danos.
Mas invoca para o efeito questões de facto, como a consideração de elementos de prova, que nada têm que ver com o montante indemnizatório concretamente fixado, mas apenas com a prova do facto constante do ponto 17 da matéria de facto, que, aliás, a R. não impugnou, estando o mesmo definitivamente fixado.
Como quer que seja, deste facto não resultou um valor exacto para os custos da árvore e do seu transplante, como também não decorreu nenhum valor do prejuízo aludido no ponto 16.
Ademais, quanto aos critérios de equidade utilizados pelo tribunal recorrido para a fixação da indemnização nada foi invocado pelo recorrente, não tendo os mesmos sido colocados em causa no recurso interposto, pelo que não tem este tribunal que sobre eles se pronunciar.
O que determina que também não mereça acolhimento a pretensão da recorrente nesta parte.
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Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir, com excepção da eliminação do ponto 14 da matéria de facto, pela não obtenção de provimento do recurso interposto pela R. e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em:
- alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto, retirando o ponto 14 do elenco dos factos provados;
- no mais, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 10/11/2022
Isabel Ferreira
Deolinda Varão
Isoleta de Almeida Costa