Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
654/19.4T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
CONCURSO ENTRE RESPONSABILIDADE CIVIL E LABORAL
PEDIDO DE REEMBOLSO
JUROS DE MORA
LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RP20210923654/19.4T8PVZ.P1
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O valor da indemnização por danos patrimoniais futuros deve, além do mais, atender ao valor da inflação e da taxa de juro expectável.
II - Tendo em conta as variações desde 1999 da taxa de juro das obrigações do tesouro a dez anos, é razoável prever uma taxa de juro de 4%/ano.
III - Tendo em conta a idade do lesado, a sua incapacidade total, e as sequelas físicas demonstradas que o impedem de estar de pé mais de dez minutos e de suportar focos de luz é adequado e proporcional fixar em 125.000 euros o valor dos seus danos não patrimoniais.
IV - Caso exista concurso entre responsabilidade laboral e a civil deve ser fixada a indemnização total, cabendo ao responsável laboral exigir depois o seu reembolso.
V - Caso parte do pedido seja formulado autonomamente, os juros de mora devem ser liquidados desde essa data e não da citação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 654/19.4T8PVZ.P1

Sumário:
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1. Relatório
B… intentou contra C… – COMPANHIA DE SEGUROS SA, a presente acção comum, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 263.125,27 euros, pelos prejuízos sofridos em virtude do acidente verificado, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alega para fundamentar o seu pedido, em síntese, que sofreu um acidente quando circulava como passageiro num veículo, que foi provocado por um outro, seguro na R., sendo este o responsável pelo acidente verificado.
Conclui, alegando ter sofrido danos decorrentes desse acidente, reclamando a quantia referida a título de danos não patrimoniais.
Regularmente citada, a R. contestou aceitando a sua responsabilidade em indemnizar o A., mas impugnando os danos alegados e os valores compensatórios requeridos.
Deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada, peticionando a intervenção activa de D…, COMPANHIA DE SEGUROS SA, alegando que o acidente dos autos foi simultaneamente acidente de trabalho, estando esta a suportar o pagamento de quantias ao A. de que é também responsável.
A intervenção foi admitida e, ordenada a citação daquela para intervir do lado activo, a mesma alegou que no âmbito do processo de acidente de trabalho pagou já ao A. a quantia de 57.158,07 euros, requerendo a condenação da R. a proceder ao seu pagamento, acrescida de juros de mora vincendos, bem como a pagar as pensões e prestações suplementares, designadamente com assistência médica e medicamentosa que venham a ser liquidadas em data posterior à apresentação do requerimento, a liquidar em execução de sentença.
A R. notificada impugnou de forma genérica os pagamentos que a interveniente alegou ter efectuado.
A interveniente veio apresentar articulado de ampliação do pedido, alegando ter procedido ao pagamento ao A., desde a propositura da acção, de mais 14.767,76 euros, reclamando o seu pagamento pela R. - fls. 244.
O Tribunal interpretou o requerimento apresentado como sendo um incidente de liquidação - fls. 302.
Posteriormente, veio o A. apresentar articulado de ampliação do pedido, alegando que os danos patrimoniais futuros ascendem a 650.000,00 euros, peticionando este valor acrescido de juros de mora desde a data da sentença. O Tribunal admitiu a ampliação nos termos do despacho de fls. 315.
Procedeu-se à realização de audiência final, finda a qual foi proferida sentença nos seguintes termos 1 - condena a R. C…, Companhia de Seguros SA a pagar ao A.: a) a quantia de 125.000,00 euros (cem e vinte cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais; b) a quantia de 290.310,53 euros (duzentos e noventa mil trezentos e dez euros e cinquenta e três cêntimos)) a título de dano patrimonial pela situação de incapacidade verificada; c) juros de mora sobre as quantias referidas, desde a data desta decisão relativamente à quantia referida em 1 a) e desde a data da citação relativamente à restante, à taxa de 4%, até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro até àquela data.
E ainda que: “II – na presente acção deduzida pela interveniente D…, Companhia de Seguros SA: 1 - condena a R. C…, Companhia de Seguros SA a pagar à interveniente a quantia de 53.201,38 euros (cinquenta e três mil euros duzentos e um euros e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação e até integral pagamento nos termos já referidos; (…) C - parcialmente procedente o incidente de liquidação deduzido em 15/10/2020, condenando-se a R. a pagar à interveniente a quantia de 14.229,76 euros (catorze mil duzentos e vinte e nove euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação e nos termos já referidos, até integral pagamento, absolvendo-a quanto ao restante montante peticionado”.
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Inconformada a ré C… interpôs recurso de apelação.
A parte contrária veio responder a ainda interpor RECURSO SUBORDINADO, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram formuladas as seguintes conclusões
1. A decisão recorrida faz uma errada aplicação da lei e do Direito.
2. O Tribunal a quo, considerou que fixar ao Autor uma indemnização de € 125.000,00 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais e a quantia de € 320.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros/dano biológico.
3. Discorda a Recorrente da indemnização arbitrada por considerada exagerada, em ambas as vertentes peticionadas, uma vez que, atenta a factualidade provada, situações semelhantes vêm merecendo por parte da nossa jurisprudência menor relevância e maior justeza, designadamente quanto ao seu quantum.
4. Relevante, para apreciação do presente recurso, são os seguintes factos, considerados provados: Ao A. foi fixado um período de défice temporário total de num período de 8 dias; Ao A. foi fixado um período de 656 dias de incapacidade absoluta para o exercício da sua actividade profissional, correspondente ao tempo decorrido entre a data do acidente, 16/04/2016 e a alta clínica, a 05/02/2018; Ao A. o quantum doloris foi fixado, em 4 numa escala até 7; Ao A. o dano estético foi fixado num grau 2, numa escala de 1 a 7; Ao A. foi fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 22 pontos;
5. Note-se que pela análise da jurisprudência recente facilmente se conclui que uma indemnização que ascende a quase meio milhão de euros (contabilizados o pedido da interveniente), como a que veio a ser fixada nos autos, é aplicável a casos manifestamente mais graves do que o do A. e que resultam em IPP TOTAIS ou pelo menos parciais e na ordem (acima) dos 70 pontos numa escala de 1 a 100 (cfr. Ac. do STJ, no processo 3907/17.2T8BRG.G1.S1; Ac. do STJ de 19 de junho de 2019, Processo nº: 80/11.3TBMNC.G2.S1);
6. Por força do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, o julgador não deve deixar de atender aos montantes que vêm sendo fixados pelos Tribunais, e mormente, por razões de hierarquia dos Tribunais, para casos análogos ou mesmo semelhantes.
7. Acresce que após o acidente que vitimou o A. em abril de 2016 este terá recebido tratamento no Hospital …, sendo suturado na face e na mãe, tendo tido alta no mesmo dia, com singelas indicações para substituição dos respetivos pensos nos dias ulteriores.
8. Sendo que o próprio A. relatou que não se recordava dos momentos prévios ao impacto (não antecipou o acidente) nem se recorda dos momentos vividos imediatamente a seguir.
9. Por outro lado o A. foi seguido nas modalidades de psiquiatria, psicologia e cirurgia plásticas na E…, tendo ficado internado apenas 12 dias e recebido alta médica pela seguradora em 2018.
10. Convém notar que as sequelas descritas foram classificadas pelo Relatório Médico “INML” datado de 10 março de 2020, em termos de repercussão permanente na atividade profissional como impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra (mas) dentro da sua área de preparação técnico –profissional.
11. Opinião que mereceu parecer contrário por parte também de profissional de saúde idónea, designadamente Dr.ª F…, que considerou o A. apto a exercer uma profissão, juízo que foi afastado, sem mais, pelo Tribunal a quo.
12. E ainda o parecer da neurocirurgia datado de 05 dezembro de 2018 (após alta clínica do A.), pelo Sr. Perito G… que atribuiu uma incapacidade permanente parcial fixável em 21.41 como causa (também) de uma incapacidade para o exercício da profissão habitual não incluindo, porém, a menção a qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico – profissional.
13. O certo é que o A. foi considerado “estável dentro do habitual” e com uma evolução positiva no resumo da sua informação clínica junta aos autos a fls…
14. Tendo inclusivamente sido documentado uma queda posterior ao incidente em crise que lhe vem provocando dores, os quais não têm qualquer nexo de causalidade com o sinistro.
15. Ora, nas considerações acerca da indemnização da perda da capacidade de ganho da vítima há que procurar, através de um juízo de equidade, a “justiça do caso concreto”.
16. A este respeito importa ter presente que não está demonstrado que as sequelas que o recorrido apresenta acarretam perda de rendimentos na ordem de semelhantes valores, nem resultaram provados factos que tornem previsível essa perda no futuro.
17. O A. é jovem, autónomo e como se deixou dito na motivação e relatórios médicos realiza as suas tarefas quotidianas sozinhas.
18. Ainda que se admita que não possa (ou não queira) o A. exercer a sua atividade de serralheiro (que o próprio indicou ter diversos setores para além do que aquele que o A. ocupava à data do sinistro) a verdade é que era ao A. que se impunha a prova de não ser capaz do exercício de qualquer tarefa no âmbito da sua formação técnica ou outra.
19. Neste contexto, dir-se-á até que o dano biológico do recorrido deverá, apenas, corresponder a mais um elemento a ter em consideração na quantificação da compensação pelos seus danos morais, não se justificando a atribuição de uma compensação autónoma.
20. Ou, a decidir-se por um arbitramento autónomo (pelo menos e quando muito) deverá este corresponder sensivelmente à concreta diferença de rendimento que o A. deixar de auferir em função de um défice permanente 22 pontos porquanto é francamente admissível que o A. possa vir exercer a sua profissão, ainda que em sector diverso.
21. De facto, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro factor que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, encontrando, assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência,
22. Afigura-se-nos, pois, que será justo e equilibrado, temperar o valor encontrado por aplicação da citada fórmula matemática e atribuir ao recorrente, como compensação pela IPG de 22 pontos, e inerente dano patrimonial, a indemnização de € 125.000,00 (ao invés dos € 320.000,00 aplicados);
23. Acresce que afigura-se à recorrente, em face da natureza e extensão dos danos dados como provados, manifestamente excessivo o montante fixado para compensação dos danos não patrimoniais.
24. Note-se que o A. não ficou sujeito a qualquer deformação física (foi inclusivamente sujeito a duas intervenções de cirurgia plástica que no relatório constam com um caratér evolutivo “ótimo”).
25. Por outro lado, a sua afetação para a capacidade desportiva e lazer foi fixada no grau 2 o que por si só evidencia que o A. terá toda a probabilidade de reinserir-se de forma capaz (ainda que reduzido) neste mundo, se assim entender.
26. Acresce que dos factos dados como provados não consta qualquer menção a especial sofrimento e/ou angústia do A. pelo sucedido (não nos esqueçamos que o mesmo teve oportunidade de expor o seu íntimo em julgamento), os quais de resto também não são referidos nos relatórios médicos (à exceção de sentimentos de isolamento e impaciência no seio familiar para com o agregado de cinco pessoas, entre os quais dois menores).
27. Por conseguinte, a par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, na fixação da indemnização deve atender-se apenas aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.496º, n.º 1, do CC).
28. Neste contexto, e com o sempre devido respeito, tem a Recorrente razões para divergir do montante fixado pela sentença recorrida para compensar o A. pelos danos não patrimoniais sofridos, ou seja, € 125.000,00, o qual se tem por desadequado e excessivo, impondo-se a sua redução de forma equitativa e de modo a responder ao comando do artigo 496º, do CC atualísticamente e de acordo com a verdade material trazida aos autos
29. Considera por isso justa e adequada ao caso concreto a atribuição ao Autor de uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 50 000 (e não o montante de € 125 000 peticionado pelo Autor, por se mostrar desajustado).
30. Sem prescindir, deverá ainda subtrair-se o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, de efetuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital e a taxa de juro que o A. capitalizará sobre os montantes a receber, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.
31. Impunha-se, pois, que ao Tribunal a quo a quantificação do desconto em equação, sendo certo que a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% (cfr. acórdãos do STJ de 25/11/2009, proc. nº. 397/03.0GEBNV e da RC de 15/02/2011, proc. nº. 291/07.6TBLRA, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
32. Ainda sem prescindir, resulta dos autos que o acidente dos autos foi simultaneamente de viação e de trabalho.
33. Ora, resultou provado que o A. foi já indemnizado e pago, no que respeita à incapacidade temporária absoluta no montante já liquidado de € 29.689,47 e que irá ser, obrigatoriamente, ressarcido da perda da capacidade de ganho, através da fixação de pensão vitalícia, nos autos do processo especial de acidentes de trabalho, ainda em curso.
34. E, assim sendo, o A. será indemnizado, no âmbito do processo de acidente de trabalho, pelos danos patrimoniais resultantes do acidente em causa nos autos, correspondentes à redução da sua capacidade de ganho, pelo que não pode o mesmo dano ser duplamente indemnizado, uma vez que as indemnizações por acidente de viação e de trabalho não são cumuláveis, mas apenas complementares até ao ressarcimento total do prejuízo sofrido pelo sinistrado, nos termos da Lei nº. 98/2009 de 4/9 e do art. 9 nº 2 da Portaria 377/2008 de 26/05.
35. Devendo, nessa medida, revogar-se a sentença a quo na parte em que condena o Réu a ressarcir o A. até ao valor do mesmo dano patrimonial futuro que obrigatoriamente lhe irá ser fixado no processo especial de acidentes de trabalho.
36. Sob pena de tal duplicação de indemnizações constituir para o Autor, aqui recorrido, um enriquecimento ilegal, à custa da Ré, aqui recorrente, que terá de reembolsar a seguradora de acidentes de trabalho de tais pensões.
37. Quanto aos juros, como bem referido na sentença, o A. veio requerer a ampliação do pedido, alegando que os danos patrimoniais futuros ascendiam a 650.000,00.
38. Mais requereu o A. em tal articulado, a condenação da Ré no pagamento de juros a partir da sentença até integral pagamento.
39. Assim, o pedido do A., conformando o objeto do processo condiciona o conteúdo da decisão de mérito, não podendo o juiz condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (citado art. 615°, nº 1, do CPC);
40. Pelo exposto entende a ora recorrente que a condenação no pagamento de juros de mora após citação da Ré (indo além do peticionado) encerra uma nulidade, nos termos e para efeitos do disposto no art. 615º do CPC.
41. Nestes termos, e, em consequência, deve revogar-se nesta parte a sentença, condenando o Réu no pagamento de juros, contabilizados a partir da data da sentença ou, no limite, da citação da Ré para se pronunciar sobre o articulado do A. respeitante à ampliação do pedido (dado que este valor apenas se tornou conhecido e por isso atendível a partir desse momento).
42. A decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 342.º, nº 1, 562°, 563º, 564° e 566° do Código Civil, 615º do CPC e a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro,
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2.2. Foram apresentadas contra-alegações e recurso subordinado nos seguintes termos:
a) Da resposta ao recurso da R.
1.ª – Salvo o muito respeito que é devido, a R. posterga a concreta infirmação de qualquer um dos fundamentos de direito erigidos no douto aresto recorrido em suporte da qualificação e quantificação dos danos sofridos pelo B… e indemnizações atribuídas;
2.ª – Limita-se a arvorar uns quantos acórdãos proferidos – cada um quanto ao seu concreto enquadramento de facto – noutras situações, procurando, por comparação, reduzir o prejuízo que para si emerge da douta sentença recorrida;
3.ª – Abstém-se de questionar ou sindicar o cuidado critério asseverado no douto aresto recorrido, a clareza da exposição do raciocínio da Mm.ª Juíza a quo e a extensa e acertada doutrina e jurisprudência invocados em sustento da decisão tomada;
4.ª – Ou seja, perscrutadas as doutas alegações da R. o que resulta é que esta entende que os valores fixados são elevados porque noutras decisões assim não o foram;
5.ª – A pergunta que se impunha era se a douta decisão recorrida comporta a violação da lei, particularmente as normas invocadas na conclusão n.º 42 das doutas alegações da Recorrente;
6.ª – A resposta é obviamente negativa, tanto mais que as normas em causa conferem ao julgador um espectro de limitada discricionariedade na quantificação dos valores e os valores fixados estão dentro dos limites desse espectro, conferindo à douta decisão recorrida a sua insofismável aura de Justiça;
7.ª – Donde, salvo o muito respeito que é devido, o douto juízo de equidade perfilhado pelo Insigne Tribunal Recorrido não merece censura e deverá permanecer incólume, improcedendo na íntegra o presente recurso;
8.ª – “Apesar não ser permitida a cumulação de indemnizações, quando deva haver lugar à fixação de indemnizações na dupla vertente do acidente, cada um dos tribunais – o cível e o laboral – fixará as indemnizações segundo os critérios legais aplicáveis, mas com inteira independência do que tenha decidido ou venha a decidir o outro tribunal, podendo, pois, ser pedidas as duas indemnizações (ao Tribunal do Trabalho uma, outra ao Tribunal comum), para depois ser feita a opção pela mais conveniente.”;
9.ª – Além do mais, não consta dos autos que o A. tenha recebido (e não recebeu) qualquer valor no âmbito do processo de acidente de trabalho que extravase os que foram devidamente relevados na condenação no ressarcimento à Interveniente, o que terá de prejudicar o invocado pela R. quanto a esta questão;
11 Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.1.2017, proferido no Proc. n.º 50/12.4TBPTL.G1,disponível em www.dgsi.pt
10.ª – No que concerne ao cômputo inicial da contagem de juros, “Como é sabido o artº. 805º, nº. 3 do Código Civil estipula que “no caso de crédito ilíquido emergente de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja mora antes da data da citação”. E o legislador não fez qualquer distinção entre danos verificados antes da propositura da acção, durante a sua pendência ou que venham previsivelmente a ocorrer após o trânsito em julgado da decisão.”;
11.ª – A este propósito, escreveu a Exm.ª Sr.ª Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, com particular acuidade para o caso concreto, que “Não viola o princípio do pedido, nos termos do art. 609.º, n.º 1 do CPC, a decisão de decretar juros de mora à taxa legal sobre indemnizações provenientes de factos constitutivos de responsabilidade civil extracontratual, por tal não consistir numa condenação em objeto diverso ou em quantidade superior do pedido, mas apenas numa forma de combater a inflação verificada entre a data da citação e a data do efetivo e integral pagamento, atribuindo ao lesado o valor real do dinheiro pedido.”;
12.ª – Ou seja, sendo certo que a ampliação do pedido faz menção expressa à data da sentença, certo é também que o pedido não é novo, mas ampliação do que foi feito na petição inicial. Relevando considerar que o pedido ampliado – o inicial – comportava expressamente juros contados desde a citação e, bem assim, que o momento da constituição do devedor em mora é o que prevê o n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil.
13.ª – Tudo razões que convergem no sentido da plena intangibilidade do douto aresto recorrido, salvo quanto à majoração que vai infra impetrada.
b) Do recurso subordinado
14.ª – Na quantificação dos danos sofridos pelo B… no seguimento do estúpido acidente que deu causa ao presente procedimento, seja na vertente patrimonial, seja na vertente não patrimonial, subsumiu o Insigne Tribunal Recorrido o acervo material apurado ao enquadramento normativo delimitado pelos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil, bem como pelos artigos 494.º e 496.º do mesmo diploma.
15.ª – Na fundamentação do sentido decisório, da caracterização do dano e da respectiva quantificação, segue o douto aresto recorrido relevantíssima doutrina, que identifica, e três seminais decisões do Colendo Supremo Tribunal de Justiça;
16.ª – Deste enquadramento normativo, doutrinário e jurisprudencial – e com a motivação que resulta expressa no douto aresto recorrido – extrai o Insigne Tribunal a quo os concretos valores indemnizatórios;
17.ª – Salvo o muito respeito que é devido, os valores fixados situam-se no limiar mínimo da janela de razoabilidade que a ponderação do acervo de factos provados à luz das regras de equidade e proporcionalidade abre ao julgador;
18.ª – Pelo critério exposto na narração da presente peça e que aqui se reitera, será razoável estimar que o B…, ao longo da sua vida e do seu percurso pessoal e profissional, iria auferir, entre rendimentos do trabalho e rentabilização dos rendimentos, um valor seguramente superior a um milhão de euros;
19.ª – Razão pela qual, considerando a vantagem económica inerente à disponibilização antecipada do capital, o pedido formulado a título de danos patrimoniais futuros se cifrou em Eur 650.000,00;
20.ª – Mesmo que se considere que o B… vai deixar de, ao longo da sua vida, auferir rendimentos no valor de um milhão de euros (e não mais do que isso, conforme se refere na conclusão 18.ª supra), 33% desse valor seriam Eur 333.333,33, o que daria um remanescente de Eur 777.777,77;
21.ª – Francamente superior aos Eur 650.000,00 pedidos a título de danos patrimonial futuro, e claramente demonstrativo que o valor pedido se encontra bem dentro os critérios de equidade e proporcionalidade, razão pela qual podia – e devia, ouse-se – o Insigne Tribunal Recorrido ter ido mais longe e ter condenado a R. na totalidade do pedido do valor que concerne a danos patrimoniais, assim dando pleno cumprimento ao disposto nos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil, bem como pelos artigos 494.º e 496.º do mesmo diploma.
2.3.A apelante apresentou contra-alegações alegando, em suma, que não pode a ora Recorrida aceitar a pretensão do Recorrente de duplicar tal valor, o que constituiria um sério atentado ao princípio da igualdade perante a lei, conforme, aliás, resulta da jurisprudência infra citada.
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3. Questões a decidir
1. Fixar o valor dos danos patrimoniais apreciando também o recurso subordinado na pretensão de que a indemnização que ao mesmo foi fixada a título de dano patrimonial futuro, no montante de € 320.000,00, deveria ser duplicada, fixando-se em € 650.000,00.
2. Fixar o valor dos danos não patrimoniais.
3. Averiguar, depois, a relevância de existir também uma indemnização laboral.
4. Averiguar por fim qual se a condenação em juros de mora viola ou não o principio do pedido.
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4. Motivação de facto
1. No dia 16 de Abril de 2016, pelas 17h35, o veículo automóvel com a matrícula ..-CZ-.. circulava na auto-estrada A3, no sentido norte/sul cerca do quilómetro ….
2. O A. seguia, como passageiro, a bordo do veículo acima referido.
3. No mesmo sentido de marcha e no mesmo local, numa faixa mais à direita, circulava o veículo pesado de mercadorias com a matrícula ..-..-PM, de marca Renault …, que levava acoplado o semi-reboque com a matrícula L-…….
4. À data, o veículo CZ era propriedade de “H…, Ld.ª” e era conduzido por I….
5. E o veículo PM era conduzido por J… e era propriedade de “K…, Unipessoal, Ld.ª”, ao serviço de quem e sob as ordens de quem era o veículo conduzido.
6. Nestas circunstâncias de tempo e lugar, o condutor do veículo PM perdeu o controlo do mesmo na sequência do rebentamento de um pneu.
7. E embateu violentamente contra o veículo CZ, que circulava normalmente na via da esquerda.
8. Levando a que o CZ se despistasse.
9. Do embate e subsequente despiste do CZ resultaram gravíssimos ferimentos para o A..
10. Tendo, aliás, o camião embatido exactamente no local do veículo CZ onde viajava o A., na parte lateral direita traseira.
11. Com o impacto, o veículo CZ foi projectado para a parte interior do separador central da auto-estrada.
12. A proprietária do veículo PM havia transferido o risco da sua utilização e circulação para a seguradora R., que o aceitou, através de contrato de seguro com a apólice n.º ……….
13. A aceitou assumir as responsabilidades resultantes do acidente supra identificado.
14. O A. nasceu em 09/09/1983.
15. Tinha casado apenas há alguns meses quando se verificou o acidente.
16. O A. perdeu os sentidos com o impacto do embate.
17. Sofreu um traumatismo crânio-encefálico.
18. O A. esteve internado durante seis dias em consequência do acidente.
19. O A. sofreu dores, sendo o quantum doloris fixado em grau 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.
20. Por efeito do acidente o A. tornou-se numa pessoa apática,
21. Está permanentemente num estado de “desligamento” do que o rodeia.
22. Não entabula conversas com quem quer que seja, mesmo a mulher e os filhos, limitando-se a responder, lacónica e lentamente, ao que lhe é perguntado.
23. Não interage com os filhos nem com a enteada, apesar de todos viverem juntos.
24. Deixou de ter vida social, por ter perdido a capacidade, o discernimento e o interesse, não passeia com a família nem reúne com amigos.
25. Não consegue estar em locais muito movimentados,
26. Deixou de ter a capacidade de se concentrar,
27. Movimenta-se devagar e com dificuldades de equilíbrio, não conseguindo permanecer em pé mais do que dez minutos.
28. Não consegue correr ou praticar desporto, tendo as sequelas que apresenta uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável em grau 2 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.
29. Antes do acidente, o A. era uma pessoa alegre e extrovertida.
30. O A. apresenta ainda as seguintes cicatrizes: - cicatriz ligeiramente avermelhada oval, com 1 com por 0,5 cms, no couro cabeludo da região temporal direita, numa área coberta com cabelo; - cicatriz nacarada com bordos ligeiramente avermelhados, em forma de L deitado, com 14 cms de comprimento total na região frontal da face, apresentando algumas áreas com relevo ao toque; - cicatriz hipopigmentada, oval, com 1 cm por 0,5 cms na região frontal direita; - cicatriz ligeiramente avermelhada, linear, com 3 cms de comprimento na asa esquerda do nariz, com relevo ao toque; - cicatriz ligeiramente hipopigmentada do bordos irregulares com 2 cms de diâmetro no sulco nasogeniano direito, numa zona parcialmente coberta com cabelo, com ligeiro relevo ao toque; - cicatriz hipopigmentada, linear, com 2 cms, de comprimento na face dorsomedial da falange proximal do 3º dedo.
31. Apresenta um dano estético quantificável em 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.
32. E passou a ter cefaleias frequentes que o incapacitam de empreender qualquer actividade e, sequer, de estar em espaços com luz.
33. Bem como passou o A. a padecer, por efeito do acidente, de constantes lapsos de memória e zumbidos intensos nos ouvidos.
34. Do acidente resultou para o A. um período de 656 dias de incapacidade absoluta para o exercício da sua actividade profissional, correspondente ao tempo decorrido entre a data do acidente, 16/04/2016 e a alta clínica, a 05/02/2018.
35. O A. apresenta ainda um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 22 pontos, considerando as sequelas de perturbações cognitivas e as queixas álgicas relativas às cicatrizes, estando incapaz para exercer a sua actvidade profissional habitual.
36. Ficou completamente impossibilitado de exercer a sua profissão habitual, que era de serralheiro, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico profissional, não tendo voltado a trabalhar depois do acidente.
37. O A. vai continuar necessitar de medicação e de consultas periódicas e tratamentos médicos para evitar retrocesso ou agravamento das sequelas.
38. No exercício sua actividade profissional, a interveniente celebrou com a H1…, Ldª o contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho titulado pela apólice ……., assegurando a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos seus trabalhadores indicados nas respectivas folhas de férias.
39. No dia 22 de Abril de 2016, a referida empregadora participou um acidente verificado em 21 de Abril com o aqui A., seu trabalhador, nas condições referidas supra, quando o mesmo se encontrava a regressar, de acordo com as ordens e direcção daquela empregadora, como ocupante do referido veículo CZ, de uma obra sita na Rua … nº.., para a sede da empregadora.
40. À data do embate, o A auferia a quantia mensal de 700,00 euros x 14 meses + 299,11 euros x 12 de prémio e 498,75 euros x 12 de ajudas custo, estando esta retribuição transferida na totalidade para a interveniente.
41. Na sequência do acidente, o A. esteve em situação de incapacidade temporária absoluta desde 22/04/2016 a 05/02/2018, data em que lhe foi atribuída IPP de 30% com IPATH, no âmbito do processo de acidente de trabalho.
42. No âmbito do processo de acidente de trabalho, o IMML fixou em 21,4138% a incapacidade permanente parcial do A., com incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual, que não foi aceite pelo A. em sede de conciliação, encontrando-se aqueles autos em fase de realização de junta médica.
43. O A. recebeu assistência médica em diversas instituições privadas, no Hospital … e nos serviços da interveniente.
44. Durante o tempo que esteve em internamento necessitou de medicamentos e produtos farmacêuticos.
45. Encontra-se ainda pendente o processo de acidente laboral, em fase de realização de junta médica.
46. No âmbito do referido processo, foi atribuída pensão provisória ao A., no valor de 10.516,92 euros por ano, tendo sido paga pela interveniente ao A. a quantia de 16.918,90 euros no período de 05/02/2018 a 31/07/2019.
47. Pagou ainda, até à apresentação da petição da interveniente:
- 24.475,45 euros a titulo de indemnização pelos períodos de ITA;
- 276,71 euros a título de indemnização pelos períodos de ITP;
- 1.797,63 euros a título de pagamento de subsídios;
- 237,54 euros a título de acertos de indemnizações;
- 2.855,04 euros a título de despesas com ambulatório;
- 867,00 euros a título de despesas judiciais;
- 455,85 euros a título de despesas com o serviço nacional de saúde;
- 42,50 euros a título de despesas com EAD - ecografia;
- 121,09 euros a título de despesas com EAD - outros;
- 360,00 euros a título de despesas com EAD - RM;
- 50,00 euros a título de despesas com EAD - RX;
- 220,00 euros a título de despesas com EAD - TAC;
- 446,14 euros a título de despesas com internamentos;
- 4.490,66 euros a título de despesas com medicamentos;
- 170,00 euros a título de despesas com medicina física e reabilitação;
- 283,87 euros a título de despesas com transporte próprio.
48. Após a apresentação do requerimento inicial da interveniente, pagou ainda ao A. pensões provisórias no valor de 12.770,57 euros, de 01/08/2019 a 31/10/2020.
49. Pagou ainda:
- 35,00 euros a título de despesas com ambulatório;
- 408,00 euros a título de despesas judiciais;
- 1.099,19 euros a título de despesas com medicamentos;
- 130,00 euros a título de despesas com juntas médicas;
- 325,00 euros a título de despesas com intervenções cirúrgicas.
Não se provou:
a) Que o A. se tivesse apercebido que iria verificar-se o embate, antes deste ter ocorrido, tendo sentido medo e receio pela vida.
b) Os demais danos alegados pelo A..
c) Que fosse de valor diferente a retribuição do A..
*
5. Motivação Jurídica

1. Do dano patrimonial
Pretende o apelante que “será justo e equilibrado, temperar o valor encontrado por aplicação da citada fórmula matemática e atribuir ao recorrente, como compensação pela IPG de 22 pontos, e inerente dano patrimonial, a indemnização de € 125.000,00 (ao invés dos € 320.000,00 aplicados)”.
Pelo seu turno o recurso subordinado defende, pelo contrário que a indemnização deve ser duplicada a quantia de 650 mil euros[1].
Vejamos
Estamos perante a indemnização pela perda de ganho futuro na medida em que ocorreu uma impossibilidade do exercício da profissão.
Na fixação da indemnização pelos danos futuros, utilizam-se os seguintes critérios[2]:
a) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;
b) as tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
c) pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia;
d) deve utilizar-se a equidade, atendendo à expetativa média de vida.
Por isso, esse dano deve ser fixado segundo juízos de equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC), em função de vários factores, entre os quais:
(i) a idade do lesado;
(ii) o seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra pelas suas qualificações; e
(iv) todos os restantes que relevem casuisticamente, nomeadamente a sua profissão.
Pretende-se que o mesmo se concretize num capital gerador de uma renda vitalícia.
In casu, o lesado nasceu em 09/09/1983 pelo que tinha na data do acidente 32 anos, e apresenta um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 22 pontos, estando incapaz para exercer a sua actividade profissional habitual.
À data do embate, o A auferia a quantia mensal de 700,00 euros x 14 meses + 299,11 euros x 12 de prémio e 498,75 euros x 12 de ajudas custo.
Ou seja, face à idade previsível do trabalho ativo (67 anos[3]) o lesado iria auferir 676.795,00 euros desde o acidente (35 anos x 19337 euros (rendimento anual actual).
Como bem salientam ambas as partes o valor da indemnização deve atingir um capital apto a gerar esse rendimento tendo em conta a taxa de juro previsível e a taxa de inflação.
A taxa de juros actual situa-se num valor negativo, o qual se deve à crise e intervenção bancária que se supõe ser conjuntural e não estrutural. Mas as taxas de juro das obrigações do Estado Português a 10 anos têm variado entre 10,5% ano (pico crise 2012) e 0,04% (2020) apresentando desde 1999 um valor médio de 4,4% ano[4].
Na mesma medida a taxa de inflação recente tem variado entre 0% ano (2020) a 3,7% ano (2011)[5]. Utilizaremos esses indicadores em 3% e 1% respectivamente, por corresponderem à mediana dos últimos dez anos.
Logo, para que o lesado possa auferir um rendimento anual de 19337 euros, terá de receber actualmente 483.425,00 euros. A essa quantia teremos ainda de deduzir um valor variável[6], porque esse capital pode desde logo produzir rendimentos. Assim deduz-se à mesma o valor de 25% que corresponde a 362.568,75 euros líquidos.
Todavia, importa ter em conta que o autor pede o valor dos danos patrimoniais futuros até aos 70 anos sendo que na sua petição inicial faz menção ao dano biológico que quantifica em 53.146,00 euros.
Ora, na realidade o autor terá jus a esse dano (na sua componente patrimonial) desde a data da sua reforma até à idade média da esperança de vida, que para homens nascidos em 1983 é de 68,9 anos.[7]
Logo, terá direito nessa medida ao valor global a título de dano biológico de 33.839,65 euros (salário mensal x 21 meses desde os 67 até à data da esperança de vida).
Pelo exposto o valor total devido a título de dano patrimonial ascende assim a 396.408,5 euros.
Mas, como referimos a quantificação destes danos (biológico e patrimonial futuro) é sempre efectuada com recurso à equidade, sendo os cálculos expostos um modo apenas de uniformizar e objetivar o valor indemnizatório.
Ora, o nosso mais alto tribunal tem fixado, a título apenas de dano biológico, os seguintes valores:
— Ac. STJ de 25/05/2017 (Maria da Graça Trigo), indemnização de € 170.000,00 para uma incapacidade de 25%, sinistrado com 41 anos,
— Ac. STJ de 15/02/2017 (Fernanda Isabel Pereira) incapacidade de 27%, sinistrado com 21 anos, indemnização de € 108.000,00;
— Ac. STJ de 11/02/2016 (João Trindade) uma incapacidade de 32 pontos, sinistrado com 26 anos, indemnização de € 140.000,00;
Ac STJ 22.6.2017, (Abrantes Geraldes) incapacidade de 22 pontos, indemnização de 85 mil euros, lesado com 18 anos de idade.
Ac de 19.5.202 (Fernando Samões), incapacidade de 25, idade 33 anos, valor de danos de 252 mil euros.
Parece-nos, pois, ser proporcional e adequado fixar o montante global devido a titulo de danos patrimoniais futuros e biológico na quantia de 400 mil euros[8].

2. Do dano não patrimonial
Os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CCivil).
Destinam-se a permitir que, com essa quantia monetária, o lesado encontre compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio no âmbito da felicidade humana, o que impõe que o seu montante deva ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, conforme assente entre nós “as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida”, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º do CCivil.
Para balizar essa operação existem indicações sistemáticas que são essenciais.
Os primeiros decorrem do art. 494º, do CC., que enuncia: o montante dos danos causados; as circunstâncias do caso concreto; o grau de culpabilidade do agente e a situação económica do lesado, que no caso não revela.
Importante será também os casos análogos nacionais por forma a ser obtida uma aplicação o mais uniforme possível do direito. Com efeito, o artigo 8.º,nº3, do CC impõe, que se tenha em consideração, nas decisões a proferir, todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Ora, nesta matéria dos factos provados resulta que:
16. O A. sofreu um traumatismo crânio-encefálico.
18. O A. esteve internado durante seis dias em consequência do acidente.
19. O A. sofreu dores, sendo o quantum doloris fixado em grau 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.
20. Por efeito do acidente o A. tornou-se numa pessoa apática,
21. Está permanentemente num estado de “desligamento” do que o rodeia.
22. Não entabula conversas com quem quer que seja, mesmo a mulher e os filhos, limitando-se a responder, lacónica e lentamente, ao que lhe é perguntado.
23. Não interage com os filhos nem com a enteada, apesar de todos viverem juntos.
24. Deixou de ter vida social, por ter perdido a capacidade, o discernimento e o interesse, não passeia com a família nem reúne com amigos.
25. Não consegue estar em locais muito movimentados,
26. Deixou de ter a capacidade de se concentrar,
27. Movimenta-se devagar e com dificuldades de equilíbrio, não conseguindo permanecer em pé mais do que dez minutos.
28. Não consegue correr ou praticar desporto, tendo as sequelas que apresenta uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer fixável em grau 2 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.
29. Antes do acidente, o A. era uma pessoa alegre e extrovertida.
30. O A. apresenta ainda as seguintes cicatrizes (…)
31. Apresenta um dano estético quantificável em 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus.
32. E passou a ter cefaleias frequentes que o incapacitam de empreender qualquer actividade e, sequer, de estar em espaços com luz.
33. Bem como passou o A. a padecer, por efeito do acidente, de constantes lapsos de memória e zumbidos intensos nos ouvidos.
34. Do acidente resultou para o A. um período de 656 dias de incapacidade absoluta para o exercício da sua actividade profissional, correspondente ao tempo decorrido entre a data do acidente, 16/04/2016 e a alta clínica, a 05/02/2018.
35. O A. apresenta ainda um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica de 22 pontos, considerando as sequelas de perturbações cognitivas e as queixas álgicas relativas às cicatrizes, estando incapaz para exercer a sua actividade profissional habitual.
36. Ficou completamente impossibilitado de exercer a sua profissão habitual, que era de serralheiro, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico profissional, não tendo voltado a trabalhar depois do acidente.
37. O A. vai continuar necessitar de medicação e de consultas periódicas e tratamentos médicos para evitar retrocesso ou agravamento das sequelas.
Ou seja, os danos não patrimoniais sofridos são vastos e relevantes.
Desde logo o quantum doloris é de 4 em 7, pelo que se situa num grau médio.
O dano estético também é relevante (4 em 7).
Sendo que o autor ficou num estado grave, incapaz de exercer a sua actividade habitual e até de conviver com outras pessoas em espaços com luz e estar de pé mais do 10 minutos.
Analisando os critérios usados pela nossa jurisprudência temos que:
a) O Ac do STJ de 11.4.2019, processo 5686/15 ACSTJ, (Bernardo Domingos), atribuiu o valor de 130 mil euros a um lesado com estado vegetativo, e quantum doloris de 7.
b) O Ac do STJ de 18.10.2018, nº 3463/13 (Hélder Almeida) atribui o valor global de 170 mil euros numa situação em que o quantum doloris era de 6/7 e existia um dano sexual de 4/7.
c) Mais recentemente o Ac do STJ de 14.1.2021, nº 744/12 (Pinto de Oliveira) atribui valor global de 100 mil euros, numa situação em que o dano doloris era de 5/7 e o estético de 2/7[9].
Ora, se compararmos o caso dos autos com estes precedentes (em especial o último e mais recente), vemos que a situação global do lesado é muito mais grave. Bastará dizer que o lesado desses autos não ficou nem de perto nem de longe com as sequelas do apelado nomeadamente qualquer incapacidade de relacionamento social.
É certo que, em situações semelhantes o nosso tribunal superior tem fixado o valor dos danos não patrimoniais entre 75 mil euros, no caso de uma educadora de infância, com 5/7 de dano doloris e 2/7 de dano estético (Ac do STJ de 23.5.2019, (Maria Beleza), nº 2476/16); e 40 mil euros (dano estético de 4/7 e doloris de 5/7) (Ac do STJ de 18.1.2016, Graça Trigo).
Logo o valor apontado pela apelante (50 mil euros) é desajustado quer da jurisprudência mais recente quer da gravidade objectiva e relevante dos danos causados ao lesado.
In casu a simples eclosão do acidente com o susto angustia e dor implica um valor relevante (superior a 2 mil euros)
A dimensão e duração do tratamento é relevante (quase dois anos de baixa total), sendo que nesse período o lesado sofreu dores num grau de 4/7.
Ora se calcularmos um valor de 40[10] euros diários, e multiplicarmos por de 656 dias (facto provado 34) atingimos um valor de 26.000 euros.
Depois, temos as consequências do acidente que, recorde-se implicam a total alteração da vida do lesado sendo que este “Deixou de ter a capacidade de se concentrar, movimenta-se devagar e com dificuldades de equilíbrio, não conseguindo permanecer em pé mais do que dez minutos”. As quais sendo permanentes implicam um valor superior aos danos já fixados.
Logo, ponderando a circunstância do caso concreto e esses casos análogos, consideramos que o valor fixado pelo tribunal a quo é ajustado e proporcional devendo, por isso, manter-se.

3. Da redução da indemnização pela eclosão de um acidente de trabalho
Pretende a apelante que “resultou provado que o A. foi já indemnizado e pago, no que respeita à incapacidade temporária absoluta no montante já liquidado de € 29.689,47 e que irá ser, obrigatoriamente, ressarcido da perda da capacidade de ganho, através da fixação de pensão vitalícia, nos autos do processo especial de acidentes de trabalho, ainda em curso. 34. E, assim sendo, o A. será indemnizado, no âmbito do processo de acidente de trabalho, pelos danos patrimoniais resultantes do acidente em causa nos autos, correspondentes à redução da sua capacidade de ganho, pelo que não pode o mesmo dano ser duplamente indemnizado, uma vez que as indemnizações por acidente de viação e de trabalho não são cumuláveis, mas apenas complementares até ao ressarcimento total do prejuízo sofrido pelo sinistrado.
Vejamos
É seguro entre nós que em caso de acidente de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade laboral carácter subsidiário[11].
O artigo 31º dessa Lei dispõe que: “1 - Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral. 2 - Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido. (…).
Desta norma resulta, pois, que não é possível deduzir à indemnização cível o montante laboral como pretende a apelante.
Ou seja, “nestes casos de concurso de responsabilidades para ressarcimento dos mesmos danos existe uma pluralidade de responsáveis, a título solidário, sendo um caso de solidariedade imprópria, porquanto o responsável a título laboral pode fazer repercutir no terceiro responsável a totalidade da responsabilidade que lhe cabe”.
Por isso, “na condenação da seguradora no pagamento da indemnização devida por acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho”.[12]
Improcede, pois, a questão deduzida.

4. Dos juros moratórios
Entende a ora Recorrente que a condenação no pagamento de juros de mora após citação da Ré (indo além do peticionado) encerra uma nulidade, nos termos e para efeitos do disposto no art. 615º do CPC.
Existe de facto um lapso. Pois, o pedido de condenação em danos patrimoniais foi formulado apenas em 12.11.2020 (ref. 32074262) sendo que na petição inicial nada foi pedido a título de dano patrimonial.
Nestes termos os juros de mora sobre essas quantias só podem ser liquidados após a notificação dessa ampliação, pois, só aí poderia a seguradora, querendo, liquidar esse valor.
Mas este tribunal fixou de forma diferente essa indemnização. Logo, estamos perante uma decisão atualizadora do montante. E, nos termos do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Ora, in casu é esta a decisão que actualizou e fixou esse valor pelo que os juros em causa são devidos apenas desde este momento.
*
6.Deliberação
Pelo exposto este tribunal julga os presentes recursos (principal e subordinado) parcialmente procedentes por provados e, por via disso, fixa o valor indemnizatório dos danos patrimoniais futuros e dano biológico devido ao lesado em 400 mil euros (quatrocentos mil euros), acrescido de juros à taxa de juro civil desde o trânsito da presente decisão até integral pagamento.
No mais, confirma o restante teor da decisão recorrida.

Custas a cargo de ambas as partes na proporção do seu decaimento.

Porto em 23.9.2021
Paulo Duarte Teixeira
Deolinda Varão
Freitas Vieira
______________
[1] Ampliação do pedido de 12.11.2020 que pressupõe a prestação de trabalho até aos 70 anos.
[2] Cfr. Armando Braga, A reparação do dano corporal (almedina) pág. 135 e segs..
[3] Aumentando alguns meses, por ser previsível, a idade actual da reforma de 66 anos e 5 meses.
[4] De forma muito volátil já que existe um pico de 10% no decurso da crise de intervenção da troika e uma taxa quase nula nos anos mais recentes, sendo que a média é de 4,4% mas a mediana desde 2014 inferior a 3%.
[5] Dados pordata.pt acedidos em Setembro 2021.
[6] Cfr. Ac. STJ de 25/11/2009, nº 397/03.0GEBNV.S1.
[7] Danoshttps://www.pordata.pt/Portugal/Esperan%c3%a7a+de+vida+%c3%a0+nascen%c3%a7a+total+e+por+sexo+ (base+tri%c3%a9nio+a+partir+de+2001)-418-5193
[8] Note-se aliás que bastaria aplicar um valor do juro anual inferior para aumentar exponencialmente o valor indemnizatório.
[9] Note-se aliás que neste caso o referido aresto fixou o dano biológico em 500 mil euros, sendo que a 1º instância tinha fixado esse dano em 800 mil euros e o tribunal de recurso em 350 mil euros.
[10] O salário global do lesado é superior a 50 euros/dia.
[11] Art 31º, da lei 100/97, de 13 de Setembro actualizada pela Lei nº. 98/2009 de 4/9.
[12] Cfr. Ac do STJ de 11.7.2019, nº 1456/15.2T8FNC.L1.S1 (Henrique Araújo).