Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1034/10.2TBLSD-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: PENHORA
IMPENHORABILIDADE RELATIVA
COMPENSAÇÃO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP201702201034/10.2TBLSD-E.P1
Data do Acordão: 02/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: NÃO ATENDIDA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 644, FLS.315-321)
Área Temática: .
Sumário: I - A compensação pela cessação do contrato de trabalho do executado assume natureza de prestação destinada a assegurar a sua subsistência, sendo, pois, subsumível a previsão do artigo 738º, nº 1 in fine do Código de Processo Civil.
II – Os limites estabelecidos no nº 3 do citado normativo apenas têm aplicação quando se esteja em presença de prestações periódicas, não podendo ser convocados no caso de pagamento integral da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1034/10.2TBLSD-E.P1
Origem: Comarca do Porto Este, Lousada – Instância Central – Secção de Execução, Juiz 2
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. José Sousa Lameira
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Sumário

I- A compensação pela cessação do contrato de trabalho do executado assume natureza de prestação destinada a assegurar a sua subsistência, sendo, pois, subsumível a previsão do artigo 738º, nº 1 in fine do Código de Processo Civil.
II – Os limites estabelecidos no nº 3 do citado normativo apenas têm aplicação quando se esteja em presença de prestações periódicas, não podendo ser convocados no caso de pagamento integral da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho.
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO

Na ação executiva que B…, S.A. move a C… e outros foi penhorada, em 15.12.2015, a quantia global de 42.693,96€ referente a crédito detido pelo identificado executado sobre a sociedade “D…, SA, reconhecido no âmbito do processo de insolvência n° 1557/09.6TBLSD, originado pela cessação do respetivo contrato de trabalho.
Realizada tal penhora, o executado deduziu oposição à mesma, advogando, em suma, que o crédito que detém sobre a referida sociedade, correspondendo a indemnização pela cessação do contrato de trabalho que com ela mantinha, apenas é penhorável na proporção de 1/3.
A exequente contestou alegando que o referido crédito não é relativamente impenhorável, posto que não tem a natureza de salário ou de prestação periódica.
Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente o incidente deduzido de oposição à penhora, por considerar que o aludido crédito é relativamente impenhorável, determinando consequentemente a redução da penhora a 1/3 desse crédito.
Inconformada com tal decisão, veio a exequente interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença que julgou procedente o incidente de oposição à penhora e, em consequência, determinou a redução da penhora sob a verba n.º 1 do auto de penhora de 15.12.2015 para o valor de €14.231,32, devendo ser restituído ao executado o remanescente.
2. A 9 de julho de 2010, o B…, S.A. deu entrada do presente processo executivo contra o Executado C… e outros para a cobrança da quantia exequenda de €210.857,86.
3. A 15 de dezembro de 2015 foi penhorado um crédito que o Executado C… detinha sobre a sociedade comercial “D…, S.A.” no valor de €42.693,96, reconhecido no âmbito do processo de insolvência n.º 1557/09.6TBLSD.
4. O Executado E… deduziu Oposição à Penhora efetuada com fundamento na impenhorabilidade de 2/3 do crédito penhorado nos termos do disposto no artigo 784.º, n.º 1, al. a) do CPC. O Exequente apresentou a sua contestação com fundamento de que o crédito penhorado, originado pela cessação do contrato de trabalho, não tem a natureza de prestação periódica e, como tal, não lhe é aplicável o regime constante do artigo 738.º, n.º 1 do CPC.
5. O Douto Tribunal a quo deu como assentes o seguinte facto: “Nos presentes autos em 15.12.2015 foi penhorada a quantia global de 42.693,96€ relativo ao crédito detido pelo Opoente C… sobre a sociedade “D…, S.A.” reconhecido no processo de insolvência n.º 1557/09.6TBLSD originado pela cessação do respetivo contrato de trabalho.”
6. O Douto Tribunal a quo entendeu que, pese embora o crédito penhorado nos autos não tenha a natureza de salário, por identidade de razão, é aplicável por analogia o regime da impenhorabilidade de dois terços previsto no artigo 738.º, n.º 1 do CPC. Como tal, o Douto Tribunal de Primeira Instância declarou impenhorável dois terços da quantia penhorada nos presentes autos com fundamento no limite previsto no artigo 738.º, n.º 1 do CPC e, em consequência, determinou a redução da penhora para €14.231,32.
7. O ora Recorrente não pode deixar de discordar com o entendimento do M. Juiz do Douto Tribunal a quo, o qual julgou totalmente procedente o Apenso de Oposição à Penhora com fundamento na violação do limite de impenhorabilidade previsto no artigo 738.º, n.º 1 do CPC, razão pela qual interpõe o presente recurso.
8. O n.º 1 do artigo 738.º do CPC determina a impenhorabilidade de dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do Executado. O limite de impenhorabilidade abrange todas as prestações periódicas auferidas pelo Executado e que sejam adequadas a assegurar a sua subsistência.
9. Ensinam Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, em A Ação Executiva Anotada e Comentada (2016, 2.ª edição, pp. 274-275), que “a referida impenhorabilidade assenta em dois pressupostos que deverão verificar-se cumulativamente. Por um lado, exige-se que os rendimentos tenham natureza periódica, independentemente da sua dilação temporal e, por outro, que sem o seu recebimento a subsistência do executado possa ser posta em risco.”
10. O limite de impenhorabilidade previsto no n.º 1 do artigo 738.º do CPC aplica-se tão somente às prestações periódicas auferidas pelo Executado que sejam adequadas a assegurar a sua subsistência.
11. No caso sub judice, estamos perante a penhora de um crédito titulado pelo Executado C… sobre a sociedade insolvente “D…, S.A.”, no valor de €42.693,96, originado pela cessação do respetivo contrato de trabalho.
12. O referido montante de €42.693,96 teve origem na cessação do contrato de trabalho do Executado C… em virtude da declaração de insolvência e respetiva liquidação da sociedade “D…, S.A.”, que correu termos no processo n.º 1557/09.6TBLSD.
13. Salvo o devido respeito e melhor entendimento, ao montante penhorado nos presentes autos de €42.693,96 não se pode atribuir a natureza de prestação periódica a titulo de rendimento auferido pelo Executado C…, nem tão pouco decorre dos autos da sua adequação à subsistência do mesmo. Em consequência, ao referido montante penhorado não se aplica o regime previsto no n.º 1 do artigo 738.º do CPC, mas antes a disciplina decorrente do artigo 773.º do CPC relativa à penhora de direito, nomeadamente de créditos.
14. O limite de impenhorabilidade fixado no n.º 1 do artigo 738.º do CPC, nomeadamente de “dois terços da parte líquida” dos rendimentos auferidos pelo Executado, tendo como limite mínimo a quantia correspondente a um salario mínimo nacional, tem em vista a salvaguarda do montante mínimo considerado necessário para a subsistência do Executado. Estamos, deste modo, perante um limite mínimo necessário a uma subsistência digna do Executado que se presume na disponibilidade de um montante equivalente ao salario mínimo nacional.
15. Tendo em vista a salvaguarda da subsistência do Executado, o n.º 1 do artigo 738.º do CPC determina a impenhorabilidade de dois terços da parte líquida dos rendimentos periódicos auferidos pelo Executado.
16. “Sendo esta a razão de ser da impenhorabilidade da totalidade do salário percebido pelo Insolvente, é obvio que não se aplica à situação dos autos em que não está em causa aquilo que o insolvente recebe como salário, mas antes, um crédito que tem origem na falta de pagamento de retribuições, subsídios e indemnização por antiguidade devida pela cessação do contrato de trabalho (…)” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de novembro de 2009.
17. No caso em apreço, tratando-se de um crédito detido pelo Executado C… decorrente de indemnização por cessação do contrato de trabalho, não é aplicável o regime expressamente previsto e considerado para prestações periódicas que garantam a subsistência do Executado.
18. Estamos perante quantias de origem manifestamente distinta às quais têm de ser aplicados os regimes jurídicos expressamente previstos no Código de Processo Civil.
19. O montante de €42.693,96, penhorado nos presentes autos, não contende com o montante que o Executado C… auferia como salário, tratando-se, antes, de um crédito que tem origem na indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho.
20. Em manifesta contradição com o entendimento sufragado pelo Douto Tribunal a quo, o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão proferido a 17 de novembro de 2009, pronunciou-se no sentido da inaplicabilidade do regime contido no n.º 1 do artigo 738.º do CPC ao crédito proveniente de indemnização por cessação do contrato de trabalho, situação análoga à do caso sub judice.
21. Ao montante de €42.693,96, penhorado nos presentes autos, é aplicável o regime previsto para a penhora de direitos, nomeadamente de créditos, nos termos do artigo 773.º do CPC.
22. Para além de o referido montante ter sido devidamente identificado como “Crédito” no Auto de Penhora datado de 15 de dezembro de 2015, considerando que o mesmo não tem natureza de prestação periódica e necessária à subsistência do Executado, foram seguidos, nos presentes autos, os trâmites próprios previstos para a penhora de créditos nos termos do artigo 773.º do CPC (antigo artigo 856.º do CPC). Ao abrigo do referido preceito, o Senhor Agente de Execução nomeado nos presentes autos procedeu à notificação do Senhor Administrador de Insolvência a 16 de junho de 2011 para penhora do crédito titulado pelo Executado C… no processo n.º 1557/09.6TBLSD.
23. O regime jurídico aplicável ao montante penhorado nos presentes autos no valor de €42.693,96 consta do artigo 856.º do CPC relativo à penhora de créditos, sendo, por isso penhorável na totalidade, o que vai ao desencontro com a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo que aplicou o regime constante do artigo 738.º, n.º 1 do CPC, preterindo o regime jurídico previsto no artigo 856.º. do CPC.
24. A douta Sentença ora em crise deve ser revogada e, em consequência, admitida a penhora sobre a totalidade do montante do crédito detido pelo Executado C… no valor de €42.693,96.
25. Ainda que, por mera cautela de patrocínio se defenda a aplicação ao caso concreto do regime estipulado no artigo 738.º, n.º 1 do CPC – o que não se concede -, nunca o mesmo conduziria à redução da penhora efetuada para €14.231,32.
26. Aplicando-se o regime previsto no artigo 738.º do CPC ao caso sub judice, nomeadamente do limite de impenhorabilidade de dois terços do crédito titulado pelo Executado C…, importa atender ao restante regime constante no mesmo preceito legal.
27. O n.º 3 do artigo 738.º do CPC estabelece dois limites à referida impenhorabilidade, sendo que, por um lado, é fixado um limite mínimo de modo a assegurar que o executado seja sempre pago da quantia liquida equivalente ao salario mínimo nacional e, por outro, é fixado um teto máximo correspondente a três salários mínimos nacionais considerados à data de cada apreensão, que se fixa atualmente em €1.590,00. Significa, portanto, que o valor superior ao montante de €1.590,00 não tem qualquer proteção pelo referido n.º 1 do artigo 738.º do CPC, podendo ser penhorado na totalidade o valor excedente àquele teto máximo.
28. Da quantia global penhorada no valor de €42.693,96, somente poderia ser levantada a penhora relativamente à quantia de €1.590,00 enquanto limite máximo protegido pelo artigo 738.º do CPC.
30. Não podemos sufragar o entendimento do Douto Tribuna a quo no sentido da redução da penhora de €42.693,96 para €14.231,32, pois que, a ser aplicado o regime previsto no artigo 738.º do CPC, sempre seria penhorável a quantia de €41.103,96.
31.Pelo exposto, deve ser revogada a Douta Sentença ora em crise proferida pelo Douto Tribunal a quo e, em consequência, determinar-se a admissibilidade legal da penhora do crédito titulado pelo Executado C… em €42.693,96.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Neste Tribunal da Relação, o relator proferiu decisão individual, que julgou improcedente a apelação, mantendo consequentemente a decisão recorrida.
Inconformada com essa decisão singular, veio agora a recorrente apresentar a presente reclamação para a conferência requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria da decisão, invocando, fundamentalmente, em defesa da sua pretensão os argumentos expendidos no acórdão desta Relação de 17 de novembro de 2009, acessível em www.dgsi.pt, concluindo por pedir a revogação da decisão sumária.
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Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão a decidir é a de saber se a indemnização devida ao trabalhador pela cessação do seu contrato de trabalho é (ou não) relativamente impenhorável.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto da presente reclamação é a que dimana do antecedente relatório.
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III – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A recorrente insurge-se contra a decisão sumária que desatendeu a apelação por si interposta, por considerar que não se encontram reunidos os pressupostos para a prolação de decisão singular à luz do disposto no art. 656º do Cód. Processo Civil, porquanto a questão decidenda não foi jurisdicionalmente apreciada de modo uniforme e reiterado.
Registe-se, desde logo, que ao invés do entendimento sufragado pela apelante, para que possa ter lugar a prolação de decisão singular ao abrigo do citado normativo tanto basta que a decisão seja rodeada de simplicidade na resposta, não se tornando, pois, mister que sobre a questão a apreciar se verifique um posicionamento uniforme e reiterado por parte da jurisprudência. De facto, o caráter eminentemente exemplificativo do preceito (cuja ratio essendi radica em evidentes fatores de eficiência e celeridade) aponta inequivocamente no sentido de estar legitimada a prolação de decisão individual quando se esteja em presença de questão que não revele especial dificuldade (independentemente, portanto, de sobre ela se registar uma resposta jurisprudencial reiterada e uniforme), como se nos afigura ser a situação sub judicio, tanto mais que, como se deu nota na decisão singular, a solução nela acolhida é sustentada pela doutrina e jurisprudência claramente majoritárias.
Certo é que não se nos afigura que a decisão sumária do relator mereça a censura que lhe vem apontada, posto que as questões que nela foram decididas (concretamente a consideração da impenhorabilidade relativa da indemnização pela cessação e a não aplicação a essa atribuição patrimonial dos limites estabelecidos no nº 3 do art. 738º do Cód. Processo Civil) obtiveram solução jurídica que reputamos acertada.
Como assim, renovamos e fazemos nossos os argumentos em que se ancorou a aludida decisão singular e que se passam a transcrever:
«Como se notou, o tribunal a quo, considerou ser relativamente impenhorável o crédito detido pelo executado C… sobre a sociedade “D… SA, reconhecido no processo de insolvência n.° 1557/09.6TBLSD, originado pela cessação do respetivo contrato de trabalho.
É exatamente neste ponto que se situa o âmago do objeto do presente recurso, posto que a ora apelante, contrariamente ao que foi decidido, considera inexistir válido fundamento para considerar que o mencionado crédito não seja passível de ser totalmente penhorado para satisfação do crédito exequendo.
Quid juris?
Dispõe o nº 1 do art. 738º do Cód. Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06[1], que “são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”.
Como tem sido assinalado, a ratio essendi da impenhorabilidade relativa ou parcial que o inciso normativo transcrito consagra baseia-se primordialmente em razões que se prendem com a dignidade da pessoa humana.
Por via disso, perante a colisão ou conflito entre o direito do credor a ver realizado o seu direito (apoiado no nº 1 do art. 62º da Constituição da República) e o direito fundamental dos trabalhadores, pensionistas e outros beneficiários de regalias sociais e por causa de acidentes em perceberem um rendimento que lhes garanta uma sobrevivência condigna, optou o legislador ordinário, justamente, pelo sacrifício do direito do credor, na medida do necessário e, se tanto for indispensável, mesmo totalmente, neste caso para evitar que o devedor executado se transforme num indigente a cargo da coletividade.
É precisamente nessa linha que se integra a casuística do Tribunal Constitucional[2], ao ter julgado inconstitucional a norma do art. 824º, nºs 1 e 2 do pretérito Código de Processo Civil, na medida em que permitia a penhora até um terço das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de qualquer outras prestações de natureza semelhante, cujo valor não fosse superior ao do salário mínimo nacional então em vigor, por violação do princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de direito que resulta das disposições conjugadas dos arts. 1º, 59º, nº 2 al. a) e 65º, nºs 1 e 3, todos da Constituição da República.
Portanto, na espécie, tudo está em saber se a compensação atribuída ao executado pela cessação do seu contrato de trabalho comunga das caraterísticas que conduziram o legislador a estabelecer a mencionada impenhorabilidade relativa.
Pese embora na dogmática não se revele pacífica a natureza jurídica dessa compensação[3], os autores convergem, contudo, no sentido de que essa atribuição patrimonial tem como função primordial ressarcir, ou atenuar especialmente, os prejuízos decorrentes da perda de emprego, consubstanciada na atribuição ao trabalhador de uma quantia pecuniária de montante variável em função da respetiva retribuição e de acordo com a sua antiguidade, visando reparar o dano emergente da cessação do vínculo laboral, permitindo ao trabalhador auferir fundos adicionais como meio de providenciar ao seu sustento (e, não raro, de todo o seu agregado familiar) enquanto não encontra um novo emprego.
Por isso, se entende atualmente que, atenta a redação dos arts. 333º e 336º do Código do Trabalho, não só os créditos emergentes do contrato de trabalho, mas também os créditos decorrentes da sua cessação estão abrangidos pela tutela que o direito positivo confere a esses direitos.
Daí que se nos afigure não ser de sufragar o entendimento preconizado no aresto que a apelante convoca nas suas alegações de recurso (concretamente acórdão desta Relação de 17.11.2009 [processo nº 8476/05.3TBMTS-F.P1]), posto que o mesmo se ancora numa interpretação estritamente literal do nº 1 do art. 824º do pretérito Cód. Processo Civil (a que corresponde o atual art. 738º, nº 1) desconsiderando a finalidade a que está votada a compensação pela cessação do contrato de trabalho.
É que no contexto da sua atribuição ao trabalhador essa compensação assume inequivocamente natureza de prestação destinada a assegurar a sua subsistência, sendo, pois, subsumível à fattispecie do art. 738º, nº 1 in fine, apresentando-se, desse modo, como parcialmente impenhorável.
A apelante esgrime, contudo, o argumento de que este normativo tem o seu âmbito material limitado às prestações periódicas, o que, per se, afastaria a sua aplicação à compensação pela cessação do contrato.
Afigura-se-nos, todavia, que, em consonância com a sublinhada ratio da citada dimensão normativa, a impenhorabilidade relativa (ou parcial) não está tanto na periodicidade do pagamento das atribuições patrimoniais nela mencionadas, mas fundamentalmente no seu destino, ou seja, estarem essencialmente vocacionadas a garantir a satisfação das necessidades do executado (e do seu agregado familiar), interpretação esta que se mostra perfeitamente consonante com o texto legal já que nele se alude a “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, o que dá a entender que o que é relevante é o facto de a prestação poder assegurar a manutenção ordinária da vida financeira básica do executado e não tanto a natureza da mesma (designadamente, ser ou não periódica)[4].
Ora, como se enfatizou, essa compensação visa disponibilizar ao trabalhador determinada importância pecuniária que lhe permitirá como que “amortecer” a quebra brusca que sofreu em resultado da perda da fonte dos seus rendimentos, constituindo, assim, como que um fundo de maneio que lhe possibilita satisfazer as suas necessidades até que consiga encontrar um novo emprego.
Daí que a preconizar-se a penhorabilidade integral dessa atribuição patrimonial (como pretende a apelante) poderia ser posta em causa a subsistência económica do executado durante o lapso temporal que mediasse até conseguir trabalho remunerado, fazendo, por conseguinte, perigar a satisfação das suas necessidades (e, eventualmente, do seu agregado familiar).
Por isso, considerando que as razões que subjazem à regra plasmada no art. 738º estão igualmente presentes nos créditos devidos ao trabalhador pela cessação do seu contrato de trabalho, justifica-se, por argumento a pari (de identidade de razão), a aplicação do seu regime à compensação atribuída a esse título[5] –[6].
Outrossim afigura-se-nos que, ao invés do entendimento sufragado pela apelante, os limites estabelecidos no nº 3 do art. 738º do Cód. Processo Civil apenas têm aplicação quando esteja em causa o pagamento de prestações periódicas (como indelevelmente o inculca a expressão legal “à data de cada apreensão”), que assim não podem ser convocados quando esteja em causa o pagamento integral da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho que, por via de regra, é realizado de uma só vez, pois de contrário, a operar o limite máximo aí fixado, seria, de forma ínvia, desconsiderada a natureza e finalidade dessa atribuição patrimonial».
Em face das razões assim expendidas, não se vislumbra razão válida[7] para divergir do sentido decisório adrede acolhido na decisão singular relativamente às concretas questões que nela foram objeto de apreciação, sendo, pois, de confirmar e manter tal decisão.
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V- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo-se a decisão singular que confirmou o despacho recorrido.
Custas a cargo da apelante.

Porto, 20.02.2017
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra (dispensei o visto)
Sousa Lameira (dispensei o visto)
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[1] Que é o aplicável na situação vertente, por mor da norma de direito transitório plasmada no nº 1 do art. 6º da citada Lei nº 41/2013.
[2] Cfr., inter alia, acórdão nº 318/99, de 26.05, DR, II série, de 22.10.99 e acórdão nº 96/2004, de 11.02.2004, DR, II série, de 1.04.2004.
[3] Cfr., para maior desenvolvimento, BERNARDO LOBO XAVIER, Compensação por despedimento no contrato de trabalho, págs. 68 e seguintes, PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do contrato de trabalho, págs. 61 e seguintes e ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, págs. 962 e seguintes.
[4] Como notam VIRGÍNIO RIBEIRO e SÉRGIO REBELO, in A ação executiva anotada e comentada, pág. 289 «se o direito ao rendimento ocorre uma ou mais vezes sem caráter de regularidade, poderá ser penhorado na sua totalidade, a não ser que se trate de pagamento integral para compensação pela cessação dos pagamentos periódicos, como sucede com a indemnização pelo despedimento do trabalhador por conta de outrem».
[5] Cfr., neste sentido, na doutrina (ainda que no domínio do direito pregresso), TEIXEIRA DE SOUSA, Ação executiva singular, pág. 220 e REMÉDIO MARQUES, Curso de processo executivo comum à face do Código Revisto, pág. 181 e BERNARDO LOBO XAVIER, Manual do Direito do Trabalho, pág. 995; na jurisprudência, acórdão da Relação de Évora de 28.04.2016 (processo nº 101/14.8TTEVR.E1), acórdãos da Relação de Lisboa de 17.04.2007 (processo nº 10641/2006-7) e de 20.09.2012 (processo nº 1253/11.4TBOER-C.L1-8), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Não será, aliás, despiciendo registar que mesmo em matéria fiscal (cfr. art. 2º, nº 4 do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares) a compensação paga a um trabalhador em virtude da cessação do respetivo contrato de trabalho beneficia de isenção de IRS até um determinado valor, posto que somente está sujeita a esse imposto “na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora”.
[7] Como decorre com meridiana clareza do último parágrafo transcrito, na decisão individual tomou-se expressa posição sobre a questão da aplicabilidade à situação vertente dos limites estabelecidos no nº 3 do art. 738º do Cód. Processo Civil, aí se afirmando, expressis verbis, que esses limites apenas têm aplicação quando se esteja em presença de prestações periódicas, não podendo ser convocados no caso de pagamento integral da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho.