Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
588/11.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE DO BANCO
Nº do Documento: RP20170530588/11.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 05/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 771, FLS.192-204)
Área Temática: .
Sumário: I - Demonstrado que o gerente do Banco demandado propôs ao Autor uma aplicação financeira - papel comercial - com garantia do reembolso do capital investido e juros, em função da qual este aderiu à concretização da aplicação, é o mesmo Banco responsável pelo retorno desse capital e juros.
II - É de natureza extracontratual a responsabilidade do intermediário financeiro na sua estrita ligação aos deveres que lhe competem, no domínio dos seus deveres gerais de comportamento e de proteção, designadamente dos deveres de informação.
III - Para além da intermediação financeira poder constituir uma categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros, ela pode também traduzir-se num ato de execução da relação bancária já em desenvolvimento, mas em qualquer dos casos a reparação dos danos resultantes do seu incumprimento reconduz-se à responsabilidade contratual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 588/11.0TVPRT
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Porto, instância central, 1ª secção cível – J1
Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, residente na Rua …, …. - … Satão, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma do regime processual civil experimental regulada pelo decreto-lei nº 108/2006, de 8 de junho, contra C…, S.A., com sede na Av. …, nºs …/…, no Porto (agora Banco D…, S.A.), alegando, para tanto e em síntese, que depositava as suas poupanças em contas à ordem e em depósitos a prazo no C… desde 2006, ano que contratou o com o R. um crédito multiusos no valor de €100.000,00 (cem mil euros) para aquisição dum apartamento em França, país onde esteve durante o ano de 2007. Quantia pecuniária que não chegou a ser utilizado para esse fim, mas aplicado em depósitos, renováveis de três em três meses. Durante a sua ausência, deixou vários documentos por si assinados, sem data, à guarda da gestora de conta de então, Dª. E…, para permitir a transferência entre as suas contas. Funcionária que foi substituída nessas funções pelo Sr. F… e, por vezes, pelo funcionário Sr. G…, com o qual renegociou o spread do seu crédito, que lhe ofereceu uma taxa de juro mais alta para um depósito a três meses. Para constituir os depósitos a prazo limitava-se a assinar comunicação em branco, cujo duplicado, já devidamente preenchido, mais tarde lhe era entregue. Assim, em 26-01-2008 foi contactado telefonicamente pelo Sr. F… com a sugestão de um depósito a prazo a um ano, com um juro mais atrativo. De novo assinou a comunicação em branco e sem data, para efeitos de autorizar a constituição daquele depósito. Em março de 2008, ao receber o extrato bancário, verificou que havia subscrito papel comercial … e interpelou o R., na pessoa do Sr. G…, sobre o que era o “…”. Quando se deslocou ao banco, foram-lhe renovadas todas as garantias pelo gestor de conta quanto ao recebimento do capital depositado e respetivos juros na data de vencimento. E quando quis, após a data de vencimento, levantar o seu dinheiro, o Sr. F… referiu que o Banco não poderia satisfazer essa pretensão. A subscrição do papel comercial “…” ocorreu em momento posterior ao término do período de subscrição, em 28/01/2008 quando a subscrição terminara em 24/01/2008. O próprio contacto telefónico efetuado pelo Sr. F… para oferecer condições para um depósito remunerado aconteceu em 26/01/2008. Atitudes reveladoras da conduta dolosa daquele funcionário. O R. não cumpriu com a lei ao não produzir os testes de adequação da operação ao perfil do cliente que esta impõe e, sendo do R. a iniciativa de prestar o alegado serviço, ele não poderia dizer-se desobrigado de fazer tais testes de adequação [alínea b) do nº 1 do artigo 314º do CVM]. Não lhe foi prestada informação prévia sobre o papel comercial da “…”, antes tendo sido acordado um depósito a prazo a um ano. O R. agiu contrariamente aos valores previstos, designadamente, nos artigos 304º/1, 2, 4 e artigo 312º/1 e 2 do CVM, pelo que estão reunidos todos os pressupostos para a sua responsabilidade civil, quer por falta da não disponibilização do saldo quando solicitado, findo o prazo acordado para o depósito, quer por ter atuado como intermediário financeiro. Essa sua qualidade impunha-lhe a necessária informação ao cliente antes de prestar o serviço. Concluiu pedindo a condenação do R. na restituição da quantia de €150.000,00 acrescida de juros desde 28/01/2009, que perfazem, à data, €14.120,55, e ainda juros à taxa legal. Caso assim se não entenda, se declare que o R. agiu na qualidade de intermediário financeiro e, com base na sua responsabilidade contratual, por não cumprimento, com dolo ou culpa grave, dos deveres de informação a que estava obrigado, a sua condenação no montante de €150.000,00 acrescido de juros, desde 28/01/2008, que perfazem a quantia de €20.136,99, e juros vincendos à taxa legal.

Regularmente citado, o R. deduziu contestação e impugnou os fundamentos da ação, sustentando que as instruções que dava aos seus funcionários eram no sentido de proibir que fossem depositários de documentos dos clientes e está ciente que tais instruções sempre foram cumpridas. O A. tinha um depósito a prazo que se vencia em 27/01/2008 e dias antes do vencimento foi contactado pelos seus funcionários para lhe darem nota de um leque de oportunidades de rentabilização/investimento dos seus recursos, no qual foi incluída a possibilidade de subscrição do Papel Comercial …, 10ª Emissão. Tendo o A. demonstrado interesse na subscrição desse produto, atendendo à taxa de rentabilidade associada, foi o mesmo convidado a deslocar-se à agência do C… e feito de imediato o registo da intenção de subscrição, por forma a garantir que o produto estaria disponível para o cliente o subscrever nessa visita, caso assim entendesse. Assim, no dia 28/01/2008, o A. dirigiu-se à agência de Viseu, onde foi informado sobre as características do produto, com consulta e explicitação do Programa de Papel Comercial … 10ª Emissão. Na data da subscrição o A. ligou do seu telemóvel ao seu Advogado para pedir esclarecimentos acerca do que lhe foi dito pelos funcionários e, na sequência desse contacto, ordenou a subscrição. É, pois, rotundamente falso que esse formulário não estivesse preenchido quando foi assinado pelo A., o que agora comprova. Ainda alegou que qualquer hipotética responsabilidade da sua parte está, entretanto, prescrita, quer nos termos do artigo 324º do CVM, quer nos termos do artigo 498º do C.C.. Concluiu pela improcedência da ação.

Proferido despacho saneador, foi afirmada a validade e regularidade da instância, tendo-se relegado para a sentença o conhecimento da exceção de prescrição. Foram organizados os factos assentes e a base instrutória, sem reclamação.

Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo e foi pronunciada a sentença com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se a presente acção procedente, por provada e, consequentemente, condena-se o Réu a pagar ao Autor o montante de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescido dos juros remuneratórios à taxa de juros indexada à EURIBOR do prazo da emissão, cotada no segundo “dia útil em Lisboa” imediatamente anterior, adicionada de 1,25% ano arredondada para 1/1000 de ponto percentual imediatamente superior, no período convencionado de um ano (de 28.01.2008 a 26.01.2009), sendo considerada, para o cálculo dos referidos juros, a base de 360 dias, a que acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde 26.01.2009 até efectivo e integral pagamento

Irresignado, recorreu o Banco Réu, cuja alegação assim sintetizou:
«1. A decisão recorrida violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C.
2. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito ao Autor que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.
3. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referencia à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
4. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe.
5. Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 150.000,00 euros.
6. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo.
7. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.
8. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.
9. O Papel Comercial era então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu.
10. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
11. Pelo que o investimento efectuado era então adequado a alguém como o Recorrente.
12. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negócio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.
13. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.
14. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.
15. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do nº 1 do art. 312º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com excepção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.
16. Os arts. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução.
17. O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados.
12. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negócio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.
13. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.
14. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.
15. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do nº 1 do art. 312º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com excepção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.
16. Os arts. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução.
17. O art. 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados, para depois serem aplicáveis, claro está, ao tipo de instrumento financeiro escolhido para o investimento.
23. Nos termos da lei, são estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem que prestar informação.
24. Os riscos a que se refere o art. 312º-E nº2 são riscos endógenos e próprios do tipo de instrumento financeiro e não motivados por quaisquer factores extrínsecos aos mesmos.
25. Ora, o investimento sobre que versa o presente processo foi feito em Papel Comercial que é um instrumento do mercado monetário e portanto um investimento de baixo risco por se tratar de investimento inferior a um ano e não sujeito a qualquer volatilidade.
26. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto!
27. E não se confunda o cumprimento do dever de informação quanto ao risco da perda da totalidade do investimento com a necessidade de advertência do investidor sobre os riscos de incumprimento pelo obrigado da obrigação de compra decorrente do cumprimento da opção de venda, ou sequer com qualquer advertência sobre uma hipotética insolvência desse mesmo obrigado.
28. É que essa característica excludente do risco de perda da totalidade do investimento em nada se confunde ou exclui o risco geral de incumprimento de toda e qualquer obrigação.
29. De facto, esse é um RISCO GERAL e latente de toda e qualquer obrigação e não qualquer risco específico do tipo de instrumento financeiro escolhido e, portanto, não se insere naquela previsão do art. 312º-E nº 2 alínea a).
30. A falta de entrega da nota informativa do Papel Comercial ao Autor não constitui qualquer ilícito do Banco Réu enquanto intermediário financeiro, uma vez que, nos termos dos arts. 4º, nº 2, alínea a), 12º nº 1, 17º e 19º alínea b) do D.L. 69/2004 de 25/02, não é necessária essa entrega, bastando a sua divulgação pelo emitente do Papel Comercial – no caso a …!
31. O incumprimento do dever de informação implica uma presunção de culpa do intermediário financeiro, nos termos do art. 304º-A nº 2 do CdVM, porém não existe qualquer presunção de ilicitude a este respeito, cabendo portanto ao lesado e aqui Autor alegar e provar que concretas informações é que o Réu deveria ter dado que não deu.
32. O que, como não foi feito, condena a presente acção ao fracasso.
33. Os pontos 9, 20, 25 e 26 da matéria de facto provada não permitem concluir que o Banco Réu – através do seu funcionário – convenceu o Autor que ele próprio garantia o capital e os juros da emissão do papel comercial ….
34. O que aí consta é unicamente que a aplicação tinha garantia de capital e juros no termo do prazo.
35. Ou seja, a ideia que fica de toda a prova produzida (e resumidamente transcrita na motivação) é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à garantia de capital e juros tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros.
36. A expressão garantia tem que ver por isso com um retorno certo do capital e não com qualquer caução que o Banco prestasse.
37. E aliás diga-se que, tal qual consta da motivação da decisão de facto, o próprio funcionário do Banco associou essa garantia de capital e juros com o reembolso dos títulos ser efectuado ao valor nominal acrescido dos respectivos juros na data de vencimento de cada emissão, conforme consta da nota informativa!
38. Fica assim suficientemente esclarecido o que o funcionário pretendia dizer!
39. Ora, esta expressão do funcionário do Banco Réu tem também que ser vista no contexto em que foi proferida. De facto, no início do 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeiro de Setembro de 2008 (com a falência do Lehman Brother’s). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes.
40. Por isso, esse risco não era algo que o público em geral tivesse consciência e que se buscasse certificar ou fosse necessário elucidar.
41. E tal terá sucedido também com o Autor, que se importou mais com a melhor rentabilidade oferecida, do que propriamente com a identidade de quem ficaria perante si obrigado (repare-se que até resgatou depósitos a prazo para investir em papel comercial …, porque tinha melhor rentabilidade).
42. Mais, um declaratário normal colocado no lugar do Autor, não teria depreendido daquela singela expressão de “garantia de capital e juros” que era afinal o Banco quem caucionava as obrigações da …!
43. E a informação a prestar pelo intermediário financeiro tem que ser prestada segundo o critério objectivo previsto no art. 312º-Anº 1 alínea c) CdVM, ou seja, de forma a ser perceptível pelo destinatário médio.
44. Nada obrigando a que o intermediário financeiro tenha, para além do dever de informar, o dever também de se assegurar que o investidor compreendeu a informação!
45. Por tudo isto é necessário concluir que o Banco Réu agiu sem culpa.
46. Não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo Autor no Papel Comercial ….
47. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber da … e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
48. O não preenchimento do formulário adequado à subscrição, não configura qualquer ilícito, mas antes, e quando muito, uma mera irregularidade.
49. Porém, ainda que assim não se entenda, sempre é de constatar a este respeito que essa circunstância não foi causadora de qualquer alegado dano, nem é, em abstracto, causa adequada da produção do dano!
50. O A. não alegou qualquer facto (e por inerência não está provado!) qualquer matéria que pudesse ser reconduzida ao nexo de causalidade entre o dano produzido e a falta de realização do teste de adequação.
51. Na verdade, não está alegado nem provado que se o Banco Réu tivesse feito o teste de adequação, teria concluído que a aplicação financeira não se adequava ao perfil de risco do investidor Autor.
52. Faltando essa matéria, é inócua e irrelevante a falta de realização de um teste de adequação, pois esta matéria não poderá produzir a responsabilização do Banco Réu. O que se afirma aqui, sem prejuízo de se sublinhar também que, no entender do Banco Réu, o investimento efectuado era adequado ao perfil de investidor do Autor.
53. O Autor não alegou nem provou também que se não fosse aquela putativa garantia de capital e juros, não teria subscrito a aplicação financeira em Papel Comercial …!
54. Logo claudica também o nexo de causalidade entre o facto e o dano!
55. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave.
56. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que
este não quereria se estivesse devidamente informado. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do Autor.
57. Terá havido portanto (e quando muito) uma indução do Autor em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se portanto de uma indução negligente em erro.
58. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.
59. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave.
60. De acordo com os ponto 13 e 29 da matéria de facto provada, parece-nos evidente e manifesto que o Autor sabe pelo menos desde essa data de 26/01/2009 os termos em que o negocio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros! Não obstante, a acção apenas foi proposta em 02 de Agosto de 2011!
61. E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
62. Uma qualquer discrepância entre a vontade negocial e a conjectural só pode ter eficácia destrutiva.
63. Ou seja, a vontade conjectural pode invalidar a negocial, mas não pode ser, ela própria, elemento do negócio jurídico, sobrepondo-se à vontade negocial, sendo ela própria base dos efeitos jurídicos pretendidos pelo declarante!
64. A declaração do funcionário do intermediário não pode valer com o sentido que o investidor — declaratário normal — lhe atribuiu, nos termos do art. 236º CC, porque na realidade não houve da parte do Banco recorrido qualquer intenção de prestar uma garantia (nem tal resulta da matéria de facto provada) e, assim sendo, não se verifica o acordo de vontades que o art. 232º CC exige para ser concluído um negócio.
65. Assim, o negócio jurídico celebrado em qualquer putativo erro não pode surtir os efeitos pretendidos pelo declarante, como se a sua vontade não tivesse sido viciada e, logo, não se pode agora obrigar o Recorrente a cumprir uma garantia, apenas porque o Recorrido ficou erradamente convencido que a mesma foi prestada!
66. À expressão “capital garantido e juros garantidos”, proferida aquando da subscrição do Papel Comercial …, falta a solenidade e ritualismo próprios da emissão de uma declaração negocial capaz de obrigar o Banco Réu.
67. Tal expressão também não pode ser reconduzível a uma assunção de dívida.
68. Tal expressão, quando muito, constitui uma fiança e não uma assunção de dívida, como consta da sentença recorrida.
69. É indício disso mesmo a circunstância de, ao ser afirmada a garantia de capital juros, não estar certamente na mente do Banco Recorrente (ou do seu funcionário) prescindir do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente do papel comercial. É que essa assunção de dívida alheia como se fosse própria, não era inócua nas contas do Banco Réu já que a … (apesar de pertencer ao mesmo Grupo) não era uma sociedade sua filha!
70. Pela mesma ordem de razões, não se vislumbra que o Recorrente pudesse ter qualquer interesse real, directo e objectivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à … em nada beneficiava o Réu Banco, sendo apenas e antes útil à cadeia hierárquica societária que detinha a … e à qual o Banco Réu era alheio.
71. Acresce também que, à data da subscrição, todos criam que a emitente … estaria em condições de pagar o papel comercial emitido, verificando-se assim a característica essencial da fiança, traduzida na esperança de que o devedor principal pagará ao credor, sendo desnecessária a intervenção do fiador.
72. Todos estes indícios apontam, pois, no sentido de que a expressão foi, quando muito, uma fiança e não a solução acolhida pela sentença recorrida da assunção cumulativa da dívida.
73. Tratando-se, como se trata, de uma fiança estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C.
74. No caso, vale o disposto no art. 327º do Código dos Valores Mobiliários que prescreve que as ordens de subscrição podem ser dadas oralmente ou por escrito, sendo certo que as dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito e se forem presenciais, devem ser subscritas pelo ordenador.
75. Não constando a garantia do documento de fls 53, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220º do C.C.
76. Uma tal garantia ou assunção de dívida viola igualmente o princípio pari passu de igualdade de tratamento dos detentores de valores mobiliários e, portanto, não pode ser admitida.
77. De toda a forma, a condenação do Banco Réu com base na assunção de dívida extravasa em muito a causa de pedir e o pedido da presente ação e, logo, uma tal condenação sempre seria nula por violação do disposto no art. 615º nº 1 alínea e) do CPC.»

O autor não apresentou resposta.

Não obstante o recorrente ter requerido a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, foi o mesmo admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
II. Objeto do recurso
Salvo tratando-se de matéria de conhecimento oficioso, o recurso impõe o conhecimento das questões delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil – CPC). Assim, o thema decidendum restringe-se a indagar da responsabilidade do Banco demandado:
- no âmbito da relação contratual bancária geral;
- no domínio da intermediação financeira.
III. Fundamentação de facto
1) O A. desde 2006 vinha depositando as suas poupanças em contas à ordem e em depósitos a prazo no C… (artigo 17º da PI).
2) Naquele ano contratou com o R. um crédito multiusos no valor de €100.000,00 (cem mil euros) para aquisição dum apartamento em França (artigo 18º da PI).
3) País onde esteve durante o ano de 2007, de janeiro a novembro (artigo 19º da PI).
4) O dinheiro desse crédito não chegou a ser utilizado para esse fim, sendo aplicado, sim, em meros depósitos, renováveis de três em três meses (artigo 20º da PI).
5) Em momento que o A. não pode precisar a Sr. Dª. E… deixou de trabalhar para o R., tendo o Sr. F…, no essencial, assumido o tratamento dos assuntos do A. junto do R., adjuvado, por vezes, por outro funcionário do R., Sr. G… (artigo 23º da PI).
6) Foi com este que renegociou o spread do seu crédito (artigo 24º da PI).
7) E foi este que lhe ofereceu uma taxa de juro mais alta para um depósito a 3 meses, na sequência do A. lhe ter manifestado que tinha interesse em transferir as suas quantias para outra instituição bancária (artigo 25º da PI).
8) Antes de se ausentar para França, o Autor deixou impressos denominados “Comunicação de Cliente” assinados por si, “em branco”, à guarda da sua então gestora de conta Dª. E…, para que esta procedesse à reaplicação dos montantes dos depósitos a prazo constituídos pelo Autor que se vencessem no período da sua ausência do país (resposta ao artigo 21º da PI).
9) Poucos dias antes de 27/01/2008, o Autor foi contactado telefonicamente pelo gerente da agência de Viseu do C…, Sr. F…, que lhe sugeriu a subscrição de uma aplicação financeira em papel comercial …, pelo prazo de um ano, com um juro mais atrativo que o de um depósito a prazo (resposta conjunta aos artigos 28º e 29º da PI).
10) O Autor, tendo aceite, por telefone, aquela proposta, mais tarde deslocou-se àquela agência, onde assinou um impresso denominado “Comunicação de Cliente”, para efeitos de subscrever aquela aplicação financeira (resposta ao artigo 30º da PI).
11) Em março de 2008, o Autor interpelou o Banco, na pessoa do Sr. G…, então seu gestor de conta, enviando-lhe um e-mail com o seguinte teor:
Boa tarde Sr. G… Quero saber o que é ao certo …, são títulos de divida?? Quero saber se o meu capital investido está garantido, e quero saber a remuneração é de 5.6% ou pode ira até aos 5.6? Quero um papel do banco onde esteja tudo isto esclarecido, preto no branco. Espero não estar metido em nenhuma trapalhada. Quero ver a situação dos juros sobre os 8000 euros resolvida. Outra situação, a conta a ordem este mês não produziu juros?! Segunda-feira irei ai ao balcão, para resolver definitivamente a situação. os melhores cumprimentos Sr. B….” (resposta ao artigo 31º da PI).
12) O Autor deslocou-se, posteriormente, ao Banco e foram-lhe renovadas pelo gerente do balcão todas as garantias quanto ao recebimento do capital aplicado e respetivos juros na data de vencimento da aplicação (resposta ao artigo 32º da PI).
13) Quando quis, após a data de vencimento, levantar o seu dinheiro, o Sr. F…, contrariamente às garantias que dera naquela altura, referiu que o Banco não poderia satisfazer essa pretensão (resposta ao artigo 33º da PI).
14) De acordo com as condições de comercialização do produto, o período da respetiva subscrição era entre 22.01.2008 e 24.01.2008 (resposta ao artigo 40º da PI).
15) O impresso utilizado pelo Banco e entregue para o A. assinar foi um impresso denominado de “Comunicação de Cliente” (resposta conjunta aos artigos 42º e 43º da PI).
16) O impresso próprio destinado à subscrição do papel comercial … - 10.ª emissão, era um impresso específico (boletim de subscrição) previsto para o efeito na “Instrução de Serviço Mercado de Capitais, Papel Comercial” (resposta ao artigo 44º da PI).
17) Antes ou depois da subscrição desta aplicação financeira, do montante de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), o A. jamais fez no C… qualquer outro tipo de aplicação financeira que não depósito a prazo (resposta ao artigo 47º da PI).
18) O Réu não advertiu o Autor por escrito, antes da subscrição por este da aplicação financeira em causa, que considerava estar desobrigado de fazer testes de adequação da operação ao perfil do cliente (resposta conjunta aos artigos 57º e 58º da PI).
19) O Autor anteriormente nunca tinha manifestado interesse em investir em papel comercial … (resposta ao artigo 87º da PI).
20) O gerente da referida agência bancária, Sr. F…, assegurou ao Autor que a aplicação financeira em causa tinha garantia de capital e juros no termo do prazo (resposta ao artigo 91º da PI).
21) O dinheiro do Autor foi aplicado na aquisição de papel comercial … (10ª emissão) (resposta ao artigo 92º da PI).
22) O Autor pretendia fazer a aplicação do seu capital nas condições que negociara telefonicamente com o gerente do Banco Sr. F… (resposta ao artigo 98º da PI).
23) O Autor tinha um depósito a prazo junto do Réu, do montante de €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), que se vencia em 27/01/2008 (resposta ao artigo 10º da contestação).
24) Por isso, poucos dias antes foi contactado telefonicamente pelo funcionário do Réu Sr. F…, dando-lhe nota da oportunidade de rentabilização/investimento dos seus recursos, através da subscrição de papel comercial … (resposta ao artigo 11º da contestação).
25) O Autor demonstrou interesse na subscrição desse produto, atendendo à taxa de rentabilidade associada e às condições de subscrição do produto asseguradas por aquele funcionário (prazo de um ano, com garantia de retorno do capital e de pagamento dos juros findo aquele prazo), ficando de deslocar-se àquela agência para formalizar essa subscrição (resposta ao artigo 12º da contestação).
26) Aquando da comercialização do produto financeiro em causa, o Autor foi informado pelos funcionários do Réu que se tratava da subscrição de papel comercial …, que a maturidade do investimento se daria em 26 de janeiro de 2009 e que nessa data seria feito o reembolso dos títulos ao valor nominal dos mesmos, acrescido dos respetivos juros (resposta conjunta aos artigos 13º e 14º da contestação).
27) O Autor é pessoa informada e meticulosa e procura boas taxas para os seus investimentos (resposta ao artigo 17º da contestação).
28) O A. foi o único cliente daquela Agência que efetuou a subscrição dessa aplicação financeira (resposta ao artigo 19º da contestação).
IV. Fundamentação de direito
1. Responsabilidade contratual bancária geral
Nesta sede recursiva cumpre somente apreciar o pedido deduzido pelo Autor a título subsidiário; porque resultou indemonstrada, com a aceitação do Autor, a sua versão de que pretendeu depositar a prazo o montante de €150.000,00 quando, ao invés das suas instruções, o Banco R. o aplicou em papel comercial …, resta apreciar a responsabilidade contratual do demandado no domínio dessa concreta atividade de intermediação financeira que desenvolve junto do Autor com vista à concretização daquela aplicação financeira.
O papel comercial é um valor mobiliário representativo da dívida de curto prazo de uma entidade ou empresa que, ao emitir papel comercial, coloca dívida junto dos investidores, que ficam com esses títulos em carteira mediante a contrapartida do pagamento de uma taxa de juro remuneratório. Trata-se de um instrumento, hoje, muito usado pelas empresas como fonte de financiamento, suprindo, por um lado, a dependência do crédito bancário e, por outro, prover às necessidades de tesouraria. É, pois, um título de dívida a curto prazo, um instrumento monetário, que consiste num título de crédito de certo prazo emitido por sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, empresas públicas e até pessoas coletivas de direito público ou privado, para financiar défices de tesouraria. Por isso, tem sido definido como um valor mobiliário utilizado para suprir necessidades de liquidez imediata, que se assume como um «sucedâneo à emissão de garantias sobre contratos de concessão de crédito»[1]. Pode ser emitido através de oferta privada ou pública e como admite a atribuição de direitos de reembolso convertíveis em direito de subscrição de nova emissão de prazo idêntico ou outros mecanismos análogos, a sua índole de instrumento financeiro de curto prazo pode adaptar-se a necessidades de financiamento de médio e longo prazo[2].
Do ponto de vista da sua natureza jurídica, aderimos à tese da sentença apelada, que o integra na categoria de valores mobiliários de natureza monetária, representativos de dívida, de prazo igual ou superior a um ano, e sujeitos ao regime do Código dos Valores Mobiliários [artigo 2º/1, al. a)][3]. Com efeito, o Autor subscreveu em 28/01/2008 o Papel Comercial … – 10ª emissão, produto financeiro em que aplicou €150.000,00. Essa subscrição através do Banco Réu encerra a atividade de intermediação financeira deste último, tal como estão qualificados os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros [artigo 289º/1, s), do CdVM]. Serviços e atividades concretizados na receção e transmissão de ordens por conta de outrem; na execução de ordens por conta de outrem; na gestão de carteiras por conta de outrem; na tomada firme e a colocação com ou sem garantia em oferta pública de distribuição; na negociação por conta própria; na consultoria para investimento; na gestão de sistema de negociação multilateral, sendo que a receção e transmissão de ordens por conta de outrem inclui a colocação em contacto de dois ou mais investidores com vista à realização de uma operação (artigo 290º/1 e 2 do CdVM).
Os Bancos estão legitimados ao exercício da atividade de intermediação financeira [artigos 293º/1, al. a) do CdVM e 3º, al. a) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras[4] e foi, no âmbito dessa atividade, que o Banco demandado interveio junto do Autor, propondo-lhe a subscrição do produto financeiro “papel comercial”.
O Autor e o Réu estabeleceram entre si uma relação contratual que provinha de 2006, mediante a qual aquele foi depositando as suas poupanças em contas à ordem e em depósitos a prazo, contratou um crédito multiusos no valor de €100.000,00 (cem mil euros) para aquisição dum apartamento em França, dinheiro que não chegou a utilizar para esse fim e que aplicou em depósitos, renováveis a três meses (n.os 1 a 3 dos fundamentos de facto).
A relação bancária é uma relação de negócios; uma relação duradoura em que a execução da prestação se prolonga no tempo, processando-se o cumprimento em termos constantes em torno da prevalência do momento ou momentos em que seja realizado o interesse do credor[5].
É no domínio desse relacionamento que, em janeiro de 2008, o gerente da agência de Viseu do Réu contactou o Autor para lhe sugerir a subscrição de uma aplicação financeira em papel comercial …, pelo prazo de um ano, com juros mais atrativos do que os de um depósito a prazo. O Autor acabou por aceitar, telefonicamente, essa proposta e, mais tarde, deslocou-se àquela agência, onde assinou um impresso denominado “Comunicação de Cliente” (n.ºs 9 e 10 dos fundamentos de facto). Não estando apuradas quaisquer razões para as ulteriores dúvidas do Autor, a verdade é que está comprovado que, em março de 2008, por e-mail, este contactou o gerente do Réu para «saber se o meu capital investido está garantido, e quero saber a remuneração é de 5.6% ou pode ira até aos 5.6». Questão que denota que o Autor percebeu não estar em jogo um depósito a prazo mas uma aplicação financeira, designadamente inscrevendo estar em causa, embora interrogativamente, “títulos de dívida pública” e “…”. E, deslocando-se ulteriormente à agência do Banco, «foram-lhe renovadas pelo gerente do balcão todas as garantias quanto ao recebimento do capital aplicado e respetivos juros na data de vencimento da aplicação» (n.º 2 dos factos provados). Mesmo admitindo que o Autor não soubesse, em concreto, o mecanismo de funcionamento destes títulos de dívida, estando demonstrado que era um investidor atento e preocupado com a rendibilidade dos seus investimentos (n.º 27 dos fundamentos de facto) e que assinou um impresso próprio destinado à subscrição do papel comercial … - 10.ª emissão, o chamado “boletim de subscrição”, previsto na “Instrução de Serviço Mercado de Capitais, Papel Comercial” (n.º 16 dos factos provados), era razoável que não contasse com um regime em tudo idêntico ao depósito a prazo. Foi, porém, informado que se tratava de uma aplicação financeira com maturidade a um ano, com garantia de capital e de juros na data de vencimento, o que motivou o Autor à subscrição do produto, atendendo à respetiva taxa de rentabilidade (n.os 20 e 26 dos factos apurados).
Neste prisma, não obstante inexistir, então, uma relação bancária muito alongada no tempo, ela tinha já uma natureza personalizada, a ponto de o Autor, antes de se ausentar para França, ter deixado impressos denominados “Comunicação de Cliente” assinados por si, “em branco”, à guarda da sua então gestora de conta, para que esta procedesse à reaplicação dos montantes dos depósitos a prazo constituídos pelo Autor e que se vencessem no período da sua ausência do país (n.º 8 dos factos provados). Esta factualidade decalca a relação Banco/cliente, por regra uma relação complexa e duradoura que se desdobra em recíprocos deveres relativos a diversificadas práticas bancárias, comummente decorrente do ato nuclear que é a abertura de conta. Deveres que se desdobram em três grupos: i) deveres de proteção que, nos preliminares contratuais, vinculam as partes a abster-se de atitudes que provoquem danos nos hemisférios pessoais ou patrimoniais umas das outras; ii) deveres de informação que as obrigam mutuamente a prestarem as informações e os esclarecimentos necessários à plena adesão ao contrato, os quais são mais intensos a cargo da parte mais forte e em favor da mais débil; iii) deveres de lealdade para desenvolver, nos preliminares e no consenso negocial, condutas reciprocamente corretas e honestas[6]. Em suma, todo o relacionamento pré-contratual e contratual deve orientar-se pela boa fé, sendo ilegítimos todos os comportamentos que, desviando-se da honesta procura do consenso negocial, venham a causar danos à contraparte.
E se a boa fé impera no domínio civilista em geral, ela é particularmente relevante no setor bancário, impondo-se a prevenção do erro, nomeadamente sobre aspetos conexos com a essência negocial e implicações jurídicas conhecidas por uma das partes, em especial pelo proponente. Deveres que são tanto mais intensos e extensos quanto mais inexperiente e não qualificada for a contraparte.
Na responsabilidade contratual domina a orientação (napoleónica) de que a culpa traduz, em simultâneo, a ilicitude. A culpa presume-se, nos termos do artigo 799º/1 do Código Civil, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa»[7]. Daí que, na presença de «um acordo entre o banqueiro e o seu cliente ou, de modo mais lato, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»[8].
Nesta linha de análise, aceitando estar em causa o incumprimento do Banco da relação contratual estabelecida com o Autor, designadamente não agindo com a lealdade que lhe exigia a cabal explicação do retorno do capital num instrumento financeiro como quele que lhe propôs e que, ao contrário do acordado, se recusou a cumprir na data do vencimento, essa mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. «O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestara a informação ou que beneficiara de alguma causa de justificação ou de excusa»[9].
Consabido que, à face do ordenamento civilista português, vale o princípio de que o declarante responde por aquele dos possíveis sentidos da sua declaração que para o declaratário for o objetivo, podemos afirmar a ideia da responsabilidade do declarante pelo sentido objetivo da sua declaração, justificada pela necessária concessão de razoável proteção aos interesses do declaratário[10].
Vistos os factos, apelando aos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no artigo 236º/1 do Código Civil, um declaratário médio ou normal, colocado na posição real do Autor, perante a informação do Banco de que aquela aplicação financeira lhe garantiria o capital no prazo de vencimento, percecionaria que o investimento não comportaria riscos para o capital investido e lhe garantiria o seu reembolso e juros[11]. O réu assevera que não está em causa um produto financeiro de risco, mas a própria CMVM emite recomendações aos investidores em instrumentos financeiros, advertindo que todos esses investimentos têm risco, designadamente aconselhando os investidores a decidir quanto pretendem investir, por quanto tempo (maturidade) e qual o capital que estão dispostos a correr o risco de perder e a verificar se alguém (e quem) lhe garante o capital investido[12]. Publicitação que entroniza o risco aliado a qualquer dos instrumentos financeiros do mercado, o que arrebata a responsabilidade do demandado ao cumprir defeituosamente o dever de cabal esclarecimento do Autor, ou melhor, ao deturpar a informação sobre os riscos reais ligados à subscrição do Papel Comercial ….
Este enquadramento no domínio da responsabilidade contratual também se alcança a partir do serviço e atividade de intermediação financeira desenvolvido pelo Réu, desenrolado num contrato de intermediação financeira, enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira[13].
Os pressupostos da obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade contratual são a inexecução ilícita e culposa da obrigação, a existência do dano e o nexo de causalidade adequada entre este e aquela (artigos 798º, 799º e 808º/1 do Código Civil). Ocorrem a inexecução ilícita do contrato por ato comissivo que desvirtuou o produto financeiro oferecido, a culpa, presumida à luz das regras gerais que regem a responsabilidade contratual e não ilidida, o dano e o nexo de causalidade adequada entre este e aquele facto. O valor do dano seria, prima facie, equivalente ao capital investido – 150.000,00 euros –, valor que o Banco assegurou que seria reembolsado findo o prazo de um ano.
A propósito do valor indemnizatório, contrapõe o recorrente que é excessiva a sua condenação na integralidade do montante desembolsado pelo Autor, porque virá a receber da … o que lhe couber. Com efeito, o reembolso do capital investido em papel comercial cabe à entidade emitente nas condições estabelecidas na emissão, a significar que o retorno será feito pela … em função do valor nominal dos títulos acrescido dos respetivos juros na data da emissão.
De acordo com a teoria da diferença, quem estiver obrigado a reparar o dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso (artigo 562º do Código Civil). Logo, a obrigação de indemnizar só cobre os danos efetivamente causados ao património do lesado. Estando demonstrado que o Autor se dirigiu ao Banco para levantar o dinheiro investido naquela aplicação financeira após 28/01/2009 (n.º 12 dos fundamentos de facto), cabe ao intermediário financeiro diligenciar junto da … pelo retorno do valor devido em 27/01/2009 e respetivos juros e, acrescendo-o dos juros entretanto recebidos pelo Autor, indemnizá-lo pela quantia necessária a perfazer o montante de €150.000,00 que investiu, acrescido dos juros calculados nos termos definidos na sentença que, nesse concreto segmento, não foi impugnada.
Como o Banco Réu é responsável perante os clientes pelos atos dos seus funcionários (artigo 800º/1 do Código Civil), sobre ele impende a correspondente obrigação de indemnizar.
2. Intermediação financeira
O Réu não questiona a sua atividade de intermediação financeira nesta operação de subscrição de papel comercial realizada pelo Autor, mas discorda do enquadramento dos deveres de informação que a sentença recorrida lhe assaca.
Como acostámos, a própria atividade bancária em geral conforma um dever de informação que tende a abranger tudo quanto não seja conhecido pela contraparte; dever que será tanto mais intenso quanto maior for a complexidade do contrato e da realidade por ele envolvida e quanto mais inexperiente for a contraparte[14]. Os cidadãos depositam as suas economias nos Bancos porque estas instituições se revestem de uma especial confiança como depositários dos seus valores, o que legitima essa particular exigência na modelação do dever de informação. Para o intermediário financeiro esses deveres são bem mais fortes e mais amplos. Ele deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça ou que lhe sejam solicitados, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente quanto aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas e aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [artigo 312º/1, d) e e) do CdVM]. Deveres esses de informação que o Código especifica quer quanto à qualidade da informação, quer quanto ao momento em que a mesma deve ser prestada (artigos 312º-A e 312º-B). Comprovado que a informação prestada pelo Banco consistiu na garantia de retorno do capital e do pagamento dos juros findo o prazo de um ano e que tal facto não veio a ocorrer, porque quando o Autor quis, após aquele prazo, levantar o seu dinheiro, foi-lhe dito que o Banco não poderia satisfazer essa pretensão (n.º 13 dos factos provados), tudo se converte na prestação de uma informação que não correspondia à realidade. Ademais, tendo sido aquela informação do Banco que levou o Autor a aceitar a subscrição daquele produto financeiro, aquele defraudou as expetativas do seu cliente e violou a sua confiança. Os intermediários financeiros, nas relações com todos os intervenientes no mercado, estão adstritos aos ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, designadamente informando-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente (artigo 304º/ 2 e 3 do CdVM). Donde o acerto da decisão recorrida ao concluir, de forma profusamente fundamentada, pela violação dos deveres legalmente impostos ao intermediário financeiro demandado.
Na intermediação financeira o dever de informar tem um conteúdo mais amplo, rigoroso e preciso, especialmente para os denominados investidores não qualificados, como era o caso do Autor. Quanto a estes, o artigo 312º-C/1 do CdVM estabelece um grupo de informação mínima a ser-lhe prestada, incluindo quanto à natureza, riscos gerais e específicos, designadamente de liquidez, de crédito ou de mercado, e as implicações subjacentes ao serviço que visa prestar, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão do investidor, tendo em conta a natureza do serviço a prestar, o conhecimento e a experiência manifestadas, entregando-lhe um documento que reflita essas informações. É o conteúdo deste dever de informação mínima que retira qualquer valia à argumentação aduzida pelo recorrente no sentido de que não estava em causa um qualquer instrumento financeiro de risco que exigisse particular papel informativo da sua parte, por se tratar de um investimento de baixo risco, de prazo inferior a um ano. Ora, o investimento envolvia efetivo risco, desde logo, porque não estava assegurado o retorno do capital investido, mas apenas o valor nominal dos títulos, sendo essa a razão pela qual foi oferecida ao Autor uma atrativa taxa de rentabilidade.
A norma impõe, ainda, ao intermediário financeiro que, para além do dever de informação, proceda à entrega de documento que reflita a prestação dos correspondentes esclarecimentos. Embora a matéria de facto apurada não seja inequivocamente clarificadora quanto aos documentos entregues, dela resulta que o Banco Réu entregou ao Autor uma “comunicação de cliente”, correspondente ao documento de fls. 46, e parece declarar a entrega da “nota interna” traduzida no documento de fls. 44 e 45, relativa às características do produto (n.º 16 dos factos provados). Este último documento simetriza a exigência legal, mas quer a sentença quer a alegação recursiva parecem concordar que essa nota informativa não foi entregue ao Autor e, a ser assim, é inequívoco o correspondente enquadramento normativo da sentença. Contudo, ainda que assim seja, o artigo 312º-F/1 do CdVM impõe também a prestação de informação relativa à proteção do património de clientes, sempre que detenha, ou possa vir a deter, instrumentos financeiros ou dinheiro que pertençam a investidores não qualificados, dando-lhe nota da possibilidade de os instrumentos financeiros ou o dinheiro poderem vir a ser detidos por um terceiro em nome do intermediário financeiro e a responsabilidade assumida por este, por força do direito aplicável, relativamente a quaisquer atos ou omissões do terceiro, e as consequências para o cliente da insolvência do terceiro; da possibilidade de os instrumentos financeiros poderem vir a ser detidos por um terceiro numa conta global, caso tal seja permitido pelo direito aplicável, apresentando um aviso bem visível sobre os riscos daí resultantes; da impossibilidade, por força do direito aplicável, de identificar separadamente os instrumentos financeiros dos clientes, detidos por um terceiro, face aos instrumentos financeiros propriedade desse terceiro ou do intermediário financeiro, apresentando um aviso bem visível dos riscos daí resultantes; do facto de as contas que contenham instrumentos financeiros ou dinheiro do cliente estarem, ou poderem vir a estar, sujeitas a lei estrangeira, indicando que os direitos do cliente podem ser afetados; e da existência e o conteúdo de direitos decorrentes de garantias que um terceiro tenha, ou possa vir a ter, relativamente aos instrumentos financeiros ou ao dinheiro do cliente ou de direitos de compensação que tenha face a esses instrumentos financeiros ou dinheiro. E informação dessa natureza não foi prestada ao Autor, não tendo o Réu sequer alegado tê-la prestado; ao invés, antes lhe foi assegurado o reembolso do capital e juros.
Ainda que entendêssemos que foram cumpridos pelo intermediário financeiro os deveres legalmente impostos, a verdade é que a informação prestada ao investidor deturpou uma das características essenciais do produto: o retorno era efetuado ao valor nominal dos títulos acrescido dos respetivos juros na data do vencimento de cada emissão. Em vez de explicitar o alcance desse retorno, garantiu-lhe o reembolso do capital findo um ano, prestando ao investidor informação que não traduzia a realidade.
Como acentuámos, o Réu apelante defende tratar-se de um investimento sem risco ou de baixo risco, por se tratar de investimento a prazo inferior a um ano e sem qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título, acrescido da respetiva rentabilidade. Ora, esta é a grande diferença entre a natureza do produto financeiro intermediado e a informação que foi prestada ao cliente, no âmbito da qual lhe foi garantido o recebimento do capital aplicado e respetivos juros. Reconhecemos que a identificada “nota interna” para subscrição do produto especifica, quanto ao reembolso, que ele será efetuado ao valor nominal dos títulos, acrescido dos respetivos juros na data de vencimento de cada emissão. Mas essa particularidade passa despercebida a um investidor menos atento e pouco conhecedor dos produtos financeiros oferecidos pelo mercado, o chamado investidor não qualificado, como o Autor. O que nos leva a reafirmar o que dissemos quanto à desconformidade da informação com a realidade do produto no tocante ao seu reembolso. Proposição que faz tombar as razões em que o recorrente alicerça a procedência do recurso, porque ela encerra uma forma de violação do dever positivo de prestar informação – informação errónea.
No mercado dos valores mobiliários a informação surge como essencial e, como menciona a sentença recorrida, ela tem o papel primordial de proteger os investidores, mormente os não qualificados, que não têm, em regra, capacidade para recolher as informações de que necessitam para tomar uma opção de investimento esclarecida. Deste modo, a informação dada aos investidores é um instrumento de redução das assimetrias em torno do conhecimento dos factos relevantes na orientação das opções de investimento e é ela que lhes vai permitir avaliar, de uma forma esclarecida, a relação risco/rendimento[15].
O Autor alegou e provou que só aderiu àquela aplicação financeira porque lhe foi assegurado o reembolso do valor aplicado. Ainda que possamos contrapor que a informação constante da citada nota interna dava conta do retorno segundo o valor nominal dos títulos e, apesar de se aceitar que a informação prestada não foi completa e devia ser mais clara e pormenorizada, a verdade é que a informação prestada pelo intermediário financeiro não foi, como devia, clara e pormenorizada e, mais do que isso, não foi leal.
Donde a irrelevância dos demais motivos apresentados pelo recorrente para enjeitar a sua responsabilidade, que não corporiza a “prestação de garantia” ou a “assunção de dívida”, mas tão-somente a uma responsabilidade própria derivada de uma atuação ilícita e culposa, geradora da obrigação de indemnizar.
Defrontada a responsabilidade do intermediário financeiro na sua estrita ligação aos deveres que lhe competem, no domínio dos seus deveres gerais de comportamento e de proteção, designadamente dos deveres de informação, a sua violação sempre geraria responsabilidade extracontratual. Cremos que, no caso, atendendo ao relacionamento cliente/banco corporizado inter-partes, a intermediação financeira se traduziu num ato de execução do contrato bancário já em desenvolvimento pelas partes e, portanto, reconduz a reparação dos danos à responsabilidade contratual. Dum ou doutro modo, a opção por uma ou outra via jurídica não aporta diferenciação ao nível do ressarcimento dos danos. Poderia aportá-la ao nível dos pressupostos, em concreto da culpa, mas no campo da intermediação financeira nem essa diferenciação se verifica. A presunção de culpa do devedor imanente à responsabilidade contratual (artigo 799º/1 do Código Civil) acaba por parificar com a presunção de culpa do intermediário financeiro (artigo 304º-A/2 do CdVM)[16]. Esta norma consagra um padrão de culpa que tem como referência, não uma pessoa média, mas um sujeito diligentissimus, em virtude de serem exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam[17].
Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública ou, em qualquer caso, quando sejam originados pela violação dos deveres de informação (artigo 304º-A/2 do CdVM). Tendo o Banco réu avançado para propor ao Autor a aquisição do produto financeiro aqui em causa sem cuidar de observar os deveres de informação legalmente impostos e, mais do que isso, prestando informação errónea, tornou-se responsável pelos prejuízos que lhe causou.
Dissente o recorrente da censura feita pela sentença quanto à omissão dos testes de adequação da operação ao perfil do cliente impostos pelo artigo 314º do CdVM, mas eles constituem um dever protetivo do investidor para aferir do carácter adequado da operação e advertir, por escrito, o cliente caso conclua que a operação não é adequada àquele investidor. Não provou o Banco réu, como lhe competia, a execução de tais testes e, por isso, não aderimos a tal reprovação. O âmago da alegação recursiva do Banco gira em torno da desnecessidade do cumprimento dos deveres de rigorosa informação acerca do produto financeiro em causa por não ser uma aplicação de risco, mas a essência da decisão entronca na prestação de uma informação errónea, ou seja, enquanto aquele pugna pela inexistência de qualquer omissão no cumprimento do seu dever de informação, a sentença assaca-lhe a comissão de informação errada. Nela se centra o facto voluntário, ilícito e culposo do Réu, cuja culpa sempre seria presumida, e dele derivou, em termos de causalidade adequada, o dano indemnizável nos termos já expostos, ou seja, pelo excedente do valor de retorno da … na data do primeiro vencimento e juros, mais juros recebidos pelo Autor, até atingir a quantia de 150.000,00 euros por este investidos, diferença a que acrescem os juros fixados na sentença.

Regime de custas: face ao êxito parcial da apelação, ficam as custas da ação e do recurso a cargo de ambas as partes na proporção do vencimento (artigo 527º/1 do CPC).
IV. Dispositivo
Na defluência do descrito, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogam a sentença recorrida apenas quanto à indemnização arbitrada ao Autor, B…. Indemnização essa que fixam no diferencial entre a quantia de €150.000,00, acrescida dos juros à taxa estabelecida na sentença, e o somatório da quantia a retornar pela … ao Autor em 27/01/2009, respetivos juros e o valor dos juros entretanto por ele recebidos; diferencial a que acrescem os juros devidos em função do decidido pela sentença recorrida até efetivo pagamento, com a consequente absolvição do Réu do restante pedido indemnizatório e confirmação da sentença quanto ao mais.
As custas da ação e da apelação são suportadas por recorrente e recorrido na proporção do decaimento.
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Porto, 30 de maio de 2017.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, Almedina, 2011, pág. 198.
[2] José Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, Almedina, 2009, pág. 220.
[3] Aprovado pelo decreto-lei nº 486/1999, de 13 de novembro, na redação dada pelo decreto-lei nº 357-A/2007, de 31 de outubro, com a declaração de retificação n.º 117-A/2007, de 28 de dezembro, vigente à data da subscrição de Papel Comercial … Código doravante denominando “CdVM”.
[4] Aprovado pelo decreto-lei nº 298/1992, de 31 de dezembro, com as sucessivas alterações, na redação do decreto-lei nº 1/2008, de 3 de janeiro).
[5] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, 3.ª ed., págs. 184 a 186.
[6] António Menezes Cordeiro, ibidem, pág. 349.
[7] António Menezes Cordeiro, ibidem, págs. 313 e 314.
[8] António Menezes Cordeiro, ibidem, pág. 314,
[9] António Menezes Cordeiro, ibidem, pág. 315.
[10] A. Ferrer Correia, Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, Almedina, 1985, pág. 208.
[11] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 17-03-2016, processo 70/13.1TBSEI.C1.S1.
[12] In www.cmvm.pt.
[13] Engrácia Antunes, Os contratos de intermediação financeira, in BFDC, vol. 85, 2009, págs. 281 e 282; in www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 17-03-2016, processo 70/13.1TBSEI.C1.S1.
[14] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, Almedina, 3.ª ed., págs. 358 e 359.
[15] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 21-03-2013, processo 2050/11.2TBVFR.P1.
[16] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 02-03-2015, processo 1099/12.2TVPRT.P1.
[17] Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro, Almedina, 2008, pág. 2011; in www.dgsi.pt: Ac. RL de 10-03-2015, processo 100/13.7TVLSB.L1-1.