Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
836/18.6T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
CADUCIDADE
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
EFEITOS
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RP20190121836/18.6T8AVR.P1
Data do Acordão: 01/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 288, FLS 259-273)
Área Temática: .
Sumário: I - As formas de cessação do contrato de trabalho constam do artigo 340.º do Código do Trabalho de 2009, matéria que é objeto, quanto à sua licitude, de rigorosa disciplina, plasmada em normas de carácter imperativo (artigo 339.º, n.º 1).
II - O contrato sujeito a termo resolutivo, celebrado para durar por determinado período, caduca no termo do prazo estipulado, desde que o empregador ou o trabalhador comunique, respectivamente, 15 ou 8 dias antes de o prazo expirar, a vontade de o fazer cessar, decorrendo da falta dessa comunicação a renovação do contrato, por igual período, considerando-se como um único contrato aquele que seja objeto de renovação (artigos 344.º, n.º 1 e 149.º, n.ºs 2 e 4).
III - Por virtude da renovação, operada no momento em que expira o prazo para o empregador ou o trabalhador eficazmente comunicarem a intenção de pôr fim ao contrato, o termo final do contrato, originariamente convencionada, é substituída pela que resulta da renovação, deixando esta de relevar para efeito de determinar a duração do contrato e, consequentemente, da licitude ou ilicitude da cessação e suas consequências, posto que a relação jurídica deve ser encarada como um único contrato, e não como sucessão de contratos autónomos entre si.
IV - É no momento em que se tem por adquirida a vontade tacitamente manifestada de não pôr fim ao contrato – coincidente com o termo do prazo estabelecido na lei para a comunicação de sentido oposto – que, para todos os efeitos, se considera modificada a cláusula acessória de termo.
V - Nesta situação, se o facto gerador da prorrogação da vigência do contrato – o silêncio da entidade empregadora, subsistente para além do prazo legal, quanto à intenção de pôr fim ao contrato – se situar e produzir os seus efeitos em momento anterior a uma comunicação que entretanto venha a ser concretizada pela entidade patronal de aquele fazer cessar, esta comunicação, face ao momento em que foi efetuada, não pode ter a virtualidade de impedir a produção daqueles efeitos, mas tão só de determinar a extinção do contrato, entretanto, renovado.
VI - Tal declaração de vontade de fazer cessar o contrato, reportando os seus efeitos à data do termo originariamente aposto, comunicada ao trabalhador após a modificação da cláusula acessória do termo, traduz-se, assim, numa forma de cessação do contrato sem cobertura legal, equivalendo a um despedimento ilícito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 836/18.6T8AVR.P1
Autor: B...
: C..., S.A.
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Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. B... intentou ação com processo comum emergente de contrato de trabalho, contra C..., S.A, peticionando:
a)- A declaração de ilicitude do seu despedimento.
b)- A condenação da Ré a pagar-lhe: - a quantia de € 6.562,50, a título de indemnização pela ilicitude do despedimento; - a quantia de € 276,92 a título de férias vencidas em 1.1.2017 e não gozadas; - a quantia de € 454,36, a título de formação profissional; - Juros de mora sobre as importâncias em dívida, À taxa legal, desde da data do vencimento das respetivas obrigações até integral pagamento.
Alegou, para o efeito, em síntese, que tendo sido admitida ao serviço da Ré em 22.9.2016, através de um contrato de trabalho a termo pelo prazo de 6 meses, passando a partir dessa data a trabalhar sob as suas ordens, desempenhando funções de operária semiespecializada mediante a remuneração mensal de € 750,00, a mesma Ré, por carta registada datada de 6.9.2017, enviada a 7.9.2017 e recebida no dia 12.9.2017, comunicou-lhe que fazia cessar o contrato de trabalho, com efeitos a partir do dia 21.9.2017, comunicação essa que, diz, não foi feita com a antecedência legal mínima de 15 dias, razão pela qual a cessação do contrato de trabalho foi realizada de forma ilícita, renovando-se o mesmo por novo período de 6 meses. Mais referiu que a Ré não lhe pagou qualquer indemnização pela cessação do contrato, nem 14 dias de férias não gozadas e a título de subsídio de Natal de 2017 apenas lhe pagou e 328,00, para além de que não lhe prestou qualquer formação profissional durante a duração do contrato.
1.1 Na tentativa de conciliação, as partes não se conciliaram.
1.2 Notificada para o efeito, a Ré apresentou contestação, aduzindo, em suma, que a carta foi remetida a 7.9.2017, mas os correios só tentaram a sua entrega a 11.9.2017, dia em que a Autora estava ausente, acabando por a receber no dia seguinte, 12.7.2017, sendo que quando se apercebeu que a carta não fora recebida com a antecedência legal, embora sem culpa sua, nos dias 19 e 21 de Setembro reuniu com a Autora para a informar da renovação do seu contrato de trabalho por aquele motivo e lhe entregar por escrito tal informação, sendo que, face à recusa da Autora em receber em mão tal informação, enviou-lha por carta registada com A/R recebida em 27.9.2017 e novamente em 3.10.2017 em resposta ao pedido de declaração de situação de desemprego, sendo que, diz ainda, a Autora desde 21.9.2017 que deixou de comparecer ao trabalho, sem qualquer explicação ou justificação, razão pela qual em 13.11.2017, face à ausência prolongada, lhe comunicou a cessação do contrato por abandono do trabalho. Mais sustenta que, não ocorrendo a cessação do contrato por caducidade dada a intempestividade da comunicação de não renovação, tal implicava necessariamente a continuidade da prestação do trabalho por parte da Autora, o que só não ocorreu por sua única e exclusiva vontade, pois optou por deixar de comparecer ao serviço, razão pela qual conclui que o contrato cessou por abandono do trabalho, em 13.11.2017 e não por despedimento ilícito, aceitando dever à Autora apenas 2 dias de férias não gozadas e 37 horas de formação contínua, pois o subsídio de Natal foi-lhe pago na proporção do tempo de serviço prestado e não se venceram quaisquer férias em 1.1.2018.
1.3 Fixado à ação o valor de € 7.293,78 foi de seguida proferido o despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, dispensando-se a enunciação dos temas da prova.
1.4 Prosseguindo o processo os seus termos subsequentes, realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença, de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos, julgando-se a presente acção parcialmente procedente, decide-se:
1- Declarar a ilicitude do despedimento da A. e consequentemente, condenar a R. a pagar-lhe a indemnização no valor de € 6.295,88 (seis mil duzentos e noventa e cinco euros e oitenta e oito cêntimos) com juros de mora, à taxa legal, contados a partir do trânsito da presente acção até integral pagamento.
2- Mais se condena a R. a pagar à A. a quantia de € 110,72 (cento e dez euros e setenta e dois cêntimos) a título de formação profissional não proporcionada e € 136,36 (cento e trinta e seis euros e trinta e seis euros) a título de férias não gozadas, com juros de mora, à taxa legal, contados a partir de 22.9.2017 até integral pagamento.
Custas por A. e R. na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Ré recurso de apelação, apresentando as suas alegações, nas quais apresenta as seguintes conclusões:
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3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer esse que mereceu resposta da Apelante, sustentando que não obtém sustentação os argumentos nele invocados.
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Cumpridas as formalidades legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:
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III – Fundamentação
1. O Tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1. A R. dedica-se à indústria de plásticos.
2. Possui e explora, por sua conta e risco um estabelecimento industrial de fabricação de artigos plásticos sito na Zona Industrial ..., Avenida ..., Lote ..., ....
3. No exercício da sua actividade admitiu a A. ao seu serviço, em 22 Setembro de 2016, através do contrato de trabalho a termo certo, cuja cópia se mostra inserta a fls 4v e 5 dos autos, pelo período de 6 meses.
4. Desde então, a A. prestou serviço no aludido estabelecimento da R., sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante o salário mensal de € €750,00, sendo € 600,00 de salário base e € 150,00 de subsídio de turno.
5. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 6.9.2017, enviada a 7.9.2017 e recebida no dia 12.9.2017,cuja cópia se mostra inserta a fls 6, a R. comunicou à A. a não renovação do contrato e consequente caducidade do mesmo no dia 22.9.2017, data a partir da qual a A. deixaria de prestar serviço na empresa.
6. Entretanto, a R. ao aperceber-se que a carta não fora recebida pela A. com 15 dias de antecedência em relação ao termo do contrato, nos dias 19 e 21 reuniu com a mesma para a informar da renovação do contrato de trabalho por falta de cumprimento do aviso prévio e da continuidade da sua prestação de trabalho.
7. Face à recusa da A. em receber em mão nessas reuniões a informação escrita da renovação do contrato, por igual período de 6 meses, a R. no dia 22.9.2018 enviou-lhe a carta inserta a fls 23v que a mesma recebeu no dia 27.9.2017.
8. A A. a partir o dia 21.9.2017, deixou de comparecer ao serviço, por sua única e exclusiva vontade, sabendo que a R. considerava o contrato renovado por mais seis meses e pretendia a continuidade da sua prestação de trabalho.
9. Em 3.10.2017, em resposta ao pedido da declaração de situação de desemprego, a R. enviou à A. a carta inserta a fls 25 que a mesma recebeu no dia 6.10.2017 e à ACT a carta inserta a fls 26v.
10. Em 9.11.2017, a R. remeteu à A. a carta inserta a fls 27, que a mesma recebeu no dia 13.11.2017, comunicando-lhe que considerava verificados os factos constitutivos da presunção de abandono do trabalho.
11. A A. gozou férias nos períodos de 22 a 30 de Dezembro de 2016 e de 7 a 22 de Agosto de 2017.
12. A R. proporcionou à A. três horas de formação profissional.
13. A R. não pagou à A. qualquer indemnização pela cessação do contrato.
14. A título de subsídio de Natal relativo ao ano de 2017 a R. pagou à A. € 328,00.
15. E não lhe pagou qualquer quantia a título de férias e subsídio de férias vencidos em 1.1.2018, nem de proporcionais de férias e de subsídio de férias e de Natal relativas ao ano de 2018.”
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2. Discussão
Não incidindo o recurso sobre a matéria de facto, não sendo ainda caso para a intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação, a base factual a atender na afirmação do Direito do caso é a mesma que como tal foi considerada pelo Tribunal a quo.
Dizendo pois de Direito:

2.1 Da renovação do contrato/despedimento ilícito
Nas suas conclusões a Apelante insurge-se contra o decidido pelo Tribunal a quo, sustentando que a sentença “fez errada interpretação dos factos e da lei, bem como da sua aplicação, violando, inter alia, o disposto nos artigos 344º, nº1 e 149º, nº2 e al. a) do artigo 343º, nº1 todos do Código do Trabalho, o estipulado na cláusula 5ª do contrato de trabalho junto aos autos, bem como ainda o previsto nos artigos 9º, nºs 1 e 2 e 226º, nº 2 do Código Civil” (conclusão Y).
No essencial, refere nomeadamente, como argumentos, o seguinte: quando emitiu a sua declaração de vontade no sentido da não renovação do contrato de trabalho a termo certo e remeteu a correspondência escrita que a corporizou a sua vontade ainda era apta para produzir o efeito desejado, por estar então respeitado o prazo de 15 dias de antecedência legal e contratualmente previstos, estando apenas pois subjacente à sua vontade essa mesma intenção de não renovação e não já coisa diferente, como qualquer despedimento, sendo que, acrescenta, atenta a ineficácia da declaração para extinguir o contrato, renovando-se esse consequentemente por igual período de tempo, tudo se trata como se não tivesse existido qualquer comunicação, uma vez que a vontade manifestada, por escrito, apesar de querida e exclusivamente dirigida à caducidade do contrato, não produziu os efeitos pretendidos, não se podendo pretender que, afinal, produza esses mesmos efeitos, mas agora por via como que da sua transmutação em despedimento, na medida em que tal declaração, em circunstância alguma, integra factualidade que possa subsumir-se ou fazer-se corresponder à tipologia jurídica de uma resolução ou despedimento; o que a lei e o contrato dizem é que este não se renova desde que seja produzida e comunicada tempestivamente na forma legal a manifestação de vontade, sendo que, não sendo esse o caso, a “sanção” prevista pelo legislador é no sentido da manutenção da relação laboral, não tendo, diz, qualquer correspondência mínima no texto declarativo produzido que a extemporaneidade da declaração implicasse como consequência que essa fosse tida como de despedimento, ultrapassando esta consideração o sentido da previsão normativa e contrariando o previsto nos números 1 e 2 do artigo 9º do Código Civil, indo mesmo para além do que seria razoável conceber-se; o nº 2 do artigo 149.º do Código do Trabalho de 2009 estatui que o contrato renova-se no final do termo (estipulado), por igual período, e não no momento em que expira o prazo para o empregador eficazmente comunicar a intenção de pôr fim ao contrato, não podendo pois ser considerado pelo intérprete um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas, como referem os nºs 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil; a convocação pelo Tribunal, como lugar paralelo, do chamado “direito ao arrependimento” ou poder de revogação unilateral por iniciativa do trabalhador que denunciou o contrato de trabalho, nos termos e condições previstos nos artigos 400º a 402º do CT, para evidenciar a excecionalidade da possibilidade de revogação unilateral de declarações recetícias é desnecessário por não estar em causa qualquer tentativa de revogabilidade; seja penalizando o Empregador com aquilo que este procurou evitar (a renovação), seja beneficiando o Trabalhador permitindo-lhe a retratação ou arrependimento (revogação da denúncia), está apenas em causa a manutenção da relação laboral e a preservação do emprego, dando expressão ao princípio “favor laboris" e ao imperativo constitucional da segurança no emprego; dizer-se ou defender-se que ocorreu um despedimento ilícito parece não ser mais do que um ato criativo, uma originalidade, em face da solução legal prevista e contratualmente acertada pelas vontades das partes, manifestadas no contrato de trabalho; se alguma norma interpretativa ou regime se poderia aplicar com mais acuidade ao caso vertente julga-se que seria o previsto no número 2 do artigo 226º do CC, que considera a declaração ineficaz se o declarante, enquanto o declaratário dela não tomar conhecimento, perder o poder de disposição do direito a que se refere a declaração; como lugar paralelo que permite evidenciar o desacerto da tese maioritária na Jurisprudência e na sentença recorrida pode chamar-se à colação o regime jurídico do contrato de arrendamento e mais especificadamente o regime relativo à caducidade, no qual se constata que caducando o contrato findo o prazo estipulado ou estabelecido por lei [artigo 1051º, al. a) do CC], o mesmo renova-se, no entanto, por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei [artigos 1054º, 1055º, 1095º e 1096º todos do CC]; é o próprio legislador quem nos permite concluir que exprimiu o seu pensamento com solução contrária àquela que a sentença recorrida perfilhou, como resulta do Decreto-Lei nº 220/2006 de 03 de Novembro, que consagra o quadro legal da perda involuntária de emprego, prevendo expressamente, no seu artigo 9º nº3, que “Não há desemprego involuntário nos casos em que o Trabalhador recuse, de forma injustificada, a continuação ao serviço no termo do contrato, se essa continuação lhe tiver sido proposta ou decorrer do incumprimento, pelo empregador, do aviso prévio de caducidade”.
Mais acrescenta a Apelante, por fim, por consequência e tal como alegara em sede de contestação, que fez todo o sentido ter considerado como denunciado o contrato por iniciativa da Recorrida, verificados que foram os factos constitutivos da presunção de abandono de trabalho nos termos do número 3 do artigo 403º do CT.
Não constando dos autos contra-alegações, sustentando a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no parecer que emitiu a improcedência do recurso, importando decidir, constata-se que da sentença recorrida, nesse âmbito, fez-se constar nomeadamente o seguinte (transcrição):
“Destarte, não assistindo à R. o direito a revogar unilateralmente a declaração de não renovação do contrato e sendo evidente face à matéria de facto que a A. não aceitou tal revogação, é forçoso concluir que a comunicação intempestiva da não renovação/cessação do contrato de trabalho efectuada pela R. não obstou à renovação do contrato por igual período e consubstanciou um despedimento ilícito da A., como têm decidindo os tribunais superiores de forma praticamente unânime.”

Tendo necessariamente por base/direta referência o disposto na lei, assim o quadro normativo indicado na sentença recorrida e aplicação que nessa se fez das normas que se aplicaram no caso, bem como, ainda, face às conclusões da Recorrente, as demais normas legais por esta indicadas e a interpretação por que pugna, cumprindo então decidir, não poderemos deixar de reconhecer que a questão que nos é colocada pode merecer, com ressalva do devido respeito por qualquer delas, respostas não propriamente coincidentes, em particular quanto à consideração ou não como despedimento da comunicação da empregadora, nas circunstâncias de facto provadas, da não renovação do contrato e sua consequente caducidade. Como também, do mesmo modo, será de reconhecer também a possibilidade/admissibilidade de interpretações diversas (e dessas decorrentes posições não coincidentes) sobre as próprias normas que podem/devem ser chamadas, no dizer do Direito, à aplicação, sejam as previstas no Código Civil – sobre interpretação da lei (artigo 9.º), declaração negocial e sua interpretação (artigos 217.º e seguintes) –, sejam as que constam do Código do Trabalho (CT/2009) – a que se alude na sentença ou no presente recurso.
Porém, apesar das aludidas dificuldades, com ressalva do devido respeito pelos argumentos invocados no presente recurso, consideramos que, dentro dos quadros normativos e princípios de direito aplicáveis, a solução adequada é precisamente aquela a que chegou o Tribunal a quo, a qual, como aliás o reconhece a Recorrente, coincide com a sufragada pela Jurisprudência dos nossos tribunais de modo claramente maioritário.
Não obstante o que se fez constar já da sentença recorrida, que se considera dar resposta em grande parte aos argumentos discordantes apresentados pela Recorrente, para melhor ser compreendida a nossa posição, diremos o seguinte:
Em primeiro lugar, chamando à discussão o próprio regime previsto no CC, para evidenciarmos a circunstância de a perfeição da declaração de vontade (negocial), válida e eficazmente expressa pelo emitente, que tenha um destinatário, pressupor que a mesma chegue ao poder deste – diversamente do que ocorre nas declarações não recetivas que se tornam eficazes logo que a vontade se manifeste na forma adequada.
A opção da nossa lei quanto ao momento da eficácia da declaração, assim pela doutrina da receção nas palavras de Carlos A. Mota Pinto[1], ou por combinar a teoria da receção com a do conhecimento como refere Heinrich Ewald Hörster[2]’[3], resulta expressamente do que se dispõe no artigo 224.º do CC[4], esclarecendo porém este último Autor[5], referindo-se à conjugação dos dois critérios (da chegada ao poder e do conhecimento), que “no caso da verificação da chegada ao poder não se exige conhecimento efectivo por parte do destinatário”, por partir a lei “da situação regular e normal de que, com a chegada ao poder, o destinatário (o declaratário) está em condições de tomar conhecimento e que ele toma conhecimento”, determinando-se “em conformidade com as concepções reinantes no tráfico jurídico para os negócios em causa” a questão de “saber se a chegada ao poder conduz realmente a uma situação, suposta na lei, que permite o conhecimento efectivo”[6]’[7]. Há que salientar, ainda, sem prejuízo de assumir também relevância (para além do mais que agora não importa) o momento da sua eficácia para aferir se foi feita em tempo ou não[8], que na celebração de contratos a declaração que chegou ao poder do destinatário é em princípio irrevogável, como resulta do n.º 1 do artigo 230.º do CC, aí se excluindo os casos em que o destinatário da declaração tenha recebido, antes ou pelo menos juntamente com essa, a retratação da proposta, ou se desta retratação tenha tido conhecimento por outros meios (n.º 2). Ressalvando-se naturalmente a circunstância da nossa análise se circunscrever ao que ao caso decidindo releva, importa, por último, quanto ao regime da eficácia da declaração que resulta do CC, ter presente que, afirmando-se é certo do n.º 2 do artigo 226.º do CC a ineficácia da declaração nos casos em que o declarante tenha perdido o poder de disposição do direito antes de o destinatário não receber ou não tiver conhecimento da declaração, porém, como elucidam porém Pires de Lima e Antunes Varela[9], “o artigo trata da eficácia da declaração e não do problema da sua validade, porque esta mede-se pela situação existente no momento em que a declaração é emitida”. Por outro lado, esclareça-se também, tal ineficácia refere-se, naturalmente, apenas ao direito cujo poder de disposição se perdeu – e não já, se for esse o caso, a qualquer outro direito que possa também porventura resultar da circunstância de ter sido emitida a declaração, com aquele específico conteúdo, questão que melhor veremos infra.
Visto genericamente o regime estabelecido no CC sobre a eficácia da declaração, teremos no entanto, porém, de chamar à discussão o que resulta expressamente da lei sobre os direitos que no caso se discutem, ou seja, porque no âmbito laboral, o CT/2009, assim os direitos que de acordo com esse assistem ao empregador e ao trabalhador, no caso específico da vigência de um contrato de trabalho a termo certo, pois que as regras da eficácia da declaração e da sua relevância, sobre as quais nos pronunciamos anteriormente, resultantes do CC, não podem deixar de ter presente tais normas do CT, algumas delas aliás imperativas.
Resulta do n.º 1 do artigo 148.º/1 do CT/2009 que o contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes, sendo que, quanto à sua duração (dependendo dos casos, assim de se tratar de pessoa à procura de primeiro emprego, das situações previstas no n.º 4 do artigo 140.º e nos demais casos legalmente previstos), não pode exceder, respetivamente, dezoito meses, dois anos ou três anos.
Excluídos os casos em que as partes tenham estipulado em contrário (afastando a possibilidade da renovação), na falta de declaração de qualquer das partes que o faça cessar, nos termos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 149.º, o contrato renova-se no final do termo, por igual período, se outro não tiver sido acordado pelas partes.
Por sua vez, no que diz respeito à caducidade do contrato há que ter presente o disposto no artigo 344.º, n.º 1, do qual resulta que essa ocorre “no final do prazo estipulado, ou da sua renovação, desde que o empregador ou o trabalhador comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito, respectivamente, 15 ou oito dias antes de o prazo expirar”.
Ou seja, resulta do citado normativo que, querendo a cessação do contrato no final do prazo estipulado para a sua duração, o empregador terá de comunicar essa sua intenção, com a antecedência prevista, assumindo-se pois tal comunicação como pressuposto da ocorrência da caducidade do contrato.
Ora, se assim é, chamando então à discussão o regime a que aludimos anteriormente sobre a declaração e sua eficácia, estando em causa sem dúvidas uma declaração negocial recipienda, essa torna-se eficaz, como então se referiu, logo que chega ao poder do seu destinatário ou desse é conhecida (n.º 1 do artigo 224.º do CC).
Assim, no caso que se aprecia, como se provou, a declaração da Ré/empregadora (formalizada por escrito) de não renovação do contrato e consequente caducidade do mesmo no dia 22.9.2017, data a partir da qual a Autora deixaria de prestar serviço na empresa, apesar de datada (e não elaborada, esclareça-se desde já, pois que não resultou sequer provado que tenha efetivamente sido elaborada nessa data), foi enviada por correio no dia 7.9.2017, sendo que acabou por ser recebida apenas no 12.9.2017, razão pela qual, de acordo com o regime da eficácia da declaração recipienda, antes mencionado, só nesta data se tornaria eficaz, por ter chegado ao poder da Autora/destinatária.
E dizemos se tornaria eficaz pois que, nessa data, já não assistia à Ré, de acordo com o que se dispõe no n.º 1 do artigo 344.º do CT (ao não ter sido respeitada a antecedência mínima aí prevista), a possibilidade de fazer cessar o contrato a termo celebrado, assim para a data de 22.9.2017. Esclareça-se, pois que a Recorrente a tal regime faz apelo, que independentemente de estar ou não provado que a sua declaração tenha sido emitida num momento em que ainda lhe assistia tal direito potestativo de fazer cessar o contrato na data fixada para o seu termo, o que se passa é que sempre essa declaração chegou ao poder do destinatário num momento em que não lhe assistia já esse direito, pois que, tratando-se de declaração recetícia, só neste momento se tornaria eficaz – caso naturalmente, também por referência a este momento, mesmo por apelo ao que resulta do n.º 2 do artigo 226.º do CC, a Ré/declarante não tivesse perdido o poder de disposição do direito, situação que afinal já se verificava. Porém, como se referiu anteriormente, sem esquecermos que esse preceito trata da eficácia da declaração e não já do problema da sua validade, aquela ineficácia diz respeito apenas à declaração cujo direito deixou de estar na esfera jurídica do declarante, no caso pois a possibilidade legal de a Ré/empregadora poder fazer cessar o contrato na data fixada para o seu termo.
De resto, como se refere na sentença, a propósito do momento em que foi enviada à Autora tal comunicação, seria expetável para a Ré que a mesma seria a essa entregue já num momento em que se esgotara o prazo para fazer cessar o contrato em 22/09/2017. Daí que lhe competisse, “enviar a carta com a antecedência suficiente para ser recebida com a antecedência devida, não podendo considerar-se que não houve culpa da sua parte, pois são conhecidas as vicissitudes da distribuição postal e ainda que fosse entregue no dia seguinte à expedição já não seria observado o aviso prévio legal.”
Assim sendo, uma questão se coloca então, qual seja, precisamente, sendo este no fundo o nó górdio da presente análise, o saber se tal declaração de vontade da Ré/empregadora, sendo como se viu ineficaz para conseguir os efeitos desejados de fazer cessar o contrato por denúncia válida na data fixada para o seu termo, pode ser tida com virtualidade bastante, no domínio do jurídico, para produzir como seu efeito/consequência a cessação do contrato de trabalho, como o entendeu a sentença recorrida, ou se, não valendo como denúncia não pode valer também como declaração de despedimento, como o sustenta a Recorrente.
Admitindo-se que a resposta não se nos oferece de modo completamente cristalino, consideramos porém, não obstante as referidas dúvidas, que a melhor solução passa por analisar essa declaração por apelo às regras legais de interpretação da declaração, assim por apelo ao critério enunciado no n.º 1 do artigo 236.º do CC, ou seja, em traços muito genéricos, de que o sentido terá de corresponder àquele que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deduziria do teor da dita declaração e do contexto factual em que a mesma foi emitida, relembrando que, face à teoria da impressão do destinatário que foi acolhida nesse preceito, está em causa uma interpretação objetiva, nos termos da qual a declaração negocial vale segundo a vontade exteriorizada pelo declarante e não segundo a sua vontade real. No caso, importará saber qual o sentido que um declaratário normal, medianamente informado dos usos em voga no sector laboral, extrairia da declaração da Ré, tendo no entanto presente que, como é consabido, a teoria adotada no preceito comporta duas exceções/limitações: a primeira ocorre quando o sentido que um declaratário normal deduziria da declaração não puder, razoavelmente, ser imputado ao declarante (art. 236.º, n.º 1, in fine); a segunda ocorre quando o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2 do art. 236.º).
Como bem se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de outubro de 2013[10], “excluídas a caducidade, a revogação e a resolução ou a denúncia pelo trabalhador, todas as demais assumem a feição de despedimento por iniciativa do empregador: por facto imputável ao trabalhador; colectivo; por extinção de posto de trabalho e por inadaptação”.
Neste contexto, também no caso que se decide a declaração de vontade da Ré/recorrente de fazer cessar o contrato a termo certo, à semelhança da situação sobre que incidiu o citado Acórdão, porque intempestiva/extemporânea, não viu alcançados os seus efeitos legalmente previstos. Compreensivelmente, como se afirma mais uma vez no mesmo Acórdão, pois que, “não sendo uma modalidade de cessação, analisa-se apenas numa manifestação deficiente/ineficaz do pressuposto operativo da caducidade: a comunicação prévia, com a legal antecedência, é condição necessária à eficácia desta modalidade de cessação –arts. 343.º, a) e 344.º/1”.
Não logrando pois a declaração em causa fazer operar a aludida caducidade do contrato, não poderemos então deixar de considerar, face ao disposto na lei, assim os n.ºs 2 e 4 do artigo 149.º do CT, que o contrato ficou sujeito à renovação (automática), no final do termo estipulado, por igual período, no caso que se decide por mais seis meses (porque ainda não atingido o máximo permitido para a renovação), como ainda, por apelo à mesma lei, que, operando essa renovação, o contrato passa a ser tido/considerado como um único. Dito de outro modo, por imposição legal, não estamos nestas situações perante dois ou mais contratos e sim, diversamente, perante um único contrato, abrangendo pois para além do período fixado inicialmente também o que decorre da renovação ou renovações, o que, aplicado ao contrato objeto da nossa análise, se traduz em considerar que esse teve início em 22 Setembro de 2016, com a duração de um ano e seis meses (6 meses + 6 meses+ 6 meses). Porque assim é, da afirmação de que a comunicação prévia, com a legal antecedência, é condição necessária à eficácia da cessação do contrato, sob pena de o contrato se renovar automaticamente, então, por consequência, se o contrato deve depois ser considerado como um único contrato, deixa de ter qualquer relevância a data que no contrato inicial (ou decorrente de renovação anterior) era a do seu termo, passando esta a ser substituída por aquela que corresponder ao final do período por que se renovou o contrato.
Daí que, salvo o devido respeito, estatuindo é certo o n.º 2 do artigo 149.º do Código do Trabalho de 2009 que o contrato, na ausência de estipulação a que se refere o número anterior e de declaração de qualquer das partes que o faça cessar, se renova no final do termo por igual período se outro não for acordado pelas partes, não é menos adequada a afirmação de que, na ausência de acordo que afaste a renovação, a partir do momento em que deixe de poder operar a declaração da sua cessação, o contrato passa a estar necessariamente sujeito à regra da sua renovação e, em conformidade, inclusivamente, a ser considerado por lei como um único contrato, como se viu anteriormente.
Por outro lado, a propósito das regras de interpretação da lei a que faz também apelo a Recorrente, importa esclarecer que não se percebe exatamente qual é o alcance dessa invocação pois que, na nossa ótica, as normas do CT que foram chamadas à discussão foram-no apenas para a afirmação, que se impõe, do regime legal estabelecido para a renovação e cessação do contrato que se analisa, a termo certo, assim a conjugação dos artigos 149.º, 343.º, alínea a), e 344.º, n.º 1, do CT, no sentido de que, na ausência de declaração extintiva com a antecedência prevista na lei (incluindo pois os casos em que tal declaração tenha sido feita num momento em que já não era possível fazê-lo), o contrato se renova, não operando pois a caducidade. Dito de outro modo, não se diz em momento algum que tais normas são interpretadas no sentido de que delas resulte que a declaração intempestiva da entidade patronal de não renovação do contrato seja considerada despedimento ilícito. Diversamente, o que se diz e reafirma aqui, é apenas que tal declaração é ineficaz enquanto dirigida à cessação do contrato na data fixada para o seu termo, por apelo a tais normas.
Coisa diversa, mas que não contende já propriamente com as referidas normas, é a validade e eficácia que pode/deve ser dada a uma tal declaração que, sem a virtualidade de fazer cessar o contrato na data fixada para o seu termo, decorrendo ainda da lei que este se renovará nessa data e que deve ser considerado como um único contrato, comunica ao trabalhador que o contrato cessará nessa data. E neste âmbito, como também já referimos, a questão centra-se já, não na interpretação das referidas normas, e sim, por referência ainda às formas legalmente previstas para a cessação do contrato de trabalho, nas regras da interpretação da declaração que foi emitida.
Ou seja, importará então perguntar se, não obstante ineficaz a declaração emitida pela Ré enquanto dirigida à caducidade do contrato pode a mesma ser juridicamente operante, como o considerou a sentença, por equivaler a um despedimento ilícito.
Com ressalva do devido respeito pelos argumentos apresentados pela Apelante, cumprindo-nos tomar posição, também acompanhamos o sentido decisório da sentença recorrida.
Para o efeito socorremo-nos, porque a acompanhamos, da fundamentação constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de outubro de 2013, anteriormente citado, nos termos seguintes (citação):
“É que, se não terminou validamente, mediante uma das modalidades de cessação acima lembradas (art. 340.º) – a que se aplicam as regras gerais – há mesmo que enfrentar a solução prevista no n.º 2 do art. 393.º (sempre do Código do Trabalho/2009).
Não vemos – …com o respeito devido por quem sustente o contrário – que, ante o reportado quadro legal de significação, possa ser de outro modo.
O caso presente não é inédito.
Este Supremo Tribunal já se pronunciou sobre a questão, como pode confirmar-se, inter alia, no Acórdão de 16 de Dezembro de 2010, tirado na Revista n.º 3/07.5TTBRR.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, cuja consistente fundamentação (embora reportada ao Código do Trabalho/2003, a disciplina jurídica em causa passou, sem alterações substanciais, para as disposições homólogas da revisão/CT de 2009) e bondade da solução não vemos razão para secundar.
Acompanhando, nos seus termos gerais, as considerações fundamentantes, delas respigamos os excertos mais impressivos, máxime os atinentes ao ponto equacionado, que subscrevemos:
“(…)
Há que ter em atenção que um tal contrato ‘renova-se no final do termo estipulado, por igual período, na falta de declaração das partes em sentido contrário (…), considerando-se ‘como único contrato aquele que seja objecto de renovação’ (…).
Decorre deste regime que, em virtude da renovação, operada no momento em que expira o prazo para o empregador eficazmente comunicar a intenção de pôr fim ao contrato, a data do termo final do contrato, originariamente convencionada, é substituída pela que resulta da renovação, deixando esta de relevar para efeito de determinar a duração do contrato e, consequentemente, da licitude ou ilicitude da cessação e suas consequências, posto que a relação deve ser encarada como um único contrato e não como sucessão de contratos, autónomos entre si.
(…)
Na verdade, o facto gerador da prorrogação da vigência do contrato (…) situou-se e produziu os seus efeitos em momento anterior à comunicação (lembramos, tardia) da vontade de o fazer cessar, pelo que esta comunicação, face ao momento em que foi efectuada, não podia ter virtualidade para impedir a produção daqueles efeitos, mas tão-só para determinar a extinção do contrato, entretanto renovado.
(…)
A situação configura, por conseguinte, a cessação do contrato por iniciativa do empregador, sem cobertura da disciplina legal, por isso que equivale a um despedimento ilícito”...

Revertendo então ao caso que se aprecia, vejamos ainda os demais argumentos aduzidos pela Recorrente.
Refere a Recorrente que quando emitiu a sua declaração de vontade no sentido da não renovação do contrato de trabalho a termo certo e remeteu a correspondência escrita que corporizou a sua vontade ainda era apta para produzir o efeito desejado, por estar então respeitado o prazo de 15 dias de antecedência legal e contratualmente previstos, estando apenas pois subjacente à sua vontade essa mesma intenção de não renovação e não já coisa diferente, como qualquer despedimento, sendo que, acrescenta, atenta a ineficácia da declaração para extinguir o contrato, renovando-se esse consequentemente por igual período de tempo, tudo se trata como se não tivesse existido qualquer comunicação, uma vez que a vontade manifestada, por escrito, apesar de querida e exclusivamente dirigida à caducidade do contrato, não produziu os efeitos pretendidos, não se podendo pretender que, afinal, produza esses mesmos efeitos, mas agora por via como que da sua transmutação em despedimento, na medida em que tal declaração, em circunstância alguma, integra factualidade que possa subsumir-se ou fazer-se corresponder à tipologia jurídica de uma resolução ou despedimento.
Ora, do que dissemos anteriormente já resultam as razões por que não se acompanha a Recorrente.
É que, não tendo a declaração chegado ao poder da Autora, sua destinatária, em tempo devido, como se referiu, o contrato renovou-se por igual período, impondo-se então analisar o conteúdo dessa declaração negocial, recipienda como se disse.
Com tal objetivo, cumprindo então apreciar, acompanhando-se mais uma vez o Acórdão anteriormente citado, importará ter presente que a Ré/recorrente “saberia, por certo, que, aquando da celebração do contrato em causa, podia ter-se acordado, desde logo, que o mesmo não ficasse sujeito a renovação, como se prevê no n.º 1 do art. 149.º”. Não obstante, salvaguardou a possibilidade da sua prorrogação, consignando, no acordado ponto 5.º do documento que o suporta, que o mesmo cessaria por caducidade desde que o primeiro outorgante ou o segundo outorgante comunique, respetivamente, quinze ou oito dias antes do prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o fazer cessar.
Ou seja, embora não respeitando a prevista antecedência legal mínima de 15 dias (transposta também para o contrato), não poderemos deixar de considerar que a Ré comunicou de facto à Autora que se verificava a caducidade do contrato a partir de 22 de Setembro de 2016, data a partir da qual deixará de prestar serviço nesta empresa.
Valendo a declaração negocial, como se disse anteriormente (e flui do n.º 1 do artigo 236.º do CC), com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante – salvo se este não puder razoavelmente contar com ele –, no caso, tal declaratário normal, colocado na posição da Autora, não poderia deixar de entender que a Ré, invocando embora fazê-lo a coberto da caducidade, “colocou um ponto final da relação laboral existente entre os litigantes (usando as palavras certas constantes do Acórdão deste Supremo Tribunal, atrás referido).”[11] É que, decorrendo da lei que na falta de comunicação de cessação com a antecedência estabelecida o contrato se renova, é de considerar que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, ou seja a Autora (sendo de entender que esta estaria também ciente desse facto), ficaria convencida, legitimamente, pois que esse é um efeito que como se disse decorre da lei, que o termo do contrato, face à renovação, passara a ser o correspondente ao fim do novo período de renovação, razão pela qual, nessas circunstâncias, deparando-se com a declaração da Ré/empregadora, no sentido da cessação do contrato em data anterior àquela, apresenta-se como perfeitamente adequado que interprete tal declaração no sentido de que estava a ser despedida.
De resto, sequer se pode dizer que a Ré não estivesse ciente desse propósito pois que, como se provou (pontos 6.º e 7.º), “ao aperceber-se que a carta não fora recebida pela A. com 15 dias de antecedência em relação ao termo do contrato, nos dias 19 e 21 reuniu com a mesma para a informar da renovação do contrato de trabalho por falta de cumprimento do aviso prévio e da continuidade da sua prestação de trabalho”, sendo que, face à recusa da mesma Autora “em receber em mão nessas reuniões a informação escrita da renovação do contrato, por igual período de 6 meses”, “no dia 22.9.2018 enviou-lhe a carta inserta a fls 23v que a mesma recebeu no dia 27.9.2017”.
Diga-se, aliás, que no momento em que a Ré realizou tais diligências, como resulta das considerações anteriores sobre a sua eficácia, a referida declaração negocial extintiva já se tornara plenamente eficaz em momento anterior, assim em 12.9.2017 (desde que chegou ao poder do seu destinatário ou foi dele conhecida).
Voltando a citar-se Heinrich Hörster[12], “o momento da eficácia tem relevância sob três aspectos: em primeiro lugar esclarece se uma declaração foi feita tempestivamente ou não; em segundo lugar, determina a parte que arca com o risco de uma transmissão errada da declaração ao separar, no decurso temporal, as esferas de poder do declarante e do declaratário para as declarações receptícias; em terceiro lugar, determina o momento a partir do qual o declarante fica vinculado à sua declaração (...)”.
Do exposto resulta, pois, no que agora importa, que, determinando o momento da eficácia da declaração (com o conteúdo que essa comporta) mesmo a parte que arca com o risco de uma transmissão errada da declaração (ao separar, como indica o Autor citado, no decurso temporal, as esferas de poder do declarante e do declaratário para as declarações receptícias), ainda que porventura a Ré tivesse transmitido erradamente o que pretendia com a sua declaração então, chegada essa ao poder do destinatário, teria então de arcar com as consequências da sua atuação, nomeadamente, ainda por apelo às regras da interpretação dessa mesma declaração, que essa possa valer com o sentido anteriormente enunciado, de pôr fim à relação laboral, a partir da data que indicou.
E, mesmo considerando que não seja aplicável o regime da irrevogabilidade estabelecido no n.º 1 do artigo 230.º do CC, por se referir esse à proposta do contrato [13], constata-se que a sentença se pronuncia também sobre a possibilidade ou não de revogação da declaração, de modo aliás fundamentado, no sentido de considerar não ser essa possível nestes casos, nos termos seguintes:
“(...) Tal questão é discutível e foi apreciada com proficiência no Acórdão da R.P., proferido em 8.11.2010, no proc.299/09.7TTBCL.P1., relatado por Paula Leal de Carvalho, disponível em texto integral em www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve :
“I - No contrato de trabalho a termo certo a comunicação da sua não renovação, sujeita ao aviso prévio previsto no art. 388º, nº 1, do CT/2003, consubstancia um negócio jurídico unilateral, de natureza receptícia, que se torna eficaz logo que chegue ao conhecimento do destinatário, embora os seus efeitos apenas ocorram em momento posterior.
II - Uma vez recepcionada, pelo trabalhador, a comunicação da não renovação do contrato de trabalho a termo certo emitida pelo empregador, não pode este, ainda que antes da produção dos efeitos dessa declaração (cessação do contrato), revogar unilateralmente essa declaração, nada impedindo, porém, que tal revogação possa ter lugar por vontade de ambas as partes.”
Neste acórdão foi decidido que no caso aí em apreço não tinha ocorrido um despedimento ilícito porque a actuação posterior das partes evidenciava uma revogação da denúncia por mútuo acordo.
Mas vejamos, a argumentação aduzida sobre a questão, pois apesar de proferida na vigência do C.Trab. 2003, os normativos correspondentes do Cód. actual são idênticos:
“Feitas estas considerações, impõe-se saber se, tal como diz a Ré, poderia ela, unilateralmente, revogar essa sua declaração de não renovação do contrato.
Defendendo essa possibilidade, diz a ré que a declaração de não renovação do contrato consubstancia um negócio jurídico unilateral (não dependente de aceitação da A), pelo que, ainda que de natureza receptícia, sempre poderia ser revogada enquanto a caducidade não produzisse os seus efeitos.
Desde já se dirá que a questão, do ponto de vista jurídico, não se nos afigura inequívoca ou isenta de dúvidas.
Dispõe o art. 140º, nº 2, do CT/2003:” O contrato de trabalho a termo certo renova-se, por igual período, na falta de declaração das partes em contrário- (actual art. 149º, nº2).
E o art. 388º, nº 1: O contrato caduca no termo do prazo estipulado desde que o empregador ou o trabalhador comunique, respectivamente, 15 ou 8 dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o fazer cessar. (actual art.344º, nº1).
Considerando-se que a declaração de não renovação do contrato consubstancia um negócio jurídico unilateral, porque não dependente da vontade do declaratário (embora de natureza receptícia, porque a sua eficácia depende do seu conhecimento pelo destinatário, como inequivocamente decorre do arts. 388ºdo CT/2003 e do art. 224º, nº 1 do Cód. Civil dispondo este que “1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chegue ao seu poder ou é dele conhecida; (…).”.]), há quem defenda que ela poderá ser unilateralmente revogada antes da verificação dos seus efeitos.
Assim, neste sentido, Maria Irene Gomes (embora, como diz, “sob reserva de maior reflexão”), na ob. citada na nota 4, pág. 165, invocando o Acórdão da Relação de Coimbra de 14.02.1989, CJ, T I, págs. 106/107. E, no mesmo sentido, Pedro Ortins de Bettencourt, in Contrato de Trabalho a Termo, pág. 227, invocando também, nesse sentido, o Acórdão do STJ de 1993, Acórdãos do STJ, Tomo I, pág. 214., bem como Abílio Neto, Novo Código do Trabalho Anotado, 1ª Edição, Maio 2009, pág. 621.
E, neste sentido, poder-se-ão também invocar os ensinamentos do Prof. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, Reimpressão, Coimbra, 2003, pág. 42, que refere o seguinte: “(…) Outra ideia geral muito importante que os autores costumam frisar é a de que os negócios jurídicos unilaterais, quando se destinam a produzir efeitos na esfera jurídica de outrem, são irrevogáveis tão depressa estejam produzidos esses efeitos, por se terem verificado as ulteriores circunstâncias de que dependessem. (…)”. Invoca-se, também, em abono, que a revogação da denúncia é em defesa do trabalhador.
Refira-se também que, considerando-se a declaração de não renovação do contrato como um negócio jurídico unilateral, e não bilateral, não se nos afigura completamente apropriado convocar-se o disposto no art. 230º, nº 1, do Cód. Civil [nos termos do qual a proposta de contrato é irrevogável depois de recebida pelo destinatário ou ser dele conhecida], cujo objecto (“proposta de contrato”), se insere no âmbito do negócio jurídico bilateral.
Já Susana Sousa Machado, in Contrato de Trabalho a Termo, Coimbra Editora, pág. 267/268, não tomando embora posição sobre a questão, refere que a solução lhe suscita dúvidas.
Também a nós a questão não se nos afigura, como se disse, inequívoca.
Porém, não obstante tais considerações e salvo melhor opinião, parece-nos que contra a posição acima referida se poderá argumentar que não está ela em consonância (mas, antes, em oposição) com a unidade e harmonia do sistema jurídico.
Com efeito, por um lado e como já vimos, a declaração de não renovação do contrato, necessariamente sujeita a aviso prévio, tem natureza receptícia, a significar que é eficaz logo que é conhecida do destinatário, ainda que a efectivação dos seus efeitos seja diferida no tempo. Uma coisa é a eficácia da declaração e, realidade distinta, o momento em que se produzem os efeitos próprios do conteúdo da declaração. Ou seja, o diferimento, para momento posterior, da consumação dos seus efeitos, não impede a eficácia da declaração.
Por outro lado, afigura-se-nos, pela similitude, ser de chamar à colação o regime da denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, a que se reportam os arts. 447 º 449º do CT/2003. (arts 400ºa 402 do C.T./2009)
O trabalhador pode, a todo o tempo, denunciar o contrato de trabalho, devendo, porém, fazê-lo mediante comunicação ao empregador com a antecedência mínima (aviso prévio) prevista na lei, a qual, no caso do contrato de trabalho a termo com duração igual ou superior a seis meses, é de 30 dias (arts. 447º, nºs 1 e 3). E, por sua vez, o art. 449º, consagrando o designado direito ao arrependimento, permite que o trabalhador possa revogar essa denúncia “até ao 7º dia seguinte à data em que chega ao poder do empregador.” (nº 1).
Ou seja, a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, tal como a declaração da não renovação do contrato de trabalho pelo empregador, consubstanciam ambas um negócio jurídico unilateral (que não depende da aceitação da parte contrária), de natureza receptícia, e que estão sujeitas a aviso prévio. E, consagrando o art. 449º a possibilidade de revogação dessa denúncia no limitado prazo nele previsto, significa isso que a regra é a de que a declaração de denúncia, não obstante o diferimento da produção dos seus efeitos (para o termo do prazo do aviso prévio), é eficaz logo que chega ao conhecimento do destinatário. Se essa revogação, por se tratar de negócio jurídico unilateral, fosse possível a todo o tempo até ao termo do aviso prévio, mal se compreenderia, então, o art. 449º, nº 1, sendo certo que este preceito, pela sua ratio, foi introduzido não como uma limitação à possibilidade de revogação da denúncia, mas como um direito do trabalhador a essa revogação. Por isso é que tal possibilidade é habitualmente designada de “direito ao arrependimento”.
Na tese acima referenciada – de que a declaração negocial de não renovação do contrato de trabalho a termo certo poderia ser unilateralmente revogada pelo empregador enquanto não se verificassem os efeitos dessa declaração -, então ter-se-ia que concluir que também o trabalhador, até ao termo do aviso prévio, poderia revogar livremente a comunicação de denúncia do contrato de trabalho, o que não é o caso, face ao apertado limite temporal dessa denúncia prevista no art. 449º, nº 1.
Por outro lado, transpondo para o contrato de trabalho a termo o princípio da livre revogação, teríamos então que o empregador, tendo comunicado ao trabalhador a não renovação do contrato, poderia revogar essa comunicação até ao final do aviso prévio, mormente no prazo de 15 dias; mas o trabalhador, tendo comunicado a denúncia do contrato de trabalho com um aviso prévio de 30 dias (ou de 15 dias, no caso de contrato a termo inferior a 6 meses - cfr. art. 447º, nº 3, CT/2003) só o poderia fazer no prazo de 7 dias, disparidade esta que se nos afigura inaceitável ou incompreensível perante a harmonia e unidade do quadro legal.
Serve isto para ilustrar que, tanto no caso da denúncia do contrato de trabalho (a termo ou sem termo) pelo trabalhador, como no caso da comunicação da intenção da não renovação do contrato a termo, ambas sujeitas a aviso prévio e, por isso, com diferimento no tempo da produção dos efeitos da cessação do contrato e, ambas, consubstanciando negócio jurídico unilateral, esse diferimento não obsta à eficácia da declaração negocial. Ou seja, em ambas as situações a declaração negocial, chegada que seja ao conhecimento do destinatário, é eficaz, ainda que a consumação da cessação do contrato apenas venha a correr posteriormente, não podendo essa declaração ser unilateralmente revogada (com excepção da limitada revogação no caso da denúncia do contrato pelo trabalhador prevista ano art. 449º, que foi introduzida, como excepção à regra geral da irrevogabilidade da declaração, tendo em conta o interesse do trabalhador e propósito ou ratio subjacente a essa excepção).
Acresce referir que a falta de comunicação atempada da não renovação do contrato a termo determina a sua renovação automática, pelo que a comunicação de que o contrato não será renovado e cessará, por caducidade, na (suposta) data do seu termo equivale ou consubstancia, como é pacificamente entendido, um despedimento. Ora, uma vez comunicado o despedimento, ainda que com efeitos futuros, é essa comunicação eficaz, não podendo ser revogada.”
Ora, apesar de no domínio civil ser defensável a possibilidade de revogação da declaração negocial unilateral até à produção dos respectivos efeitos, a posição adoptada neste aresto, afigura-se-nos a mais correcta face aos princípios do nosso ordenamento jurídico laboral e cremos que até é reforçada pelo código actual que exclui a possibilidade de revogação da denúncia por parte do trabalhador se a assinatura da declaração de denúncia tiver sido presencialmente reconhecida (art.402º). Com efeito, perante um regime tão apertado para a revogação da denúncia do contrato pelo trabalhador seria de todo incongruente que ao empregador fosse permitido revogar livremente a declaração de não renovação do contrato até à data da produção dos seus efeitos.
Destarte, não assistindo à R. o direito a revogar unilateralmente a declaração de não renovação do contrato e sendo evidente face à matéria de facto que a A. não aceitou tal revogação, é forçoso concluir que a comunicação intempestiva da não renovação/cessação do contrato de trabalho efectuada pela R. não obstou à renovação do contrato por igual período e consubstanciou um despedimento ilícito da A., como têm decidindo os tribunais superiores de forma praticamente unânime.”
Seja como for, sobre a questão da revogabilidade ou não da declaração a Recorrente acaba afinal por se limitar a dizer que a convocação pelo Tribunal, como lugar paralelo, do chamado “direito ao arrependimento” ou poder de revogação unilateral por iniciativa do trabalhador que denunciou o contrato de trabalho, nos termos e condições previstos nos artigos 400º a 402º do CT, para evidenciar a excecionalidade da possibilidade de revogação unilateral de declarações recetícias é desnecessário por não estar em causa qualquer tentativa de revogabilidade.
No entanto, relembrando-se, como se provou, a verdade é que a Ré realizou afinal diligências concretas, após a Autora ter recebido a sua comunicação, no sentido de lhe transmitir a intenção de renovação do contrato.
Se assim foi, será então caso para perguntar qual foi afinal a sua intenção?
Daí que quanto a esse argumento nada mais importe acrescentar.
Apreciada já anteriormente a questão das regras de interpretação da lei a que a Recorrente faz apelo – artigo 9.º do CC –, em termos que temos por bastantes (assim, relembrando, que não se diz em momento algum que as normas em causa tenham sido interpretadas no sentido de que delas resulte que a declaração intempestiva da entidade patronal de não renovação do contrato seja considerada despedimento ilícito e sim, diversamente, dizendo-se apenas que tal declaração é ineficaz enquanto dirigida à cessação do contrato na data fixada para o seu termo, por apelo a tais normas), não faz na nossa ótica sentido, mais uma vez salvaguardando o devido respeito, fazer apelo a qualquer penalização do empregador (com aquilo que este procurou evitar, a renovação) ou benefício do trabalhador (permitindo-lhe a retratação ou arrependimento/revogação da denúncia), o mesmo se dizendo, acrescente-se, sobre o argumento avançado de que esteja apenas em causa a manutenção da relação laboral e a preservação do emprego, dando expressão ao princípio “favor laboris" e ao imperativo constitucional da segurança no emprego.
De facto, volta a repetir-se, do que se trata é de um problema de interpretação de uma declaração, com o conteúdo provado, resultando quaisquer consequências a afirmar precisamente do resultado de tal interpretação, não se vendo pois sustentação para a afirmação da Recorrente de que dizer-se que ocorreu um despedimento ilícito não seja mais do que “um ato criativo, uma originalidade, em face da solução legal prevista e contratualmente acertada pelas vontades das partes, manifestadas no contrato de trabalho”.
Por último, a respeito dos regimes invocados pela Recorrente para afastar a solução alcançada na sentença, assim o do contrato de arrendamento e mais especificadamente o regime relativo à caducidade e, ainda, o que resultará do Decreto-Lei nº 220/2006, de 03 de Novembro, há que ter presente que a legislação laboral comporta, pela sua especificidade, regras próprias, não passíveis sem mais de comparação com outros regimes. Assim o afirmamos não obstante reconhecermos que o disposto no artigo 10.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 220/2006 – ao considerar que “não há desemprego involuntário nos casos em que o trabalhador recuse, de forma injustificada, a continuação ao serviço no termo do contrato, se essa continuação lhe tiver sido proposta ou decorrer do incumprimento, pelo empregador, do prazo de aviso prévio de caducidade” – poder eventualmente ser entendido como apontando no sentido de que não se trate de despedimento ilícito o incumprimento, pelo empregador, do prazo de aviso prévio de caducidade. No entanto, importa ter presente que tal diploma, como resulta do seu artigo 1.º, estabelece apenas, “no âmbito do subsistema previdencial, o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, sem prejuízo do disposto em instrumento internacional aplicável”. Ou seja, por si só, não se assume como argumento decisivo para alterar o regime que resulta do CT e das regras da interpretação da declaração, chamadas à aplicação no caso, nos termos que referimos anteriormente.
Nos termos expostos, como se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça antes citado, com aplicação ao caso dada a similitude das questões que são levantadas, a Autora, “ante o analisado teor da comunicação do empregador, não tinha qualquer motivo, dever ou razão, juridicamente fundada, para se apresentar/manter no exercício das contratadas funções, após aquela data. Em suma: Aquela missiva/ declaração, não operando validamente a caducidade do contrato – com a sua inexorável renovação por igual período, no final do termo estipulado –,nem constituindo outra qualquer causa típica de cessação do vínculo, não pode deixar de consubstanciar/equivaler-se, por falta de cobertura da disciplina legal, a um despedimento ilícito, como justamente se ajuizou. (...)”
A mesma solução foi afirmada[14] no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2010[15], cujo sumário é o seguinte:
“I – De acordo com o disposto no artigo 384.º do Código do Trabalho de 2003, o contrato pode cessar por caducidade, revogação, resolução e denúncia, modalidades de cessação cuja licitude é objecto de rigorosa disciplina plasmada em normas de carácter imperativo (artigo 383.º, n.º 1).
II – O contrato sujeito a termo resolutivo, celebrado para durar por determinado período, caduca no termo do prazo estipulado, desde que o empregador ou o trabalhador comunique, respectivamente, 15 ou 8 dias antes de o prazo expirar, a vontade de o fazer cessar, sendo que a falta de declaração das partes importa a renovação do contrato por igual período, considerando-se como único contrato aquele que seja objecto de renovação (artigos 388.º, n.º 1 e 140.º, n.ºs 2 e 5).
III - Por virtude da renovação, operada no momento em que expira o prazo para o empregador eficazmente comunicar a intenção de pôr fim ao contrato, a data do termo final do contrato, originariamente convencionada, é substituída pela que resulta da renovação, deixando esta de relevar para efeito de determinar a duração do contrato e, consequentemente, da licitude ou ilicitude da cessação e suas consequências, posto que a relação jurídica deve ser encarada como um único contrato, e não como sucessão de contratos, autónomos entre si.
IV - É no momento em que se tem por adquirida a vontade tacitamente manifestada de não pôr fim ao contrato – coincidente com o termo do prazo estabelecido na lei para a comunicação de sentido oposto – que, para todos os efeitos, se considera modificada a cláusula acessória de termo.
V – Nestes termos, um contrato celebrado para durar até 14 de Abril de 2006 renova-se, passando a ter como termo final o dia 14 de Abril de 2007, se nenhuma das partes – designadamente a entidade empregadora – comunica à outra, oportunamente, a vontade de o fazer cessar.
VI – Não pode, em tal perspectiva, defender-se que, no momento em que o trabalhador recebe a carta da entidade empregadora veiculando o seu desígnio de pôr fim ao contrato, ainda se encontrava em vigor um contrato cujo termo ocorreria em 14 de Abril de 2006, pois a cláusula de termo havia sido alterada, em 30 de Março de 2006 (15.º dia anterior ao dia 14 de Abril) e a carta só foi recebida pelo trabalhador em 4 de Abril de 2006.
VII - Nesta situação, o facto gerador da prorrogação da vigência do contrato por mais um ano – o silêncio da entidade empregadora, subsistente para além do prazo legal, quanto à intenção de pôr fim ao contrato – situou-se e produziu os seus efeitos em momento anterior à comunicação da vontade de o fazer cessar, pelo que esta comunicação, face ao momento em que foi efectuada, não podia ter a virtualidade de impedir a produção daqueles efeitos, mas tão só de determinar a extinção do contrato, entretanto, renovado.
VIII – A declaração de vontade de fazer cessar o contrato, reportando os seus efeitos à data do termo originariamente aposto, comunicada ao trabalhador após a modificação da cláusula acessória do termo, traduz-se, assim, numa forma de cessação do contrato sem cobertura legal, equivalendo a um despedimento ilícito.(...)”

Nos termos expostos, não obtendo sustentação bastante os argumentos da Recorrente, não ocorre razão para não se acompanhar a sentença, improcedendo assim o recurso na sua totalidade.

Decaindo, a Recorrente é responsável pelas custas.
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IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Anexa-se sumário – artigo 663º, nº 7 do CPC, em conformidade com o constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2010.
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Porto, 21 de janeiro de 2019
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Assim, então a propósito da conclusão dos contratos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., Coimbra editora, 1988, pág. 441.
[2] In “A Parte Geral do Código Civil Português – A Parte Geral do Direito Civil”, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 449.
[3] Define o mesmo Autor, in op. loc. cit., pág. 446-447, as várias fases da declaração do seguinte modo: 1.º exteriorização, quando a declaração é formulada ou manifestada, exprimindo o declarante a sua vontade; 2.º a expedição, quando a declaração, depois de exteriorizada, é expedida pelo declarante (…); 3.º a recepção, quando a declaração chega ao poder do seu destinatário ou declaratário em termos que, normalmente, lhe permitem tomar conhecimento do seu conteúdo (entrada na esfera do poder do declaratário); 4.º o conhecimento, quando o destinatário ou declaratário toma, de facto, conhecimento da declaração que lhe foi dirigida.
[4] Segundo Heinrich Ewald Hörster, in op. loc. cit., “esta solução legal dá relevância jurídica, no sentido de originar a perfeição da declaração negocial, àquele pressuposto que se verifica primeiro, combinando esta teoria da recepção (… logo que chega ao poder) com a teoria do conhecimento (… logo que … é dele conhecida”). Por via de regra as declarações receptícias feitas por escrito ganham eficácia logo no momento da chegada ao poder, enquanto declarações verbais dirigidas a um presente necessitam sempre da tomada do conhecimento por parte do destinatário.”
[5] in op. loc. cit. pág. 449.
[6] Veja-se, entre outros, sobre o regime que se analisa, o Ac. STJ de 11 de fevereiro de 2015, Relator Conselheiro Gabriel, in www.dgsi.pt.
[7] No mesmo sentido Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., pág. 214, referindo designadamente: “... não se exige, por um lado, a prova do conhecimento por parte do destinatário; basta que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris et de jure. Mas, provado o conhecimento, não é necessário provar a recepção para a eficácia da declaração.”.
[8] Como refere Heinrich Hörster in op. loc. cit., pág. 446 - “o momento da eficácia tem relevância sob três aspectos: em primeiro lugar esclarece se uma declaração foi feita tempestivamente ou não; em segundo lugar, determina a parte que arca com o risco de uma transmissão errada da declaração ao separar, no decurso temporal, as esferas de poder do declarante e do declaratário para as declarações receptícias; em terceiro lugar, determina o momento a partir do qual o declarante fica vinculado à sua declaração, o que tem importância para a conclusão do contrato e a correspondente transferência de direitos reais e do risco do perecimento ou deterioração da coisa, ou para a data a partir da qual correm os prazos da sua anulação.”
[9] In op. loc. cit. pág. 215.
[10] Relator Conselheiro Fernandes da Silva, in www.dgsi.pt, mas com voto de vencido.
[11] Cfr. Ac. STJ citado.
[12] In op. loc. cit., pág. 446
[13] Dispõe o indicado artigo: “1. Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida. 2. Se, porém, ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retractação do proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem efeito.”
[14] Veja-se também o Ac. desta Secção de 8.11.2010, Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt.
[15] Relator Conselheiro Vasques Dinis, in www.dgsi.pt.