Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RODRIGUES PIRES | ||
Descritores: | RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE ESBULHO VIOLÊNCIA SOBRE A COISA | ||
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Nº do Documento: | RP201311121213/13.0TBVRL-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/12/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I- Para deferir a restituição provisória da posse, tanto monta que a violência, caracterizadora do esbulho, tenha sido exercida sobre pessoas como sobre coisas, mas neste segundo caso a violência só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, limitando a sua liberdade de determinação. II- Significa isto que se a acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, esta só poderá ser havida como violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana. III- A colocação de pedras no leito de uma servidão de passagem e o seu desnivelamento, se bem que tenham como objectivo impedir os requerentes de continuarem a utilizar o caminho que a constitui, não integram só por si o conceito de violência, uma vez que o desapossamento daquele caminho foi obtido através de uma acção que não incidiu sobre os requerentes, já que não se verificou directamente qualquer ofensa física à pessoa destes, nem se verificou, directa ou reflexamente, qualquer ofensa psicológica à sua liberdade de determinação. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1213/13.0 TBVRL-C.P1 Tribunal Judicial de Vila Real – 1º Juízo Apelação (em separado) Recorrentes: B….. e C….. Recorridos: D….. e E….. Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO D..... e E....., residentes no …., Recta de …, …, Vila Real, requereram procedimento cautelar de restituição provisória de posse, nos termos dos artigos 393º e segs. do Cód. do Proc. Civil contra B..... e C....., residentes no …., Recta de …, …., Vila Real. Alegam, em síntese, o seguinte: - que são possuidores do prédio rústico inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …. sob o artº. 267º; - que o acesso a este prédio é feito através de caminho, que se inicia na estrada alcatroada designada de «Recta de Guipilhares», com cerca de dois a três metros de largura, caminho esse existente no rústico dos requeridos, e a favor dos mesmos inscrito sob o art. 266º e dá acesso ao rústico dos requentes, a pé, com animais, com carro de bois, de tractor, com e sem alfaias, e com enfardadeira; - que ao mandarem colocar as pedras da forma como fizeram tapando o acesso, os requeridos esbulharam a posse que os requerentes têm do seu rústico, impedindo-os de ao mesmo acederem; - que o esbulho, porque contra a vontade expressa ou tácita dos requerentes, foi violento. Pretendem assim que os requeridos mantenham o acesso livre e desimpedido até sentença com trânsito em julgado na acção judicial que contra eles intentarão e que sejam condenados a retirarem de lá todas as pedras no prazo de 24 horas após a notificação a ser feita por oficial de justiça, à sua custa. Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelos requerentes, sem audiência prévia dos requeridos. Foi depois proferida decisão que julgou procedente o procedimento cautelar de restituição provisória de posse, nos termos do disposto nos artigos 393º e segs. do Cód. do Proc. Civil, e, em consequência, considerou indiciado: - que os requerentes são possuidores do rústico inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Mondrões, sob o artigo 267º; - que o acesso a este prédio é feito através de caminho que se inicia na estrada alcatroada designada de “Recta de Guipilhares”, com cerca de dois a três metros de largura, caminho esse existente no rústico dos requeridos e a favor dos mesmos inscrito sob o art. 266º e dá acesso ao rústico dos requerentes, a pé, com animais, com carro de bois, de tractor, com e sem alfaias e com enfardadeira; - que os requeridos mandaram colocar pedras tapando o acesso dos requerentes ao seu terreno, impedindo-os de ao mesmo acederem; - que tal ocorreu sem conhecimento e consentimento dos requerentes, sendo o esbulho violento. Mais se condenaram os requeridos a manter o acesso livre e desimpedido do referido caminho até sentença com trânsito em julgado na acção judicial e a retirarem de lá todas as pedras no prazo de 24 horas após a notificação a ser feita por oficial de justiça, à sua custa. Os requeridos, notificados desta decisão e com ela não se conformando, interpuseram recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1 – Por douta sentença de 11.7.2013, proferida nos autos supra referenciados, foi a presente providência cautelar julgada procedente, e, em consequência o Tribunal “a quo” ordenou aos requeridos que mantenham o acesso livre e desimpedido o caminho em causa, até sentença com trânsito em julgado da acção judicial, e retirarem de lá todas as pedras no prazo de 24 horas após notificação. 2 – A douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” debruça-se assim sobre duas questões essenciais: 1 – Da probabilidade séria da existência do direito invocado; 2 – Do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável. 3 - A providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova dos três requisitos indicados nos artigos 393º e 394º do C.P.C: a posse, o esbulho e a violência, pelo que os recorridos teriam de alegar e provar que estavam na posse da coisa ou direito de que se dizem esbulhados, o que não fizeram. 4 – O esbulho e a violência a considerar na providência cautelar em causa pressupõem que a pessoa contra a qual se praticam aqueles actos tenha a posse de determinada coisa, no caso "sub judice " a passagem sobre uma determinada faixa de terreno dos aqui recorrentes. 5 – Ora, analisada a matéria de facto que se deu como indiciada, resulta que dela não constam os pertinentes e necessários factos que consubstanciam a existência de posse por parte dos recorridos relativamente a uma faixa de terreno que alegavam utilizar para aceder ao seu prédio, mas o simples acesso não traduz, só por si, a existência de um direito. 6 – Efectivamente, dos factos indiciados apenas e tão só se depreende, ainda que com reservas, que os recorridos acediam ao seu terreno pela referida faixa de terreno, mas eles não articulam matéria de facto nem demonstraram uma conduta material consubstanciadora da posse e, depois disso, o esbulho violento dessa posse, não tendo os recorridos demonstrado, ainda que indiciariamente, que têm actuado de forma correspondente ao exercício do direito (art.º 1251º do C.C.), ou seja, que exercem um poder de facto com conteúdo idêntico ao dos titulares do direito, e com intenção de agir como beneficiários do mesmo direito (art.º 1253º do C.C.) 7 – No entanto, não ficou provado nem sequer indiciado que os recorridos, ao atravessar aquela faixa de terreno, o fizessem na convicção de exercerem um direito próprio, à vista de toda a gente, com o reconhecimento geral de todos e sem a oposição de ninguém, de forma pacífica e de boa fé, ou seja, não foram provados factos suficientes que integrem o "corpus " da posse e menos ainda no que concerne ao "animus " da posse quanto à referida faixa de terreno, sendo fundamental este elemento psicológico da posse, o qual não ficou provado, até porque nem sequer foi articulada, no requerimento inicial, matéria de facto que integrasse o «animus possidendi». 8 – Assim, falta desde logo a indiciação de um dos pressupostos que o artigo 394º do C. P.C. exige para que proceda a presente providência cautelar, ou seja, a posse, sendo certo que, faltando o requisito básico, sem o qual não faz sentido discutir o procedimento ou não dos outros dois, ou seja, o esbulho e a violência, conforme o artigo 394º do C.P.C., uma vez que não pode haver esbulho nem violência sobre qualquer coisa se não houver posse, pois esta é integrada por «corpus» e «animus», sendo certo que o Tribunal «a quo» não deu como provado que os recorridos agissem com «animus possidendi», ou seja, com a intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto (H. Mesquita, Direitos Reais, 1967, pág. 66-68). 9 – É que o esbulho a considerar na providência cautelar, de restituição provisória da posse é apenas aquele que resulta da violência ou ameaças contra as pessoas que defendem a posse (AC.RL, de 13/3/81: Col. Jur. 1981,20-172). 10 – Ainda que se entendesse que os recorridos são legítimos possuidores daquela faixa de terreno, o que não acontece no caso em apreço, não estaria também preenchido o outro requisito exigido pelo artigo 394º do C.P.C., ou seja, a violência. 11 – A violência exercida apenas contra as coisas não justifica o procedimento cautelar de restituição provisória da posse. 12 – A violência susceptível de caracterizar o esbulho, tendo em vista a restituição da posse, há-de significar sempre coação, física ou moral, recaindo por isso, forçosamente, sobre pessoas e não coisas, como decorre do disposto nos artigos 255º e 1261º do C. Civil e 393º do C.P.C. 13 – Ora, no caso "sub judice ", apenas ficou indiciado que os recorridos colocaram pedras na dita faixa de terreno, não tendo por isso havido qualquer tipo de violência, física ou moral, sobre a pessoa dos recorridos. 14 – Deste modo, não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 393º do C.P.C., pelo que o Tribunal "a quo " devia ter indeferido o pedido formulado pelos recorridos, em total cumprimento das disposições legais aplicáveis. 15 – O esbulho, seja violento ou não, pressupõe necessariamente que a pessoa visada tenha a posse da coisa que pretende que lhe seja restituída, sendo certo que dos factos indiciados não resulta que os recorridos tivessem a posse da faixa de terreno, uma vez que lhe falta, além do mais, o elemento do "animus ", caracterizador da posse. 16 – Teriam os recorridos de articular matéria de facto e de demonstrar uma conduta material consubstanciadora de uma posse e, depois disso, o esbulho violento dessa posse. 17 – Os requerentes teriam de demonstrar, ainda que indiciariamente, que têm actuado por forma correspondente ao exercício daquele direito (art. 1251° do CC), ou seja, que exercem um poder de facto com conteúdo idêntico ao dos titulares do direito, e com intenção de agir como beneficiários do mesmo direito (art. 1253° do C.C.), neste caso, o direito de servidão de passagem. 18 – A posse é integrada por dois elementos: o corpus (elemento material), que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício; e o animus (elemento psicológico), que consiste na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto (H. Mesquita, Direitos Reais, 1967, págs. 66-68). 19 – No caso “sub judice”, apenas ficou indiciariamente demonstrado que os requerentes acediam ao seu prédio através de uma faixa de terreno, mas ignora-se de todo a que título e em que circunstâncias o faziam e com que intenção o faziam. 20 – O simples acesso a um prédio através de uma faixa de terreno não pertencente ao dono daquele não traduz, só por si, a existência de um direito ou sequer é revelador da aparência de um direito. 21 – No presente caso, contrariamente ao decidido pelo tribunal “a quo”, não está indiciada a posse, por parte dos requerentes, de um qualquer direito de que hajam sido desapossados, pelo que devia ter sido indeferida a providência requerida. 22 – E, não provado o direito, ou, ao menos, a aparência do direito e a sua posse, desde logo falece um dos requisitos da providência em causa. 23 – Por outro lado, era mister que os requerentes, aqui apelados, provassem o requisito do «periculum in mora», ora, apenas demonstraram que, “ … sendo previsível uma diminuição, do número de fardos em relação aos anos passados». 24 – Os recorridos, aquando da interposição do procedimento cautelar em questão, não observaram todos os pressupostos legais para a sua procedência, os quais se encontram plasmados na lei adjectiva, nos artigos 381º a 427º do Código de Processo Civil, não tendo oferecido prova que pudesse consubstanciar o seu pedido. 25 – Entendem os recorrentes que mal rumou o Mmº Juiz, violando o disposto nos artigos 342.º Código Civil, 508.º, 381.º, 382.º, 383.º, 387.º, 392º, 393.º, 394º, 265.ºA e 199.º Código de Processo Civil. 26 – De facto, no caso em apreço, verifica-se, desde logo, que não ficou demonstrado o requisito do «periculum in mora», até porque são os próprios requeridos que afirma ter outro portão a cerca de quatro metros do portão verde, e que, no interior do seu prédio, rampearam o acesso para vencer o desnível de cerca de um metro, conforme resulta dos factos dados por provados nos números 11, 13, 15, 30 e 31. 27 – Não foi devidamente alegado, fundamentado e demonstrado que, efectivamente, existe o pressuposto do ”periculum in mora”, que é “conditio sine qua non” para a procedência da presente pretensão, nem o pressuposto existência de um direito, pois nem sequer foi articulado e provado o «animus possidendi» relativamente ao exercício do direito de servidão de passagem. 28 – Assim, militam a favor da pretensão dos recorrentes razões de direito e de facto, que conduziriam à improcedência da providência requerida, pelo que, salvo o devido respeito, não se conformam com a decisão de que ora recorrem. 29 – Com a decisão proferida, o Tribunal “a quo” cometeu erro na indagação dos factos e erro na apreciação da matéria de facto dada como provada, pelo que violou o disposto nos artigos 264º, 511º, 515º, 661º e 664º do Código de Processo Civil. 30 – Além disso, houve erro na interpretação dos factos dados por provados e contradição entre estes e a decisão final, em nítida violação do disposto no nº 2 do artigo 659º do C.P.C. 31 – Portanto, a douta sentença recorrida tem de ser substituída por outra que declare improcedente a providência cautelar requerida, dado que há nítida contradição entre a decisão proferida sobre a matéria de facto e a decisão final que adoptou a providência, pelo que a sentença violou o disposto nos artigos 381º, nº 1 e 2, 387º, nº 1, 393º e 394º, todos do Código de Processo Civil, e nos artigos 342.º Código Civil, 508.º, 392.º, 382.º, 383.º, 387.º, 393.º, 265.ºA, 199.º Código de Processo Civil, e seus basilares princípios. Os requerentes apresentaram contra-alegações nas quais se pronunciaram pela confirmação do decidido. Cumpre, então, apreciar e decidir. * FUNDAMENTAÇÃOO âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram. * A questão a decidir é a seguinte:Apurar se no presente caso estão reunidos os pressupostos de que depende o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória da posse. * OS FACTOSA 1ª Instância considerou provados os seguintes factos: 1) O requerente marido comprou os artigos rústicos, à época com o artº. 687, metade do artº. 688º e o artº. 689º, verba nº. 1, da Escritura Pública de Compra e Venda, outorgada que foi em 28/08/1980, no Cartório Notarial de Vila Real. 2) Com as louvações de 1988/1989, os três rústicos, foram inscritos na matriz sob um único artº. com o nº. 267º, (pelo que, doravante será tratado como um único prédio) registado a favor do requerente marido, prédio sito no lugar …., composto de cultura com 4 oliveiras, duas macieiras e vinha, com a área de 3.300 m2, com o valor patrimonial de €72,56, com as seguintes confrontações: do Norte: com B…. (ora requerido marido), do Sul e Nascente com Ribeiro e do Poente Habitação Própria, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob os nºs. 431/19910723. 3) O requerente marido quando comprou o rústico, há mais de trinta anos era viúvo e vivia emigrado em França, tendo casado com a requerente mulher há cerca de dez anos, altura em que voltou de vez para Portugal. 4) Ele há mais de trinta anos e também ela desde há dez anos trás, por si e por trabalhadores por si pagos, servem-se do seu rústico, acima melhor descrito, indo para lá e de lá voltando, de forma pública, pois à frente de toda a gente daquela região. 5) Nele fazendo obras, plantando árvores, hortícolas e frutícolas, plantando feno (penso do gado) para dar de comer a animais, os seus quando tinham e para vender hoje em dia, levando e trazendo as suas águas, que armazenam em um tanque que lá possuem, tudo de forma pacífica, pois nada nem ninguém nunca buliu, quer por actos, quer por palavras com aquele seu direito. 6) Só não pagando os impostos referentes ao imóvel, pois de tal pagamento estão dispensados. 7) O que sempre fizeram na boa fé de quem usa o que é seu. 8) O que fizeram desde que compraram o imóvel de forma continuada, quer os próprios, quer por pessoas por estes contratados para os serviços que houvessem de ser feitos. 9) Assim e em plena convicção, que é certeza, de possuírem o seu rústico por direito próprio que é o dos proprietários. 10) Exercendo os poderes que se manifestam pela actuação descrita supra, de forma: pública, pacífica, continuada, de boa fé, com convicção de exercerem o direito, neste caso de propriedade, pelo que e mesmo que não possuíssem um título, sempre teriam adquirido a posse do referido rústico por usucapião, posse essa também adquirida por usucapião que invocam de forma expressa, reclamando-o como seu. 11) Em dois dos supra referidos rústicos, antes da unificação provocada pela louvação de 1988/89, existiam e existem duas entradas, perfeitamente visíveis, dado que os rústicos, face ao relevo dos mesmos não estavam ao mesmo nível (altura), sendo um cerca de um metro mais alto que o outro; 12) Para aceder às entradas do referido rústico os requerentes têm de passar por um caminho, em terra batida, com cerca de dois a três metros de largura, caminho esse que faz parte de um rústico dos requeridos, inscrito na matriz sob artº. 266º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº. 1392/20011122 (ut Docs. nºs. 4), inicia-se junto à estrada em paralelos, conhecida como estrada da Recta de Guipilhares ou Recta de Mondrões, passa ao lado do rústico dos requerentes e segue para baixo. 13) Caminho esse com cerca de 160 metros desde o seu início, junto ao caminho em paralelo (estrada conhecida como Recta de Guipilhares ou Recta de Mondrões), até ao primeiro dos dois acessos dos requerentes, sendo que do outro distam de 380 cms a 400 cms; 14) Esse acesso já existia aquando da compra do prédio pelo requerente marido; 15) Que através desse caminho entrava indistintamente por um e por outro dos portões que davam e dão acesso ao seu rústico, consoante o serviço que nele fossem fazer e a que prédio o fossem fazer; 16) Para tanto, transitavam a pé, sozinhos ou acompanhados de trabalhadores por si contratados; 17) Com gado, quer suíno, quer ovino, quer caprino, quer bovino, dando-lhes diariamente de comer, beber, retirando o estrume, vacinando-os, apondo-lhes com veterinário as respectivas marcas, (brincos), etc…; 18) Também ao rústico acederam com carro de bois; 19) Nos últimos anos já com tractor e alfaias; 20) E até com enfardadeira, há vários anos; 21) Os requerentes sempre acederam ao seu rústico a qualquer dia do ano, de dia e à noite, sempre que se justificasse; 22) No prédio mais baixo, os requerentes têm plantado feno (penso), para os animais, terreno esse que é fresado num ano e lavrado no ano seguinte; 23) No de cima do rústico e a poucos metros do primeiro dos dois portões os requerentes têm uma loja, na qual, no rés-do-chão, estes acederam que uma amiga, a D. F…., acobertasse um vitelo; 24) Animal que há alguns dias está a ser alimentado com muita dificuldade; 25) O terreno rústico dos requerentes, confronta na sua estrema Poente com os requeridos, rústico esse sobre o qual está o caminho supra referido e que dá acesso ao rústico dos requerentes; 26) Há vários anos os requerentes construíram uma casa, onde ademais habitam, e que confronta com o seu rústico, sendo certo que não há, pela diferença de altura, relevo do terreno, forma de aceder ao rústico pelo urbano, nomeadamente com animais, carro de bois, tractores, enfardadeira, etc… 27) Já antes da construção desse urbano, o acesso ao rústico supra citado era feito pelo caminho que passa no rústico dos requeridos; 28) Também é impossível e/ou económica e praticamente impossível aceder e retirar quaisquer utilidades, vegetais ou animais directamente do rústico para o urbano dos requerentes; 29) Todas as utilidades e frutos do rústico eram lá postos e retirados pelo acesso de que do rústico, os requerentes, retiram indistintamente por qualquer dos dois portões; 30) Há mais de seis a sete anos, os requerentes trocaram o velho portão de madeira que dava acesso ao seu rústico da parte de cima (parte mais alta e próxima do início do caminho) por um portão em ferro, pintado com a cor verde, em frente à casa de arrumos onde está acobertado o vitelo supra citado. 31) A fim de fazer dessa a entrada principal, sem nunca abdicar da outra, os requerentes rampearam o acesso entre as duas partes do seu rústico dentro da sua propriedade, pois pela entrada de baixo não consegue aceder com a enfardadeira, não há largura. 32) Por cima da loja, onde se disse que actualmente está acobertado um vitelo, os requerentes aumentaram um andar em tijolo, com conhecimento dos requeridos, que até aceitaram que para aceder a tal parte os requerentes o fizessem através do seu rústico; 33) Tudo correu bem entre requerentes e requeridos até que, sem que os requerentes entendam qual a razão, os requeridos começaram a afirmar que os requerentes só poderiam aceder ao seu rústico nos meses de Maio e Setembro; 34) Afirmando que só poderiam plantar e colher feno (penso para os animais). 35) Para afirmarem esse seu «direito» usaram do expediente de notificarem judicialmente os requerentes, notificação essa que mereceu a designação de NJA nº. 104/13.0TBVRL do 2º. Juízo. 36) Como uma Notificação Judicial Avulsa não é sentença, não dá nem tira direitos, e sobretudo porque não corresponde à verdade, os requerentes, então requeridos, que são gente de bem, mas mais humildes que os ora requeridos economicamente falando, continuaram com a sua vida, sem nada dizer ou fazer que não fosse manterem a sua atitude de sempre passando pelo caminho que dá acesso apeado, carral, de tractor, etc… para o seu rústico; 37) No passado dia 3 de Junho, os requeridos, através de profissional que contrataram para tal efeito, munido de uma máquina giratória, colocaram uma pedra à entrada do terreno dos requerentes, a cerca de um metro do portão em ferro, pintado a verde, acima referido, dificultando o seu acesso, apeado e impossibilitando de todo o acesso com tractor, ou enfardadeira. 38) A referida pedra deverá pesar mais de meia tonelada. 39) Nessa mesma data arrasaram parte do caminho, criando um desnível entre o caminho e o acesso ao portão citado no artº. anterior, dificultando o acesso (que mesmo assim só seria possível se lá não estivesse pousada a pedra). 40) Junto ao acesso da supra referida Recta de Guipilhares (estrada pavimentada), mas já no seu rústico e início da servidão de passagem fizeram menção de tapar o caminho, não tendo chegado nesse dia, 3 de Junho de 2013 a fazê-lo. 41) Indignados com tal atitude e convictos de que tais atitudes lesavam os seus direitos, contactaram o advogado, ora subscritor deste procedimento cautelar, que foi ao local. 42) Depois de ver os sinais permanentes de passagem, aferir de que não havia outra forma possível de aceder ao terreno e dele retirar as utilidades normais e naturais, escreveu o advogado uma carta registada aos requeridos no sentido de lhes chamar à razão e a absterem-se de obstruir o caminho dos ora requerentes. 43) Como resposta, estes ainda puseram mais pedras, impossibilitando de todo que os requerentes acedam ao seu rústico. 44) É sabido por toda a gente daquela região que os requerentes têm direito de passagem para ao seu rústico através de servidão que aquele rústico tem sobre o rústico dos requeridos. 45) O feno lá existente e pertencente aos requerentes já está a ficar podre, arriscando-se os requerentes a não terem feno para o próximo inverno, feno que vendiam, pois já não têm gado, chegando a enfardar mais de 100 fardos, cujo preço ronda os €2,50 (dois euros e cinquenta cêntimos) por fardo, o que teriam esse ano, pelo que este ano terão um prejuízo de €250,00. 46) A atitude dos requeridos foi de uma violência inaudita, e magoam os requerentes que se vêem privados de ir ao seu rústico como sempre foram, são pessoas de idade e seguir pelo seu urbano para o rústico, com enxada, além de perigoso, é insuficiente para o desenvolvimento de qualquer actividade economicamente viável. 47) A má fé dos requeridos é tão grande, pois sabem que os requerentes têm uma servidão carral (confrontar artº. 5 da Notificação Judicial Avulsa no início e até «…mas apenas..»). 48) Contrariamente ao afirmado pelos ora requeridos, economicamente a passagem para o rústico através do seu urbano (dos requerentes) transforma aquele rústico num terreno encravado, pois como se vê pela foto tirada do portão de acesso ao rústico, para a casa dos requerentes (a Branca), que dista mais de 100 metros em escarpa, não há condições de acesso. 49) Ainda que assim não fosse, a servidão foi adquirida há mais de trinta anos, servidão essa adquirida por usucapião, o que desde já invocam. 50) Os requeridos se tivessem razão deveriam ter utilizado os meios legais, tentando obter sentença de extinção da servidão, e nunca a força bruta. 51) Os requerentes estão impedidos de acederem ao seu rústico como sempre o fizeram. 52) Privados de dele retirarem os seus frutos e de neles plantarem o que lhes aprouver. 53) Os requeridos actuam com a consciência que as suas condutas são ilegais, que causam prejuízos patrimoniais e morais aos requerentes. 54) Como consequência directa, necessária e imediata daquela actuação, os requerentes sofrem danos consideráveis, patrimoniais, morais e emocionais dos quais reclamam ser ressarcidos, pois trata-se de conduta dolosa e ilícita. 55) Não podendo tratar convenientemente da sua erva para o gado, que está a florescer com má formação, sendo previsível uma diminuição do número de fardos em relação aos anos passados. 56) Sem poderem aceder ao seu rústico e entrar no seu rústico como sempre fizeram os requerentes padecem de grande desgosto, tristeza, humilhação, amargura e sofrimento, além de verem a sua posse violada, não suportando o desgosto que tal situação lhes traz. * O DIREITO1. O art. 393º do Cód. do Proc. Civil de 1961[1] estatui que no caso de esbulho violento o possuidor pode pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência. Depois o art. 394º do mesmo diploma diz-nos que se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e dela foi esbulhado violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador (cfr. também art. 1279º do Cód. Civil). O procedimento cautelar de restituição provisória da posse depende pois da verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência. A posse, na definição constante do art. 1251º do Cód. Civil «é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.» Para que haja posse é necessária a existência do “corpus” e do “animus”, de tal forma que o possuidor, para poder adquirir por usucapião, terá que provar a verificação destes dois elementos. O “corpus”, na concepção de Ihering, é a relação entre a pessoa e a coisa, tal como é exigida pelo fim de utilização desta sob o ponto de vista económico[2]. Esta relação, contudo, não tem necessariamente de se traduzir por actos materiais; basta que se mantenha um estado de facto em que não surjam obstáculos a essa actuação. Pode assim dizer-se que enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito, de tal modo que este possa renovar a actuação material sobre ela, querendo, há “corpus”.[3] Já o “animus” surge como a intenção de agir como titular do direito a que o exercício do poder de facto se refere.[4] Para facilitar ao possuidor a prova do “animus”, a lei estabelece no art. 1252º, nº 2 do Cód. Civil, uma presunção: em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto. Ou seja, a existência do “corpus” faz presumir a existência do “animus”.[5] Sucede que a servidão é um direito real de gozo susceptível de posse (cfr. arts. 1543º e 1546º do Cód. Civil), podendo por essa razão, caso se verifique esbulho violento, ser defendido através da providência cautelar de restituição provisória de posse. Há esbulho sempre que alguém for privado do exercício de retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar. Pode ser parcial, verificando-se só em relação a uma parte do objecto, como quando alguém se apropria de um prédio rústico possuído por outrem, murando-o por exemplo.[6] Através do esbulho, o usurpador não permite que o possuidor actue sobre a coisa que até então possuía, dela ficando este desapossado e impedido de exercer toda e qualquer fruição. Mas para que o esbulho possa servir de fundamento ao pedido de restituição provisória de posse é ainda necessário que este seja violento. Ao contrário do que sucede em relação à definição de esbulho, que não consta da lei, a doutrina e a jurisprudência entendem que o conceito de violência que para aqui releva se mostra definido no nº 2 do art. 1261º do Cód. Civil, onde se estatui que se considera violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do art. 255º do mesmo diploma.[7] De acordo com este último preceito, a coacção moral, na hipótese de esbulho, ocorre quando o possuidor da coisa é forçado à sua privação pelo receio de um mal de que foi ilicitamente ameaçado, mal esse que tanto pode respeitar à sua pessoa como à sua honra ou fazenda ou de terceiro. A coacção moral é pois a conseguida mediante ameaça provocadora de inibição da capacidade de reacção do coagido, através de um processo psicológico obstrutivo, levando-o a deixar o campo livre à actuação do agente, por receio que algum mal lhe seja infligido, o qual poderá incidir sobre a pessoa, a honra ou a fazenda do próprio ou de terceiro.[8] A coação física, por seu turno, supõe a completa ausência de vontade por parte daquele a quem a posse foi usurpada.[9] É aquela em que através do recurso à força física, se anula e exclui totalmente a liberdade exterior do coacto, conduzindo à completa ausência de vontade do mesmo e colocando-o numa situação de impossibilidade material de agir.[10] Não suscita qualquer dúvida que o uso de violência sobre as pessoas, quer seja pelo uso da força física, quer seja através da coação moral, pelas formas da intimação e da ameaça, é relevante para, caracterizando o esbulho como violento, fundamentar o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse. As dúvidas podem-se colocar no tocante à violência sobre as coisas. Neste domínio, Orlando de Carvalho (in “Introdução à Posse”, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122º, págs. 292/3) escreveu que “a violência contra as coisas só é relevante se com ela se pretende intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor. Ou melhor, (…) a violência sobre as coisas que estorvam a privação apenas relevará para este fim quando o agente usou, pelo menos de dolo eventual, quando previu, como normal consequência da sua conduta, que iria constranger psicologicamente o possuidor e, todavia, não se absteve de a assumir, conformando-se com o resultado.” Deste modo, para deferir a restituição provisória da posse, tanto monta que a violência, caracterizadora do esbulho, tenha sido exercida sobre pessoas como sobre coisas, mas neste segundo caso a violência só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, limitando a sua liberdade de determinação, o que apenas se poderá verificar sobre as coisas que constituem obstáculo ao esbulho e não sobre a própria coisa objecto da posse.[11] Isto é, se a acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, esta só poderá ser havida como violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana.[12] Nesta linha, entendeu-se, por exemplo, que não configuram esbulho violento casos em que se procedeu à colocação de um portão num caminho, que impede o acesso a esse caminho e à servidão de passagem que por aí é exercida[13] ou a colocação de obstáculos no trajecto de uma servidão de passagem de modo a impedir o seu exercício.[14] Tal como se entendeu, inclusive, que a mudança da fechadura de um imóvel, mesmo com estroncamento da fechadura antiga, com a finalidade de impedir o possuidor de continuar a utilizar esse imóvel, só por si, não integra esbulho violento.[15] A forte compressão que a nossa doutrina e jurisprudência têm feito à utilização do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, numa interpretação restritiva dos preceitos que o prevêem, justifica-se pela diminuição das garantias de defesa do requerido, que não é chamado a defender-se e a contraditar os factos e as provas do requerente previamente à decisão e pela desnecessidade da existência de qualquer prejuízo do requerente. Daí que só deva ser permitido nos casos em que a violência, mesmo quando apenas incida directamente sobre coisas, atinja a pessoa do desapossado. E se tal não ocorre, a restituição provisória da posse não deve ser decretada. * 2. Regressando ao caso dos autos, há então que apurar se da factualidade dada como assente pela 1ª Instância é possível concluir pelo preenchimento dos pressupostos de que depende a restituição provisória da posse.Neste âmbito, há a referir que o Mmº Juiz “a quo” reproduziu praticamente na íntegra o que foi articulado, em sede de requerimento inicial, pelos requerentes D…. e E….., pelo que da matéria fáctica que deu como indiciada constam diversos conceitos de direito e juízos conclusivos, como sejam, por exemplo, de forma pública (nº 4), de forma pacífica (nº 5), de boa fé (nº 6), de forma continuada (nº 8), violência inaudita (nº 46), servidão adquirida por usucapião (nº 49). Trata-se de uma técnica que não podemos deixar de assinalar como incorrecta, uma vez que o Mmº Juiz “a quo” ao proceder à fixação da matéria de facto, mesmo dando como assente toda a que foi alegada pelos requerentes, deveria tê-la expurgado dos conceitos jurídicos e dos juízos conclusivos que surgem no requerimento inicial. Por isso, na apreciação que iremos fazer quanto ao recurso interposto pelos requeridos, muito embora estes nada tenham referido a esse propósito nas suas alegações, teremos naturalmente que nos ater ao que é facto, ignorando tudo o que o extravasa por ser de conteúdo jurídico ou conclusivo. Feitas estas considerações, de relevante para a decisão do presente recurso, constata-se estar sumariamente indiciado que os requeridos colocaram uma pedra à entrada do terreno dos requerentes, dificultando o acesso ao mesmo a pé e impossibilitando-o com tractor ou enfardadeira, acesso que se fazia através de um caminho, em terra batida, situado num prédio rústico dos requeridos, com cerca de dois a três metros de largura e cerca de 160 metros desde o seu início. Este caminho já existia aquando da compra do prédio pelo requerente marido ocorrida em 1980 e era por ele que os requerentes transitavam a pé, sozinhos ou acompanhados, com gado, com carro de bois, com tractor e alfaias, com enfardadeira, fazendo-o em qualquer dia do ano, de dia e de noite, sempre que tal se justificasse. Para além da colocação da pedra, os requeridos arrasaram parte do caminho, criando um desnível entre esse caminho e o acesso ao portão que os requerentes têm à entrada do seu prédio. E depois, após o envio de uma carta registada aos requeridos no sentido de se absterem de obstruir o caminho, estes ainda mais pedras aí colocaram, impossibilitando de todo os requerentes de acederem ao seu prédio rústico. Indiciariamente pode pois concluir-se que os requerentes tinham a posse de uma servidão de passagem através do caminho acima referenciado e que se encontra descrito nos nºs 12 e 13 da matéria de facto, posse de que foram esbulhados por meio da colocação de uma pedra que parece ser de grandes dimensões (refere-se na matéria de facto, de forma algo imprecisa, que deverá pesar mais de meia tonelada – nº 38) no leito da servidão e da criação de um desnível entre esse caminho e o acesso ao portão que têm a entrada do seu prédio. Os requerentes ficaram assim impossibilitados de acederem ao caminho aqui em causa, pelo que não há dúvidas de que foram esbulhados da servidão de passagem que exerciam sobre esse caminho. A questão coloca-se então em saber se esse esbulho foi ou não violento, sendo que só a violência permite o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse. Ora, atendendo a tudo o que atrás se escreveu em 1., teremos que considerar que a situação ocorrida nos presentes autos, que se reconduz à colocação de obstáculos no trajecto da servidão de passagem e ao desnivelamento do respectivo caminho, não é configurável como esbulho violento. É que estas condutas dos requeridos, se bem que tenham como objectivo impedir os requerentes de continuarem a utilizar o caminho, não integram só por si o conceito de violência, uma vez que o desapossamento daquele caminho foi obtido através de uma acção que não incidiu sobre os requerentes, já que não se verificou directamente qualquer ofensa física à pessoa destes, nem se verificou, directa ou reflexamente, qualquer ofensa psicológica à sua liberdade de determinação, colocando-os na impossibilidade material de agir, ou inibindo-lhes qualquer capacidade de reacção, por receio de algum mal. Como tal, não ocorrendo esbulho violento, é de concluir pelo não preenchimento “in casu” de todos os pressupostos de que depende o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, impondo-se assim a procedência do recurso interposto e a consequente revogação da decisão recorrida.[16] * 3. Quanto às demais questões que se mostram suscitadas nas alegações de recurso (inexistência de “periculum in mora”; contradição entre a matéria de facto dada como provada e a decisão final) mostram-se prejudicadas pela solução dada ao recurso em consonância com o explanado em 1. e 2. – cfr. art. 660º, nº 2 do Cód. do Proc. Civil de 1961.* Sintetizando:- Para deferir a restituição provisória da posse, tanto monta que a violência, caracterizadora do esbulho, tenha sido exercida sobre pessoas como sobre coisas, mas neste segundo caso a violência só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, limitando a sua liberdade de determinação. - Significa isto que se a acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, esta só poderá ser havida como violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana. - A colocação de pedras no leito de uma servidão de passagem e o seu desnivelamento, se bem que tenham como objectivo impedir os requerentes de continuarem a utilizar o caminho que a constitui, não integram só por si o conceito de violência, uma vez que o desapossamento daquele caminho foi obtido através de uma acção que não incidiu sobre os requerentes, já que não se verificou directamente qualquer ofensa física à pessoa destes, nem se verificou, directa ou reflexamente, qualquer ofensa psicológica à sua liberdade de determinação. * DECISÃONos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos requeridos B..... e esposa C..... e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que se substitui por outra que julga improcedente o procedimento cautelar de restituição provisória da posse intentado pelos requerentes D..... e E...... Custas a cargo dos requerentes. Porto, 12.11.2013 Eduardo Rodrigues Pires Márcia Portela M. Pinto dos Santos _______________________ [1] No Novo Cód. do Proc. Civil, ainda não aplicável ao presente caso por força do disposto no art. 7º, nº 2 da Lei nº 41/2013, de 26.6., a restituição provisória de posse encontra-se prevista em termos totalmente idênticos aos do anterior Código nos arts. 377º a 379º. [2] Cfr. Manuel Rodrigues, “A Posse – Estudo de Direito Civil Português”, 3ª ed., pág. 73. [3] Cfr. Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, Almedina, 1978, pág. 244. [4] Cfr. Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 246. [5] Cfr. Assento do STJ de 14.5.1996, in BMJ, nº 457, pág. 55. [6] Cfr. Manuel Rodrigues, ob. cit., pág. 363. [7] É a seguinte a redacção do art. 255º do Cód. Civil:«1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração. 2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro. 3. Não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial.» [8] Cfr. Ac. Rel. Porto de 30.10.2007, p. 0725016, disponível in www.dgsi.pt. [9] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 23. [10] Cfr. Ac. STJ de 6.12.1991, p. 080710 e Ac. Rel. Porto de 30.10.2007, p. 0725016, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [11] Neste sentido, cfr. Manuel Rodrigues, ob. cit., pág. 366, onde escreveu que “a violência (…) há-de exercer-se sobre as pessoas que defendem a posse, ou sobre as coisas que constituem obstáculo ao esbulho, e não sobre quaisquer outras.” [12] Cfr. Acs. Rel. Porto de 16.10.2006, p. 0655160 e 26.2.2008, p. 0820252, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [13] Cfr. Ac. Rel. Porto de 30.10.2007, p. 0725016, disponível in www.dgsi.pt. [14] Cfr. Ac. Rel. Porto de 21.12.2006, p. 0636585 e Ac. Rel. Coimbra de 3.10.2000, p. 1807/2000, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [15] Cfr. Ac. Rel. Porto de 16.10.2006, p. 0655160, disponível in www.dgsi.pt. Em sentido contrário, tendo entendido que a retirada das chaves da porta que dá acesso a um imóvel é suficiente para caracterizar uma situação de esbulho violento cfr. Ac. Rel. Porto de 2.3.2006, p. 0630368, disponível in www.dgsi.pt. [16] Assinala-se ainda que a circunstância de não estarem preenchidos os pressupostos da restituição provisória da posse não seria impeditiva dos requerentes lançarem mão do procedimento cautelar comum, de acordo com o disposto no art. 395º do Cód. do Proc. Civil de 1961, desde que a manutenção da situação ilícita lhes cause prejuízos graves e de difícil reparação – cfr. Ac. Rel. Porto de 21.12.2006, p. 0636585, disponível in www.dgsi.pt. |