Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
970/10.0GALSD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: JOGOS DE FORTUNA E AZAR
ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MÁQUINA DE JOGO
Nº do Documento: RP20140507970/10.0GALSD.P1
Data do Acordão: 05/07/2014
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: À luz da doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, porque nelas a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação; mas já o serão máquinas que possibilitam uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre os risco de se envolver emocionalmente, em que os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos; pois estas induzem comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos, que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr 970/10.0GALSD.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso da douta sentença do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada que o condenou, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, na pena de três meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa, e setenta dias de multa, à taxa diária de seis euros.

Da motivação do recurso constam, em síntese, as seguintes conclusões:
- não estão preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa relativamente à máquina em apreço;
- o jogo em causa não se confunde com os existentes nos casinos (em que “pensava” o legislador quando decidiu restringir à sua exploração), ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão elementar, a que acresce o facto de os valores despendidos como o mesmo serem de pouca relevância e não suscetíveis de lesar uma qualquer família ou património, sendo que um qualquer impulso e/ou vontade de utilização da máquina tem de ser sempre, necessariamente, renovado por cada utilização com a introdução de uma moeda;
- o jogo em causa não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna e azar, como seja uma qualquer roleta eletrónica, pois que, para além do valor “apostado” não influir por qualquer forma numa esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, ao contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino; tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas, ou mesmo um qualquer dobrar de apostas;
- a diferença entre o jogo ora em causa e o que foi objeto do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010 reside apenas no facto de o primeiro depender de impulso eletrónico e o segundo depender de impulso mecânico;
- o acórdão da Relação de Coimbra de 2 de fevereiro de 2002 (proferido no processo nº 21/08.5FDCBR.C2 e disponível em www.dgsi.pt), considerou que um jogo similar ao que está agora em apreço não constitui jogo de fortuna e azar à luz da doutrina do referido acórdão de fixação de jurisprudência;
- para se concluir pela qualificação de um jogo como de fortuna e azar, terão que se verificar os três pressupostos elencados na Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, como sejam, a dependência da sorte, o desenvolvimento dos temas próprios dos jogos de fortuna e azar e, bem assim, o pagamento feito diretamente em fichas ou moedas, na medida em que é esse o pagamento efetuado em “jogos de casino” (e sendo que, pelo menos, este pressuposto não se verifica no caso em apreço);
- apesar de exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna e azar constantes dessa Lei é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia;
- nem mesmo pelas Portarias atualmente em vigor, relativamente à regras de execução dos jogos de fortuna e azar, se pode concluir pela observância por parte do jogo em causa das características dos denominados jogos de casino:
- é inconstitucional a interpretação das normas contidas nos nºs 4º, 108º e 115º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, quando efetuada (como sucede no caso em apreço) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina eletrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de “prémios” a atribuir estejam já previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar;
- essa interpretação é inconstitucional por violação dos princípios da “liberdade individual”, da “proporcionalidade” e da “legalidade” (este na vertente de “nullum crimen sine lege certa”) – artigos 18º e 29º da Constituição;
- se assim não se entender, sempre se dirá que a pena aplicada é exagerada e desproporcionada, extravasando claramente a culpa do arguido e as próprias necessidades de prevenção, não tendo devidamente em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do recorrente;
-por contraposição com a pena de prisão aplicada, e de modo absolutamente injustificado, foi aplicada ao arguido pena de multa que se situa num patamar superior ao meio da pena abstratamente aplicável;
- está em causa a exploração de uma única máquina, que permitiu apenas apostas de valor reduzido e um limitado benefício para o recorrente;
- não foi devidamente valorado o facto de o recorrente não ter antecedentes criminais e, bem assim, o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática, por ele, de quaisquer factos semelhantes;
- a taxa diária da multa é excessiva, pois não foi apurada a situação financeira do recorrente e é do conhecimento geral que os rendimentos da exploração de um estabelecimento de “café” são diminutos;
- a douta sentença sob recurso violou os artigos 2º, 40º, 47º, nº 2, e 71º, nº 1 e 2, do Código Penal e os artigos 1º, 3º, 4º e 108º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, e ainda os artigos 18º, 29º e 32º da Constituição.

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

O arguido e recorrente apresentou resposta a esse parecer, reiterando a posição assumida na motivação do recurso

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se a exploração da máquina em apreço configura a prática do crime de exploração ilícita de jogo por que o arguido e recorrente foi condenado;
- saber se é inconstitucional a interpretação que considera que tal se verifica;
- saber se a pena em que o arguido foi condenado, e a respetiva taxa diária, são exageradas, face aos critérios legais.

III – É o seguinte o teor da fundamentação da douta sentença recorrida:
«(…)
II – FUNDAMENTAÇÃO:

1. Factos Provados:
Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
1. O arguido B... explora o estabelecimento denominado «C...», sito na Rua ..., n.º .., ..., Lousada, desde data não concretamente apurada, mas anterior a 21 de Novembro de 2010.
2. Ora, em data não concretamente apurada, mas sempre anterior a 21 de Novembro de 2010, o arguido B... colocou no referido estabelecimento comercial duas máquinas de jogo, com a perspectiva de daí retirar proventos económicos.
3. Assim, no dia 21 de Novembro de 2010, pelas 21h15, o referido estabelecimento encontrava-se aberto ao público, em pleno funcionamento, sendo que o arguido D... detinha no interior de tal estabelecimento comercial, num espaço acessível aos clientes, as referidas máquinas com vista à prática de jogo.
4. A primeira das máquinas, encontrava-se exposta em cima do balcão, por forma a ser utilizada por quem o pretendesse, a qual corresponde a uma máquina com a designação “GRAND PRIX”, sem qualquer referência exterior quanto à origem, fabricante, número de fabrico ou série, correspondendo a um móvel tipo portátil e estrutura em madeira prensada, apresentando várias cores no vidro acrílico que se encontra na parte frontal.
5. No canto superior esquerdo é possível visualizar a designação da máquina “GRAND PRIX” e na parte lateral direita encontramos o mecanismo de introdução de moedas de €0,50, €1,00 e €2,00 e, bem assim, um botão de cor encarnada.
6. Ao centro do aludido painel situa-se um mostrador em forma de uma pista de corridas dividido em oito pontos, os quais são identificados por um sinal de proibição seguido pelos números 1, 100, 200, 50, 5, 10, 2 e 20.
7. O mostrador em forma de uma pista de corridas é constituído por vários led’s (pequenas lâmpadas) equidistantes, que após a introdução de 50 cêntimos (mínimo para se poder dar início à jogada) se iluminam sequencialmente, executando, no mesmo sentido, um movimento que percorre toda a pista. Tal como descrição feita anteriormente, este mostrador apresenta oito led’ 5 identificados, e os restantes não têm qualquer identificação.
8. Ao centro do mostrador existe uma janela digital através da qual são visualizados os pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas e, no lado direito, encontra-se uma nova janela digital, que nos informa dos créditos existentes, provenientes de introdução de moedas. Cada 50 cêntimos proporcionam 50 créditos.
9. Quando, no final do movimento que percorre a pista de corridas, um dos led’s identificados ficar iluminado, todo o mostrador se ilumina, dando indicação ao jogador que tem uma jogada premiada.
10. Na parte lateral esquerda da máquina, encontram-se dois pontos metálicos, que permitem ter o reset aos pontos provenientes de eventuais jogadas premiadas e no lado direito surge um novo botão com a mesma função.
11. Na parte lateral direita da máquina, encontra-se um botão encarnado, que permite ao jogador utilizar os pontos acumulados. Por um ponto ganho, o jogador terá direito a mais duas jogadas, ou seja, em cada jogada aposta-se €0,50.
12. Na base da máquina podem-se visualizar seis carros de corridas para brincar, também eles identificados com números de 5 a 200.
13. Após a introdução de uma moeda, automaticamente os led’s de que é constituído o mostrador, iluminam-se sequencialmente, executando, no mesmo sentido, um movimento giratório. Esse movimento termina, no momento em que apenas um dos led’ s fica iluminado. Nesta altura duas situações podem acontecer: 1) o led iluminado corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200, estes são creditados e visualizados através da janela digital identificada; 2) o led iluminado, não se encontra identificado por qualquer número, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo nova moeda.
14. Os pontos são posteriormente convertidos em dinheiro, à razão de €1,00 por cada ponto.
15. O objectivo deste jogo é o de conseguir que no final de cada jogada, o led iluminado, corresponda a um que se encontram identificados, dando por isso direito a prémio, sendo que o resultado depende em tudo da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador, dado que a única intervenção deste se resume à introdução de uma moeda no respectivo mecanismo da máquina.
16. Na mesma ocasião, no interior daquele estabelecimento, encontrava-se também exposto ao público, em cima da máquina de tabaco, apto a ser usado por quem o pretendesse, um jogo, constituído por uma máquina extractora, um cartaz com o nome “GRANDES CATÁSTROFES” acondicionando um número indeterminado de cápsulas de plástico, um bloco com vales de desconto e uma moldura.
17. A máquina extractora é constituída por uma parte superior em acrílico transparente, onde se encontram as cápsulas de plástico, e uma parte inferior, também em acrílico com a encarnada e verde. 18. Na parte inferior frontal, a máquina apresenta ainda um dispositivo mecânico, para introdução de moedas e um manípulo rotativo que, após a introdução da moeda, provoca a saída de uma das cápsulas de plástico. Apresenta ainda, na parte lateral esquerda, um tubo também em acrílico transparente e por cima deste a inscrição “Série ...”.
19. Colado, na parte superior da máquina, autocolante com várias informações relativamente ao jogo em questão.
20. As cápsulas, são feitas de plástico transparente constituídas por duas partes, no seu interior encontram-se três senhas.
21. O Cartaz tem como título “GRANDES CATÁSTROFES”, na parte superior e ao centro do cartaz podem ler-se frases, a exemplo, “FAZ A TUA COLEÇÃO DE FICHAS DAS GRANDES CATÁSTROFES E DAS GRAVURAS EM PRATA LAMINADA DOS ANIMAIS EM VIAS DE EXTINÇÃO” e no lado esquerdo e direito, e, bem assim, na parte inferior do cartaz, visualiza-se o plano de prémios a atribuir e no final do cartaz o número de série “...”: 1 vale de desconto de 60 euros; 2 vales de desconto de 50 euros; 5 vales de desconto de 25 euros; 5 vales de desconto de 20 euros; 7 vales de desconto de 10 euros e 30 vales de desconto €5 euros.
22. Ao centro do cartaz existem cinquenta losangos cujos contornos se encontram picotados, no interior de cada um deles, encontra-se um número de 3 dígitos e após retirado o picotado surge um segundo número que corresponde ao prémio a atribuir.
23. Do cartaz de prémios saíram 33 losangos, retirados estes pelo picotado, ou sejam, foram atribuídos: dois prémios no valor de €50,00 cinco prémios no valor de €25,00, dois prémios no valor de €20,00, cinco prémios no valor de €10,00 e dezanove prémios no valor de €5,00.
24. O bloco é constituído por, um vale no valor de €60, dois vales no valor de €50, cinco vales no valor de €25, quatro vales no valor de €20, cinco vales no valor de €10 e dezoito vales, no valor de €5,00.
25. Este jogo funciona da seguinte forma: O jogador introduz uma moeda aceite pela máquina extractora, em seguida roda o manípulo até ao ponto de bloqueamento, accionando desta forma o mecanismo existente na máquina de modo que a mesma extraia a cápsula. O interior de cada cápsula aloja três senhas, contendo a inscrição do número de série, ... e um número com quatro dígitos ou uma figura com uma inscrição alusiva a uma grande catástrofe da história.
26. Abertas as senhas, temos três resultados possíveis: -a senha contém, apenas uma figura e uma inscrição alusiva a uma grande catástrofe, pelo que o jogador não tem direito a prémio; -o número da senha não coincide com qualquer um dos números do cartaz de prémios e o jogador não tem direito ao prémio; -o número da senha coincide com um dos números do cartaz, seguidamente retira-se o losango pelo picotado, ficando a descoberto um outro número, que irá corresponder ao prémio monetário ganho pele jogador, este prémio pode ir de um valor mínimo de vales de 5 euros a um valor máximo de vales de 60 euros.
27. Com efeito, o concurso n.º 133/2009, aprovado pelo Governo Civil de LX, cuja referência é feita no cartaz com o nome “Grandes Catástrofes”, já havia sido suspenso em 01 de Outubro de 2009.
28. Analisando o plano de prémios, este corresponde a 1 prémio de 60 euros, 2 prémios de 50 euros; 5 prémios de 25 euros; 5 prémios de 20 euros; 7 prémios de 10 euros e 30 prémios de 5 euros, cujos vales de desconto não são para serem entregues ao jogador.
29. O objectivo do jogo em causa é o do jogador apostar dinheiro, na esperança aleatória de ganhar um prémio maior em dinheiro, sendo o resultado contigente e dependente única e exclusivamente da sorte, dado que, a intervenção do jogador se limita à introdução de uma moeda no mecanismo para o efeito e, posterior confrontação do número que desta consta, com os números presentes no cartaz de prémios, em nada interferindo a perícia do mesmo.
30. Apesar de ter conhecimento das características destes jogos, o arguido colocou-os no referido estabelecimento comercial, expondo-os para uso de qualquer cliente que o pretendesse.
32. O arguido bem sabia que a exposição e exploração dos jogos com as características descritas só pode ser efectuada mediante autorização da entidade competente, estando a sua exploração limitada a zonas de jogo devidamente autorizadas.
32. O arguido não possuía qualquer autorização para o efeito, tendo agido de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei.
33. O arguido é comerciante do ramo da restauração.
34. O arguido não tem antecedentes criminais.

2. Factos Não Provados:
Inexistem.

III – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente os documentos de fls. 5, 6, 29 a 32, 36 a 46, 52 a 54, 125 a 130.
Mas foram também relevantes os depoimentos das testemunhas:
- E... e F..., a qual prestou um depoimento sincero e isento, e soube esclarecer que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação fiscalizou o estabelecimento comercial do arguido, no qual foram detectadas as máquinas em apreço em funcionamento.
Arrombaram o cofre da máquina e verificaram que tinha €33,00.
O arguido estava dentro do balcão a servir clientes e foi identificado pelo cartão de cidadão.
Conjugando a prova testemunhal com a pericial e documental, constata-se que efectivamente o arguido tinha em funcionamento a máquina em causa no seu estabelecimento comercial, tendo sido fiscalizado em flagrante delito.
O arguido é que estava dentro do balcão, apresentou-se como explorador do estabelecimento e dos documentos de fls. 130, resulta que é comerciante do ramo pastelaria e casa de chá, pelo que de acordo com juízos de experiencia comum e do normal acontecer, não temos dúvidas que o arguido explorava o aludido estabelecimento, o que resulta, ainda, de fls. 29 a 32.
E aqui chegados, diremos que, no caso, o conhecimento de que a exploração daquele jogo só é permitida em casinos ou em locais devidamente autorizados não é essencial à valoração jurídica da conduta do agente ou, dito de outro modo, a proibição da exploração daquele jogo fora de tais locais não é constitutiva do substracto do juízo de ilicitude criminal.
Quanto à inexistência de antecedentes criminais, relevou o certificado de registo criminal junto aos autos, e as condições pessoais levou em consideração os documentos juntos aos autos.
***
IV – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:

Dispõe o artigo 108º, nº 1, do DL 422/89, de 2/12, com as alterações introduzidas pelo DL 10/95, de 19/1 l que “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com pena de prisão até 2 anos e com pena de multa até 200 dias.”
Dispõe ainda o artigo 1º, do referido diploma que “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contigente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
E, conforme ressalta do preceituado no seu artigo 3º nº 1, a exploração e prática de tais jogos só é permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo permanente ou temporário ou, fora deles, nas situações excepcionais previstas nos artigos 6º a 8º, do citado diploma legal.
Temos, assim que são elementos constitutivos do crime de exploração de jogo ilícito:
a) a exploração de jogo de fortuna ou azar, ou seja, de jogo cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte;
b) que essa exploração seja feita fora dos locais a isso destinados legalmente;
c) a consciência por parte do agente de que tal tipo de jogo é de fortuna ou azar e que tal lhe é vedado por lei.
Por outro lado, e irrelevante que o arguido obtenha, efectivamente, qualquer ganho económico, pois basta que a máquina esteja exposta em local acessível aos clientes e apta para funcionar.
No caso em apreço, tendo presentes as características do jogo, supra descritas, é manifesto que estamos em presença de uma máquina que integra um jogo dependente exclusivamente da sorte do jogador. Isto é, o jogador em nada pode influenciar o jogo o qual é, assim, completamente independente da perícia daquele, inserindo-se na categoria de jogos de fortuna e azar previstos na alínea g), do nº 1, do artigo 4º, do referido diploma, máquina essa que embora não pague directamente prémios em dinheiro ou fichas, apresenta como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, onde a perícia do jogador não tem qualquer intervenção.
Por outro lado, assente está também que o local onde a máquina estava exposta é um estabelecimento de café e não um casino, pelo que não é um dos locais onde é permitida a exploração daquele jogo “Grand Prix”.
Como se explana no douto Ac. TRP nº324/10.9GEGDM.P1 de 19-10-2011, in www.dgsi.pt “I- À luz da doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, porque nelas a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação.
II- Já o serão, porém - na justa medida em que induzem comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos, que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater -, as máquinas que possibilitam uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente, em que os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos.”
“Vejamos se, usando estes critérios, a máquina a que é relativo o presente desenvolve um jogo que deve ser considerado de fortuna ou azar, ou não.
Quanto à subsunção no citado artigo 4º do Decreto-Lei nº 422/89, poderíamos considerar que se trata do jogo da roleta habitualmente jogado nos casinos e referido na alínea a) do nº 1 desse artigo. No entanto, e como refere a recorrente, não estarão preenchidas todas as características deste jogo, tal como vêem definidas exaustivamente na Portaria nº 217/2007, de 26 de Fevereiro.
Mas na alínea g) desse nº 1 estão previstos as máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna e azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. Parece claro que a máquina em apreço apresenta como resultado pontuações (não os prémios isolados proporcionados pelos sorteios, rifas e tômbolas) que dependem exclusivamente da sorte. Está, assim, preenchida a previsão da última parte da alínea g) do nº 1 do citado artigo 4º, que define os tipos de jogos de fortuna ou azar.
Por outro lado, e no que se refere à ratio da criminalização da exploração do jogo, não pode dizer-se em relação ao jogo em apreço nestes autos, como pode dizer-se da máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas a que ser reporta o acórdão nº 4/2010, que «a expectativa é limitada ou predefinida», ou «o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação». Pelo contrário, dela pode dizer-se, como pode dizer-se dos jogos de casino, que possibilitam «uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre os risco de se envolver emocionalmente». Os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos. Neste aspecto, os efeitos do uso da máquina em apreço nestes autos podem ser substancialmente equiparados aos do jogo da roleta dos casinos, independentemente das diferenças de características entre ambos. A indução de comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos representa um malefício que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater e, porque tal risco se verifica no uso da máquina em questão, justifica-se a criminalização da sua exploração ilícita.”
Há, pois, que concluir, deste modo, que se encontram preenchidos os elementos objectivos do tipo de ilícito em causa, encontrando-se igualmente preenchidos os elementos subjectivos desse mesmo tipo no que tange ao arguido, já que este actuou livre e conscientemente, bem sabendo que não podia explorar o jogo “Grand Prix”, dado que para tal não estava autorizado, sabendo que tal conduta era ilegal e punível.
*
Já no que respeita à máquina denominada “Grandes Catástrofes”, ora, como se refere no Ac STJ (Fixação de jurisprudência), nº 08P2485, de 04/02/2010, in www.dgsi.pt, "Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos arts. 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público."
Assim, por falta do elemento típico do crime em apreço, não configura a matéria descrita a prática de qualquer crime.
*
Da escolha e medida da Pena:

Importa agora determinar a natureza e a medida da pena a aplicar à conduta do arguido.
O crime praticado pelo arguido é punível com pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias.
A medida da necessidade da tutela de bens jurídicos terá que ser encontrada em concreto, segundo as circunstâncias do caso em análise e não em abstracto, já que o carácter abstracto dessa necessidade foi previamente definido pelo legislador penal ao determinar a moldura penal abstracta aplicável.
Em conformidade com o disposto no artigo 71º nº 2 do Código Penal, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, exemplificando aquele normativo alguns factores concretos que relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.
No presente caso, é de realçar o seguinte:
- o dolo reveste a sua modalidade mais grave - dolo directo;
- a ilicitude é mediana.
- o arguido não tem antecedentes criminais.
As exigências de prevenção geral são elevadas, tendo em conta que a prática deste tipo de crime tem aumentado substancialmente e porque, como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/12/2004, publicado www.dgsi.pt, “o jogo constitui um perigo social de apreciável relevo, especialmente em estabelecimento frequentado por jovens», sendo certo que esse perigo justifica a criação e manutenção de zonas próprias para a exploração do jogo, com regras apertadas relativamente, por exemplo, ao ingresso nas mesmas de menores.
As necessidades de prevenção especial não são prementes atento o facto do arguido mostrar-se profissionalmente inserido, e os antecedentes criminais revelarem condutas ocasionais.
Tudo ponderado, entende o tribunal, por ser adequada e justa face às circunstâncias supra descritas, aplicar uma pena de 3 (meses de prisão) e 70 (setenta) dias de multa).
Não entendendo o tribunal que a execução da pena de prisão aplicada se revela absolutamente necessária para prevenir o cometimento de futuros crimes, substitui-se a pena de prisão por igual número de dias de multa, isto é, 90 dias multa, nos termos do artigo 44º nº 1 do Código Penal.
Dispõe o artigo 6º nº 1 do DL 48/95, de 15 de Março que “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.”
Assim sendo, a pena a aplicar ao arguido deverá ser de 160 (cento e sessenta) dias de multa.
Considerando a factualidade apurada sobre a situação económica, entende-se adequado fixar o montante diário da multa em € 6,00 – artigo 47º nº 2 do Código Penal.
(...)»

IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que não estão preenchidos, face à matéria de facto considerada provada na douta sentença recorrida, os elementos constitutivos do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro.
Alega o arguido e recorrente que a máquina em apreço é equiparável à que deu origem ao acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010; que não é equiparável a qualquer máquina de casino, designadamente de roleta; que se trata de um jogo rudimentar que não dá origem a qualquer viciação; e que os valores despendidos no mesmo são de pouca relevância e não suscetíveis de lesar uma qualquer família ou património. Alega ainda o arguido e recorrente que para se concluir pela qualificação de um jogo como de fortuna e azar, terão que se verificar os três pressupostos elencados na Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, como sejam, a dependência da sorte, o desenvolvimento dos temas próprios dos jogos de fortuna e azar e, bem assim, o pagamento feito diretamente em fichas ou moedas, na medida em que é esse o pagamento efetuado em “jogos de casino” (e sendo que, pelo menos, este pressuposto não se verifica no caso em apreço). Invoca o princípio da legalidade, na vertente de “nulum crimem sine lege certa“. E alega que será inconstitucional, por violação dos princípios da “liberdade individual”, da “proporcionalidade” e da “legalidade”, a interpretação das normas contidas nos nºs 4º, 108º e 115º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, quando efetuada (como sucederá no caso em apreço) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina eletrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de “prémios” a atribuir estejam já previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar.
Vejamos.
Há afastar, desde já., alguma desta argumentação usada pelo arguido e recorrente.
Não é decisivo que o jogo em questão envolva o dispêndio de quantias não elevadas de dinheiro. A qualificação do jogo como de fortuna e azar não depende da maior ou menor dimensão das quantias monetárias que envolve Essa dimensão é relevante apenas para aferir o grau de ilicitude da exploração desse jogo e de gravidade das consequências dessa exploração (ou do perigo respetivo), circunstâncias que influirão na determinação da medida concreta da pena, não na qualificação jurídica da conduta como crime.
Não é apenas a exploração de alguns tipos de máquinas utilizadas habitualmente nos casinos (como as de “roleta” ou outras determinadas) que configura a prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro. Não é, pois, o facto de o funcionamento da máquina ora em apreço ser diferente das dos jogos de “roleta” que afasta essa qualificação.
Considerou a douta sentença em apreço que estamos perante uma máquina de jogo de fortuna e azar, tal como este é definido nos artigos 1º e 4º, nº 1, g) deste Decreto-Lei nº 422/89.
Estatui esse artigo 1º que são jogos de fortuna e azar «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte». O artigo 4º define os tipos de jogos de fortuna e azar, autorizados apenas nos casinos, constando dessa lista os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte (alínea g) do nº 1).
Decisivo é, pois, saber se está preenchida a previsão destes artigos.
De modo algum resulta da Lei em apreço, ao contrário do que alega o arguido e recorrente, que é pressuposto necessário da qualificação como máquina de jogo de fortuna e azar que esta envolva o pagamento feito diretamente em fichas ou moedas, por ser esse o pagamento efetuado em “jogos de casino”. Essa é apenas uma das várias modalidades de jogo de fortuna e azar elencada no referido artigo 4º (na alínea f) do seu nº 1), sendo outra a que vem elencada na citada alínea g) desse número e que está agora em apreço: jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Alega o arguido e recorrente que a máquina em apreço é equiparável à que foi objeto do processo que deu origem ao acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010.
Este acórdão fixa jurisprudência no seguintes termos:
«Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público».
Há, então, que apurar se os fundamentos em que se baseia esse acórdão para a jurisprudência em causa levarão, em coerência e por identidade de razão, a que se conclua que também a máquina a que se reporta o presente processo deva ser incluída não entre os jogos de fortuna e azar, mas entre as modalidades a eles afins (reguladas nos artigos 159º e seguintes do mesmo diploma).
Estatui o nº 1 deste artigo 159º que modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico. Nelas se incluem, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos (nº 2 do mesmo artigo).
Impõe-se, assim, uma breve análise do referido acórdão nº 4/2010.
A questão por este dirimida, e que dividia até então a jurisprudência, diz respeito a máquinas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas e atribuem prémios com valor económico de acordo com resultados que dependem exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
De acordo com a definição ampla do artigo 1º atrás citado, poderia pensar-se que essas máquinas configuram um jogo de fortuna ou azar pelo facto de os seus resultados dependerem da sorte.
Não é, no entanto, esse o entendimento perfilhado pelo acórdão nº 4/2010. Na sua fundamentação afirma-se a dado passo:
«Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão fundamento.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
Os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do artigo 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto–Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do artigo 1.º do Decreto -Lei n.º 21/85, também de 17 de Janeiro.
Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (cf. supra n.os 6.1 e 6.2), se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas. Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no artigo 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.
É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo artigo 161.º, n.º 3, do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão fundamento.»
E a razão para seguir tal entendimento é a seguinte:
«Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.
Acresce que a tutela penal adscrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu (cf. supra n.º 7.1.1), em valores de relevante ressonância ético -social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrolo pode acarretar.
Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente.»
Há assim, duas razões para optar pelo entendimento seguido pelo acórdão.
Uma relativa ao princípio da legalidade e à rigidez da definição do tipo penal em causa. Essa definição não se basta com a noção genérica do citado artigo 1º, há que a completar com o elenco que consta do artigo 4º. Não basta que o resultado do jogo dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte. É necessário que se esteja perante um dos tipos de jogo elencados no artigo 4º, o que não se verifica com as máquinas em questão no acórdão.
Uma outra razão na base do entendimento perfilhado pelo acórdão é de ordem teleológica, relativa à ratio da incriminação e aos princípios da dignidade penal da carência de pena e da máxima restrição penal. A criminalização da exploração de uma máquina de jogo há-de justificar-se à luz de prementes necessidades de protecção de bens jurídicos de particular relevo social. Tal não se verifica, de acordo com o acórdão em relação a máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas. Nestas o risco assume pouco significado, pois a «expectativa é limitada ou predefinida», o «impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação», ao contrário do que sucede com os jogos de casino, os quais possibilitam «uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre os risco de se envolver emocionalmente»
Vejamos se, usando estes critérios, a máquina a que é relativo o presente desenvolve um jogo que deve ser considerado de fortuna ou azar, ou não.
Na já citada alínea g) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 422/89 estão previstos as máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna e azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Parece claro, como já foi salientado na douta sentença recorrida, que a máquina ora em apreço apresenta como resultado pontuações (não os prémios isolados proporcionados pelos sorteios, rifas e tômbolas) que dependem exclusivamente da sorte.
Está, assim, preenchida a previsão da última parte da alínea g) do nº 1 do citado artigo 4º, que define os tipos de jogos de fortuna ou azar.
Por outro lado, e no que se refere à ratio da criminalização da exploração do jogo, não pode dizer-se em relação ao jogo em apreço nestes autos, como pode dizer-se da máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas a que ser reporta o acórdão nº 4/2010, que «a expectativa é limitada ou predefinida», ou «o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação». Pelo contrário, dela pode dizer-se, como pode dizer-se dos jogos de casino, que possibilitam «uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre os risco de se envolver emocionalmente». Os pontos adquiridos podem ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à cumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos. Sempre com o risco de numa jogada ulterior serem perdidos de uma só vez todos os pontos sucessivamente acumulados. Neste aspecto, os efeitos do uso da máquina em apreço nestes autos podem ser substancialmente equiparados aos do jogo da roleta dos casinos, independentemente das diferenças de características entre ambos. A indução de comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos representa um malefício que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater e, porque tal risco se verifica no uso da máquina em questão, justifica-se a criminalização da sua exploração ilícita.
Não pode, pois, dizer-se, como alega o recorrente, que o jogo em questão não cria um risco de “viciação”. Ou que o impulso para um novo jogo é renovado apenas de cada vez que se volta a introduzir a moeda. Não, esse impulso é fortemente estimulado pela possibilidade de acumulação de pontos que depende da realização de novos jogos. A atracão dos prémios não está pré-definida e circunscrita, vai crescendo de forma eventualmente ilimitada. E sempre com o risco de perda de uma só vez de todos os pontos sucessivamente acumulados.
A máquina em apreço não é, pois, equiparável à que é objeto do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010. E também é diferente da que é objeto do acórdão (invocado pelo arguido e recorrente) da Relação de Coimbra de 2 de fevereiro de 2011, proc. nº 21/08.5FDCBR.C2, relatado por Maria Pilar Oliveira. (acessível in www.dgsi.pt). Neste acórdão, que segue a jurisprudência fixada pelo acórdão nº 4/2010, estava em apreço um jogo com prémios pré-definidos e limitados, sem acumulação de pontos que induzisse à prática de novos e sucessivos jogos (pelo menos, tal não resulta da descrição da máquina que consta desse acórdão.
Já nos acórdãos da Relação de Lisboa de 5 de abril de 2011, proc. nº 728/06.1GBVFX.L1-1, relatado por Jorge Baptista Gonçalves; da Relação de Coimbra de 15 de fevereiro de 2012, proc. nº 41/07.7FDCBR.C1, relatado por Paulo Guerra; e de 21 de março de 2012, proc. nº 354/10.0GDACB.C1;, relatado por Paulo Valério; e desta Relação do Porto de 27 de junho de 2012, proc. nº 217/08.0GCPV.P1, relatado por Francisco Marcolino; de 25 de novembro de 2011, proc nº 34/09.0FAPRT.P1, relatado por Luís Teixeira; e de 19 de outubro de 2011, proc. nº 324/10.9GBGDM.P1, relatado pelo também aqui relator, que aqui seguimos de perto e também citado na sentença recorrida (sendo todos estes acórdãos também acessíveis in www.dgsi.pt), as máquinas aí em apreço são equiparáveis à que aqui está em apreço e, também à luz do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010, se considerou que deveriam ser qualificadas como máquinas de jogo de fortuna e azar.
A diferença entre um e outro tipo de máquina resulta com evidência da douta sentença recorrida, que qualificou como máquina de jogo de fortuna e azar a que está agora em apreço e assim não qualificou uma outra, precisamente à luz da doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010.
Alega o arguido e recorrente que é inconstitucional, por violação dos princípios da “liberdade individual”, da “proporcionalidade” e da “legalidade”, a interpretação das normas contidas nos nºs 4º, 108º e 115º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, quando efetuada (como sucederá no caso em apreço) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina eletrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de “prémios” a atribuir estejam já previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar.
Ora, e como vimos, não estamos perante um jogo com limites de prémios previamente definidos. Assim, não se suscita a questão de eventual violação do princípio da legalidade, questão que também se suscitava na situação apreciada no acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010, a qual não é, porém, como vimos também, equiparável à que está agora em apreço.
E fica, por isso, prejudicada a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo arguido e recorrente.
Assim, a condenação da arguida e recorrente pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº 1, do Decreto - Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, não é merecedora de reparo, pelo que ao recurso deverá ser negado provimento quanto a este aspecto.

IV 2. – Vem o arguido e recorrente alegar, por outro lado, que a pena em que foi condenado na douta sentença recorrida é exagerada e desproporcionada, extravasando claramente a sua culpa e as próprias necessidades de prevenção, não tendo devidamente em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a seu favor. Alega que, por contraposição com a pena de prisão aplicada, e de modo absolutamente injustificado, foi aplicada ao arguido pena de multa que se situa num patamar superior ao meio da pena abstratamente aplicável. Alega que está em causa a exploração de uma única máquina, que permitiu apenas apostas de valor reduzido e um limitado benefício para o recorrente. Alega que não foi devidamente valorado o facto de não ter antecedentes criminais e, bem assim, o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática, por ele, de quaisquer factos semelhantes;
Alega, também, o arguido e recorrente que a taxa diária da multa é excessiva, pois não foi apurada a sua situação financeira e é do conhecimento geral que os rendimentos da exploração de um estabelecimento de “café” são diminutos.
Vejamos.
O crime em apreço é punível com pena de prisão até dois anos e com pena de multa até duzentos dias.
Na escolha das penas em questão e na determinação das respetivas medidas concretas, há que considerar as seguintes disposições do Código Penal.
De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
Nos termos do artigo 70º, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Nos termos do artigo 47º, nº 2, do Código Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre cinco e quinhentos euros, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Analisemos, a esta luz, as penas aplicadas ao arguido e recorrente.
Nada se apurou a respeito do tempo de utilização da máquina em questão, do número de pessoas que a possam ter utilizado ou dos ganhos que ela proporcionou ao arguido. Esse desconhecimento não pode deixar de o beneficiar.
Opera como circunstância atenuante de relevo a ausência de antecedentes criminais.
Tais circunstâncias atenuantes não deixaram, porém, de ser consideradas na determinação das penas em que o arguido foi condenado na douta sentença recorrida.
A determinação da pena de prisão (em três meses) situa-se próximo do mínimo legal. A multa que substitui tal pena (de noventa dias) também não se revela desproporcionada considerando a respetiva moldura e as circunstâncias referidas.
A determinação da pena de multa (em setenta dias) não se situa, ao contrário do que alega o arguido e recorrente, no patamar superior ao meio da respetiva moldura abstrata.
Assim, a fixação das penas em que o arguido foi condenado não é merecedora de reparo.
Quanto à taxa diária da multa, a quantia de seis euros, pouco acima do limite mínimo de cinco euros, não se afigura desajustada faca à situação económica do arguido.
Dessa situação sabe-se apenas que ele é comerciante do ramo da restauração, o que é suficiente para considerar que aufere rendimentos situados algo acima dos níveis mais baixos no nosso país (aos quais se adequará a taxa mínima de cinco euros).
Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto.

O arguido e recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal)

V – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Condenam o arguido e recorrente em 3 (três) U.C.s de taxa de justiça.

Notifique

Porto, 7/5/2014
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato - relator
Baião Papão – Presidente
Eduarda Lobo (vencida, conforme declaração junta)
_________________
Vencida, porquanto entendo que os factos em causa nos autos não integram um crime de exploração ilícita de jogo, mas antes um ilícito contra-ordenacional, entendimento que manifestei no Ac. desta Relação de 11.12.2013 (proferido no Proc. nº 626/11.7GDGDM.P1, disponível em www.dgsi.pt). Com efeito, os efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar, não ocorrem “relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expetativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente”.
O tipo de máquina em causa nos presentes autos, bem como o “jogo” que desenvolvia da forma descrita - cujo resultado dependia exclusivamente da sorte nos termos acima indicados e não da perícia do jogador - como é claro não se integra em qualquer dos tipos de “jogos de fortuna ou azar” previstos no artigo 4º do cit. DL nº 422/89 (nem a qualquer deles se equipara).
Por outro lado, considerando o seu modo de funcionamento, valores da respetiva “aposta” e prémios que atribuía, entendemos estar perante máquina que desenvolve uma “modalidade afim”, tal como definida no art. 163º nº 1, por referência aos arts. 159º, 160º nº 1 e 161º do cit. DL nº 422/89, pelo que a sua exploração nos moldes descritos na decisão recorrida, não integra a prática do crime imputado ao arguido, correspondendo antes a um ilícito contra-ordenacional, p. e p. pelo artigo 159º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro.
Razão porque daria provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, substituiria a pena aplicada pela imposição de uma coima nos termos do disposto no artº 163º do diploma supra citado.
*
Eduarda Lobo