Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
801-B/2002.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO COM FUNÇÃO PREVENTIVA
TEMPESTIVIDADE
Nº do Documento: RP20120711801-B/2002.P1
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Embora o prazo de caducidade previsto no art.º 353.º, n.º 2, do CPC não seja aplicável aos embargos de terceiro com função preventiva, já se lhes aplica a parte final do mesmo normativo, por força do n.º 1 do art.º 359.º daquele Código, sendo de negar a possibilidade de embargar preventivamente a entrega de bens móveis ou imóveis depois deterem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
II - Havendo fundamento para rejeitar os embargos logo na fase introdutória, mas tendo sido indevidamente recebidos, o tribunal não fica impedido de os rejeitar na fase contraditória, mesmo oficiosamente, contanto que o faça com aquele mesmo fundamento.
III - Neste caso, o embargante não fica impedido de defender o seu direito, em acção própria.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 801-B/2002.P1 – 3ª Secção (apelação)
Juízos Cíveis de Vila Nova de Famalicão

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Adjunta Teresa Santos
Adj. Desemb. Adjunta Maria Amália Santos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Por apenso a execução ordinária, veio B…, residente no …, Famalicão, deduzir embargos de terceiro com função preventiva contra C… e mulher, D…, residentes na Rua …, nº …, freguesia de …, Vila Nova de Famalicão e E…, LDA, com sede na Rua …, nº …, Barcelos, aqueles na qualidade de executados e a última de proponente adquirente, e ainda F…, S.A., G…, S.A., H…, S.A. e I…, todos com sinais nos autos, alegando essencialmente o seguinte:
No dia 14 de Abril de 2011 tomou conhecimento que foi ordenada nos autos a entrega à E…, Lda de um determinado imóvel, apesar de parte desse imóvel ter sido dado de arrendamento ao embargante pelos embargados C… e mulher no dia 15.1.2007, com destino ao exercício da actividade de oficina e venda a retalho e ao público de ourivesaria, relojoaria e joalharia, e ainda alojamento do explorador do comércio e seus trabalhadores, reservando-se, o embargante, o direito de não entregar o espaço arrendado enquanto não cessar o arrendamento e não for indemnizado pelas obras e benfeitorias que realizou e instalou no local, estando ele ofendido na sua posse e direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial denominado “J…”, bens e artigos que o compõem e com os quais exerce o seu comércio, alegadamente incompatível com o âmbito da diligência.
Acrescenta que, com a entrega do imóvel, ficará irremediavelmente afectada a posse e a propriedade do embargante, pela privação do estabelecimento comercial, com os inerentes prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, designadamente os advenientes da mudança do estabelecimento para outro local, a arrendar.
A E…, Lda, ao propor-se adquirir o imóvel, sabia que nele estava instalado o estabelecimento comercial do embargante e acelerou a celebração da escritura pública de aquisição sem que informasse terceiros, designadamente o embargante e o tribunal da sua realização, quando as diligências de venda estavam já suspensas por ordem judicial. Independentemente de ter negociado com os primeiros embargados a recompra do mesmo imóvel, requereu a entrega do imóvel, facto que a embargante só conheceu no referido dia 14 de Abril de 2011.
Sendo legítimo possuidor, com base no arrendamento, de uma parte do imóvel cuja entrega foi determinada por decisão judicial proferida nos autos e que incluiu a ordem de remoção dos bens móveis do embargante depositados no estabelecimento, culminou o seu articulado inicial pedindo o recebimento dos embargos de terceiro, devendo, no devido seguimento, ser revogada a diligência ordenada na acção executiva de que os embargos são apenso. Mais requereu a suspensão do processo, com restituição provisória ao embargante da posse dos bens, e ainda que a diligência não seja efectuada antes de proferida a decisão na fase introdutória dos embargos e, sendo os mesmos recebidos, a sua suspensão até à decisão final.
Foi proferido despacho liminar que considerou estar suficientemente indiciada a probabilidade séria de existência do direito invocado pelo embargante e recebeu os embargos, determinando-se ali a suspensão da referida entrega quanto ao bem a que diz respeito, negando-se, na fase em causa, a restituição provisória do bem.
Dando sem efeito a entrega do imóvel designada, ordenou-se a notificação das partes primitivas para contestarem os embargos nos termos do art.º 783º do Código de Processo Civil.
Em extenso articulado, a embargada E…, Lda contestou os embargos pelo qual impugnou parcialmente os factos alegados no requerimento inicial, fazendo notar especialmente que comprou o imóvel em causa por negociação particular levada a cabo no processo principal, tendo a escritura pública sido celebrada no dia 4.12.2009, tornando-se então sua dona e legítima proprietária, também por força do registo do seu direito.
Vários credores reclamantes beneficiam de penhoras e de hipotecas constituídas sobre o imóvel levadas a registo em datas anteriores à data da celebração do invocado contrato de arrendamento, pelo que, tendo o prédio sido vendido para pagamento dos créditos assim garantidos, a ter existido arrendamento, caducou nos termos do art.º 824º, nº 2, do Código Civil.
Acrescenta que o arrendamento, a existir, é mesmo posterior à data em que foi anunciada a venda executiva (éditos de 28.2.2006), pelo que tal contrato sempre seria ineficaz e inoponível quer à execução, quer à venda judicial realizada; tudo se passando como se o prédio nunca tivesse sido arrendado.
Ainda que assim não fosse, a posse do locatário é precária, exercida em nome do locador, não tendo o direito de deduzir os presentes embargos.
O imóvel deve ser entregue à embargada livre e devoluto de pessoas e bens, o que não ofende a posse ou a propriedade do embargante sobre qualquer estabelecimento comercial. Esta pode subsistir apesar da entrega do imóvel à embargada contestante, designadamente quando o estabelecimento é deslocado para outro espaço, noutro imóvel, prosseguindo a sua normal laboração.
O embargante não tem direito a qualquer indemnização.
Por outro lado ainda, os embargos foram deduzidos em 4.5.2011, muito tempo depois da venda executiva do bem aqui em causa; e, nos termos do art.º 353º, nº 2, do Código de Processo Civil, a dedução de embargos de terceiro nunca pode ter lugar após a venda judicial ou adjudicação do bem penhorado e também por isso os embargos têm que improceder.
Foi depois proferido despacho saneador do qual, apreciando da tempestividade dos embargos, se fez constar, além do mais, o seguinte:
«…
Efectivamente invocou o embargado que na data da interposição dos embargos já havia ocorrido a venda e que como tal e ao abrigo do art.353º nº 2 do CPC os mesmos eram intempestivos.
Tudo isto resultou provado conforme resulta supra.
E efectivamente esta condicionante temporal prevista na lei (nunca após os bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados) visa permitir que os direitos “substanciais” atingidos ilegalmente pela penhora ou outro acto de apreensão judicial de bens possam ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a diligência ofensiva teve lugar, em vez de o orientar necessariamente para a propositura de acção de reivindicação, por esta via se obstando, no caso de a oposição do embargante se revelar fundada, à própria venda dos bens e prevenindo a possível necessidade de ulterior anulação desta, no caso de procedência de reivindicação.
Face ao exposto decido julgar os presentes embargos de terceiro extemporâneos.»

Inconformado, o embargante agravou daquela decisão, produzindo alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«1.- A douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia.
2.- Não foi permitido ao embargante a produção de prova tendente a demonstrar a tempestividade dos embargos, depois de admitidos.
3.- nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPC é nula a sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
4.- cabia, por isso, aos embargos a produção de prova, em sede de audiência, do eventual direito a alcançar e obter declarada a caducidade do direito do Recorrente.
5.- Foi, por isso, violado, na sua interpretação e aplicação, o disposto no artigo 352º, nº 2, do C.C.
6.- Foram ainda violadas, na sua interpretação e aplicação, para além da norma do artigo 353º, nº 2, as normas dos artigos 351º, nº 1 e 359º, nº 1 do CPC.
7.- O embargante ainda não procedeu à entrega dos bens objeto da diligência de entrega, cuja posse detém há mais de um ano e um dia.
8.- Tal posse decorre de um arrendamento que acompanha a venda ou ato judicial ordenado.
9.- A situação dos autos deve, assim, ser reconduzida ao comando do artigo 359º, nº 1 do C.P.C.
10.- A douta sentença recorrida viola ainda o disposto nos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa, quando se considere que o legislador, na previsão do nº 2 do art. 353º do C.P.C., restringiu os direitos dos respectivos titulares, em comparação com titulares de bens móveis, reportando-se à data da sua entrega, pelo que sempre tal eventual interpretação da referida norma do art. 353º, nº 2 do C.P.C. deverá ser declarada inconstitucional.» (sic)
Termina no sentido de que seja revogada a sentença e se substitua por outra que ordene o prosseguimento dos embargos.
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A embargada contestante ofereceu contra-alegações onde formulou também CONCLUSÕES, como se segue, ipsis verbis:
«1. Salvo melhor entendimento desse douto Tribunal da Relação, não assiste qualquer razão ao recorrente naquilo que por si é alegado, nem a douta decisão recorrida padece de qualquer erro, omissão ou vício e, muito menos, viola qualquer norma constitucional.
2. O tribunal recorrido interpretou e aplicou correctamente a lei e, alem disso, dispunha de todos os elementos de prova necessários para proferir a decisão que proferiu e no momento que o fez
3. Os elementos de prova constantes dos autos (quer dos autos principais de execução de que os embargos de terceiro sobre que versa o presente recurso constituem apenso, quer, ainda, dos próprios embargos), permitem ao tribunal recorrido, tal como este o fez, conhecer de imediato do objecto dos embargos.
4. Há um prazo de caducidade para a dedução dos embargos de terceiro, não podendo, assim, estes ser deduzidos decorridos que sejam mais de 30 dias sobre o momento em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa do seu direito, e, também, nunca os poderá deduzir depois dos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
5. Nos termos da lei, e aqui não foge à regra, a caducidade é de conhecimento oficioso pelo tribunal. Ora,
6. Conforme consta dos autos principais de execução a que os embargos de terceiro seguem por apenso e, de resto, dos próprios embargos (tendo, de resto, a aqui embargada junto, também aí, nos embargos, com a sua contestação aí deduzida, prova documental – escritura de compra e venda – para comprovar tal facto), foi vendido, através de negociação particular levada a cabo no âmbito desses autos principais (por meio de escritura pública exarada em 4/12/2009, no cartório notarial da notária K…, sito na rua …, n.º …, .º piso, …, Braga) à aqui embargada (recorrida), que, por sua vez, o adquiriu, o imóvel supra referido.
7. Foi este o bem vendido e foi este bem, e não outro, que a embargada pediu a entrega, à qual o embargante se opôs mediante os embargos de terceiro sobre que versa o presente recurso. Ora,
8. Nos termos do art. 267, n.º 1, do C.P.C. “A instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial, sem prejuízo do disposto no artigo 150”. Assim,
9. Como se alcança do processo, os embargos foram deduzidos em 04/05/2011, data esta muito posterior à da venda executiva do aludido bem imóvel em causa nos autos.
10. É pois manifesto que os embargos foram deduzidos, e não podiam (nos termos do n.º 2, do referido artigo 353 do C.P.C.), muito “depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos”.
11. O conhecimento desta excepção e a sua procedência, por si só, é suficiente para decidir, tal como foi decidido, pela total improcedência dos embargos. Assim sendo,
12. A questão levantada pelo recorrente quanto à eventual e alegada inconstitucionalidade é, salvo melhor entendimento, descabida e nem se coloca no caso dos autos, sendo que os embargos de terceiro aqui em causa foram julgados improcedentes em virtude de uma questão – o respeito, ou não, pelo prazo para a dedução dos embargos –, questão esta que se coloca e tem que ser resolvida à priori de tudo o resto, inclusive em sede de despacho saneador, se o tribunal (como é o caso dos presentes autos) dispuser dos elementos necessários e suficientes para tal.
13. Facto que acontece e aconteceu no caso vertente, tendo, por isso, o tribunal, nos termos em que o fez, conhecido de tal matéria e julgado os embargos improcedentes por terem sido interpostos para além do momento temporal em que o poderiam ser. Sem prescindir:
14. O recorrente (embargante) alega nos embargos (ver P.I.) que terá tomado de arrendamento aos também embargados, C… e D… (executados nos autos principais a que os embargos de terceiro seguem por apenso e aí melhor identificados), por contrato celebrado em 15/01/2007, parte do referido imóvel, designadamente o rés-do-chão de comércio, escritório e oficina de ourivesaria, dois quartos situados no primeiro andar, um salão situado no andar intermédio, um arrumo e ainda duas garagem,
15. Tendo aí, segundo refere, instalado um estabelecimento comercial de que, alegadamente, é dono. Por via disto, 16. Recusa-se o recorrente (embargante), a entregar o sobredito imóvel à aqui embargada (recorrida), sua legítima dona. Ora
17. Nos termos do n.º 2, do referido art. 824 do C.C. “os bens (objecto de venda judicial) são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo” (texto entre parêntesis e sublinhado nossos).
18. Regime legal este que se aplica aos contratos de locação que incidam sobre os imóveis objecto de venda executiva.
19. No caso dos autos, sobre o imóvel em causa no processo encontram-se registadas as sobreditas hipotecas e penhoras.
20. Ónus e encargos esses que foram registados sobre o dito imóvel em causa nos autos (conforme se alcança da certidão de registo predial junta aos autos principais de que os embargos de terceiro são apenso) em data muito anterior àquela em que alegadamente terá sido celebrado o invocado contrato de arrendamento. Assim sendo,
21. Tendo o imóvel em causa nos autos sido vendido no processo executivo, nos termos supra indicados, para pagamento dos créditos garantidos pelas aludidos hipotecas e penhoras que sobre ele incidiam, e tendo tais hipotecas e penhoras sido constituídas e registadas anteriormente à data da celebração do alegado contrato de arrendamento invocado pelo embargante nos autos, tal contrato de arrendamento (a ter existido) caducou nos termos do disposto no art. 824, n.º 2 do C.C. com a supra referida venda executiva.
22. Pelo que não produz quaisquer efeitos jurídicos, nomeadamente os decorrentes do art. 1057 do C.C. Por outro lado,
23. Nos termos do art. 819 C.C. “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados” (conjugado com o art. 2º, n.º 1, aln. n), e art.6, n.º 1, ambos do C. R. Predial). Deste modo,
24. Tendo o alegado contrato de arrendamento (a existir) sido celebrado em data muito posterior àquela em que foram registadas as alegadas penhoras e, inclusive, à data em que foi anunciada a venda executiva do imóvel – éditos de 28/02/2006 – (conferir fls. 138 do autos principais a que os embargos seguem por apenso), por tudo isto, tal contrato (a ter existido), além de ter caducado com a dita venda judicial sempre seria ineficaz e inoponível relativamente quer à execução, quer à aludida venda judicial do imóvel. Por outro lado,
25. O embargante (recorrente) alega nos autos de embargo de terceiro ter tomado de arrendamento, por contrato celebrado em 15/01/2007, aos referidos C… e D… (executados nos autos principais a que os embargos seguem por apenso) parte do referido imóvel em causa nos autos, onde instalou um estabelecimento comercial de que, alegadamente, é dono. Ora,
26. A ter sido celebrado o alegado contrato de arrendamento nos termos invocados pelo embargante, se o mesmo fosse válido ou eficaz (o que não é, nos termos supra expostos), tal contrato, por tudo que se disse, não investia o embargante (ao contrário do que ele alega) na posse do imóvel.
27. É que a posse do locatário tem natureza precária, já que o locatário detém o bem em nome de outrem. Ou seja, é um mero detentor. Alem disso,
28. A entrega do imóvel ao aqui recorrido, também não ofende a posse ou propriedade do recorrente sobre qualquer estabelecimento comercial, nem o priva do mesmo.
29. Tanto mais que (além da ocupação que o embargante efectua do imóvel em causa nos autos ser ilegítima e ilícita, nos termos supra expostos) um estabelecimento comercial não se confunde com o espaço onde o mesmo labora, 30. Sendo que pode, inclusive, haver transmissão de estabelecimento comercial sem que tal seja acompanhado da transmissão do local onde labore.
Assim,
31. A posse (a existir) do embargante sobre o aludido estabelecimento comercial não é incompatível com a entrega à aqui embargada (recorrida) do imóvel onde o referido estabelecimento se encontra instalado.»
Defendeu, assim, a confirmação da decisão recorrida.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.
As questões a decidir --- excepção feita para o que é do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação do embargante, acima transcritas (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 690º do Código de Processo Civil[1], na redacção que precedeu a que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto).

Com efeito, importa apreciar e decidir:
1- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2- Ónus da prova da intempestividade dos embargos;
3- Tempestividade dos embargos; e
4- Inconstitucionalidade da norma do nº 2 do art.º 353º.
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III.
Para a prolação da decisão recorrida o tribunal a quo considerou pertinentes os seguintes factos que extraiu do processo:

1. Na execução a que estes embargos estão apensos por despacho de fls. 344 e em 17.11.2009 foi ordenado que se procedesse à venda do imóvel cuja restituição pretende a embargante, ao proponente e pelo montante de €75.000,00.
2. Logo após, o interessado L… veio a fls. 347 exercer o direito de remição.
3. Não obstante a fls. 363 e ss foi junto pela encarregada de venda a escritura de compra e venda realizada no dia 4.12.2009.
4. Após vários requerimentos a solicitar a anulação da venda, por preterição do direito de remissão, pronunciou-se este Tribunal em 22.2.2010, conforme resulta de fls. 395 e ss considerando a mesma válida e indeferindo o exercício do direito de remição.
5. Existiu recurso do nosso despacho, o qual veio a ser confirmado pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.
6. A adquirente do imóvel veio em 22.3.2011 e já após o trânsito da decisão, requerer a entrega do bem, o que foi ordenado.
7. Só em 5.5.2011 é que o embargante intenta os embargos, precisamente no dia designado para que se procedesse à entrega do bem.
8. Os mesmos foram recebidos e procedeu-se à normal tramitação dos autos.
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A apreciação das questões
1- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
A recorrente aduz nas suas alegações que a sentença é nula porque “deveria ter apreciado que o ónus da prova era do embargado, o que não fez e, ao omiti-lo, não se pronunciou sobre algo que era obrigada a pronunciar-se”. Contraditoriamente, nas suas conclusões resume esta ideia na seguinte expressão: “Não foi permitido ao embargante a produção de prova tendente a demonstrar a tempestividade dos embargos, depois de admitidos”.
Dispõe o art.º 668º, nº 1, al. d), que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade aplica-se, até onde seja possível, aos próprios despachos (art.º 666º, nº 3).
O vício da alínea d) do n.º l do art.º 668º supõe que se silencie uma questão que o tribunal deva conhecer por força do n.º 2 do art.º 660°. Exige-se ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Porém, sem que esse dever implique o abordar, de forma detalhada, todos os argumentos, considerações ou juízos de valor trazidos pelas partes. Só acontece quando o juiz olvida a pronúncia sobre as «questões» submetidas ao seu escrutínio pelas partes, ou de que deva, oficiosamente, conhecer.
A expressão “questões que deva apreciar”, cuja omissão integra a dita nulidade, também não abarca as alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Se o juiz não apreciar todas as questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito que caberiam na melhor ou mais desejável fundamentação da sua sentença ou acórdão, mas vier a proferir a decisão sobre a “questão a resolver”, haverá apenas fundamentação pobre e pouco convincente ou, no máximo, falta de fundamentação, mas não há nulidade por omissão de pronúncia.
E não há omissão de pronúncia mesmo quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada.
Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão[2].
Em resumo, são questões os problemas concretos a decidir e não simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença[3].
Indo agora ao reencontro do caso sub judice, bem ou mal, o tribunal tratou da questão da tempestividade dos embargos e, concluindo pela sua extemporaneidade, deles não podia conhecer, e não conheceu.
Ao decidir-se pela intempestividade da providência no despacho saneador, impedindo a continuação do processo para audiência de julgamento, o tribunal pode até ter coarctado um direito que assistia à embargante ou aos embargados, o direito (mais propriamente, o ónus) de provar os factos necessários à defesa do seu interesse, o resultado almejado pelo embargante com o incidente de embargos de terceiro, ou o impedimento daquele fim por parte dos embargados, pode ter errado na aplicação do Direito, antecipando até uma decisão que só fosse possível após cumprimento de um determinado iter processual, mas não omitiu pronúncia sobre qualquer questão a resolver. Esta era apenas a da tempestividade dos embargos, aliás, do conhecimento oficioso, ao menos na primeira fase do processo, como veremos adiante.
Com efeito, não há na decisão recorrida omissão de pronúncia sobre qualquer questão que ali devesse ter sido apreciada, pelo que improcede a invocada nulidade da al. d) do nº 1 do art.º 668º.
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2- Ónus da prova da intempestividade dos embargos
Para os embargos de terceiro --- aqueles que se destinam a obstar aos efeitos ofensivos da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o acto da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa (art.º 351º, nº 1) --- prevê a lei do processo que o embargante deduza a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa. Mas nunca poderá deduzi-los depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados (art.º 353º, nº 2).
Trazendo mais uma vez a questão do ónus da prova, o embargante reafirma que cabia aos embargados o ónus da prova da intempestividade dos embargos. E, “não tendo sido realizadas as diligências probatórias adequadas a comprovar o alegado e invocado direito dos embargados, foi violado, na sua interpretação e aplicação, o disposto aos referidos normativos legais e ainda no n° 2 do artigo 352° do C.C.”[4].
Se bem entendemos, na perspectiva da embargante recorrente, ultrapassada a fase liminar do incidente, os embargos devem ter-se por tempestivos enquanto os embargados não alegarem e demonstrarem a sua intempestividade.
O art.º 353º, nº 2, dispõe assim: “O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”.
Sob a epígrafe “fase introdutória dos embargos”, o legislador previu sob o art.º 354º que “sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Foi ultrapassada aquela fase processual liminar e introdutória dos embargos de terceiro sem que os mesmos tivessem sido rejeitados. Justamente uma fase pela qual se visa, sem a exigência do contraditório, ajuizar sumariamente sobre a legitimidade do embargante, a tempestividade e a viabilidade dos embargos. Mas trata-se de uma avaliação de probabilidade em função dos termos da petição inicial do embargante, sendo dele o ónus de alegar matéria de facto favorável à sua legitimidade, à viabilidade e à tempestividade da acção. E o tribunal recebê-los-á sempre que à luz daquele requerimento inicial e da prova informatória ou adminicular que julgar necessário produzir, não sejam de rejeitar. Se daquele articulado inicial e prova não resultar a probabilidade séria da existência do direito do embargante, o tribunal rejeitá-los-á.
Mas o recebimento dos embargos não compromete decisão definitiva sobre as referidas condições de recebimento. O facto de, sumariamente, não terem sido encontrados fundamentos de rejeição, não significa que, mais tarde, não se observe a existência de inviabilidade, de ilegitimidade ou de extemporaneidade dos embargos, designadamente --- como defende a recorrente --- pelo exercício do contraditório na acção, tendo então o embargado o ónus de alegar e provar, por exemplo, que os embargos são intempestivos ou inviáveis[5]. A fase introdutória --- algo complexa até, quando comparada com a fase inicial da generalidade dos demais incidentes de instância --- visa prevenir uma acção sem viabilidade ou de provável inviabilidade, com os indesejáveis efeitos da suspensão de providência alegadamente ofensivas da posse ou direito do embargante (art.º 356º), quando o ofendido sempre pode defender o seu direito em acção própria, não incidental, como seja a de reivindicação (art.º 355º)[6]. Ou seja[7], “o despacho que admite liminarmente os embargos de terceiro, porque se baseia num mero juízo de viabilidade ou verosimilhança e se limita a assegurar o prosseguimento do procedimento, não forma caso julgado formal quanto à existência do direito derivado da posse ou outro em que o embargante baseia a sua pretensão, ou seja, não vincula o julgador na fase final do processo”. E os embargos devem ser rejeitados quando haja motivo de indeferimento liminar que haja escapado ao despacho liminar[8].
Assim sendo, é nossa convicção que não tem cabimento a posição defendida pelo embargante. Se da própria petição de embargos resultar motivo de rejeição que tenha escapado ao juiz na fase liminar, tudo aponta para que o repondere em fase posterior, desde que, só por si, comprometa o êxito da providência e dele possa tomar conhecimento. Seria de todo desnecessário, mesmo inútil, a produção de prova.
Somos, assim, remetidos para a terceira das questões suscitadas, em face da qual, esta segunda questão não tem autonomia e funciona como pressuposto da sua decisão, como veremos.

3- Tempestividade dos embargos
Examinando a petição inicial de embargos, o embargante logo os intitula de “EMBARGOS DE TERCEIRO COM FUNÇÃO PREVENTIVA”; e bem, pois que logo começa por alegar que “no dia 14 de Abril de 2011, o embargante tomou conhecimento que foi ordenada nos presentes autos a entrega à embargada E… do imóvel…”, sendo que é contra essa entrega, e não contra qualquer outra providência executiva anterior --- apreensão ou penhora, por exemplo --- ofensiva da sua posse ou direito que se insurge. Por isso, em sintonia com os fundamentos da sua oposição, termina pedindo que seja “revogada a diligência ordenada nos autos de acção executiva”, precisamente aquela diligência de entrega do bem imóvel onde, com base em arrendamento, funciona o seu estabelecimento comercial.
Prevendo a lei do processo, no art.º 359º, a possibilidade de dedução de embargos de terceiro com função preventiva, isto é, com o fim de evitar a realização da diligência judicial de apreensão ou entrega de bens a que se refere o art.º 351º, que ofenda a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, a petição inicial de embargos é necessariamente apresentada depois de ordenada a diligência e antes da sua realização. Só assim se compreende o carácter preventivo da sua função, reforçado pelo nº 2 do mesmo art.º 359º ao determinar as condições em que a diligência não será efectuada e deve continuar suspensa até à decisão final.
Com efeito, nos embargos preventivos não é nem poderia ser aplicável o prazo (de 30 dias) previsto no nº 2 do art.º 353º, contado da data da realização da diligência judicial ou do dia em que a embargante teve conhecimento da ofensa, pois que tal prazo pressupõe a realização do acto que os embargos preventivos visam evitar. Esta é, exactamente, uma das reservas a considerar quando o art.º 359º, nº 1, in fine, manda observar as normas gerais precedentes, previstas para os embargos de terceiro, com as necessárias adaptações, na regulação dos embargos preventivos. Nestes, não há prazo fixo (um terminus a quo e um terminus ad quem) para a sua dedução. Podem ser deduzidos logo que seja ordenada a diligência e enquanto ela não for realizada[9].
Na perspectiva do apelante, não tendo sido ainda entregue o imóvel à embargada adquirente do mesmo pela venda judicial, sempre estaria em tempo para a apresentação dos embargos preventivos.
Mas a apelante deslocou o ponto.
A norma do nº 2 do art.º 353º não se esgota no estabelecimento de um prazo de caducidade para a dedução dos embargos, prevendo ainda de modo cristalino que, independentemente daquele prazo, os embargos serão sempre de rejeitar se forem apresentados depois dos respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
No caso sub judice a embargada E…, Lda adquiriu o imóvel em venda por negociação particular escriturada no dia 4.12.2009, judicialmente ordenada no processo de execução.
A ordem judicial de entrega do imóvel à adquirente pela E…, Lda, fundamento da oposição, foi proferida depois daquela aquisição e do trânsito em julgado de decisão que a considerou válida.
Em nada a petição inicial de embargos contraria esta realidade factual considerada na decisão recorrida e aceite no recurso como resultante do processo principal (executivo).
Portanto, os embargos foram apresentados (4.5.2011) depois do referido imóvel ter sido judicialmente vendido (4.12.2009).
Será que esta exigência se aplica aos embargos preventivos?
O art.º 359º, nº 1, determina que se apliquem aos embargos de terceiro com função preventiva as disposições dos artigos anteriores, atinentes aos embargos com função repressiva, porém, com as necessárias adaptações.
Já demos conta de uma dessas adaptações, respeitante ao prazo de dedução dos embargos, em que há diferenças assinaláveis.
O mesmo não acontece com a última parte do nº 2 do art.º 353º, cuja aplicação aos embargos com função preventiva se nos afigura plena.
Se faz todo o sentido a imposição legal de não ultrapassagem da venda judicial ou da adjudicação pela dedução de embargos repressivos, não vemos motivo --- e a recorrente também não o encontrou --- para que essa regra deixe de funcionar nos embargos com função preventiva. Naquele caso, se a diligência só chega ao conhecimento do embargante numa altura em que os bens já foram vendidos ou adjudicados, os embargos já não são admissíveis. O mesmo acontece se o embargante tiver conhecimento da diligência judicial ofensiva da posse quando faltam menos de 30 dias para a venda ou adjudicação; em tal hipótese o embargante já não dispõe desse prazo para a dedução; há-de deduzir os embargos antes de os bens respectivos serem vendidos ou adjudicados[10].
O legislador quis conferir estabilidade e consistência à acção executiva, atento o seu fim, pelo menos a partir do momento em que ali são transmitidos bens ou direitos. Tinha que haver um momento a partir do qual deixa de ser admissível discussão sobre o que pode ou não pode ser penhorado e sobre a valência de direitos de terceiros, sejam eles credores ou não, na execução.
É suposto que a venda e adjudicação de bens representam uma fase de ultrapassagem daquela discussão, um momento em que se esgotou e se decidiu já a controvérsia admissível e se dê realização efectiva ao crédito exequendo e aos créditos reconhecidos e graduados, segundo a graduação, tutelando simultaneamente o interesse do adquirente dos bens executados.
Ocorre nos embargos de terceiro um efeito algo semelhante ao que a lei prevê para a oposição do executado à execução. Quando a oposição não suspende a execução, nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento enquanto a oposição não estiver decidida, sem prestar caução (art.º 818º, nº 3). Poderão, posteriormente, prosseguir as diligências de pagamento.
Como resulta do art.º 824º, nº 1, do Código Civil, a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
Não significa isto que terceiros fiquem impedidos de exercer direitos relativos aos bens vendidos ou adjudicados, mas apenas que já não o poderão fazer no processo de execução. A entrega do bem ao respectivo adquirente na execução através da venda executiva (seja ela através de venda por negociação particular ou de outra modalidade legal --- art.º 886º) é um efeito natural desse mesmo acto e da transmissão da propriedade da coisa (art.º 874º e 879º, al. b), do Código Civil). Não representa já um acto de entrega de bens que seja susceptível de ser atacado na execução por via de embargos de terceiro, sejam eles repressivos ou preventivos, pois a estabilidade e consistência concedidas à execução pela norma do art.º 353º, nº 2, parte final, ocorre independentemente da natureza preventiva ou repressiva dos embargos, sendo que uns ou outros teriam o mesmo efeito sobre a execução, que o legislador quis evitar a partir de determinada fase (venda ou adjudicação de bens) considerando-os extemporâneos.
O não cumprimento voluntário da obrigação de entrega do imóvel ao seu adquirente na venda executiva poderá determinar o prosseguimento da execução, justamente com base no título de transmissão --- de que a aqui adquirente, E…, Lda, é portadora --- nos termos dos art.ºs 901º e 930º, enxertando-se assim na acção executiva para pagamento de quantia certa um pedido de execução para entrega de coisa certa, mas onde já não cabe o direito de embargar de terceiro, extinto por força da parte final do nº 2 do art.º 353º.
Resta-nos encontrar a legalidade da decisão em função do momento ou fase processual.
Já atrás alinhámos que uma falha da apreciação liminar que conduza ao recebimento dos embargos não obsta a que, posteriormente, na fase contraditória do procedimento, se rejeitem pelo motivo que naquele momento escapou ao julgador, por aquela decisão, em razão da sua natureza, não formar caso julgado formal.
Os autos seguiram os termos do processo sumário de declaração, ao abrigo dos art.ºs 357º, nº 1 e 783º e seg.s.
Segundo o art.º 787º, nº 1, “findos os articulados, observar-se-á o disposto nos artigos 508.° a 512.°-A, mas a audiência preliminar só se realiza quando a complexidade da causa ou a necessidade de actuar o princípio do contraditório o determinem; …”.
De acordo com o art.º 510º, nº 1, al. b), se “findos os articulados, não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere, no prazo de vinte dias, despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”.
Em qualquer destes casos estamos perante uma decisão sobre o mérito da causa, como resulta ainda expresso no art.º 691º, nº 2, aqui aplicável por força dos art.ºs 11º e 12º do Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Ocorre algo diferente no caso sub judice; algo que é prévio ao próprio contraditório e que já inviabilizava os embargos.
O prazo de que depende a dedução daquele incidente é de caducidade e o direito de acção é do conhecimento oficioso na fase instrutória se os autos dispuserem já dos elementos que permitam a sua apreciação em face da petição inicial (art.º 354º), sendo esta caducidade uma excepção à regra prevista no art.º 333º, nº 2, do Código Civil[11]. Atento o sentido já atrás apontado, temos para nós que o tribunal sempre poderá conhecer ex officio, designadamente no saneador, do fundamento da caducidade da acção que se verificava já em face da petição inicial e que tenha escapado na análise efectuada na fase instrutória inicial, independentemente da contestação da embargada.
Mas ainda que se estenda àquelas condições (em que já na fase instrutória havia fundamento para rejeição dos embargos) --- com o que não concordamos --- o entendimento que vem sendo seguido na doutrina e na jurisprudência --- e que para nós também é de acolher, em tese geral --- de que depois do despacho liminar o tribunal não pode conhecer oficiosamente da extemporaneidade dos embargos, por a caducidade do direito de acção ser uma excepção peremptória, cujo ónus de alegação e prova é do embargado na fase contraditória do processo (art.º 343º, nº 2, do Código Civil)[13], a verdade é que a embargada adquirente, na contestação (cf. artigos 60º a 63º), fazendo jus ao princípio do contraditório, invocou expressamente aquela intempestividade, precisamente nos termos do art.º 353º, nº 2, abrindo caminho ao conhecimento da caducidade do direito de acção, em função dos factos assentes e relevantes a que o tribunal atendeu.
Há que concluir, como concluiu a sentença recorrida que, em qualquer caso, os embargos de terceiro com função preventiva deduzidos pelo terceiro embargante são de rejeitar por terem sido apresentados depois do imóvel ter sido objecto de venda judicial, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 359º e 353º, nº 2, do Código de Processo Civil. Só assim não será se o último dos citados preceitos dever ser considerado inconstitucional. É a questão que se segue.
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4- Inconstitucionalidade da norma do nº 2 do art.º 353º
Na 10ª conclusão, o embargante refere que a “sentença recorrida viola ainda o disposto aos artigos 13.° e 20.° da Constituição da República Portuguesa, quando se considere que o legislador, na previsão do n.°2 do art.353.° do C.P.C., restringiu os direitos dos respetivos titulares, em comparação com titulares de bens móveis, reportando-se à data da sua entrega, pelo que sempre tal eventual interpretação da referida norma do art. 353.° n.°2 do C.P.C, deverá ser declarada inconstitucional”.
Nas alegações, propriamente ditas, o apelante fez constar que “acautelando uma eventual interpretação do artigo 351.°, n.°1, no sentido que se refira apenas a bens móveis e não a bens imóveis, sempre tal interpretação violaria a Constituição da República Portuguesa, designadamente os artigos 13.° e 20.°, que impõem a aplicação de tratamento idêntico, no exercício dos respetivos direitos, pelos cidadãos”.
Quer o art.º 351º, nº 1, quer o art.º 353º, nº 2, têm aplicação em situações de apreensão ou entrega de bens móveis ou imóveis, sem discriminação em função da natureza dos bens e muito menos dos cidadãos que deles seja titulares.
Conjugando as disposições daqueles preceitos e do art.º 359º, o que se extrai é que, no caso de embargos preventivos, pode haver oposição relativamente à apreensão ou ordem de entrega de bens, sejam eles móveis ou imóveis; contudo a oposição é excluída sempre que aquela ordem é proferida depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
Não vislumbramos, pois, como seja possível defender violação do princípio da igualdade entre os cidadãos (art.º 13º da Constituição da República) ou ainda violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º também das Lei Fundamental), neste caso, quando se faz prevalecer o interesse do adquirente do bem e da estabilização do processo executivo sobre o do terceiro oponente quando este já antes poderia ter vindo em tempo --- e não veio --- acautelar o seu direito, permitindo-se-lhe ainda que o faça, atento o fundamento da rejeição, já verificável na fase instrutória do processo, se nisso mantiver interesse[14], em acção própria e autónoma (art.º 355º). Não se vê como é que se pode considerar coarctado o acesso ao Direito e aos tribunais quando é o interessado que intervém fora do tempo legalmente previsto, não podendo já impedir a entrega do bem, para mais podendo ainda usar de outro meio processual autónomo (acção declarativa) para tutela do seu alegado direito.
Não há na interpretação e aplicação dos referidos preceitos adjectivos qualquer inconstitucionalidade material.
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O recurso improcede.
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Em resumo:
1- Se bem que o prazo de caducidade estabelecido no art.º 353º, nº 2, do Código de Processo Civil, previsto para a dedução da pretensão de embargos de terceiro não seja aplicável aos embargos de terceiro com função preventiva, já a estes se aplica a parte final do mesmo normativo, por força do nº 1 do art.º 359º do mesmo código, sendo de negar a possibilidade de embargar preventivamente a entrega dos bens (móveis ou imóveis) depois de terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.
2- Havendo fundamento para rejeitar os embargos logo na respectiva fase instrutória em face aos elementos da petição inicial e do processo de execução, mas tendo eles sido indevidamente recebidos, o tribunal não fica impedido de os rejeitar na fase contraditória, mesmo ex officio, designadamente no saneador, contanto que o faça com aquele mesmo fundamento.
3- Neste caso, o embargante não fica impedido de, em acção própria e autónoma, defender o seu direito (art.º 355º do Código de Processo Civil).
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente.
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Porto, 11 de Julho de 2012
Filipe Manuel Nunes Caroço
Teresa Santos
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha
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[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, pág.s 142 e 143.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.5.2011, proc. 178-E/2000.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[4] Quis, por certo, referir-se o art.º 353º; o nº 2 do art.º 352º não existe.
[5] Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5ª edição, Almedina, pág.s 225 e 226.
[6] Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. I, pág.s 444 e 445.
[7] Nas palavras de Salvador da Costa, ob. cit., pág.s 230 e 231, citando o acórdão desta Relação de 9.2.1987, Colectânea de Jurisprudência, T. I, pág. 239 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.2.2004, proferido no Recurso 4296/2003, 2.a Secção.
[8] Ainda Salvador da Costa, ob. cit., pág. 30; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina 2010, pág. 309.
[9] Neste sentido podem consultar-se o acórdão desta Relação de 6.5.2010, proc. 1839/05.6TBVLG-F.P1 e o acórdão da Relação de Lisboa de 14.6.2008, proc. 5225/2008-8, in www.dgsi.pt e Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, 5ª edição, pág. 241.
[10] Veja-se, sobre o assunto, Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. I, pág. 433.
[11] Acórdão da Relação de Coimbra de 23.10.2007, proc. 233/04.TBSAT-.C1, in www.dgsi.pt.
[12] Cf. Salvador da Costa, ob. cit., pág.s 225 e 230.
[13] A jurisprudência e a doutrina têm defendido com forte estabilidade que, na fase contraditória é do embargado o ónus de alegação e prova da extemporaneidade dos embargos (neste sentido --- citando também o art.º 342º, nº 2, do Código Civil --- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.4.2008, proc. 08A046, in www.dgsi.pt). Cf. ainda Oliveira de Azeméis desta Relação de 14.1.2008, proc. 0756898, citando Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, pág. 622, Remédio Marques, Curso e Processo Executivo Comum, pág. 294, Lopes de Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2º ed., pág. 328, Salvador da Costa, Incidentes da Instância, pág. 195 e Acórdão da Relação Porto de 17.02.2000, Sumários de Acórdãos do TRP, n.º 9, 979.
[14] Não no cabe aqui discutir o direito do oponente e a viabilidade da acção.