Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1248/18.7T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
JUSTA CAUSA
DEPRESSÃO
Nº do Documento: RP201903251248/18.7T8MTS.P1
Data do Acordão: 03/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º292, FLS.112-128)
Área Temática: .
Sumário: I - As faltas surgem como interrupções na prestação do trabalho por dia ou dias úteis, podendo ser justificadas ou injustificadas.
II - A lei considera justificadas as faltas motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, como a doença.
III – Para que a falta, por doença, seja considerada justificada, é necessária a sua comunicação ao empregador: quando previsível, com a antecedência mínima de cinco dias; quando imprevista, “logo que possível”.
IV - Para o preenchimento de justa causa de despedimento não basta a simples materialidade de faltas injustificadas ao trabalho.
V - É ainda necessária a demonstração de comportamento culposo e grave do trabalhador.
VI – Não constitui comportamento culposo e grave do trabalhador faltar, injustificadamente, 9 dias seguidos ao trabalho, num total de 211 faltas dadas num ano civil, todas motivadas por doença depressiva incapacitante, do conhecimento do empregador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1248/2018.7T8MTS.P1
Origem: Comarca Porto-Matosinhos-Juízo Trabalho J3.
Relator - Domingos Morais – Registo 808
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
IRelatório
1. - B… apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo de Trabalho (CPT), na Comarca Porto-Matosinhos-Juízo Trabalho J1.
- Banco C…, S.A., frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado para motivar o despedimento, alegando, em resumo, que o autor, na sequência da nota de culpa (imputação de 13 faltas injustificadas) que lhe foi, oportunamente, notificada, foi despedida com justa causa, por violação do disposto no artigo 128.º, n.º 1 alíneas b), e h), do Código do Trabalho.
Terminou, concluindo: “deve ser declarada a regularidade e licitude do despedimento com justa causa, absolvendo-se o Réu do pedido do A.”.
2. - Notificado, o autor apresentou contestação/reconvenção, impugnando, parcialmente, a factualidade alegada pelo réu, e pedindo: “deverá ser declarado ilícito o despedimento do A., e em consequência:
a) Ser o R. condenado a indemnizar o A. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais provocados, que se computam em € 35.271,38 como supra se elencou;
b) Mais deve ser a Ré condenada a Readmitir o A.;
c) Deverá ainda ser a Ré condenada no pagamento de custas e procuradoria, e no que demais de legal se impuser”.
3. – O réu respondeu pela improcedência da reconvenção.
4. - No despacho saneador, a Mma Juiz admitiu a reconvenção e fixou à acção o valor de €35.271,38.
5. - Realizada a audiência de julgamento, a Mma Juiz proferiu decisão:
Nestes termos, e pelo exposto:
a) declaro ilícito o despedimento de B… levado a cabo pela entidade empregadora e réu Banco C…, S.A. por decisão proferida em 21/2/2018;
b) julgo a reconvenção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno o réu Banco C…, S.A.:
- a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
- a pagar ao autor as retribuições mensais, à razão de €1.635,69, e que neste momento ascende ao montante de €9.814,14, até ao trânsito em julgado da decisão final deste processo, a liquidar posteriormente, descontado do valor correspondente ao montante das retribuições que o autor tenha obtido com a cessação do contrato e não obteria sem esta e dos montantes pelo autor recebidos a título de subsídio de desemprego, nos termos do disposto no art.º390.º do Código do Trabalho, sendo certo que tem o réu a obrigação de restituir à Segurança Social as quantias por esta paga ao autor a título de subsídio de desemprego;
- a pagar ao autor as seguintes quantias:
- que se vier a liquidar posteriormente relativo ao incremento suportado pelo autor com a revisão pelo réu, decorrente da cessação do contrato de trabalho, do contrato de seguro vida e das taxas de juros bonificadas que o autor beneficiava enquanto seu trabalhador nos créditos à habitação que junto do réu havia contraído;
- €2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
Fixo em €11.814,14 o valor da presente acção.
Custas a cargo do réu.”.
6. – O réu, inconformado, apresentou recurso de apelação,
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7. - O autor contra-alegou,
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8. - O M. Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se pela improcedência do recurso.
9. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
Estão provados os seguintes factos:
1. O autor foi admitido ao serviço do réu a 25/3/2002, para trabalhar sob as ordens e direcções deste, com a categoria profissional de técnico.
2. O autor, na data dos factos, era técnico de Grau III, nível 10, estando colocado na C1…, onde exercia funções de analista de risco.
3. Como contrapartida do exercício de tais funções, o autor auferia mensalmente, à data do despedimento, a retribuição base de €1.338,82, diuturnidades de €174,05 e complemento de €122,82.
4. O autor era associado do Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários.
5. Ao longo do ano de 2017 o autor faltou ao trabalho conforme o seguinte quadro:

Data de InícioData de FimDias de calendárioDias úteisTotal de Horas
2017-01-162017-01-1833--
2017-01-192017-01-2353--
2017-01-052017-02-03108--
2017-02-042017-02-201711--
2017-02-2320170-2753--
2017-02-282017-03-0343--
2017-03-042017-03-0742--
2017-03-272017-03-2933--
2017-03-302017-03-3122--
2017-04-012017-04-0331--
2017-04-042017-04-0411--
2017-04-052017-04-0511--
2017-04-102017-04-1122--
2017-04-182017-04-1922--
2017-04-202017-04-2011--
2017-04-242017-04-2743--
2017-05-022017-05-0322--
2017-05-042017-05-1297--
2017-05-132017-05-1975--
2017-05-202017-05-2453--
2017-05-252017-06-0297--
2017-06-032017-06-13117--
2017-06-142017-06-27149--
2017-06-282017-07-0586--
2017-07-062017-07-1386--
2017-07-142017-07-2075--
2017-07-212017-07-2664--
2017-07-272017-08-07128--
2017-08-082017-08-1585--
2017-08-162017-08-28139--
2017-08-292017-09-08119--
2017-09-092017-09-1020--
2017-09-112017-09-221210--
2017-09-262017-09-2600--
6. O autor tem como horário de trabalho de segunda a sexta-feira, entre as 8h30 e as 18h30.
7. O autor não apresentou atestado médico para os 13 dias que faltou entre 29/8/2017 (inclusive) e 10/9/2017 (inclusive), nem nesse período deu qualquer justificação ao réu.
8. O autor iniciara uma baixa médica por doença em 16/8/2017, da qual teve alta a 29/8/2017.
9. A ausência do autor ao serviço causou uma sobrecarga de trabalho de seus colegas.
10. Naquele período de tempo a divisão em que o autor estava inserido tinha apenas três trabalhadores ao serviço, de um total de seis, para além do respectivo responsável.
11. Como analista de risco cabia ao autor a análise de pontos críticos que gerem não conformidades (risco) para os projectos e estudo no C1….
12. O autor tem conhecimento e consciência da importância das suas funções e que deve justificar as suas ausências ao serviço.
13. O estado depressivo do autor, que motivava a sua situação de baixa médica, era do conhecimento de sua hierarquia.
14. Já desde 2015 que o autor apresentava ausências ao serviço por doença, essencialmente do foro psiquiátrico.
15. No período compreendido entre 29/8/2017 a 10/9/2017 autor apresentava doença depressiva incapacitante, em fase debilitada e sob o efeito de medicação.
16. Todos os funcionários do réu que trabalhavam directamente com o autor sabiam que a sua incapacidade para trabalhar se estendeu até perto do final do mês de Setembro.
17. O período de incapacidade do autor abrangeu alguns dias de férias.
18. O autor tentou substituir dias de férias pelos dias de ausência, referidos em 7.
19. Por força do seu absentismo motivado por doença no relatório de avaliação de 2016, o réu sugeriu que o autor deixasse de ser “Analista de Empresas Encarteiradas”, passando a desempenhar as funções junto da “C1…”.
20. Apesar das funções do autor continuarem a ser de analista de risco, deixou de estar em contacto directo com empresas já clientes, de as acompanhar, e passou a dar parecer sobre pedidos de crédito “avulsos”.
21. O seu trabalho passou a ser menos continuado já que iniciava e acabava com a análise do pedido de crédito em concreto.
22. O despedimento agravou o estado depressivo em que o autor se encontrava.
23. O autor, enquanto trabalhador bancário, beneficia de taxas de juro bonificadas.
24. O autor é titular de dois créditos à habitação junto do réu, tendo sido entretanto informado de que irá deixar de beneficiar de taxa de juro especial.
25. E irá deixar de beneficiar do seguro de vida negociado com o réu.
26. O réu deu início ao processo disciplinar a 3/10/2017, tendo sido o autor notificado da nota de culpa por carta expedida a 3/11/2017.
27. A 23/11/2017 o autor responde à nota de culpa e, após diligências de prova, é proferida decisão final de despedimento a 21/2/2018, a qual foi notificada ao autor por carta expedida a 2/3/2018.
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De resto não se provaram outros factos, nomeadamente:
a) o alegado nos artigos 16º, 17º e 20º (estes últimos, para além do constante do ponto 9. dos factos) do articulado motivador da entidade patronal;
b) o alegado no artigo 53º a 55º, 59º, 60º, 65º a 69º (para além do que consta do ponto 21. dos factos provados), e 71º a 75º da contestação do autor;”.
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, supra transcritas, restrito a matéria de direito.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2.Objecto do recurso da ré.
- Da (i)nexistência de justa causa de despedimento.
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3. - Da (i)nexistência de justa causa de despedimento.
3.1. – Sobre a questão da justa causa, a sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
“É certo que o incumprimento do dever de respeito e a violação de direitos de personalidade constitui infracção disciplinar, a sancionar nos termos gerais (artigo 329º do Código do Trabalho), e poderá levar ao despedimento com justa causa, se tal infracção for grave e culposa, sendo certo que, como já se afirmou, o despedimento é sempre a sanção mais grave de uma hierarquia de sanções constantes do art. 328º, n.º 1, do Código do Trabalho.
No caso em análise, é inequívoco que o autor ao faltar injustificadamente 10 dias (úteis) consecutivos ao trabalho, preenche objectivamente a previsão da segunda parte da al. g) do n.º 1do art. 351º do Código do Trabalho.
No entanto, esta situação objectiva não poderá nunca ser desenquadrada da ponderação casuística da quebra de confiança que determine a impossibilidade de subsistência da relação laboral, conforme exige o n.º 1 do art. 351º do Código do Trabalho.
Conforme resulta dos factos provados, desde Janeiro de 2017 e até ao dia 28 de Agosto que o autor vinha faltando justificadamente ao trabalho (tendo trabalhado apenas cerca de 20 dias nesse período de tampo), sendo certo que já desde de 2015 que o autor vinha apresentando ausências ao serviço por doença, essencialmente do fora psiquiátrico.
O estado depressivo do autor, que motivava a sua situação de baixa médica, era do inteiro conhecimento do réu, o qual havia até adaptado as suas funções a esses períodos de ausência (cfr. pontos 19. a 21. dos factos).
Resultou também provado que após tal período de ausência sem justificação perante o réu, o autor faltou ainda justificadamente de 11/9/2017 a 26/9/2017 e é certo que no período compreendido entre 29/8/2017 a 10/9/2017 autor apresentava doença depressiva incapacitante, em fase debilitada e sob o efeito de medicação.
Todos os funcionários do réu que trabalhavam directamente com o autor sabiam que a sua incapacidade para trabalhar se estendeu até perto do final do mês de Setembro.
Por outro lado, é ainda certo que o período de incapacidade do autor abrangeu alguns dias de férias e que este tentou, junto do réu e a posteriori, substituir dias de férias pelos dias de ausência injustificada.
É também certo que não resulta dos autos que o autor tenha qualquer antecedente disciplinar.
Deste modo, e com fundamento no exposto, o circunstancialismo em que o ilícito disciplinar foi cometido e pelo facto do autor não ter antecedentes disciplinares nos quinze anos de trabalho que já contava no réu, entendo que haveria outras sanções disciplinares correctivas que seriam bastantes para fazer o autor reflectir e corrigir sua actuação. Dito de outro modo, entendo que todos os factos que descrevem o acontecimento não permitem concluir pela inviabilidade, pela inexigibilidade de manutenção da relação laboral.
Assim, considera-se que, no presente caso, a sanção de despedimento é excessiva, na medida em que o comportamento do trabalhador não é enquadrável nos nºs 1 e 3 do artigo 351º do Código do Trabalho, tendo em conta que a sanção deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, conforme dispõe o nº 1 do artigo 330º do mesmo Código, não sendo os factos, apesar de revestirem alguma gravidade, susceptíveis de criarem uma situação geradora de uma absoluta necessidade de fazer fracturar a relação laboral.
Sendo assim, os factos não integram causa que justifica o despedimento, sendo o mesmo ilícito (art. 381.º, nº 1, alínea b) do Código do Trabalho).”.
3.2. - Em sede de recurso, o réu alegou, em síntese:
Z14) O Recorrido sabia que, sendo a sua ausência ao trabalho considerada injustificada, como foi, seria sancionado disciplinarmente, pois sabia, conhecia, tinha consciência de que devia “justificar as suas ausências ao serviço” (ponto 12 da matéria provada), pelo que foi ele próprio a criar as condições para ser sancionado e o Banco não exorbitou do seu direito de sancionar, apenas tendo atuado na sequência do comportamento ilícito do Recorrido.”.
3.3. - Quid iuris?
3.3.1. - A ré acusou o autor de: (i)ter violado o dever previsto no artigo 128.º, n.º 1 alínea b) do Código de Trabalho (CT – serão deste diploma os artigos citados sem menção de origem): “Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade”; (ii)centrou o objecto do recurso no ponto 7) dos factos provados, ou seja, em 13 dias de faltas injustificadas do autor ao serviço, entre 29/8/2017 (inclusive) e 10/9/2017 (inclusive); (iii)e enquadrou a sanção de despedimento na previsão do artigo 351.º, n.º 2, alínea g) do CT: “2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;”.
3.3.2. - O contrato de trabalho é uma fonte de direitos e de deveres para as partes contratantes (cf. artigo 126.º e segs. do CT).
O conceito de justa causa, formulado no artigo 351.º, compreende, de harmonia com o entendimento generalizado tanto na doutrina como na jurisprudência, três elementos:
a) Um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador,
b) Outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação laboral e
c) Na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Além disso, o n.º 3, do artigo 351.º, dispõe que “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
No dizer de A. Mota Veiga, Direito do Trabalho, 2.º vol., 1987, pág. 218, “a gravidade do comportamento deve ser apreciada em termos objectivos e concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que o empresário subjectivamente considere como tal. Assim, a gravidade deve ser apreciada em face das circunstâncias que rodeiam a conduta do trabalhador, dentro do ambiente da própria empresa”.
Para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências.
Tanto a gravidade como a culpa devem ser apreciadas em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade.
Como escreve Jorge Leite, in Direito do Trabalho, Lições policopiadas, FDUC, pág. 417, “A gravidade do comportamento é um conceito objectivo-normativo e não subjectivo-normativo, isto é, a valoração do comportamento não deve ser feita segundo os critérios subjectivos do empregador ou do juiz, mas segundo o critério do empregador razoável, tendo em conta a natureza deste tipo de relações, caracterizadas por uma certa conflitualidade, as circunstâncias do caso concreto e os interesses em presença”.
Por fim, a impossibilidade, tomado este termo no sentido de inexigibilidade, e não a simples dificuldade, de subsistência da relação laboral deve, também, ser valorada perante o condicionalismo da empresa e ter em vista o critério acima referido, de não ser objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador sanção menos grave.
No seu estudo subordinado ao título “Justa causa de despedimento: conceito e ónus da prova”, publicado na Revista Direitos e Estudos Sociais, Ano XXX, Janeiro/Março de 1988, págs. 1 a 68, Bernardo Lobo Xavier formula as seguintes conclusões: “feita a necessária averiguação, o Juiz só poderá dar o despedimento como válido se considerar provados os factos susceptíveis de - num critério de normalidade - implicarem a impossibilidade prática da relação, em termos, portanto de não poder fazer um juízo de inadequação, entre o quadro de facto e a rescisão do contrato. É claro que o Juiz considerará o despedimento como nulo quando não se apurem os factos suficientes para fazer supor a impossibilidade das relações ou quando se comprovem outros factos capazes de descaracterizar os factos apurados como aptos a conduzir a essa impossibilidade ou, de qualquer modo, possa emitir um prognóstico de viabilidade da relação”.
A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve “um juízo de prognose” sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico - o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais, que ele importa, seja de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
[cf. Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, 8.ª edição, vol. I, págs. 461 e segs.; Menezes Cordeiro, em Manual de Direito do Trabalho, 1991, págs. 822; Lobo Xavier, em Curso de Direito do Trabalho, 199, págs. 488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, em Colectânea de Leis do Trabalho, 1985, págs. 249; Mota Veiga, em Direito do Trabalho, II, págs. 128].
Deste modo, a doutrina considera que a justa causa só pode ter-se por verificada quando, e ponderadas todas as circunstâncias que no caso relevem, não seja exigível ao empregador a permanência do contrato.
[cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, página 580; Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, págs. 170/171; Motta Veiga, Lições de Direito do Trabalho, págs. 537/538; Joana Vasconcelos, Concretização do Conceito de Justa Causa, em Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, volume 3, págs. 209/210 -].
O Supremo Tribunal de Justiça tem seguido igual posição ao defender que (…) “a inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á, sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, a subsistência do vínculo fira de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado, o que pressupõe a necessidade de um prognóstico sobre a viabilidade da relação de trabalho, ou seja, um juízo, referido ao futuro, sobre a impossibilidade das relações contratuais, do que decorre que, assentando a relação laboral na cooperação e recíproca confiança entre o trabalhador e o empregador e num clima de boa fé, a mesma não poderá manter-se se o trabalhador destruir ou abalar, de forma irreparável, a confiança na idoneidade futura da conduta” (…). – acórdão de 2008.10.01, na CJ, Acórdãos do STJ, ano 2008, tomo 3, página 277.
No mesmo sentido, o acórdão do mesmo Tribunal, de 2012.03.07, na CJ, ano 2012, tomo 1, página 258, onde se escreveu que (…) “O despedimento/sanção é a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interacção relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador” (…).
É importante ainda referir, conforme posição defendida no acórdão do STJ de 2013.03.21, que “Para legitimar um despedimento, não basta a perda de confiança da entidade patronal no trabalhador, sendo necessário, da parte deste, que a violação dos deveres laborais seja objectiva e subjectivamente grave, no domínio da ilicitude e da culpa, como é próprio do direito sancionatório” – CJ, Acórdãos do STJ, 2013, tomo 1, páginas 238 e seguintes. (negrito nosso).
Na verdade, a exigência geral de boa fé na execução dos contratos reveste-se, neste campo, de especial significado, por estar em causa o desenvolvimento de um vínculo caracterizado pela natureza duradoura e pessoal das relações dele emergentes, relações essas que devem desenvolver-se em ambiente de confiança recíproca entre o trabalhador e o empregador.
Deste modo, é necessário que o comportamento do trabalhador não seja susceptível de destruir ou abalar essa confiança, de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta.
3.3.4. - Avaliemos o caso dos autos, à luz das normas, da doutrina e da jurisprudência citadas.
Em síntese, o autor foi acusado, pelo réu, de ter dado 13 faltas injustificadas, no decurso do ano de 2017.
A noção de falta é dada pelo artigo 248.º, n.º 1, do CT: “Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário.”.
Nos termos do artigo 203.º, n.º 1, “O período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana.”, isto é, a falta legal é reportada a dia útil de trabalho.
As faltas surgem como interrupções na prestação do trabalho por dia ou dias úteis e têm as seguintes modalidades: faltas justificadas e injustificadas – artigo 249.º, n.º 1, do CT.
E o n.º 2 indica quais as faltas que são consideradas justificadas, como, as motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal;” – cf. alínea d). (negrito nosso).
Acontece, porém, que não basta para que a falta seja considerada justificada, o poder reconduzi-la a alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 249.º; ela tem ainda de ser comunicada ao empregador nos termos do artigo 253.º: quando previsível, com a antecedência mínima de cinco dias - n.º 1- e quando imprevista, “logo que possível” - n.º 2.
A lei não fornece quaisquer elementos ou indicações susceptíveis de definir o significado da expressão “logo que possível”, pelo que é perante as circunstâncias concretas do caso que o julgador deve avaliar da tempestividade da comunicação à entidade patronal das faltas dadas por motivo imprevisto.
Atento o disposto no artigo 253.º, n.º 5, a falta de comunicação transforma as faltas “consideradas justificadas” em faltas “injustificadas”.
No caso sub judice, está provado que o autor: (i)desde 2015 apresentou ausências ao serviço por doença, essencialmente do foro psiquiátrico; (ii)por força do seu absentismo motivado por doença no relatório de avaliação de 2016, o réu sugeriu que o autor deixasse de ser “Analista de Empresas Encarteiradas”, passando a desempenhar as funções junto da “C1…”; (iii)ao longo do ano de 2017 – entre 16.01. a 22.09. - faltou 211 dias de calendário por doença do foro psiquiátrico – 141 dias úteis -, não tendo apresentado o respectivo atestado médico apenas para os 9 dias úteis que decorreram entre 29.8.2017 e 10.9.2017; (iiii)neste período, apresentava doença depressiva incapacitante, em fase debilitada e sob o efeito de medicação; (iiiii)O réu deu início ao processo disciplinar a 03.10.2017.
A questão que se coloca, atenta esta factualidade, é a de saber se, para o preenchimento de justa causa de despedimento, basta a simples materialidade das 9 faltas injustificadas ao trabalho.
Ora, é entendimento maioritário na doutrina e quase unânime na jurisprudência, na senda de uma tradição legislativa de décadas, que não basta, para o preenchimento de justa causa de despedimento, a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias úteis/ano, sejam elas seguidas ou interpoladas. É ainda necessária a demonstração de comportamento culposo e grave do trabalhador, que torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Dito de outro modo: para o preenchimento da previsão da alínea g), 2.ª parte, do n.º 2 do artigo 351.º do CT, há que ponderar a cláusula geral contida no seu n.º 1, através de um juízo sobre a situação em concreto, isto é, constituem justa causa de despedimento, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, 5 faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas, em cada ano civil, que, pela sua gravidade e consequências, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
[Cf. Jorge Leite, in Direito do Trabalho, da Cessação do Contrato de Trabalho, 1978, págs. 142 a 149 e in Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Acção Social da U.C., Serviço de Textos, 2004, págs. 211 e 212; Pedro de Sousa Macedo, in Poder Disciplinar Patronal, 1990, págs. 100 a 103; Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, págs. 722 e segs. e in Algumas Reflexões Sobre as Faltas Justificadas por Doença (não profissional) do Trabalhador, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, volume II, 2003, págs. 717 e segs.; Albino Mendes Baptista, in As Faltas ao Trabalho por Motivo de Doença (não profissional) do Trabalhador, VIII Congresso Nacional de Direito do Trabalho, 2006, págs. 47 e segs.; Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, 2003, pág. 583, Joana Vasconcelos, in Concretização do Conceito de Justa Causa, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, volume III, 2002, págs. 207 e segs.; Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2006, págs. 819 e 820; e Milena Silva Rouxinol, in Questões Laborais, Ano XXII, n.º 47, págs. 193 a 215.
Na jurisprudência, cf., por exemplo, os acórdãos do STJ de 20 de junho de 1996; de 19 de fevereiro de 1997; de 9 de abril de 2003; de 26 de novembro de 2003, sumariados em www.stj.pt/jurisprudência/sumários de acórdãos; de 15 de fevereiro de 2006 e de 08 de outubro de 2008, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt; e do TRP de 19 de março de 2012 de 23 de abril de 2018, em www.dgsi.pt].
As 9 faltas injustificadas ao trabalho, dadas no período de 29.8.2017 a 10.9.2017, fazem parte do total das 211 faltas dadas pelo autor no ano de 2017, durante o qual o autor apresentou doença depressiva incapacitante, estado depressivo esse que era do conhecimento do réu - cf. ponto 13 dos factos provados.
Além disso, no período de 29.8.2017 a 10.9.2017, o autor apresentava doença depressiva incapacitante, em fase debilitada e sob o efeito de medicação, sendo certo que continuou a faltar no período a seguir, entre 11.09 a 22.9.2017, tendo apresentado a respectiva justificação.
Da factualidade apurada, não está demonstrado que a não comunicação do autor da reconhecida incapacidade temporária - de 29.8.2017 a 10.9.2017 - se deveu a uma quebra do dever de lealdade ou desinteresse e indiferença perante o empregador.
Na verdade, não só o autor apresentava um estado depressivo desde 2015, com realce para o ano de 2017, do perfeito conhecimento do réu, como todos os colegas de trabalho do autor sabiam que a sua incapacidade para trabalhar se estendeu até perto do final do mês de Setembro desse ano - cf. ponto 16 dos factos provados.
Mas mais: o autor tentou substituir dias de férias pelos 9 dias da ausência em causa.
Em síntese: no ano de 2017, o autor faltou 211 dias de calendário (sem interrupção entre 02.05.2017 a 26.09.2017) por doença depressiva, e não apresentou a respectiva justificação apenas em relação a 9 dias úteis. O estado depressivo do autor era do total conhecimento do réu e de todos os colegas que trabalhavam directamente com o autor, a significar que as faltas a que se reporta a decisão de despedimento não foram dadas de surpresa para o réu, ao ponto de terem causado grave perturbação na sua actividade, como alega o réu/recorrente.
Deste modo, “num critério de normalidade”, a eventual impossibilidade de continuar a trabalhar para o réu não advém de qualquer comportamento culposo e grave do autor, mas, infelizmente para ele, do seu estado de saúde.
Uma nota final: como supra referido, o autor faltou ao serviço, sem interrupção, entre 02.05.2017 a 26.09.2017, por doença depressiva, e só não apresentou a respectiva justificação para o período intercalar de 29.8.2017 a 10.9.2017, sendo certo que continuou a faltar até 26.09.2017. O réu, perfeito conhecedor da situação e do estado depressivo do autor (doença que, como é sabido, não se cura de “um dia para o outro”), em vez de usar o mecanismo previsto no artigo 254.º - exigir do autor a justificação dos 9 dias de falta -, “correu” de imediato – em 03.10.2017, sete (7) dias após o reinício de funções pelo autor -, a instaurar procedimento disciplinar.
Ou seja, atentas as circunstâncias concretas do caso dos autos – o retomar de funções após mais de 4 meses de baixa médica, por doença do foro psiquiátrico -, era mais do que razoável que o réu tivesse interpelado e permitido ao autor a apresentação da justificação das 9 faltas num prazo posterior, não só porque no período em falta o autor passou por uma “fase debilitada e sob o efeito de medicação” (cf. ponto 15 dos factos provados), como se prontificou a substituir dias de férias pelos 9 dias da ausência em causa, o que afasta qualquer culpa, e muito menos grave, no seu comportamento.
Em conclusão: a sanção de despedimento aplicada pelo réu, ao autor, nas circunstâncias concretas supra descritas, é inadequada, tanto mais que não está demonstrado qualquer passado disciplinar do autor.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso do réu.
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IV.A decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social, julgar improcedente o recurso de apelação do réu e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do réu.
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Porto, 2019.03.25
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha