Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3944/10.8TXPRT-H.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RP201210033944/10.8TXPRT-H.P1
Data do Acordão: 10/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Apesar de ter sido revogada a liberdade condicional anteriormente aplicada, deverá ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos 5/6 da mesma pena, pois para que tal ocorra basta o decurso do tempo e a concordância do condenado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 3944/10.8 TXPRT-H.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1.Relatório
B…, recluso no Estabelecimento Prisional do Porto (Custóias), devidamente identificado nos autos, inconformado com a decisão proferida no Tribunal de Execução das Penas que não lhe concedeu a liberdade condicional, recorreu para esta Relação, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
I. O recorrente foi condenado a uma pena de prisão de 12 anos e 3 meses, após aplicação de um perdão de 1 ano e 6 meses, à ordem do processo 1910/97.6JAPRT, da 4.ª Vara Criminal do Porto.
Foi-lhe concedida liberdade condicional, por decisão de 12.05.2004, que se estenderia até 12.05.2009.
Liberdade condicional revogada por decisão revogatória proferida em 09.07.2008.
Sendo que o recorrente foi novamente detido em 10.02.2010, para o cumprimento do remanescente da pena de 5 anos, 1 mês e 8 dias de prisão.
II. Por homologação, devidamente transitada em julgado, ficou fixado que os 2/3 da pena se cumpriam em 16.02.2011, os 5/6 da pena em 03.03.2013 e a totalidade da pena em 19.03.2015.
III. Em 26.04.2012, em sede de Renovação de Instância, reuniu o Conselho Técnico e, depois de ouvido o recorrente, foi emitido parecer desfavorável à concessão de nova liberdade condicional. Decisão que é objecto do presente recurso.
IV A aplicação da liberdade condicional deve aferir-se, no caso sub judice, nos termos do disposto no art.º 61.º do Código Penal (CP), pela verificação dos requisitos constantes no seu n.º 2, alínea a).
V. Quanto aos requisitos de natureza formal dos 2/3 da pena, foram cumpridos mais de 6 meses da pena e foi dado o consentimento pelo recluso;
VI. A aplicação da Liberdade Condicional depende da verificação do pressuposto material previsto no art.º 61.º, n.º 2, al. a), do CP, por remissão do n.º 3 do mesmo art.º 61.º.
E a al. a) do referido art.º, faz depender a aplicação da Liberdade Condicional da prognose favorável de que o recluso, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, atentas: a) As circunstâncias do caso; b) A vida anterior do agente; c) A sua personalidade, e d) A evolução desta durante a pena de prisão.
VII. A aplicação da Liberdade Condicional assenta, pois, num juízo de prognose, que embora ponderado e cuidadoso, não deixa de ser um juízo de probabilidade e não de certeza.
VIII. Risco, aliás, clara e indiscutivelmente assumido pela legislação em vigor, ao prever a possibilidade de libertação ao meio e dois terços da pena, independentemente do tipo de crime em causa, tendo em atenção as finalidades e objectivos que prossegue.
A Liberdade Condicional tem como base o sentido de orientação e a reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes.
Aliás, e como pode ler-se na Exposição de Motivos do Dec-Lei 400/82 de 23 de Setembro que aprovou o CP, “Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve na política do código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido e orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. Com tal medida (…) espera o código fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do internado, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da sociedade.”
IX. Diz-se na decisão, ora notificada ao recorrente, que: “Reuniu o Conselho Técnico, que emitiu parecer desfavorável (por unanimidade) à concessão da liberdade condicional,…”.
Do Conselho Técnico fazem parte, entre outros, um membro dos serviços prisionais e um membro dos serviços de reinserção social.
É apresentado relatório e é, também, com base neste que a decisão de concessão ou não da Liberdade Condicional vai ser apreciada.
X. Salvo melhor opinião, que se respeitará naturalmente, do relatório do técnico da Equipa de Reinserção Social do Porto Penal 5 não pode extrair-se a conclusão a que se chegou na decisão de que se recorre; o enquadramento familiar e social do arguido, e por contacto do técnico da equipa de reinserção social com a sua actual companheira, é positivo quanto à vida em comum, que pretendem aliás continuar; diz-se: “…mantendo ambos a intenção de continuar o relacionamento afectivo,…”
XI. Quanto à habitação, diz-se claramente no relatório não se perceber qualquer conflito relacional no prédio onde habitava antes de ser novamente detido, e onde habitará assim que esteja em liberdade; aliás, o recluso ao mudar da habitação onde antes vivia, essa sim situada em zona problemática, quis “romper” com o passado e desviar-se das antigas amizades que lhe eram prejudiciais; a casa que agora lhe está atribuída é uma casa de construção recente e onde vivia antes da detenção com a actual companheira, sem qualquer problema; diz-se no relatório: “Não se percebeu a existência de algum conflito relacional no prédio onde habita,…”.
XII. Por outro lado, o recorrente tem assegurada colocação laboral assim que esteja em liberdade, quer em actividades agrícolas (C…), quer com o seu irmão que é comerciante de farturas e manifestou interesse na prestação laboral do recorrente; tem pois, assegurado projecto e colocação laboral.
XIII. A sua actual companheira tem um contrato de trabalho estável e gratificante, auferindo um salário que lhe permite assegurar a sua subsistência e a do recorrente, e manifesta a vontade de partilhar a economia doméstica com este.
XIV. O recorrente, nas palavras do próprio técnico, tem consciência crítica em relação à atitude criminal que revelou e que contribuiu para a situação prisional em que se encontra; consegue interiorizar que a sua conduta o levou à situação prisional em que se encontra, não se considerando vitima do que quer que seja, outrossim tem consciência de que foi a sua conduta que o “levou até ali”, e a dimensão da pena mostra-se suficientemente intimadora para o recorrente.
XV. Mostra arrependimento das condutas anteriores, e está absolutamente seguro que, uma vez em liberdade, a sua vida será orientada por padrões de normalidade, com reconhecimento pela pessoa humana e respeito pelas regras da comunidade; demonstra, pois, uma evolução na sua personalidade que não era perceptível aquando da anterior reunião para apreciação da concessão de Liberdade Condicional ao recorrente.
XVI. Quanto à decisão negativa dos serviços prisionais no que concerne à concessão da Liberdade Condicional ao recorrente, não se entende porquanto, o recorrente continua a apresentar atitude consonante com as normas institucionais; tem excelente relacionamento pessoal com os restantes reclusos; cumpre com as normas institucionais, não criando qualquer tipo de problemas, quer aos restantes reclusos, quer aos serviços prisionais; tem uma actividade laboral dentro do estabelecimento prisional empenhada, inatacável, e releva de forma acentuada e distinta essa actividade; cumpre, presentemente, um horário entre as 08H15 e as 18H40, repartido entre o bar de apoio ao pavilhão e a cantina; durante todo o tempo de reclusão nunca foi punido ou sequer admoestado; revela uma evolução da sua personalidade.
XVII. Não obstante a falta de tempo para outras actividades dentro do estabelecimento prisional, mostrou-se disponível para a sua valorização pessoal, frequentando um curso de GPS nas instalações da instituição.
XVIII. Diz-se, ainda, na decisão de que se recorre que “O condenado encontra-se detido pela quarta vez em estabelecimento prisional…”; o recorrente esteve preso no estabelecimento de Paços de Ferreira à ordem deste processo; beneficiou do regime de Liberdade Condicional que veio a ser revogada, e consequentemente foi novamente detido; esteve detido mais duas vezes, por não pagamento de multas; uma das vezes cumpriu 3 meses de prisão e da outra vez esteve detido apenas um par de horas pois a multa acabou por ser paga e foi libertado. Não foi pois por cometimento de outros crimes que foi detido, como pode parecer da simples leitura da decisão de que agora se recorre.
XIX. Diz-se ainda que “…o seu comportamento em meio livre, após a sua detenção, não se mostra testado.”. Sendo verdade o que é dito na decisão, sempre se dirá que dificilmente será testado se persistirem os indeferimentos aos seus pedidos de flexibilização da pena, pois todos os pedidos efectuados até hoje para que sejam concedidas saídas precárias do estabelecimento prisional foram negadas, incluindo aquela a que se faz referência na decisão.
XX. Diz o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo: “Todas estas circunstâncias desaconselham a concessão de uma nova liberdade condicional no âmbito da pena de prisão agora (novamente) em execução, não obstante o trajecto prisional evidenciado (ressaltando integração laboral no sector da cantina e ausência de punições disciplinares) e a existência de condições objectivas favoráveis em meio livre (enquadramento habitacional, apoio sócio-familiar e colocação laboral), realidades que, de resto, também já ocorriam aquando da anterior concessão de liberdade condicional.” (Sublinhado nosso); o recluso cumpre objectivamente com os pressupostos para a concessão de Liberdade Condicional, pelo que deveria o Tribunal a quo, e nos termos do art.º 61.º do CP, ter-se decidido pela concessão da Liberdade Condicional ao recorrente, por verificação dos requisitos exigidos por este artigo, e cumprindo com o preceito legal que diz “o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional….”.
XXI. Tanto mais, sempre com o devido respeito por opinião diversa, o n.º 3 deste art.º 61.º não atribui qualquer poder discricionário ao julgador, pelo contrário, diz claramente que o tribunal coloca o condenado em liberdade quando se encontre preenchido, de forma objectiva, o requisito do n.º 2, al. a).
Assim sendo, deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter proferido decisão que concedesse a liberdade, por preenchidos os requisitos legais de que depende a mesma, ao revés da decisão ora notificada.
SEM PRESCINDIR
XXII. Pronuncia-se o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, na decisão ora notificada e que é objecto do presente recurso, pela não aplicação do n.º 4 do art.º 61.º do CP, posto que a execução da pena foi interrompida pela concessão da liberdade condicional, encontrando a ratio legis desta norma em privações prolongadas da liberdade.
XXIII. Entende o recorrente que não assiste razão ao Meritíssimo Juiz do tribunal a quo, pois a aplicação desta norma, vertida no n.º 4 do art.º 61.º do CP, opera de forma automática, isto é, o julgador não dispõe de nenhum poder discricionário, nem sequer um poder dever, na aplicação desta norma, nem tão pouco a sua aplicação está sujeita a qualquer outro requisito que não seja o decurso de 5/6 da pena superior a 6 anos aplicada ao recluso; verificados estes requisitos – 5/6 da pena de prisão cumprida e pena superior a 6 anos – a imperatividade da norma obriga à sua aplicação, a liberdade condicional aqui é obrigatória por força da Lei.
XXIV. E não existe qualquer paralelismo entre os art.ºs 61.º e 63.º do CP; o art.º 63.º apenas se aplica em casos de execução sucessiva de várias penas; ora, no caso sub judice, não estamos perante uma sucessão de penas, outrossim uma pena inicial que foi interrompida por concessão da liberdade condicional, e por força da violação dos deveres a que estava sujeito o recorrente, foi revogada e está agora a cumprir o remanescente dessa primitiva pena e não qualquer outra pena.
XXV. E aqui existe jurisprudência que esclarece de forma inequívoca as condições para conceder a liberdade condicional quando forem atingidos os 5/6 da pena de prisão; lê-se no Acórdão 3/2006, do Supremo Tribunal de Justiça, que fixou Jurisprudência que: “…é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos da pena de prisão superior a 6 anos…”.
XXVI. Portanto, os invocados argumentos pelo Tribunal a quo de “se dela não tiver antes aproveitado” e “ao dispor pode, a lei está claramente a afastar o regime automático do n.º 4 desse art.º 61.º…” não têm qualquer aplicação neste caso em concreto porquanto, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo valora o fato da liberdade condicional concedida ao arguido e posteriormente revogada, ter interrompido a pena de prisão que então cumpria, considerando o remanescente da pena que agora cumpre como se de uma nova pena se tratasse, ou seja, valora a interrupção do cumprimento da primitiva pena para afastar o regime automático do art.º 61.º, n.º 4, quando estamos claramente no domínio da mesma pena que estava em execução e não em nova pena que o recluso esteja a cumprir.
XXVII. Ressalvando, de novo, o devido respeito pela opinião vertida na decisão de que ora se recorre, não têm qualquer apoio na letra da lei, nem tão pouco no seu espírito, os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo.
Extrai-se da fundamentação do Acórdão 3/2006, atrás referido, que o entendimento de que a exigência que os cinco sextos do cumprimento da pena se façam ininterruptamente não tem apoio na letra da lei (então artigo 61.º, n.º 5, do Código Penal) e contraria o sentido da própria norma, não sendo, por outro lado, imposto pela ratio legis.
XXVIII. E como ensina João Baptista Machado, em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª impressão, Almedina, pág. 173 e seguintes: “A disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento. (…) Para desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete deve socorrer-se de diversos factores hermenêuticos: o elemento gramatical, o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático, o elemento histórico.”
XXIX. E não tendo apoio na letra da Lei a opinião vertida na decisão do Meritíssimo Juiz a quo, terá apoio nos elementos histórico e hermenêutico da norma?
Entende o recorrente que não.
XXX. No Ante-projecto da Revisão do Código Penal (de 1987) a redacção desta norma era a seguinte: «3 – Se não tiver aproveitado do disposto nos números anteriores (os respeitantes à liberdade condicional “facultativa”), o condenado a pena de prisão superior a 8 (entendeu, depois, a Comissão de Revisão baixar para os 6 anos de prisão) anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena.”
Sobre este n.º 3, disse o Sr. Professor Figueiredo Dias (cfr. Acta n.º 7, de 17 de Abril de 1989, da Comissão de Revisão, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 62 e seguintes): «O n.º 3 consagra a modalidade “obrigatória” da liberdade condicional. No fundo, trata-se de dar resposta às situações de desabituação da vida em liberdade, originadas pela aplicação de penas muito longas, em que se torna imprescindível um período de adaptação.»
«O ónus da recuperação do condenado é transferido para o Estado, competindo à sociedade suportar o risco da sua libertação condicional
A discussão sobre o n.º 3 centrou-se no seguinte (cfr. mesma Acta n.º 7, p.70 da supra citada obra): «O Sr. Procurador-Geral da República exprimiu as suas dúvidas quanto à redacção do n.º 3 e isto porque o condenado pode ter aproveitado as soluções anteriores (de liberdade condicional “facultativa”) e depois voltar à cadeia.»
O Sr. Professor Figueiredo Dias concordou com a objecção levantada, reconhecendo haver necessidade de obter uma decisão para o caso do condenado a pena de prisão superior a 8 anos que é posto em liberdade condicional quando se encontram cumpridos dois terços da pena e depois vê revogada a liberdade condicional
Volta à prisão para cumprir o resto da pena, saindo obrigatoriamente em regime de liberdade condicional quando haja cumprido cinco sextos da pena? Ou é de negar a libertação aos cinco sextos?»
O Sr. Procurador-Geral da República «frisou o ónus do Estado na preparação do delinquente para a liberdade, que deverá ainda aqui justificar a liberdade condicional obrigatória. O Estado procederá sempre à libertação do condenado, pois, se não for no momento do cumprimento dos cinco sextos da pena, sairá em liberdade plena pouco tempo depois. A manutenção, nesta hipótese, da liberdade condicional obrigatória manteria ainda algum controlo sobre o delinquente.»
Na sequência desta intervenção a Comissão acordou na seguinte redação para o n.º 3 do art.º 61.º: «3 – O condenado a pena de prisão superior a 8 anos será posto em liberdade condicional logo que haja cumprido cinco sextos da pena.».
XXXI. Se o teor literal do preceito legal aponta no sentido que é obrigatória a colocação em liberdade condicional do recluso assim que estejam cumpridos cinco sextos da pena de prisão superior a 6 anos que lhe foi aplicada, a história e evolução deste preceito legal, e as discussões de que foi alvo, não deixam dúvidas.
Releva-se a redacção definitiva deste preceito, que manifesta que foi propósito do legislador encontrar uma fórmula que não deixasse que subsistissem dúvidas quanto à obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena.
Desvalorizando por completo, ou antes, afirmando inequivocamente que, ainda que o recluso em fase de cumprimento de pena tivesse esta interrompida por via da concessão da liberdade condicional, o regime de liberdade condicional ope legis sempre se aplicará.
A interpretação, pois, deste preceito legal que reclama o cumprimento ininterrupto dos cinco sextos da pena de medida superior a 6 anos de prisão não encontra, portanto, qualquer elemento histórico e é, até, rejeitada pelo elemento teleológico.
XXXII. Acresce ao afirmado anteriormente, as discussões da Comissão Revisora do Projecto de 1963 e da Comissão de Revisão do Anteprojecto de 1987 ressalta que: «… a liberdade condicional “obrigatória” não tem como única finalidade permitir ao condenado uma mais fácil reintegração na comunidade - …… - mas, ainda, que o reingresso na vida em liberdade não se faça sem um período de transição durante o qual o Estado ainda mantenha algum controlo sobre o condenado.»
Donde o elemento teleológico deste preceito nos conduz, exactamente, no mesmo sentido do elemento literal e do elemento histórico.
XXXIII. A liberdade condicional obrigatória, tal como se afirmou aqui inicialmente, não é um “prémio” para o condenado, antes é um ónus acrescido para o Estado.
E o correr do texto do CP vai levar-nos às mesmas conclusões a que aqui se chegou, desde logo no seu art.º 64.º quando dispõe que a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena ainda não cumprida, e pode haver concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.º 61.º.
XXXIV. Deve, pois, ser revogada a decisão, de que ora se recorre, na sua parte final quando se refere à renovação anual da instância nos termos do art.º 180.º, n.º 1 do C.E.P., posto que nessa data já terá o recorrente de estar em liberdade condicional, por aplicação do disposto no art.º 61.º, n.º 4 do CP.
Em suma, fica cabalmente provado que o recorrente cumpre objectivamente com os requisitos legais do artigo 61.º, n.º 2, al. a) do CP, pelo que a decisão de que ora se recorre deveria conduzir à concessão da liberdade condicional do recorrente, ao revés da conclusão que negou essa liberdade pela decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.
Por outro lado se conclui, também, que a decisão notificada que convoca desde já para a renovação da instância, deve ser revogada, posto que nessa data já deve o recorrente estar em liberdade condicional por aplicação do disposto no artigo 61.º, n.º 4 do CP”

Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal “a quo”, pugnando pela manutenção integral da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso.

Nesta Relação, o Ex.º Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, considerando ainda que a questão de saber se o condenado, quando atingir os 5/6 da pena, deve ser ou não imperiosamente libertado (em 03-03-2013), não foi ainda decidida (“conhecida”) pelo Tribunal recorrido e, portanto, não faz parte do objecto deste recurso.

Cumprido o disposto no art. 417º, 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência, para julgamento.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto

O despacho recorrido é do seguinte teor:
“(…)
Corre o presente processo de liberdade condicional referente ao condenado B…, identificado nos autos.
Foram elaborados os pertinentes relatórios.
Reuniu o Conselho Técnico, que emitiu parecer desfavorável (por unanimidade) à concessão da liberdade condicional, e procedeu-se à audição do recluso, que consentiu na aplicação de tal regime.
O Ministério Público pronunciou-se pela não concessão da liberdade condicional.
Cumpre decidir, nada obstando, consignando-se que a factual idade a seguir mencionada e analisada resulta do teor da(s) certidão(ões) proveniente(s) do(s) processo(s) da condenação, do C.R.C. do condenado, dos relatórios elaborados em cumprimento do preceituado no artigo 173.°, n." 1, alíneas a) e b), do C.E.P., da ficha prisional remetida pelo estabelecimento prisional, da reunião do Conselho Técnico e da audição do recluso, tudo elementos documentados nos autos, principais e apensos.
O condenado nasceu em 06.08.1977 e cumpre a pena única de 12 anos e 3 meses de prisão, após aplicação do perdão (de 1 ano e 6 meses) concedido pela Lei n.º 29199, de 12 de Maio, à ordem do processo n.º 1910197.6JAPRT, da 4.a Vara Criminal do Porto, no âmbito do qual foram cumuladas penas parcelares atinentes à autoria de três crimes de roubo, dois crimes de sequestro e de um outro de ofensa à integridade física, agravada pelo resultado (morte).
Atingiu os dois terços da pena em 16.02.2011, estando o seu termo previsto para 19.03.2015 (cf. Fls. 336-339).
O condenado encontra-se detido pela quarta vez em estabelecimento prisional (conforme informação transmitida no decurso da reunião do Conselho Técnico).
No âmbito da pena ora em execução beneficiou já o condenado de liberdade condicional (aplicada por decisão de 12.05.2004, constante de fls. I 04-105), regime que se estenderia até 12.05.2009 (dado o máximo legal de cinco anos), o qual foi objecto de revogação, por incumprimento das obrigações fixadas e pelo cometimento de novo crime - nessa decorrência, foi novamente detido em 10.02.2010, para cumprimento do resultante remanescente de 5 anos,1 mês e 8 dias de prisão.
Com efeito, do decurso do respectivo período, conforme apurado no processo revogatório (cf. a decisão revogatória proferida em 09.07.2008 e constante de fls. 64-65 do apenso de revogação), mais concretamente a partir de Novembro de 2007, o libertado deixou de manter a residência fixada por forma regular, alterando-a sem solicitar autorizações, eximiu-se ao acompanhamento pela D.G.R.S., mantendo-se incontactável face a tais serviços, e não compareceu a diligência no T.E.P., apesar de regularmente notificado, não se tendo, sequer, logrado notificá-lo para outras diligências; não se apurou que se dedicasse a trabalho assíduo e honesto, antes se conheceu que foi entretanto preso à ordem do processo n.º 409/05.3PWPRT, da 3.a Secção do 1.0 Juízo Criminal do Porto, para cumprimento da pena de três meses de prisão, pela prática, em 02.1 0.2005, de um crime de furto simples, que teve o seu termo de execução em 03.08.2008 (v. também fls. 257 e 375).
Para além dessa nova condenação, emerge do C.R.C.. junto a fls. 370-379 que, após a aplicação da liberdade condicional, o recluso foi alvo de duas outras, relativas à prática de crimes de injúria agravada e ofensa à integridade física qualificada (factos de 14.07.2005) e de maus tratos (factos de 12.05.2006), tendo, em ambos os casos, sido aplicadas medidas não privativas da liberdade, já declaradas extintas.
Deste modo, atento todo o exposto, afiguram-se acentuadas as necessidades de prevenção especial que operam no caso em análise, ressaltando uma propensão do condenado para o cometimento de ilícitos envolvendo bens jurídicos de natureza pessoal (propensão essa que o anterior cumprimento de prisão e a subsequente libertação condicional não conseguiram travar), tudo aconselhando o cumprimento de acrescido período de prisão efectiva, por forma a ser possibilitada, por parte do condenado, uma melhor interiorização do desvalor das condutas assumidas e dos fundamentos das condenações impostas.
Em ordem a esta conclusão concorre a circunstância de o recluso revelar "uma postura de desculpabilização e desvalorização face aos crimes praticados durante o período da liberdade condicional, refere-se a este como sendo muito extenso e difícil de lavar a bom termo face ao local de residência que era problemático, onde não se sentia feliz e ao erro cometido ao juntar-se com a ex-companheira, a qual o ludibriou" (cf. a análise de fl. 424), o que é revelador de uma descentração de responsabilidades pessoais e de fragilidades neste domínio.
Para além disso, em audição (v. o auto de fl. 438), o recluso afirmou que "está arrependido pelos crimes cometidos, pois sente bem o que está a passar", o mesmo é dizer, não elabora análise para além das consequências sentidas na sua esfera pessoal.
Por outro lado, o incumprimento das obrigações e regras de conduta fixadas no quadro do regime de liberdade condicional inculca a ideia segundo a qual estamos perante uma personalidade com dificuldades no cumprimento de regras (necessárias na vida em sociedade, com e perante os outros), nomeadamente as impostas por via judicial.
Acresce dizer que o recluso não beneficiou ainda de qualquer medida de flexibilização da pena (em Fevereiro último foi indeferido um requerimento para concessão de licença de saída jurisdicional por si subscrito, conforme comunicado no decurso da reunião do Conselho Técnico), pelo que o seu comportamento em meio livre, após a sua detenção, não se mostra testado.
Todas estas circunstâncias desaconselham a concessão, uma segunda vez, de liberdade condicional no âmbito da pena de prisão agora (novamente) em execução, não obstante o positivo trajecto prisional evidenciado (ressaltando integração laboral no sector da cantina e ausência de punições disciplinares) e a existência de condições objectivas favoráveis em meio livre (enquadramento habitacional, apoio sócio-familiar e colocação laboral), realidades que, de resto, também já ocorriam aquando da anterior concessão de liberdade condicional (cf. a mencionada decisão de fls. 104-105).
A este propósito, refira-se que no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.09.2010, proferido no processo n." 2750/07.1TXPRT-A.P1, entendeu-se que, "em matéria de factos materiais de avaliação do percurso prisional do recluso é quase impossível que ele venha a igualar, em execuções de penas futuras, aqueles que, em dada altura convenceram os elementos do sistema prisional e o juiz do TEP - com concordância expressa ou tácita do respectivo MP - de que aquele recluso se encontrava numa via segura de ressocialização e era capaz de se integrar socialmente de forma útil e sem cometer crimes" (este acórdão foi deliberado no contexto de um recluso em regime aberto no interior que havia cumprido mais de um ano contado sobre a data dos dois terços da pena, tendo já beneficiado de liberdade condicional no decurso do cumprimento de anterior pena de prisão ).
Pelo exposto, entendo não resultar preenchido o condicionalismo previsto no artigo 61.°, n.º 2, alínea a), do Código Penal, razão pela qual decido não colocar o condenado B…, com os demais sinais dos autos, em liberdade condicional.
Consigna-se que, tal como já anteriormente estabelecido no processo, no quadro da pena em execução não se mostra aplicável a regra prevista no artigo 61.°, n.º 4, do Código Penal, uma vez que a execução da prisão foi interrompida pela liberdade condicional, encontrando-se a ratio legis daquela norma em privações prolongadas da liberdade (o remanescente de pena de prisão por cumprir é de 5 anos, 1 mês e 8 dias - v. fls. 336-339), igualmente apontando neste sentido o lugar paralelo em que se traduz o artigo 63.°, n.º 3, do mesmo diploma legal, ao introduzir a ressalva "se dela não tiver antes aproveitado" - neste sentido também o acórdão do S.T.J. proferido em 14.08.2009 no processo n.? 514/00.2TXCBR, do 2.° Juízo deste T.E.P. do Porto, processo n.º 490/09.6YFLSB (neste acórdão escreveu-se, para além do mais, que "ao dispor pode, a lei está claramente a afastar o regime automático do na 4 desse art. 610, remetendo somente para as modalidades facultativas da liberdade condicional. previstas nos nas 2 e 3 do mesmo artigo"), e o acórdão do mesmo S.T.J., proferido em 03.08.2010 no processo n.º 3670/l0.8TXPRT-C, do 1.0 Juízo deste T.E.P.
Acresce que a jurisprudência do acórdão do S.T.J. n.º 3/2006, de 23.11.2005, in D.R. de 09.01.2006, n.º 6, Série I - A, pp. 175 e seg., não se mostra aplicável no caso, atenta a substancial diferença das situações em causa.
Na verdade, nos presentes autos não se constituiu o condenado em ausência ilegítima, antes lhe tendo sido facultadas todas as condições, nomeadamente legais (através da aplicação do regime da liberdade condicional), em ordem à sua plena reinserção social o que, todavia, não se conseguiu obter.
Notifique e comunique, aguardando os autos renovação anual da instância nos termos do artigo 180º, n.º 1, do C.E.P., devendo, três meses antes da data em referência, ser solicitado o cumprimento do disposto no artigo 173º, n.º 1, alíneas a) e b), do mesmo diploma legal, fixando-se, desde já. o prazo de um mês para a apresentação dos respectivos relatórios.
(…)”.

2.2. Matéria de Direito
De acordo com a motivação do recurso e respectivas conclusões, o arguido (condenado) insurge-se contra o despacho recorrido (acima integralmente transcrito) pondo em causa as duas decisões dele constantes. Em primeiro lugar, impugna o despacho recorrido, na parte em que aí se decidiu não conceder ao arguido a liberdade condicional, por entender que tal despacho violou o disposto no art. 61º, n.º 2, alíneas a) e b) do C. Penal, já que, a seu ver, estão reunidas todas as condições de que depende a concessão da liberdade condicional. Em segundo lugar, impugna o despacho recorrido, na parte em que aí se “consignou” que, “no quadro da pena em execução, não se mostra aplicável a regra prevista no art. 61º, n.º 4 do C. Penal”, isto é, não é aplicável “ope legis” a liberdade condicional, logo que cumpridos 5/6 da pena.
São estas as duas questões que importa pois apreciar.

(i) Liberdade condicional - verificação dos pressupostos do art. 61º do CP.
O art. 61º do C. Penal determina quais os pressupostos e duração da liberdade condicional. Tais pressupostos ou requisitos de concessão da liberdade condicional dependem essencialmente do tempo de cumprimento da pena (metade, dois terços ou cinco sextos) e da medida da pena aplicada (pena superior a seis anos de prisão, para a hipótese prevista no n.º 4).

O recorrente (de acordo com a matéria de facto recortada no despacho recorrido) “atingiu os dois terços da pena em 16-02-2011, estando o seu termo previsto para 19-03-2015”.

Deste modo, tendo atingido já dois terços do cumprimento da pena, é-lhe aplicável o regime previsto no art. 61º, n.º 3, e al. a) do n.º 2, do C. Penal, com a seguinte redacção:
“3. O Tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional, quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante a) do número anterior”.

A alínea a) do número anterior, tem a seguinte redacção:
“(…)
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
(…)”.

Não se exige, nesta situação, que a libertação se revele “compatível com a defesa da ordem e da paz social”, como acontece nos casos em que o condenado cumpriu metade da pena, mas ainda não atingiu 2/3 do respectivo cumprimento (requisito constante da al. b)).

Como decorre da norma acima transcrita, os requisitos de que depende a concessão da liberdade condicional são, no caso, os seguintes:
(i) cumprimento de dois terços da pena e no mínimo seis meses;
(ii) juízo de prognose favorável;

No caso em apreço, verifica-se sem qualquer dúvida o primeiro requisito. Com efeito, como decorre da liquidação da pena constante dos autos (fls.114/5 e 116), o arguido atingiu 2/3 do cumprimento da pena em 16-02-2011, atingirá 5/6 desse cumprimento em 03-03-2013 e o seu termo em 19 de Março de 2015.

Contudo, e como decidiu o Tribunal “a quo”, na sequência de promoção (também) nesse sentido (fls.143/145), não se verifica o segundo dos requisitos, uma vez que, tendo sido concedida ao arguido a liberdade condicional (quando atingiu metade do cumprimento da pena) a mesma veio a ser revogada “por incumprimento das obrigações fixadas e pelo cometimento de novo crime”, ficando o arguido a cumprir o remanescente da pena de prisão, de “5 anos, 1 mês e 8 dias”.

Nos termos da referida al. a) do art. 61º do CP, a liberdade condicional depende de um juízo de prognose favorável, isto é, a convicção de que, atenta a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, seja fundadamente de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, “conduza a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.

Ora, o arguido, uma vez colocado em liberdade condicional, após cumprimento de metade da pena, cometeu novos crimes, pelos quais foi condenado:
- crimes de injúria agravada e de ofensa à integridade física qualificada (factos ocorridos em 14-07-2005;
- crime de maus-tratos (factos ocorridos em 12-05-2006)
- um crime de furto simples (praticado em 02-10-2005 ), tendo sido condenado na pena de três meses de prisão, a qual teve o seu termo de execução em 03-08-2008.

Como se vê, este comportamento do arguido (praticando novos crimes quando colocado em liberdade condicional) demonstra claramente que o mesmo não soube “conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
Note-se que, como se referiu no relatório da Direcção Geral dos Serviços Prisionais, o arguido “revela uma postura de desculpabilização e desvalorização face aos crimes praticados, durante o período de liberdade condicional, refere-se a este como sendo muito extenso e difícil de levar a bom termo, face ao local de residência que era problemático, onde não se sentia feliz e ao erro cometido ao juntar-se com a ex-companheira, a qual o ludibriou.” (fls. 134 destes autos). Daí que tenha concluido (sob a epígrafe “5. Avaliação”) que o recorrente “… carece de uma maior interiorização da pena” (fls. 135 dos autos).
Não há, por outro lado, qualquer indício de que o arguido esteja agora em condições diferentes, isto é, não há qualquer fundamento que objectivamente indicie essa alteração, permitindo a formulação do referido juízo de prognose favorável (de que conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes), pois o arguido mostrou o mais completo desprezo pela ordem jurídico-penal, quando lhe foi dada a oportunidade de cumprir metade da pena em regime de liberdade condicional.
Deste modo, o despacho recorrido, na parte em que decidiu não colocar o arguido em liberdade condicional, deve manter-se, pois fez uma adequada ponderação da lei e do percurso do arguido, designadamente da sua conduta jurídico-penal quando em liberdade condicional.

(ii) Aplicação ao arguido do disposto no art. 61º, n.º 4 do C. Penal.
O despacho recorrido contempla ainda uma vertente onde se “consigna” a não aplicação “ope legis” da liberdade condicional, no tipo de situação aí reportada (colocação em liberdade condicional, logo que o condenado houver cumprido cinco sextos da pena).
O Ex.º Procurador-Geral-Adjunto nesta Relação considera que esta questão não faz parte do objecto do recurso, pois “… rigorosamente, não foi (ainda) conhecida pelo Tribunal recorrido”.
Contudo, a verdade é que o despacho recorrido deixou consignado desde logo que o art. 61º, n.º 4 do CP não era aplicável ao ora recorrente, justificando essa decisão com a citação de vários acórdãos dos Tribunais Superiores.
Assim, muito embora o condenado não tenha ainda cumprido 5/6 da pena, a verdade é que o Tribunal “a quo” já decidiu (deixou “consignado” nos autos) que, “no quadro da pena em execução, não se mostra aplicável a regra prevista no artigo 61º, n.º4 do Código Penal”, isto é, o recluso não é imediatamente colocado em liberdade, logo que houver cumprido 5/6 da pena.
Entendemos, perante os termos do despacho recorrido, que a questão foi efectivamente (antecipadamente) decidida e, nessa medida, é recorrível, impondo-se a sua apreciação.
Vejamos a questão.
Seguiremos de muito perto o acórdão desta Relação (da mesma Relatora), proferido em 03-02-2010, no processo 69/92.2TXPRT-B.P1, cuja doutrina foi acolhida no acórdão desta Relação, de 15-09-2010, proferido no processo 3670/10.87XPRT.DP-P1.

Nos termos do art. 61º, 4 do C. Penal “(…) o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena”.

Como se decidiu no Acórdão do STJ, de 06-01-2005 (Acórdãos do STJ, XIII, 1, 162), “a liberdade condicional prevista no n.º 5 (actual n.º 4) do art. 61º do Código Penal (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana”.

A questão que se coloca é assim a de saber se o regime obrigatório ou “ope legis” da concessão da liberdade condicional, previsto no art. 61º, n.º 4 do C. Penal, é aplicável aos casos em que tenha havido revogação de liberdade condicional anteriormente concedida.

O despacho recorrido entendeu que não, com a seguinte argumentação:
“(…)
Consigna-se que, tal como já estabelecido no despacho de fls. 508, no quadro da pena aplicada neste último processo referido, não se mostra aplicável a regra prevista no artigo 61.°, n.º 4, do Código Penal, uma vez que a execução da prisão foi interrompida pela liberdade condicional, encontrando-se a ratio legis daquela norma em privações prolongadas da liberdade (o remanescente de pena de prisão por cumprir é de 5 anos, 1 mês e 8 dias - v. fls. 336-339), igualmente apontando neste sentido o lugar paralelo em que se traduz o artigo 63.°, n.º 3, do mesmo diploma legal, ao introduzir a ressalva "se dela não tiver antes aproveitado" - neste sentido também o acórdão do S.T.1. proferido em 14.08.2009 no processo n.º 514/00.2TXCBR, do 2.° Juízo deste T.E.P. do Porto, processo n." 490/09.6YFLSB (neste acórdão escreveu-se, para além do mais, que "ao dispor pode, a lei está claramente a afastar o regime automático do nº 4 desse art. 61°, remetendo somente para as modalidades facultativas da liberdade condicional, previstas nos 2 e 3 do mesmo artigo"), e o acórdão do mesmo S T-J., proferido em 03.08.2010 no processo n.º 3670/10. 8TXPRT -C, do 1.0 Juízo deste T.E.P.
Acresce que a jurisprudência do acórdão do S.T.J. n.º 3/2006, de 23.11.2005, in D.R. de 09.01.2006, n.º 6, Série I - A, pp. 175 e seg., não se mostra aplicável no caso, atenta a substancial diferença das situações em causa. Na verdade, nos presentes autos não se constituiu o condenado em ausência ilegítima, antes lhe tendo sido facultadas todas as condições, nomeadamente legais (através da aplicação do regime da liberdade condicional), em ordem à sua plena reinserção social, o que, todavia, não se conseguiu obter.
(…)”.
Como se demonstrará, este entendimento não tem qualquer apoio legal.

O artigo 63º do C. Penal prevê um regime especial de concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas. Esse regime permite que o juízo sobre a liberdade condicional seja feito “de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas” (art. 63º, 2). Contudo, e conforme resulta do n.º 4, tal regime “não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional”, o que se compreende, além do mais, por ser um regime especialmente favorável e que só é aplicável quando o condenado ainda não tenha aproveitado da liberdade condicional (n.º 3 do art. 63).

Daí que, tendo havido revogação da liberdade condicional, mesmo que haja várias penas a cumprir, o regime da liberdade condicional deva ser aferido nos termos dos artigos 61º e 64º do Código Penal, relativamente a cada uma delas.

Com efeito, nos termos destes artigos, “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida” (n.º 2 do art. 64º) e “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61º” (n.º 3 do art. 64º). Ora, se de acordo com este último preceito “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61º”, tal significa que essa concessão há-de ser enquadrada em qualquer das modalidades aí previstas, incluindo a concessão “ope legis” a que se refere o art. 61º, n.º 4 do CP.

Assim, no caso dos autos, relativamente à pena inicial (de 12 anos e 3 meses de prisão), cuja liberdade condicional (antes concedida) foi revogada, e contrariamente ao decidido no despacho recorrido, deverá ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos os 5/6 dessa pena, pois para que tal ocorra basta apenas o decurso do tempo e a concordância do condenado.

Foi este o entendimento seguido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-06-2008, processo 08P2184, nos seguintes termos:
“(…)
Mas a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete.
Ora, dispõe o art. 61.º, n.º 4 do C. Penal que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena».
E se se compreende a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º
E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS-A de 04-01-2006, deste Tribunal, não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente.
Com efeito, decidiu-se nesse aresto com valor reforçado que «nos termos dos números 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a seis anos ou de soma de penas sucessivas que exceda seis anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional.»
Ora se a descontinuidade do cumprimento da pena superior a 6 anos motivada a ausência ilegítima não obsta à concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, por maioria de razão, também a descontinuidade motivada pela “ausência legítima” que constitui a liberdade condicional posteriormente revogada não deverá obstar.
(…).”

Entendimento também seguido no acórdão desta Relação, de 22-02-2006, proferido no processo 0640101, mostrando que a redacção do preceito em causa (n.º 3 do art. 64º) não pode ter o sentido de afastar a liberdade condicional “ope legis”, quanto tenha havido revogação da liberdade condicional:
“(…) É certo que a redacção do texto definitivo do preceito não é, nas palavras, rigorosamente coincidente com o Projecto. Neste, dizia-se que “relativamente à prisão que venha a executar-se, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 61.º”; o texto definitivo diz que “relativamente à pena de prisão que vier a executar-se pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º”.
Mas não cremos que a diferença de redacção consinta a interpretação de que, no caso de revogação de liberdade condicional, só pode haver liberdade condicional “facultativa”, nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 61º, ficando excluída a liberdade condicional “obrigatória”.
É que o legislador já tinha optado no sentido da obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos mesmo para os condenados que tivessem interrompido o cumprimento da pena, por terem beneficiado de liberdade condicional “facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente em consequência da revogação dessa liberdade condicional.
Tendo conferido uma redacção ao n.º 5 do artigo 61.º que não deixasse subsistir dúvidas interpretativas.
Por isso, o que restava dizer, no n.º 3 do artigo 64.º, era que a revogação da liberdade condicional não constitui causa impeditiva de nova liberdade condicional “facultativa”, durante o cumprimento do remanescente da pena, se verificados os pressupostos de que ela depende.
De referir ainda que, do n.º 4 do artigo 62º do Código Penal, nenhum argumento se retira que contrarie validamente a interpretação que fizemos, uma vez que aquele artigo 62.º respeita à liberdade condicional em caso de execução de penas sucessivas e essa situação não se verifica quando há que executar-se uma pena e o remanescente de uma pena em resultado de revogação da liberdade condicional.
A pena a executar-se no caso de revogação de liberdade condicional não é uma nova pena, mas o que ficou por cumprir de uma pena, uma parte de uma pena. (…)”.

Não tem assim qualquer base legal a tese sustentada no despacho recorrido, segundo a qual não é aplicável o disposto no n.º 4 do art. 61º do C. Penal, quando o tempo de prisão a cumprir (remanescente) surja na sequência da revogação de liberdade condicional anteriormente concedida.

Deste modo, o despacho recorrido não pode, neste segmento, manter-se, pois não tem qualquer apoio legal.

3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida na parte em que entendeu, desde já, não ser aplicável ao recorrente o regime previsto no nº. 4 do artigo 61º do C. Penal, mantendo, no mais, o despacho recorrido (não colocação do arguido em liberdade condicional).
Sem custas.

Porto, 3/10/2012
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando