Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
839/11.1TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: PARTILHA DOS BENS DO CASAL
NULIDADE
FRAUDE À LEI
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP20121023839/11.1TBVNG.P1
Data do Acordão: 10/23/2012
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- A nulidade da partilha entre os cônjuges por violação da regra da metade pressupõe que se conheçam os bens e dívidas que compõem os respectivos quinhões.
II - Não permitindo as estipulações da partilha determinar a composição de ambos os quinhões, ou de um deles, designadamente por um dos cônjuges declarar, em escrito assinado por ambos, que recebeu tornas cujo valor não foi quantificado, fica prejudicada a apreciação do seu equilíbrio, tornando a partilha nula por fraude à lei.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Proc. nº 839/11.1TBVNG.P1
Vila Nova de Gaia
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Apelante/réu: B….., divorciado, residente na Rua …, nº…, …., Gondomar.
Apelada/autora: C…., divorciada, residente na Rua …., nº …, …, …, …, Vila Nova de Gaia.

1. Na 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, intentou a recorrida a presente acção declarativa, com processo ordinário, destinado à execução específica do contrato-promessa de partilhas celebrado com o recorrido em simultâneo com a conferência que, por divórcio, dissolveu o seu recíproco casamento e do qual decorre, entre outras cláusulas, a obrigação deste lhe adjudicar, por escritura pública, a fracção autónoma correspondente a uma habitação com o número 1.3, no 1º andar, com o número 70, do prédio urbano, sito na Rua …, nº .. a .., freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia.
A realização da escritura pública de partilha ficou acordada para data posterior ao pagamento da dívida hipotecária sobre a fracção e, verificado este, o recorrido não emitiu, como se havia obrigado, a procuração a favor da recorrente para a realização da partilha.
Discriminadamente, pediu:
- a declaração da execução específica do contrato-promessa de partilha com a adjudicação à autora da fracção;
- a condenação do réu no pagamento de uma sanção pecuniária à autora, no valor de € 15,00 por cada dia transcorrido desde a citação e até ao trânsito em julgado da sentença que substitua a declaração negocial do réu.
Contestou o réu excepcionando a nulidade do contrato-promessa de partilha por haver atribuído aos cônjuges prestações manifestamente desproporcionadas (a autora ficou com bens no valor de € 110.000,00 e o réu com bens no valor de € 30.000,00) e, por impugnação, atribuindo à autora a responsabilidade pelo incumprimento do contrato-promessa de partilhas (o pagamento de tornas que o réu, no contrato declarou de boa fé haver recebido, seria concretizado com a adjudicação do saldo de uma conta bancária titulada pelo casal e a autora, sem conhecimento do réu, levantou e fez sua a quantia depositada).
Conclui, assim, pela sua absolvição do pedido (seja na procedência da excepção da nulidade do contrato-promessa de partilhas ou como consequência da resolução deste) e pela condenação da autora como litigante de má fé (por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora, alterar a verdade dos factos e omitir factos essenciais à decisão).
A autora respondeu à matéria da excepção e do pedido de condenação em má fé, pugnando pela improcedência de ambos e termina por concluir que o réu formula pedidos contra si, sem que o haja feito por via reconvencional (identificação e separação expressa, como a lei impõe) o que determina a sua rejeição e que ademais litiga de má fé (deduz pretensões incompatíveis com o acordado na partilha) justificando-se assim que seja multado e indemnize a autora.

1.3. Foi proferido despacho saneador que, por inobservância das formalidades previstas para a dedução de pedido reconvencional, não admitiu o pedido de resolução do contrato-promessa de partilhas formulado pelo réu e foram seleccionados os factos relevantes para a decisão da causa, com factos provados e base instrutória dos quais o réu, sem êxito,[1] reclamou.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sem reclamações foi proferido despacho que respondeu à matéria de facto incluída na base instrutória e depois proferida sentença em cujo dispositivo se exarou:
“ (…) julgo a presente acção procedente por provada e improcedente a excepção que lhe foi oposta e, em consequência, suprindo a manifestação de vontade do Réu, declaro transmitida para a Autora, pelo valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a propriedade do prédio urbano melhor identificado na al. d) dos factos provados e no documento de fls. 176, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “P” do prédio urbano descrito sob o n.º267/19860715 da Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia de Mafamude, sem prejuízo dos ónus ou encargos que sobre a mesma eventualmente impendam”.

1. 3. É desta sentença que o réu recorre, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1.ª - A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação as normas dos artigos 389.º, 393,º, n.ºs 2 e 3, 394.º, n.º 1, 352.º, 358.º, n.º 1762.º, n.º 1, 432.º, n.º 1, 830.º, n.º 1, e 1730.º, n.º1, do Código Civil, e 456.º do Código de Processo Civil.
2.ª- Devem ser alteradas as respostas dos pontos 1.º, 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 13.º, da Base Instrutória, com base na reapreciação da prova gravada (depoimento de parte da Autora e depoimentos das testemunhas D….. e E…..), e na análise dos documentos juntos ao processo.
3.ª- No que toca ao ponto 1.º deve ser atribuído ao imóvel um valor superior, ou pelo menos igual, ao que na perícia foi indicado como sendo o de 2011.
4.ª- A resposta ao ponto 4.º deve ser alterada para “provado”, e a resposta ao ponto 5.º para “provado”, ou, pelo menos, “provado que os móveis que constituíam o recheio da casa de habitação do casal ficaram, na sua maior parte, na posse da Autora”.
5.ª- A redacção da resposta ao ponto 9.º deve ser alterada para “Provado que o Réu não levantou o dinheiro na ocasião referida em A) e que a aplicação em questão apenas se vencia em Dezembro de 2005, estando então a render juros”.
6.ª- As respostas aos pontos 7.º, 8.º 10.º e 13.º devem ser alteradas para “provado”.
7.ª- Os argumentos expendidos na sentença para considerar não provados estes pontos, como a “ausência de confissão da autora”, a inexistência de documentos que contrariem a expressão “tendo o primeiro já recebido o valor de tornas que lhe é devido”, constante do contrato, e o disposto no n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil, são insusbsistentes.
8.ª- Não obstante ter pretendido defender que o saldo de 25.000 euros era bem próprio seu, certamente por ter compreendido que essa era a única saída para afastar a nulidade do contrato ou o seu incumprimento, a Autora não o demonstrou.
9.ª- Tendo sido considerado na sentença que se trata de um bem comum, tal saldo tem necessariamente de corresponder às tornas, a que o Réu tem direito, referidas pelas partes no contrato, uma vez que a Autora confessou que os únicos bens não especificados no contrato e que seriam adjudicados por acordo eram os móveis que constituíam o recheio da casa.
10.ª- No seu depoimento de parte, a Autora fez diversas afirmações de onde decorre com clareza que a mesma apenas pretendia a casa, e reconheceu a relação de compensação entre o dinheiro do saldo e a casa.
11.ª- Os documentos juntos ao processo, nomeadamente respeitantes ao processo crime e ao Inventário demonstram as contradições e a falta de sustentabilidade da tese de que terão sido pagas tornas ao Réu.
12.ª Da prova testemunhal acima referida, que deve ser admitida neste caso, por se estar perante questões de interpretação do contrato ou de apuramento de vícios de vontade, resultam igualmente demonstrados os pontos 7.º, 8.º, 10.º e 13.º.
13.ª- A recusa em valorar a prova testemunhal efectuada a este respeito, dá a ideia de que se aceita simplesmente, mesmo estando perfeitamente claro que o Réu não recebeu quaisquer tornas, o certo é que declarou tê-las recebido e não há nada a fazer, isto é, “como diz que recebeu está recebido”, mesmo que o contrário seja evidente para todos, inclusive o senso comum.
14.ª- A Autora e o Réu, no contrato, não tinham de referir como haviam sido pagas as tornas, e nem se deve entender que o Réu, por ter declarado o recebimento, era obrigado a levantar de imediato a quantia aplicada.
15.ª A decisão considerou não provado o facto negativo, constante da Base Instrutória, de que “o Réu não recebeu as tornas aludidas em A”, mas também não deu como provado o facto contrário (tanto que nem quesitou o que a esse respeito foi alegado pela Autora).
16.ª Ora, para decretar a execução específica do contrato teve necessariamente de considerar que o Réu recebeu as tornas, ou seja, que não houve incumprimento por parte da Ré, mas o certo é que fica sem se saber como é que aquelas foram pagas ao Autor, e nem mesmo o respectivo montante (que não consta do contrato).
17.ª Note-se que a Ré, na sua Réplica, alegou enigmaticamente que as tornas foram constituídas pela diferença do valor dos automóveis e por outros bens (que não especificou), que sempre não poderiam ser consideradas tornas, mas bens partilhados, e por dinheiro cujo valor se absteve de indicar.
18.ª- No modesto entender do apelante, estas dúvidas não podem ficar ultrapassadas com fundamento numa mera declaração feita no contrato, que pode ter muitas interpretações e ter sido rodeada de circunstancialismos vários, e, assim, sem certeza de que se esteja perante um resultado minimamente justo, transferir a propriedade de um imóvel para uma parte que, para além de não ter dissipado a seu favor as dúvidas que necessariamente se estabeleceram, adoptou um postura processual muito censurável.
19.ª- O Tribunal considerou que apenas tinha que decidir da excepção da nulidade do contrato e não da excepção do incumprimento/resolução do mesmo, por ter entendido que se tratava de um pedido reconvencional, mesmo não tendo o Réu formulado nenhum pedido na alínea B) a não se o de que fosse julgada improcedente por não provada a acção e o Réu absolvido do pedido.
20.ª- Mas como decorre claramente decorre da Contestação, a resolução do contrato foi alegada como facto que impede o efeito jurídico dos que foram articulados pela Autora, constituindo defesa por excepção, o que, aliás, a Autora entendeu, impugnando-o (cfr. artigo 1º da Réplica).
21.ª- No que toca à questão da nulidade do contrato, entende o Réu que, mesmo tendo em conta apenas os bens que constam do contrato e o seu conteúdo, e os respectivos valores considerados na sentença, existe violação da “regra da metade” plasmada na norma de protecção do artigo 1730º, nº 1, do Código Civil, por não se ter apurado o valor das pretensas tornas que o Réu terá recebido (o que competia à Ré alegar e demonstrar) e existir aí uma divisão com prestações manifestamente desproporcionadas.
22.ª- A este desequilíbrio deve ser acrescentada a adjudicação das dívidas do casal ao Autor, constantes do acordo, celebrado na mesma data, e que também foi junto pela Autora (cfr. fls 18);
23.ª- E, finalmente, se, como pretende a decisão recorrida, os bens móveis (da casa) eram apenas parte dos que ficaram de ser adjudicados, e dos restantes apenas se conhece o saldo de 25.000 euros, que também acabou por ser “adjudicado” à Autora, esta terá recebido, não igual parcela, mas mais do dobro do que o Réu recebeu [(35.000,00 + x) / (13.000 + 40.000 (mesmo tendo em conta o valor do imóvel atribuído na decisão recorrida) + 25.000).
24.ª- Além disso, deve ainda ser contabilizado a favor da Autora o valor da maior parte do recheio que à mesma foi adjudicado por acordo nos termos do contrato.
25.ª- Salvo o devido respeito por opinião contrária, parece ao apelante que, se não for entendido que o contrato-promessa é nulo, sempre se terá de dar como certo o seu incumprimento por parte da Autora.
26.ª- Na Contestação o Réu deduziu a excepção do incumprimento do contrato e a subsequente resolução, tendo alegado que declarou a resolução do contrato-promessa de partilha face ao comportamento concludente da Autora da vontade de não o cumprir, facto que sempre seria desnecessário face à instauração do processo de Inventário (que como é pacífico sempre terá de ser entendido como declaração de resolução tácita, recepcionada aquando da respectiva citação).
27.ª- Na verdade, ou os 25.000 euros constituíam as tornas do Réu (ou, se se quiser ser preciso, este aceitou dar-se por compensado com a adjudicação que lhe foi feita do montante depositado no Montepio Geral já referido, sendo que as tornas seriam constituídas pela metade do respectivo valor que pertencia à Autora) e a Autora ao subtraí-los, incumpriu o contrato, ou se tratava tal saldo de um bem (como parece defender o Tribunal a quo) incluído naqueles que ainda teriam, por decisão das partes, de vir a ser adjudicados por acordo, e a Autora também incumpriu o contrato uma vez que se auto-adjudicou tal quantia prescindindo da autorização do Autor e, portanto, do seu acordo.
28.ª- É manifesta a má fé da Autora.
TERMOS EM QUE DEVE SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, JULGANDO-SE A ACÇÃO IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADA E CONDENANDO-SE A AUTORA, COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ, EM MULTA E INDEMNIZAÇÃO CONDIGNA A FAVOR DO RÉU, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA”[2]
A autora respondeu pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Objecto do recurso.
O recorrente impugna a solução de direito por duas razões que esgrime numa relação de subsidiariedade. Defende que o contrato-promessa de partilhas é nulo e para o caso de assim não ser entendido, excepciona o incumprimento do contrato por parte da autora e a sua subsequente resolução (sic).
Ao incumprimento do contrato por parte da autora, apontado na contestação, fez o réu corresponder o pedido de resolução do contrato-promessa de partilha.
Este pedido não passou despercebido no saneador - aliás a autora, replicando, já havia anotado a irregularidade formal da sua dedução - e considerou-se então não escrita a indicada pretensão de ver reconhecida a resolução do contrato-promessa, com fundamento na ausência de autonomização de factos em que fundamenta o pedido e de não lhe haver sido atribuído valor.
O réu, que podia recorrer desta decisão no presente recurso (artº 691º, nº3, do CPC) não o fez, limitando expressamente o recurso à sentença e só a esta. E, não o fazendo, a questão do incumprimento do contrato por parte da autora como fundamento da resolução do contrato mostra-se, assim, definitivamente estabilizada neste processo com o trânsito em julgado da decisão que recusou o seu conhecimento considerando não escrita a pretensão (cfr. artºs 677º, 668º, 669º e 685º, todos do CPC).
Daqui que não seja processualmente admissível apreciar (não seria uma reapreciação, como é vocação dos recursos, porque a 1ª instância considerou não escrita a pretensão no saneador e, em consequência, dela não conheceu na sentença) o incumprimento do contrato que o réu aponta à autora como fundamento da resolução do contrato.
E, embora por razões diferentes, ao mesmo resultado conduz o (agora) alegado incumprimento do contrato por parte da autora na qualificação de excepção de não cumprimento do contrato por parte do réu.
Em sede de recurso afirma o réu que na contestação deduziu a excepção do incumprimento do contrato e a sua subsequente resolução, mas não é assim. Aliás, da sua formulação já resulta o engano em que tropeça. A excepção do não cumprimento do contrato supõe, além doutros pressupostos, que não vêm ao caso, a vigência de um contrato (condição necessária a que um dos contraentes tenha a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe a ou não oferecer o seu cumprimento em simultâneo – artº 428º do CC), a resolução do contrato é uma manifestação de vontade de uma das partes num contrato com vista à sua extinção (artº 432º a 434º, ambos do CC); assim, a excepção do incumprimento do contrato não têm por efeito a resolução (subsequente resolução, no dizer do réu), bem pelo contrário, se estivermos certos na nossa acepção, como julgamos, a invocação da excepção do incumprimento do contrato é incompatível com o pedido da sua resolução por pressupor aquela a vigência do contrato e pressupor esta a sua abolição. Destrinça com consequências processuais evidentes. Se um contraente deixa de cumprir um contrato, bilateral, sinalagmático, porque a outra parte não cumpriu a sua prestação e até ao momento em que este a cumpra e assim estrutura, em juízo, a sua contestação estamos no âmbito da defesa por excepção (facto impeditivo do direito), se o contraente deixa de cumprir um contrato porque a lei, ou o próprio contrato, lhe permitem resolvê-lo e deduz, em juízo, o pedido de resolução, não se defende, ataca, é por isso que este pedido, feito na contestação, como foi o caso, deve observar os tramites de um pedido reconvencional.
O réu na contestação não excepcionou o não cumprimento do contrato por parte da autora, como agora assegura, (em nenhum momento assume o seu próprio incumprimento ou declarou a sua intenção de cumprir o contrato caso a autora cumprisse uma qualquer obrigação do mesmo decorrente) e, assim, a apreciação deste argumento, independentemente da sua valia, não poderá empreender-se no recurso e isto porque os recursos visam alterar ou anular as decisões recorridas[3] e “não criar decisões sobre matéria nova não sendo lícito invocar, nas mesmas questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas, nem devendo conhecer-se nelas, de questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido”[4].
Não tendo a decisão sob recurso resolvido qualquer questão referente à excepção de não cumprimento do contrato, por não lhe haver sido posta pelo réu, não pode o recurso, neste particular, apreciar seja o que for, por se tratar de uma questão que nem a recorrente suscitou perante o tribunal recorrido, nem este resolveu.
Rejeita-se, pois, o recurso na parte em que o recorrente suscita o incumprimento do contrato-promessa de partilhas como fundamento da excepção do não cumprimento do contrato.

Quanto à impugnação da matéria de facto:
Dispõe o artº 685º-B, do CPC, que:
“1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº2 do artº 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.(…)”
A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, situação posta nos autos, deve (sob pena de rejeição) esquematizar-se, assim, do seguinte modo:
- indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados;
- indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
- indicação, ou transcrição, exacta das passagens da gravação erradamente valoradas, quando seja possível a identificação precisa e separada, ou seja, quando haja lugar a registo áudio ou vídeo e se haja assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.
Exigências cuja razão de ser entronca na própria natureza dos recursos. Estes, ensina A. Reis[5] “…são meios de obter a reforma de sentença injusta, sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento”, ou, no dizer mais recente de Amâncio Ferreira[6] “…os recursos são…meios de impugnação destinados à eliminação ou correcção das decisões judiciais inválidas, erradas ou injustas …”. Não se trata, pois, de submeter a reapreciação da causa a uma nova instância, ignorando a decisão já proferida. Trata-se de atacar uma decisão judicial que sendo desfavorável ao recorrente por este é reportada de errada ou injusta. E, se assim a considera, impõe-se ao recorrente que diga porquê, ou seja, que expresse as razões da sua discordância.
Especial dever que decorre dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, como se acentuou no preâmbulo do D.L. nº39/95, de 15/2, no que à impugnação da matéria de facto concerne.
Por isso que, impugnando-se a matéria de facto, em caso de gravação dos depoimentos prestados, se deverá precisar não só os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, como os concretos meios probatórios que impõem solução diversa, por referência às passagens da gravação erradamente valoradas ou desconsideradas pela decisão.
O recorrente impugna, entre outros, a decisão sobre o quesito 9º da base instrutória, mas não indica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da impugnada.
O fundamento que aduz é o seguinte: Mas parece evidente que também se encontra provado que “o Réu não levantou o dinheiro na ocasião referida em A)” até pela resposta positiva dada ao ponto 11º (quem procedeu ao levantamento, e em Dezembro de 2005, foi a Autora). Ou seja, o réu defende que se deve considerar provado que “o Réu não levantou o dinheiro na ocasião referida em A)” porque a prova de tal facto é uma certeza (evidência) perante o facto provado no quesito 11º que “quem procedeu ao levantamento, e em Dezembro de 2005, foi a Autora”. Ora, ainda que tivesse razão e não seria o caso (a pergunta tem que ser interpretada no contexto da anterior e o que está em causa não é saber se o réu não levantou o dinheiro – se quem o levantou foi a autora é porque não foi ele - a razão do quesito é a de saber se o não levantou e o podia legitimamente levantar, na sequência do acordo celebrado com a autora e é isto que não se prova) o impugnante não indica qualquer concreto meio de prova que justifique a decisão que preconiza e, por isso, rejeita-se a impugnação quanto a este ponto da matéria de facto.

Considerando o exposto, as conclusões do recurso e o disposto nos artºs. 684º, nº3 e 685º-A, nº1, ambos do Código de Processo Civil, são as seguintes as questões que importa decidir:
- a impugnação do julgamento da matéria de factos dos pontos 1º, 4º, 5º, 7º, 8º, 10º e 13º da base instrutória;
- se o contrato-promessa de partilhas é nulo;
- se a autora litiga de má fé.

3. Fundamentação.
3.1. A impugnação da matéria de facto.
O réu impugna a decisão relativa aos pontos 1º, 4º, 5º, 7º, 8º, 10º e 13º base instrutória.
Perguntou-se no ponto 1º da base instrutória:
“No ano de 2005, o imóvel referido em A) e D) tinha um valor superior a € 100.000,00?”
Respondeu-se: provado apenas que, no ano de 2005, o imóvel referido em A) e D) tinha um valor não superior a € 40.000,00.
Motivou-se: “(…) o tribunal teve em conta, para prova do facto 1º, o relatório de avaliação efectuado por perito nomeado pelo tribunal e junto aos autos a fls. 261 e ss., tendo sido encontrado um valor médio dentro dos parâmetros dos valores daqueles que foram fornecidos pela senhora perita por referência à actualidade e à data de celebração do contrato promessa de partilhas.”
Resulta do relatório pericial que para determinar o valor do imóvel no ano de 2005, o perito efectuou uma prospecção de mercado na zona e com base numa amostra do preço por m2 de três imóveis, construídos respectivamente em 2011, 1980 e 1976, concluiu que o montante que melhor traduz o imóvel em avaliação, à data da vistoria, por metro quadrado de área, é de 780,00 € e como este tem uma área de 54 m2, fixou em € 42.120,00 (54x780,00), a que aplicou o factor de 1,08 com base no quadro das actualizações dos Coeficientes de Desvalorização da Moeda – Portaria nº 282/2001 para atribuir ao imóvel no ano de 2005 o valor de € 39.000,00 (42.120,00 : 1,08).
O impugnante, que não reclamou contra o relatório pericial, argumenta agora que é sabido que, no ano de 2005, o mercado imobiliário estava em alta, pelo que o valor do imóvel em 2011 era necessariamente inferior (ou, pelo menos igual) ao daquele tempo, pelo que devia ter sido atribuído por este, para o ano de 2005, um valor igual ou superior ao referido no relatório como o que o imóvel tinha em 2011.
Em síntese, o réu que havia considerado que o imóvel valia à data da partilha 100.000,00 €, defende agora que tal valor deverá ser fixado em 42.120,00 e não num valor não superior a € 40.000,00, como se julgou.
Não alicerça, porém, esta impugnação em qualquer outro meio de prova que, constante do processo, imponha a decisão que preconiza, como impõe o artº 685º-B nº 1, al. b), do CPC; fundamenta-a, outro suporte legal não vislumbramos, na inobservância do princípio geral consagrado no artigo 514º, do CPC, segundo o qual não carecem de prova, nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tal os factos que são do conhecimento geral.
Só assim se compreende que defenda que o juiz deveria ter-se afastado do laudo pericial e fixado o valor do imóvel, no ano de 2005, em 42.120,00 (ou em valor superior que não indica) por ser este o seu valor em 2011 e ser sabido que, no ano de 2005, o mercado imobiliário estava em alta.
Posto isto, o argumento do impugnante é inidóneo para o desiderato visado e isto por uma simples razão o que está em causa não é a prova de que o mercado imobiliário estava em alta em 2005 é determinar o valor concreto de um prédio nessa data. Assim, e ainda que se conceda que seja do conhecimento da maioria dos cidadãos do País, regularmente informados, que a compra e venda de imóveis já conheceu melhores dias e designadamente que é facto notório que essa procura era superior em 2005 do que era em 2011, tanto não basta para concluir que o valor do imóvel a que os autos se reportam (que é o que está em causa) era superior em 2005 do que era em 2011.
E tanto assim é, que a perita nomeada para proceder à avaliação do imóvel, a que se recorreu por ter conhecimentos especiais sobre a matéria (nomeada pelo tribunal e cuja idoneidade não é posta em causa) conclui em sentido contrário, ou seja, que o valor do imóvel era ligeiramente inferior em 2005 (39.000,00) do que em 2011 (42.120,00) servindo-se, aliás, de uma “tabela” de actualização dos coeficientes de desvalorização da moeda publicada pelo Ministro das Finanças para efeitos de determinação da matéria colectável do IRS e IRC.
Não poderia pois, o julgador afastar-se do laudo pericial com o fundamento que o impugnante aduz, razão pela qual improcede, quanto a este ponto, a impugnação.

Perguntou-se nos pontos 4º e 5º da base instrutória:
“Os bens comuns aludidos em A) sem especificação eram os móveis que constituíam o recheio da casa de habitação do casal?”
“Que ficaram na posse da autora?”
Respondeu-se: “provado apenas que, entre os bens comuns aludidos em A), sem especificação, se incluía o recheio da casa de habitação do casal” e “não provado”, respectivamente.
Motivou-se: “As declarações confessórias da autora, ainda que pautadas por algumas reservas, expressas na assentada lavrada em acta, fundaram a prova dos factos 4º, 6º, 9º (prova parcial) e 11º da base instrutória (…) No que respeita ao facto 5º, as declarações contraditórias entre a autora e as testemunhas arroladas pelo réu, tendo em conta que estas – principalmente a irmã do réu, D…. – se manifestaram tendenciosas em relação à matéria em discussão, conduziram à dúvida do tribunal quanto à efectiva realidade do facto que, por esse motivo, foi decidido em desfavor do réu, que o alegara.”
Com fundamento no depoimento da autora, na parte em que houve confissão,[7] e no depoimento de D…., defende o impugnante que a matéria constante do quesito 4º deverá ser considerada provada e a matéria constante no quesito 5º deverá ser considerada provada ou, pelo menos, provado que os moveis que constituíam o recheio da casa de habitação do casal ficaram, na sua maior parte, na posse da autora.
Ouvidas as gravações, não encontramos razões para alterar a resposta ao quesito 4º, mas não vemos razões para manter a resposta ao quesito 5º.
Concretizando, do depoimento da autora resulta que existiam outros bens comuns que não eram os móveis que constituíam o recheio da casa de habitação do casal (“máquina fotográfica que na altura era muito cara”; dinheiro ele recebeu outros dinheiros, nós tínhamos muito dinheiro”[8]) segmento do depoimento que não foi quebrado por outro qualquer meio de prova, assim se justificando a resposta encontrada para o quesito 4º. Mas também resulta que a autora ficou na posse de alguns bens móveis que constituíam o recheio da casa de habitação do casal (ele ficou com metade, eu fiquei com metade, ele tirou-os sem eu ver quando cheguei a casa já não tinha metade (…) A srª ficou na posse daqueles que ficaram em casa? Exactamente[9]), o que justifica uma resposta restritiva ao quesito 5º, por forma a observar, nesta parte, a essência daquele depoimento, cuja amputação nem foi justificada, nem se justifica.
Altera-se, assim, a resposta ao quesito 5º por forma a constar: “provado apenas que alguns dos móveis que constituíam o recheio da casa de habitação do casal ficaram na posse da autora.”

Perguntou-se no quesito 7º da base instrutória:
“Aquando das negociações do contrato aludido em A) autora e réu acordaram que a quantia referida em 6º era adjudicada na totalidade ao réu?”
No quesito 8º: “E que a metade pertencente à autora constituiria o valor de tornas que esta tinha a pagar ao réu, ex-marido, como contrapartida dos bens que a autora ia receber?
No quesito 10º: Porque o dinheiro já lhe tinha sido adjudicado em acordo, o réu declarou no contrato referido em A) que tinha recebido tornas?
E no quesito 13º: O réu não recebeu as tornas aludidas em A)?
Com excepção do quesito 10º a que se respondeu “provado apenas que o réu declarou no contrato referido em A) que tinha recebido tornas”, todos os demais quesitos obtiveram a resposta “não provado”.
Sobre esta matéria incidiu o depoimento de parte da autora e foram indicadas todas as testemunhas ouvidas em julgamento[10] (duas apresentadas pela autora e quatro apresentadas pelo réu); a autora nega os factos (não falámos do dinheiro nesse dia, não falámos do dinheiro)[11], as testemunhas apresentadas pela autora não abordaram a matéria e nenhuma das testemunhas apresentadas pelo réu (uma irmã, a mãe e actual cônjuge) assistiu às negociações da partilha resultando as declarações que, a este propósito, prestaram de conversas que mantiveram com o réu.
Mas ainda que as testemunhas houvessem demonstrado ter percepcionado directamente os factos, e não é o caso, esta prova seria inadmissível por ter por objecto convenções contrárias e adicionais ao conteúdo de documento (o réu declarou haver recibo as tornas que lhe eram devidas e visa agora demonstrar que acordou com a autora fazer seu um depósito de ambos destinado a este pagamento) particular por si assinado e cuja autoria ou genuidade não foi impugnada – cfr. artºs 394º e 396º, ambos do Código Civil.
Foram estas as razões que conduziram às respostas encontradas para os quesitos e, atenta a prova produzida, não se vê outra solução plausível.
Razões que não deviam constituir qualquer surpresa para as partes, designadamente para o impugnante, por haverem expressamente clausulado no documento que assinaram que quaisquer alterações ao contratado só serão validas se convencionadas por escrito, com menção de cada cláusula eliminada e representar a matéria que agora pretende ver provada uma alegada alteração verbal ao contrato.
Pretensão, aliás, cuja fundamentação não decorre, em rigor, da indicação de concretos meios de prova que imponham solução diversa, mas da leitura que o impugnante faz, como expressamente consignou, dos “diversos elementos que é possível retirar do processo … e ao senso comum”; ou seja, perante a sua própria leitura dos vários elementos do processo (declarações, hesitações e contradições da autora, extractos de conta bancária juntos aos autos, posições alegadamente assumidas pela autora noutros processos e depoimentos das testemunhas que apresentou) formou uma convicção diferente da formada pelo julgador e é esta que, bem vistas as coisas, suporta a impugnação. Não indica um concreto meio probatório que imponha as respostas que defende e não indica, estamos em crer, por uma razão, não foi produzido.
As respostas encontradas, para os pontos da matéria de facto em apreciação, são o epílogo lógico e racional da prova produzida e, como tal, só podem manter-se.

3.2. Factos a considerar:
Considerando os factos julgados provados em 1ª instância e a alteração ora introduzidas[12], importa considerar os seguintes factos:
a) De documento designado como “CONTRATO-PROMESSA DE PARTILHA”, outorgado em 25.02.2005, em que intervêm como primeiro contraente o ora réu e como segunda contraente a ora autora, foi pelos outorgantes declarado que nessa data foi decretado o divórcio do casam e que existe um bem pertencente ao mesmo; declaram ainda que o bem comum do casal a partilhas por escritura pública é a fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente a uma habitação com o n.º1.3 no primeiro andar, com entrada pelo n.º70 do prédio urbano sito na Rua …., em …., Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória sob o n.º00267-P; declaram ainda que todos os demais bens são próprios ou serão adjudicados por acordo a cada um dos contraentes e encontram-se já em poder do respectivo titular ou futuro adjudicatário, designadamente os veículos automóveis Opel Corsa ..-..-UM, que fica a pertencer à segunda contraente, e o veículo automóvel ..-..-XR (rasurado manualmente para XF) que fica a pertencer ao primeiro outorgante; declaram ainda que pelo referido contrato os contraentes prometes proceder à partilha do bem imóvel adjudicando-o à segunda contraente, tendo o primeiro já recebido o valor de tornas que lhe é devido, declarando o primeiro contraente que outorgará uma procuração a favor da requerente concedendo-lhe poderes para proceder à partilha nos termos indicados, celebrando-se a escritura após o pagamento da dívida hipotecária ao Montepio Geral; declaram por último que a segunda contraente tomou já posse exclusiva do imóvel que lhe vai ser adjudicado e que quaisquer alterações ao contratado só serão validades se convencionadas por escrito, com menção de cada cláusula eliminada.
b) No âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento n.º42 da 1ª Conservatória de Registo Civil de Vila Nova de Gaia, em que eram requerentes B…. e C…., foi decretado, em 25.02.2005, o divórcio de autora e réu, declarando-se em acta de conferência que são homologados os acordos relativos à prestação de alimentos entre os cônjuges e à atribuição da casa de morada de família, relacionando o casal o imóvel aludido em A) como verba única da relação de bens comuns, com o indicado valor de € 40.000,00.
c) De documento designado como “Acordo” assinado por autora e réu, consta como teor que os subscritores acordam livremente que se divorciaram por mútuo consentimento e que no acordo quanto a alimentos ficou estipulado que o requerente marido paga, a título de alimentos, à requerente mulher, a quantia mensal de quinhentos euros; acordam que a requerente mulher fica obrigada a suportar, com tal quantia, os alimentos do filho dos requerentes, com excepção dos livros escolares, que serão pagos pelo pai; para além do mencionado o requerente suportará ainda os encargos do veículo Opel Corsa pertencente à requerente mulher, a Contribuição autárquica do imóvel sito na Rua …., n.º …, …, …, …., Vila Nova de Gaia, bem como a prestação bancária a pagar ao Montepio Geral relativa ao mesmo imóvel.
d) Sob o n.º267/19860715-P da 2ª Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia de Mafamude, encontra-se descrito o prédio urbano correspondente a habitação no 1º andar 1.3, com a área de 54m2, encontrando-se a aquisição registada desde 16.06.1988 em nome de autora e réu, por o terem adquirido a F….., Ldª, encontrando-se registada por apresentação datada de 16.06.1988, a constituição de uma hipoteca voluntária sobre a fracção, a favor da Caixa Económica Montepio Geral, com fundamento em empréstimo e destinada a assegurar um montante máximo de PTE 5.969.328$00.
e) Corre termos sob o n.º3620/09.4TBVNG do 2º juízo cível deste tribunal um processo de inventário em que é requerente B…. e requerida C…., que deu entrada em 02.04.2009 por requerimento inicial apresentado pelo ora réu, com o teor constante de fls. 178 a 180, apresentando ainda o aqui réu resposta a uma oposição da autora, tendo a resposta o teor de fls. 181 a 187, pugnando o aqui réu pela natureza nula do contrato-promessa que aqui se discute.
f) Na sequência de notificação efectuada à aqui autora em sede de processo de inventário para vir justificar qual o montante em dinheiro entregue ao aqui réu para pagamento de tornas, a autora apresentou a justificação constante de fls. 153, cujos demais termos aqui se dão por reproduzidos.
g) No ano de 2005, o imóvel referido em a) e d) tinha um valor não superior a € 40.000,00.
h) O veículo automóvel XF mencionado em a), valia, à data da sua aquisição em Março de 2004, cerca de € 35.000,00.
i) O veículo automóvel UM mencionado em a), valia, à data da sua aquisição em Janeiro de 2003, cerca de 13.000,00.
j) Entre os bens comuns aludidos em a), sem especificação, incluía-se o recheio da casa de habitação do casal.
J1) Alguns dos móveis que constituíam o recheio da casa de habitação do casal ficaram na posse da autora.
k) À data referida em a) o casal era titular do saldo de € 25.000,00 mais juros numa conta a prazo n.º886.15.025763-4 MG Poupança TOP no Montepio Geral.
l) A aplicação em questão apenas se vencia em Dezembro de 2005, estando então a render juros.
m) O réu declarou no contrato referido em a) que tinha recebido as tornas.
n) No início de Dezembro de 2005 a autora, sem conhecimento ou autorização do réu, procedeu ao levantamento da totalidade do montante depositado na conta aludida em k).
o) E recusou sempre entregar tal quantia ao réu.
p) A conta aludida em k) foi aberta na constância do matrimónio.

3.3. Os factos e o direito na perspectiva do recurso.
Não enjeitando haver celebrado com a autora, no decurso do divórcio de ambos, o contrato-promessa de partilha cuja execução específica justifica a acção, excepcionou o réu a nulidade deste por violação da “regra da metade” imposta por lei quanto à participação dos cônjuges no património comum.
E isto porque, no seu dizer, à data da contestação, a autora ficou com bens no valor de mais de € 110.000,00 e o réu, sem receber tornas, ficou com um bem no valor de 30.000,00.
Apurados os factos, feitas as contas (os bens que ficaram para a autora terão um valor próximo dos 50.000,00 e os que ficaram para o réu um valor próximo de € 30.000,00) e ponderadas outras circunstâncias, a sentença recorrida não encontrou injustiça no acordo (…) ou qualquer evidência de desigualdade na partilha, razão pela qual concluiu pela sua validade.
O réu reitera agora em recurso que a partilha foi desigual, porque a autora ficou com bens no valor de € 78.000,00 e o réu ficou apenas € 35.000,00, a que se acresce as dívidas do casal que assumiu (encargos com o seguro e revisões mecânicas do veículo automóvel que foi adjudicado à autora, o IMI e a prestação bancária a pagar ao Montepio Geral relativas ao imóvel).

Sob a epígrafe participação dos cônjuges no património comum, dispõe assim o artigo 1730.º do Código Civil:
“1. Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.
2. A regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça em favor de terceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei.
Norma que proibindo estipulações entre os cônjuges, ou entre estes e terceiros, contrárias à regra da metade instituída para a participação dos cônjuges no património comum, tem especialmente em vista o momento da dissolução e partilha deste, porquanto na vigência da sociedade conjugal o património comum “pertence em bloco a ambos eles”[13], ou seja,são titulares de um único direito e de um direito uno.”[14]
E porque se surpreendam na causa/função da norma motivos de interesse ordem publica, uma vez que como afirma Guilherme Oliveira[15] “ao impor a regra da metade a ambos os cônjuges, o legislador deve ter querido evitar que um deles tentasse obter do outro um acordo injusto de uma partilha desigual, usando algum ascendente psicológico sobre o outro”, a sanção estabelecida para a sua inobservância é a nulidade e é à luz do regime desta que importa decidir.
Assente que a lei proíbe todas as estipulações ou cláusulas contrárias à regra da metade entre os cônjuges e querendo um deles, ou ambos, demonstrar que a partilha do património comum não observou esta a regra e, por isso, a partilha é nula, incumbe-lhe demonstrar duas coisas:
- a existência de uma estipulação sobre o património comum;
- que essa estipulação não observou a regra de metade quer seja do activo da comunhão, quer seja do passivo da comunhão, quer seja, enfim, do saldo entre o activo e o passivo caso hajam sido objecto da convenção.
Importará, assim e sempre, conhecer os bens ou as dividas que, por ajuste, ficaram para cada um dos cônjuges; pois, como parece evidente, só conhecendo a parte que fica para cada um dos cônjuges, como consequência da convencionada partilha, ou melhor, os seus respectivos valores, se poderá concluir, por comparação, se foi respeitada ou postergada a regra da metade e consequentemente concluir pela invalidade ou validade da estipulação.
E também é elementar dizer que surgindo a arguição da nulidade, na contestação, como é o caso, com o propósito de extinguir o direito à partilha que pela acção se pretende fazer valer, é ao réu que incumbe a prova dos factos (artº 342º, nº2, do CC).
E é esta prova que, estamos em crer, o réu não fez nem, em bom rigor, a convenção que celebrou com a autora lhe permitia fazer. E isto pela sua própria natureza.
Declararam réu (primeiro contraente) e autora (segundo contraente), no documento que com a designação de “contrato-promessa de partilha”, outorgaram em 25.02.2005[16]:
- que existe um bem comum pertencente ao casal;
- que o bem comum do casal a partilhar por escritura pública é a fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente a uma habitação com o n.º1.3 no primeiro andar, com entrada pelo n.º70 do prédio urbano sito na Rua …., em …., Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória sob o n.º00267-P
- que os demais bens são próprios ou serão adjudicados por acordo a cada um dos contraentes e encontram-se já em poder do respectivo titular ou futuro adjudicatário, designadamente os veículos automóveis Opel Corsa ..-..-UM, que fica a pertencer à segunda contraente, e o veículo automóvel ..-..-XR (rasurado manualmente para XF) que fica a pertencer ao primeiro outorgante;
- que pelo presente contrato prometem proceder à partilha do bem imóvel adjudicando-o à segunda contraente, tendo o primeiro já recebido o valor de tornas que lhe é devido.
- que o primeiro contraente outorgará uma procuração a favor da requerente concedendo-lhe poderes para proceder à partilha nos termos indicados, celebrando-se a escritura após o pagamento da dívida hipotecária ao Montepio Geral.
Por aqui se fica a saber, quanto à divisão do património comum, que a autora ficou com um imóvel, com um automóvel e com os demais bens comuns adjudicados por acordo; o réu ficou com tornas, com um automóvel, e com os demais bens comuns adjudicados por acordo.
Não se sabe, porém, o valor das tornas; as partes não o declararam no documento, nem demonstram tê-lo feito em qualquer outro documento complementar, não o alegaram e ainda que o houvessem feito não o poderiam demonstrar com recurso a prova testemunhal (artº 394º, nº1, do CC). E daqui a dificuldade em averiguar se foi, ou não foi violada a regra de metade. Se houve lugar a tornas na partilha e não se sabe o montante destas, não se pode concluir ou deixar de concluir que a partilha é desigual. Falta um dos termos para a comparação. Conhecer a composição de um dos quinhões da divisão.
E é por esta razão que a nulidade da partilha com fundamento na violação da regra de metade estava, salvo melhor opinião, desde o início, votada ao fracasso.
E isto independentemente do recebimento ou não das tornas, ou da existência de convenções complementares sobre o pagamento do passivo da comunhão acentuaram ou deixaram de acentuar a desigualdade da partilha, razões apontadas na pretensão recursiva. Pois uma coisa é o pagamento de tornas e coisa diferente é o seu valor e é este e não aquele que, no caso, constitui um pressuposto indispensável à apreciação da desigualdade da divisão e subsistir uma impossibilidade lógica em acentuar uma desigualdade que não se demonstra.
Carece, assim, de razão o recorrente quando pugna pela nulidade da partilha com fundamento na violação da regra da metade.

Aqui chegados, porém, uma outra questão se nos depara. Que dizer então de uma partilha do património comum dos cônjuges que não permite aferir se viola, ou não, a regra da metade? Não afronta directa e abertamente a lei, é certo. Só afrontaria se fosse desigual e os termos em que se mostra feita não permitem esta conclusão. Mas sendo o propósito da lei, como se começou por dizer, evitar um acordo injusto de uma partilha desigual, usando um dos cônjuges algum ascendente psicológico sobre o outro, uma partilha entre cônjuges em que um dos quinhões surge indeterminado e no caso é indeterminável, quanto ao valor, viola o espírito da norma e isto porque não encerra em si a objectividade e transparências necessárias ao controlo da sua legalidade, no caso da sua equidade. Validar uma partilha entre cônjuges em que se desconhece a composição de um dos quinhões da divisão corresponderia, estamos em crer, em validar uma partilha com a virtualidade de violar a lei e, decisivamente, de a contornar. Estaria encontrada a fórmula de validamente violar a regra da metade.
Ensina Manuel de Andrade[17]: “são negócios em fraude à lei aqueles que procuram contornar ou circunvir uma proibição legal (…) estes, se vão contra a lei, é de modo disfarçado e obliquo (…). Os negócios contra legem ofendem por assim dizer a própria letra da lei; os negócios in fraudem legis como que só ofendem o seu espírito”.
Uma partilha entre cônjuges que não permite comparar os respectivos quinhões é um negócio jurídico cujo objecto é contrário à lei e, assim, nula (artº 280º, nº1, do CC), nulidade que se estende à promessa da partilha (artº 410º, nº1, do CC), é do conhecimento oficioso (artº 286º, do CC) e, como tal, pode ser conhecida pelo juiz ainda que não suscitada pelas partes (o fundamento da nulidade de que se conhece não foi suscitado pelo recorrente) - artºs 660º, nº2, última parte, e 713º, nº2, ambos do CPC.
A nulidade é uma excepção peremptória que importa a absolvição do pedido (artº 493º, nº3, do CPC).
Em conformidade com o exposto, na procedência da excepção da nulidade do contrato-promessa de partilhas, improcede o pedido de execução específica do contrato-promessa de partilha.
Havendo sido outro o sentido da decisão recorrida quanto a este pedido, importa alterá-la (embora sem inclusão no dispositivo, a sentença conheceu e julgou improcedente – “não cabendo, por isso fixar qualquer sanção”, consignou-se - o pedido de condenação do réu no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de que não houve recurso).

3.4. Por último, os autos não evidenciam nenhum dos fundamentos (dedução de pretensão cuja falta de fundamento não ignora, alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão) avançados pelo réu/recorrente para sancionar a autora como litigante de má fé, pela que improcede a pretensão que, a propósito, formula.

Sumário:
I- A nulidade da partilha entre os cônjuges por violação da regra da metade pressupõe que se conheçam os bens e dívidas que compõem os respectivos quinhões.
II - Não permitindo as estipulações da partilha determinar a composição de ambos os quinhões, ou de um deles, designadamente por um dos cônjuges declarar, em escrito assinado por ambos, que recebeu tornas cujo valor não foi quantificado, fica prejudicada a apreciação do seu equilíbrio, tornando a partilha nula por fraude à lei.

4. Dispositivo.
Delibera-se, pelo exposto, em alterar a sentença recorrida e consequentemente:
a) Na procedência da excepção da nulidade, julga-se improcedente o pedido de execução específica do contrato-promessa de partilha e absolve-se o réu deste pedido:
b) No mais, mantêm-se a sentença recorrida, excepto no que vai decidido quanto a custas.
Custas em ambas as instâncias a cargo da autora/apelada.

Porto, 23/10/12
Francisco José Rodrigues de Matos
Maria João Fontinha Areias Cardoso
Maria de Jesus Pereira (vencido: Com todo o respeito pela opinião que fez vencimento, considero que no contrato-promessa de partilhas se descreveram e atribuíram-se os quinhões que cada um dos ex-cônjuges iria receber, cujos outorgantes declararam “que pelo referido contrato os contraentes procederão à partilha do bem imóvel adjudicando-o à segunda contraente, tendo o primeiro já recebido o valor das tornas que lhe é devido”, ou seja, que, o primeiro outorgante, recebeu o renascente que lhe era devido a título de igualação, e, portanto, não se verifica violação da regra de metade. Por outro lado, a declaração de recebimento de tornas traduz-se numa confissão extrajudicial, a qual só pode ser impugnada, mediante alegação de erro ou vício o que até parece ter sido alegado em sede de incumprimento do contrato, mas cujo pedido não foi admitido conforme resulta do relatório - arts. 358/2 e 359 do CC -
Julgaria, por isso, improcedente o recurso.)
__________________
[1] Cfr. despacho de fls. 252 a 253.
[2] Transcrição de fls. 334 a 339.
[3] É o que decorre, entre outros, dos artºs 676º, nº1, 680º e 690º, nº1, todos do C.P.C.
[4] Cfr., entre outros, Ac. STJ de 6/2/1987, BMJ, 364º - 714
[5] CPC, anotado, vol 5º, pág. 212.
[6] Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 74.
[7] Cfr. assentada a fls. 267 dos autos.
[8] Cfr. minutos 4.04-4.06 e 12.44-13.04 do depoimento de parte da autora
[9] Cfr. minutos 2.56 a 4.14 do mesmo depoimento.
[10] Cfr. acta exarada de fls. 266 a 269 dos autos.
[11] Cfr. minutos 7.50-9.03 da gravação do depoimento da autora.
[12] Assinala-se a negrito o ponto da matéria de facto objecto de alteração.
[13] Cfr. P.Lima e A. Varela, Cod. Civ. Anotado, 1975, vol. 4º, pág. 397.
[14] Cfr. ob. e loc. cit., por remissão para Pereira Coelho.
[15] RLJ, Ano 129, pág. 286.
[16] Al. a) dos factos provados.
[17] Teoria Geral da Relação Jurídica, 1983, 2º vol., pág. 337.