Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
604/17.2T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: LEGITIMIDADE
CONHECIMENTO DO MÉRITO
DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RP20180221604/17.2T8PVZ.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 125, FLS 23-29)
Área Temática: .
Sumário: I - O tribunal não deve conhecer da excepção dilatória da ilegitimidade de um dos réus e absolvê-lo da instância quando já for possível conhecer de imediato do mérito e a decisão deva ser integralmente favorável aos réus, caso em que deverá conhecer do mérito e absolver os réus do pedido.
II - Se um condómino instaurou uma acção contra o condomínio, a taxa de justiça relativa à contestação apresentada pelo condomínio é uma despesa comum que deve ser incluída nas contas do exercício, ainda que o condomínio demandado decaia na acção.
III - Toda a parte demandada judicialmente goza do direito de defesa, onde se inclui o direito de apresentar contestação, pelo que o condómino que instaura uma acção contra o condomínio não pode opor-se à decisão da assembleia no sentido de o condomínio contestar a acção ou pretender que nenhum dos condóminos que votou favoravelmente a deliberação impugnada possa aprovar a deliberação de contestar a acção de impugnação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 604/17.2T8PVZ.P1 [Comarca do Porto / Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
B... e mulher C..., contribuintes nºs ......... e ........., residentes em ..., Póvoa de Varzim, instauraram acção judicial contra Condomínio D..., pessoa colectiva n.º ........., com sede em Vila do Conde, representado por E..., Lda., com sede na Póvoa de Varzim, F..., CRL, pessoa colectiva n.º ........., com sede em Lisboa, G... e mulher H..., contribuintes nºs ......... e ........., residentes em Vila do Conde, e I... e mulher J..., contribuintes nºs ......... e ........., residentes em Guimarães, terminando a petição inicial com a dedução do seguinte pedido: «declaradas nulas e ou anuláveis as deliberações constantes dos pontos nºs 1 e 5 da assembleia de condóminos de 11 de Fevereiro de 2017, por violação do disposto nos artigos 1424º e 1433º do Código Civil».
Para o efeito, alegaram que os autores e os 2ºs, 3ºs e 4ºs réus são os condóminos do prédio em propriedade horizontal denominado D..., cujo administrador de condomínio convocou para o dia 11/02/2017 uma Assembleia-Geral Ordinária tendo na ordem de trabalhos entre outros os seguintes assuntos: discussão e Aprovação do Relatório e contas do exercício de 01/01/2016 a 31/12/2016; discussão e votação de medidas a tomar e poderes a conferir à Administração do condomínio. Na assembleia realizada foram aprovadas as contas quando o orçamento que permitira a sua realização estava a ser objecto de uma outra acção de anulação da deliberação que era conhecida de todos e veio a ser julgada procedente com a anulação da aprovação do orçamento, pelo que as contas não podiam ser aprovadas e muito menos, como sucedeu, nelas incluído o valor da taxa de justiça paga naquela acção, porque a mesma tinha por objecto deliberações aprovadas em benefício exclusivo de um dos condóminos. Nessa assembleia foi ainda proferida uma deliberação a autorizar a administração do condomínio a contestar outra acção na qual é pedida a declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e na qual os autores estão a defender partes que são imperativamente comuns mas que o título destinou ao uso particular de alguns condóminos, pelo que a administração não pode contestar uma acção que se destina precisamente à defesa das partes comuns que era aquilo que competia à própria administração defender, sendo por isso também esta nova deliberação nula.
A acção foi contestada pelos réus D... e F..., aquele excepcionando a sua ilegitimidade para a acção, ambos impugnando os factos alegados e sustentando que os factos ocorridos não suportam o efeito jurídico pretendido, concluindo no sentido da improcedência total do pedido.
Findos os articulados foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu que o réu Condomínio não tem personalidade judiciária e, em consequência, absolveu-se o mesmo da instância, após o que se conheceu de mérito, julgando-se a acção improcedente e absolvendo os demais réus do pedido.
Do assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A) Nas acções de impugnação de deliberações de condomínio representada pela administração, tem legitimidade passiva para intervir na acção, por força do disposto no n.º 6 do artigo 1433º do Código Civil e da alínea e) do artigo 12º do Código Civil.
B) Porquanto a deliberação da assembleia de condóminos, corresponde à vontade do ente colectivo condomínio, constituído pelo conjunto dos condóminos, da qual a deliberação é a sua expressão.
C) É jurisprudência corrente e doutrina maioritária que após a reforma de 94 do anterior Código de Processo Civil, o condomínio passou a poder ser directamente demandado, quando estejam em causa a impugnação de deliberações da assembleia, as quais têm de ser intentadas contra o administrador.
D) Porquanto, com a concessão de personalidade judiciária ao condomínio, deixou de haver qualquer razão para demandar exclusivamente os condóminos votantes, face à incumbência da sua representação pelo administrador nos termos do n.º 6 do art.º 1433º do Código Civil.
E) Pelo que a decisão recorrida na parte em que não se reconhece personalidade ao réu Condomínio D... e o absolve da instância, viola a jurisprudência corrente das Relações e do STJ, bem como a doutrina maioritária e viola o disposto na al. e) do art.º 12º do Código de Processo Civil e dos números 1 e 6 do art.º 1433º do Código Civil devendo por isso ser revogada e substituída por outra que reconheça a personalidade judiciária do réu.
F) Mais deve a decisão que declarou a acção improcedente e absolveu os réus ser prontamente revogada por inequívoca violação do ónus da prova quanto aos factos alegados e documentalmente provadas por omissão dos factos nºs 11, 12 e 13 da PI e constantes dos documentos 6, 7 e 8 não impugnados.
G) Porquanto da deliberação que sobre o nº 1 da ordem de trabalhos da assembleia de 11/02/2017, aprovou as contas, incluiu na mesma o montante de €673,20 cuja despesa respeitante a taxa de justiça e multa, resultou apenas e por causa da deliberação de 29/09/2016 (Doc. 7), na qual a ré F..., CRL como proprietária das fracções A e B fez aprovar uma deliberação autorizando o Condomínio a contestar uma acção em seu único proveito.
H) Pois que só com os votos da mesma ré foi realizada a assembleia de 23/05/2016, que foi anulada pela sentença proferida no proc. 893/16.8T8PVZ.
I) Tal despesa não foi feita em proveito de qualquer interesse comum, na medida em que só serviu os interesses da ré F..., CRL como resulta da sentença proferida naqueles autos.
J) A decisão recorrida viola pois o disposto no artigo 1424º do Código Civil, devendo por isso ser anulada e substituída por acórdão que dê provimento à acção, face à prova documental.
K) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 1421º do Código Civil, quando à deliberação tomada sobre o nº 5 da ordem de trabalhos ao, novamente apenas com os votos a favor da ré F..., CRL enquanto dona das fracções A e B, aprovar que o condomínio conteste a acção de pedido de nulidade da PH constituída por esta ré, ver incluído nas fracções os terraços de cobertura de fracções inferiores, que são partes imperativamente comuns.
L) A ré em causa ao deter de mais de 1/3 da permilagem ou percentagem da votação na assembleia, pelas fracções A e B apenas aprova as decisões que servem os seus interesses particulares, por oposição aos interesses comuns e colectivos, como é o caso dos terraços imperativamente comuns, que aquela incluiu como partes privadas de cada fracção, para poder vender as fracções por um preço superior.
Os recorridos (contestantes) responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se a acção de anulação de deliberações da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, representado pelo administrador, ou contra os condóminos que votaram a favor da deliberação impugnada;
ii) Se as deliberações impugnadas de aprovação das contas e de autorização do administrador para contestar uma acção instaurada contra o condomínio são nulas ou anuláveis.

III. Os factos:
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) O prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na ... nº ...., .... e ... da freguesia e cidade de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00997/Vila do Conde e inscrito na matriz urbana sob o artigo 7188, é composto pelas fracções identificadas com as letras de “A” a “H”.
2) A fracção designada pela letra “G” está registada a favor do autor.
3) Na assembleia de condóminos do dia 23 de Maio de 2016, foi deliberado aprovar o orçamento para o exercício de 2016.
4) Em 1 de Julho de 2016 o autor propôs contra o “Condomínio D...” e a “F..., CRL” a acção que correu termos com o n.º 893/16.8T8PVZ, pedindo, designadamente, a declaração de nulidade da convocatória da assembleia geral de condóminos realizada no dia 23 de Maio de 2016.
5) Os condóminos do edifício identificado em 1) reuniram em assembleia no dia 11 de Fevereiro de 2017, com a presença do representante da “F..., CRL” pelas fracções “A” e “B”, de I... pela fracção “H” e de G... pela fracção “C”, tendo sido submetidos a deliberação, entre outros, os seguintes assuntos constantes da ordem de trabalhos: 1.º discussão e aprovação do relatório e contras do exercício de 01/01/2016 a 31/12/2016 e 5.º discussão e votação das medidas a tomar e poderes a conferir à assembleia de condóminos para contestar ou não os autos do processo n.º 46/17.0T8PVZ.
6) Foi deliberado aprovar pela unanimidade dos condóminos presentes o relatório de contas do exercício de 2016, do qual consta, como “rubrica extraordinária” o valor de €673,20 a título de “contencioso notariado”.
7) O valor de €673,20 corresponde ao valor da taxa de justiça e multa suportado pelo “Condomínio D...” para contestar a acção que correu termos com o n.º893/16.8T8PVZ.
8) Foi deliberado aprovar, com os votos contra do condómino da fracção “H”, a abstenção do condómino da fracção “C” e os votos favoráveis do condómino das fracções “A” e “B”, conferir poderes à administração do condomínio para contestar os autos do processo n.º 46/17.0T8PVZ.
9) A acção que correu termos com o n.º 893/16.8T8PVZ foi julgada parcialmente procedente, por sentença proferida em 9 de Fevereiro de 2016 e notificada às partes em 13 de Fevereiro de 2017, que determinou a anulação das deliberações aprovadas na assembleia de condóminos realizada no dia 23 de Maio de 2016.
10) A acção que corre termos com o n.º 46/17.0T8PVZ foi proposta por B... e C... contra o “Condomínio D...” e todos os condóminos, pedindo que seja declarada a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, com fundamento no facto de o terraço exterior ter sido considerado como parte integrante da propriedade exclusiva de determinadas fracções quando, atenta a sua configuração, terá de ser considerado parte comum, circunstância que afectou o cálculo das permilagens atribuídas a cada fracção.

IV. O mérito do recurso:
A] quem deve ser a parte passiva da acção:
O pedido formulado na presente acção é a declaração de nulidade ou a anulação de duas deliberações da assembleia de condóminos de um prédio em propriedade horizontal. A causa de pedir respectiva é, naturalmente, composta pelos factos jurídicos concretos que geram o vício gerador daquela consequência jurídica.
A acção foi instaurada por um condómino que não votou favoravelmente a deliberação, contra o próprio condomínio, enquanto entidade, representado pelo administrador do condomínio e, em simultâneo, contra os condóminos individuais que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas. Aquele foi citado na pessoa do administrador, seu representante, que apresentou contestação nessa qualidade. Estes foram citados directamente e um deles apresentou contestação em nome próprio.
Nesta configuração, a acção suscitava de imediato a questão de saber quem deve estar no lado passivo da acção: o condomínio ou os condóminos que votaram a favor da deliberação. O tribunal a quo entendeu que devem ser os condóminos e em consequência decidiu pela absolvição da instância do condomínio considerando que para efeitos da presente acção o condomínio nem sequer tem personalidade judiciária (restrita às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador). Os autores defendem que deve ser o condomínio, representado pelo administrador, pelo que deve ser-lhe reconhecida personalidade judiciária e legitimidade para a acção.
Sucede que nos termos do n.º 3 do artigo 278.º do Código de Processo Civil as excepções dilatórias, entre as quais se contam os pressupostos processuais da capacidade e personalidade judiciária e da legitimidade, só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, e ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
Em virtude desta norma, se no momento em que se vai conhecer da excepção for possível conhecer do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável à parte a que respeita a excepção, o tribunal deve conhecer do mérito e absolver o réu do pedido independentemente de se verificar a excepção. Nessa circunstância o conhecimento da excepção fica prejudicado já que é totalmente inútil o tribunal pronunciar-se sobre um vício processual do qual acabará por não retirar consequências ao nível da lide.
Ora no caso verificou-se essa situação. No despacho saneador, quando decidiu a excepção dilatória, o tribunal afirmou-se em condições de conhecer de imediato do mérito (o que parece não merecer qualquer reserva visto que os factos em discussão já estavam todos provados por documento) e fazendo-o julgou a acção improcedente, ou seja, decidiu em favor dos demandados, aos quais respeitava a excepção dilatória conhecida.
Neste contexto, uma vez que também agora no recurso ambas as decisões vêm impugnadas (a proferida sobre a excepção dilatória e a proferida sobre o mérito da causa), esta Relação deve, em obediência ao disposto no artigo 278.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pronunciar-se primeiramente sobre a decisão atinente ao mérito da causa e só deverá pronunciar-se sobre a decisão tocante à excepção dilatória se aquela tiver de ser revogada.
Esta solução impõe-se em virtude do citado artigo 278.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mas também pelo princípio da proibição da prática de actos inúteis uma vez que conforme assinalado os autores instauraram a acção em simultâneo contra quem, nas duas alternativas possíveis de resposta a essa questão jurídica, deve ser demandado: o condomínio ou os condóminos. Daí resulta que qualquer que venha a ser o entendimento sobre quem deve ser demandado, sempre estará já na acção quem deve ser demandado (pode é estar alguma parte a mais), razão pela qual, aliás, o tribunal a quo, pese embora tenha julgado verificada a excepção, considerou (e bem) não ser necessário provocar qualquer modificação da lide para poder conhecer de mérito.
Neste contexto, iremos conhecer previamente da decisão sobre o mérito da causa e só conheceremos da decisão sobre a excepção se tal se justificar.

B] se as deliberações são nulas ou anuláveis:
B.1] a deliberação de aprovação das contas:
Os autores defenderam na petição inicial que a deliberação de aprovação das contas do exercício do ano transacto é nula ou anulável porque a deliberação que havia aprovado o orçamento para esse exercício estava a ser impugnada judicialmente e veio de facto a ser anulada, motivo pelo qual as contas não podiam ser aprovadas.
Esta arguição foi desatendida na sentença recorrida e, lendo as conclusões das alegações de recurso, a questão não é retomada pelos recorrentes, pelo que esta Relação não se pode pronunciar sobre a mesma.
Os autores defendiam também que a deliberação impugnada estava viciada já não por ter aprovado as contas mas por as contas aprovadas incluírem uma despesa extraordinária no valor de €673,20 corresponde ao valor da taxa de justiça e multa suportado pelo “Condomínio D...” para contestar a acção que correu termos com o n.º 893/16.8T8PVZ.
Sustentavam os autores que essa despesa foi «provocada exclusivamente por deliberações aprovadas pela 2º R. em seu exclusivo benefício», razão pela qual não é uma despesa comum, da responsabilidade de todos os condóminos, mas uma despesa cuja responsabilidade é «exclusiva da 2ª R., por ter sido a mesma que a ela deu causa, ao ser a única a aprovar as deliberações declaradas anuladas, por serem ilícitas».
Esta argumentação foi desatendida na decisão recorrida com a seguinte argumentação: «A aprovação em deliberação do orçamento ou da conta que inclua uma despesa que não corresponda ao interesse comum pode importar a nulidade dessa deliberação. De facto, uma coisa é a manifestação de vontade dos condóminos na definição do interesse comum segundo critérios de oportunidade – por exemplo, contratar um vigilante nocturno ou instalar câmaras de vigilância – outra, diferente, é decidir aprovar despesas fora do âmbito do interesse comum (por exemplo, o custo da mobiliário de um condómino ou da viagem de férias do administrador). Atendendo em concreto à verba incluída na conta, no valor de 673,20€, cumpre evidenciar que assistiria razão aos autores se a acção que correu termos com o n.º893/16.0T8PVZ apenas tivesse sido proposta contra a “F..., CRL”. Acontece que o aqui autor demandou também o condomínio pelo que tal valor, suportado com a apresentação da contestação, corresponde a uma despesa comum. Desta forma, não se vê que a deliberação aprovada por unanimidade relativa ao ponto 1.º da ordem de trabalhos viole qualquer disposição legal».
No seu recurso os autores defendem que esta argumentação não leva na devida conta a factualidade alegada e demonstrada por documento. Os autores referem-se à alegação contida nos artigos 11º, 12º e 13º da petição inicial e donde resultam factos segundo os quais após a instauração da acção (a que respeita a taxa de justiça e a multa pela apresentação de contestação pelo condomínio incluída nas contas cuja aprovação ora é impugnada) houve uma nova assembleia para decidir se o condomínio contestava a acção ou não e foi só com o voto da condómina F... que foi deliberado contestar a acção interposta pelos autores contra, entre outros, o condomínio.
Pretendem os autores que a matéria de facto seja ampliada para reflectir os mencionados factos.
Sucede, contudo, que, ao contrário do que os autores sustentam, essa matéria de facto não se encontra provada. Os réus, com efeito, nas suas contestações limitaram-se a aceitar os factos alegados que estejam provados pelos documentos juntos. Porém, os documentos juntos pelos autores (ou pelos réus) não incluem a acta da assembleia onde alegadamente foi aprovada a deliberação de contestar a acção n.º 893/16.8T8PVZ. Os autores juntaram apenas uma carta a convocá-los para uma assembleia de condóminos a realizar no dia 29.09.2016 onde essa questão seria discutida e uma carta dos próprios autores a informar que não iriam comparecer a essa assembleia.
Ora nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, as deliberações das assembleias de condóminos são obrigatoriamente reduzidas a escrito em actas redigidas e assinadas pelo presidente da assembleia e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado. Por esse motivo, os factos relativos à deliberação da assembleia de condóminos de aprovar a apresentação de contestação só podiam ser provados por um documento específico - a acta da assembleia -, pelo que não tendo este sido junto, tais factos, independentemente da posição dos réus, não podem ser considerados provados - artigos 364.º do Código Civil, e 568.º, alínea d), 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil -, conclusão que inviabiliza a ampliação da matéria de facto.
Apesar disso, cremos ser possível conhecer do mérito do recurso porquanto se nos afigura que mesmo que esses factos se encontrassem provados eles não impediriam a improcedência da argumentação dos autores e recorrentes.
Há um dado, assinalado na decisão recorrida, que é irrecusável: a acção que gerou a despesa em causa foi instaurada pelos autores contra, entre outros, o condomínio. Se o condomínio se confrontou com uma demanda judicial e foi citado para contestar, o condomínio podia obviamente apresentar contestação. Tratou-se apenas do exercício de um direito inerente à qualidade de parte demandada numa acção judicial e que tem como alicerce o direito de defesa.
Briga com os mais elementos princípios de direito os autores instaurarem uma acção contra o condomínio e depois pretenderem que o condomínio não pode apresentar contestação, excepto, …talvez, se os próprios autores aprovassem uma deliberação com esse objectivo!
Cremos que não pode deixar de se entender que se a acção foi instaurada para impugnar uma deliberação aprovada com o voto favorável de determinados condóminos, estes têm interesse em continuar a defender a posição que fez vencimento na deliberação impugnada e por isso mesmo não lhes pode ser vedado o direito de aprovarem a apresentação de defesa pelo condomínio que ficou vinculado pela deliberação aprovada e impugnada.
Pouco importa se a deliberação impugnada enferma de vícios pois isso será objecto da acção instaurada e caberá ao tribunal decidir, por maior confiança que os autores tenham no sucesso da sua pretensão. A mera instauração de uma acção contra o condomínio para anulação de deliberações aprovadas determina que o condomínio tenha interesse próprio em se defender de uma acção contra si instaurada. Os condóminos podem vir a entender (e deliberar) que é mais conveniente para o condomínio não apresentar contestação (por uma questão de custos, porque vai renovar a deliberação impugnada, porque pode alcançar o mesmo objectivo por outra via legítima, porque a deliberação não tem interesse, etc.), mas o que não se pode é impedir os condóminos de entenderem (e deliberarem) a posição natural de contestar aquilo com que não concordam, para tentar convencer o tribunal dos seus argumentos.
Se assim não fosse, se todos os restantes condóminos tivessem aprovado a deliberação e só os autores tivessem votado contra, se a acção de impugnação da deliberação fosse instaurada por estes, todos aqueles estariam impedidos de deliberar que o condomínio contestasse a acção, o que geraria a situação absurda de ficar à partida assegurado que os autores iriam obter ganho de causa na acção … por falta de contestação!
Por outro lado, a deliberação em causa não foi impugnada judicialmente. O objecto da presente acção são as deliberações da assembleia de 11/02/2017, não a deliberação que aprovou a contestação da acção n.º 893/16.8T8PVZ. Nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, e do artigo 1433.º do Código Civil, as deliberações dos condóminos são vinculativas para os condóminos, excepto se tiverem sido impugnadas judicialmente e o tribunal as julgar nulas ou anuláveis. Não tendo sido impugnada, a deliberação tornou-se eficaz e tendo gerado uma despesa do condomínio a mesma não podia ter deixado de ser incluída nas contas, como foi.
Improcede assim a alegação da existência de um vício na deliberação de aprovação dessa despesa como comum.

B.2] a deliberação de contestar a acção n.º 46/17.0T8PVZ.
Os autores defendem que a deliberação da assembleia de condóminos de contestar a acção n.º 46/17.0T8PVZ que aqueles instauraram contra o condomínio, entre outros, e na qual pedem que seja declarada a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, é nula ou anulável.
Se bem percebemos o raciocínio dos autores o seu argumento é o seguinte: uma vez que a acção foi instaurada porque os autores reclamam que no título de constituição da propriedade horizontal foram qualificadas como próprias partes que são imperativamente comuns (curiosamente partes que integram a fracção dos próprios autores, mas de que estes pretendem, mais de 25 anos depois da constituição da propriedade horizontal, ver-se livres - quanto à qualificação - para verem reduzida a sua comparticipação nas despesas comuns!), a acção visa a defesa das zonas comuns e por isso ela não pode ser contestada pelo condomínio porque a sua função é precisamente a defesa das zonas comuns - objecto da acção – e, além do mais, a ser procedente a acção, o próprio condomínio se extingue.
Com todo o devido respeito, é manifesta a natureza tortuosa desta argumentação, cuja constatação logo mostra que a acção não pode deixar de ser julgada improcedente.
Conforme já se assinalou a respeito da anterior deliberação, a partir do momento em que os autores decidem instaurar uma acção judicial contra o condomínio o mínimo (!) que têm de admitir é o direito do condomínio a defender-se, contestando a acção. A qualidade de demandado numa acção judicial confere a qualquer parte o interesse jurídico em contradizer a acção (sob pena de carecer afinal de … legitimidade para a própria acção), e consequentemente o direito de contestar a acção para fazer valer os seus pontos de vista que, no caso do condomínio, são os pontos de vista dos condóminos cuja maioria permitiu aprovar a deliberação que se transformou na “vontade” do ente colectivo condomínio.
A proceder a argumentação dos autores seríamos levados a concluir que como o pedido de declaração de nulidade (parcial) do título de constituição da propriedade horizontal prejudicará todos os outros condóminos (cuja permilagem, leia-se quota de responsabilidade nas despesas comuns, aumentará, se a acção proceder, na medida em que diminuirá a permilagem dos autores), então nenhum deles, e não apenas a ré F..., podia votar favoravelmente uma deliberação no sentido de contestar a acção. E como os autores são os únicos possíveis beneficiários da acção, naturalmente não iriam aprovar uma deliberação para ser contestada a sua argumentação. Resultado: ninguém podia aprovar a deliberação e os autores obtinham ganho de causa na acção … por falta de contestação!!! Melhor não poderia ser…
É claro que tal como está delineado o conflito entre os condóminos, os autores estão numa posição e os outros condóminos estão na posição oposta. Aqueles pretendem ver reduzida a sua responsabilidade nas despesas comuns através da redução da permilagem da sua fracção, defendendo para tanto que a sua fracção não pode ter a composição que o título constitutivo lhe assinalou; estes pretendem que se mantenha a validade do título e a distribuição da permilagem pelas fracções que dele resultam.
Perante este conflito, as acções que sejam instauradas pelos autores para fazer valer o seu ponto de vista colocam sempre em confronto o interesse dos autores e o interesse dos outros condóminos. Ambos estes interesses são interesses egoísticos, isto é, interesses privados e exclusivos dos condóminos e não do condomínio; tanto os dos autores como os dos restantes condóminos; nenhum mais que os dos outros.
Mas porque se reportam ao direito de propriedade horizontal de que essas pessoas são titulares por referência ao imóvel em causa, esses interesses acabam por ser reflectidos na posição que os interessados adoptam no momento de aprovar as deliberações da assembleia de condóminos. A respectiva posição na votação reflecte esse interesse, mas não é por isso que as deliberações se tornam inválidas por não estarem ao serviço do interesse do próprio condomínio. Tal só sucederá quando o conteúdo das deliberações em causa redundar em exclusivo proveito de outrem que não o condomínio. Não é seguramente o caso quando nas acções é demandado o condomínio, o qual, em virtude da aprovação da deliberação pela assembleia, passou a ter uma vontade própria correspondente à deliberação aprovada e, como tal, um interesse próprio em defender essa situação (o que não se confunde com o mérito das posições defendidas antagonicamente nas acções).
Para finalizar, refira-se que não se vislumbra como é que esta deliberação (de a administração contestar a acção instaurada contra o condomínio) pode violar o disposto no artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil, como defendem os autores.
Esta norma reporta-se às acções cujo objecto é a impugnação das deliberações da assembleia, como resulta da respectiva epígrafe e redacção. Na acção na qual a contestação será apresentada o pedido formulado é a declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, não é a anulação ou declaração de nulidade de qualquer deliberação da assembleia.
Coisa diferente, que os autores fazem por confundir, consiste em saber se a administração tem poderes para representar o condomínio numa acção que tenha esse objecto. Mas isso é questão a decidir na acção, naturalmente depois de todas as partes exporem os seus argumentos. O que não é possível é pretender que nesta acção se decida quem deve intervir na outra ou como.
Também não se confundem a deliberação de apresentar contestação, com o mérito da acção ou da defesa, sendo certo que não cabe no âmbito da presente acção analisar o mérito da pretensão dos autores deduzida na acção 46/17.0T8PVZ (e a partir do qual, numa espécie de efeito retroactivo, os autores pretendem que por isso mesmo - porque têm razão - as acções que instauraram contra o condomínio não podem ser contestadas).
Por fim, diga-se que nos parece absurdo pensar que como na acção se defende que é afinal parte comum o que o título define como fracção autónoma, antes que isso seja decidido na acção já se deve raciocinar como se fosse comum o que à face do título e enquanto este não for anulado não o é! Só dessa forma seria possível sustentar que o condomínio não pode contestar a acção porque esta visa defender as zonas comuns e era isso mesmo que o condomínio devia fazer (logo não pode adoptar a posição contrária). Repete-se que se o condomínio foi demandado é porque se lhe reconheceu interesse em contradizer; não é possível indicá-lo como réu e depois defender que ele não tem interesse em contradizer a acção. Aliás, esse interesse parece óbvio porque a primeira obrigação do condomínio é defender a validade da sua constituição, o que está em causa numa acção em que se pede a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal.
Por tudo isto e sem necessidade de outras justificações entendemos que a acção devia ter sido julgada improcedente, como foi, pelo que o recurso só pode ser julgado improcedente.
Tal acarreta, como começamos por assinalar, que o tribunal não se deve pronunciar sequer sobre a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária /legitimidade do condomínio da acção e que o mesmo deve, afinal, independentemente disso, ser absolvido do pedido. Nessa parte impõe-se pois a alteração oficiosa da decisão.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida, com excepção da parte em que absolveu o réu condomínio da instância que modificam para absolvição do pedido.
Os autores são responsáveis pela custas da acção e do recurso, pelo que vão condenados a pagar agora as correspondentes custas de parte e eventuais encargos.

Porto, 21 de Fevereiro de 2018.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto404)
Inês Moura
Francisca Mota Vieira