Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
577/10.2TAVRL.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
DECLARAÇÕES FALSAS
DECLARAÇÕES PRESTADAS EM JUÍZO
Nº do Documento: RP20141105577/10.2TAVRL.P2
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A prestação consciente, em resposta a perguntas feitas em juízo após advertência de que devia depor com verdade, de declarações falsas, com carácter insultuoso para terceiros, não se compaginam com a prossecução de interesses legítimos, constituindo crime contra a honra e consideração.
II – Não é legitima a afirmação em juízo se além de difamatória, for desnecessária para o efeito pretendido, e se não só não correspondia à verdade como era utilizada para, a coberto de uma pretensa legitimidade decorrente do dever de responder, ultrajar a honra do visado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 577/10.2TAVRL.P2
Secção Criminal
CONFERÊNCIA

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunta: Maria Dolores Sousa

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, n.º 577/10.2TAVRL, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, a arguida B…, com os demais sinais dos autos, foi julgada e absolvida da prática de 1 (um) crime de difamação, previsto e punível pelo art. 180º, do Cód. Penal.
Na sequência de recurso, oportunamente, interposto pelo assistente C… para este Tribunal da Relação do Porto, veio a ser decretado o reenvio do processo para novo julgamento relativo à totalidade do objecto do processo, nos termos dos arts. 426º n.º 1 e 426º-A, do Cód. Proc. Penal, por acórdão proferido a 12 de Junho de 2013, visto a decisão, além de inquinada por nulidade decorrente de deficiente fundamentação, padecer de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Realizado o julgamento e proferida nova sentença, a 5 de Março de 2014, foi a arguida condenada pela prática de um crime de difamação, previsto e punível pelo art. 180º n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 960,00 (novecentos e sessenta euros).
Inconformada, a arguida, interpôs recurso finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
1) A douta sentença recorrida condenou a arguida B… pela prática de um crime de difamação de que vinha pronunciada.
2) O Recurso versa a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito – Art. 412º n.ºs 2 e 3e 4 C.P.P.
3) Relativamente ao reexame da matéria de facto, os pontos de facto de que a recorrente considera incorrectamente julgados estão vertidos em 5, 6 e 7 dos factos provados e alínea a) dos factos não provados em sede de matéria de facto e respectiva fundamentação. – Art. 412º n.º 3 al. a) do C.P.P.
4) As provas que impõem decisão diversa da recorrida são declarações do assistente cujo depoimento se encontra gravado em CD de 00.00.01 a 00.14.37, mais concretamente os pontos supra transcritos, declarações da arguida as quais se encontram gravadas em CD de 00.00.0 a 00.19.04 e 00.00.01 a 00.01.04 e 00.00.01 a 00.00.53, mais concretamente os enxertos supra transcritos, das testemunhas D… cujo depoimento se encontra gravado (CD de 00.00.01 a 00.14.33, mais concretamente os pontos supra transcritos) e de E… cujo depoimento se encontrava gravado (CD de 00.00.01 a 00.00.05 e 00.00.01 a 00.14.00, mais concretamente os pontos supra transcritos) e da testemunha F… cujo depoimento se encontra gravado de 00.00.01 a 00.14.48 mais concretamente os enxertos supra transcritos e ainda documentos de fis 46 a 48, 402, 403 e 484 a 488 dos autos.
5) Quanto aos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados, verificou-se erro notório na apreciação da prova e, quanto a factualidade dada como provada é insuficiente, daí que se tenha condenado a arguida e em última ratio não se fez emergir o princípio do in dubio pro reo – art. 410º n.º 2 al. a) e c) do CPP.
6) Por outro lado não se percebe nem encontra sequer apoio na prova produzida em que medida é que com tal expressão o assistente se sentiu humilhado na sua honra e consideração e que repercussões tais afirmações tiveram na sua vida pessoal e social como concluiu o Tribunal. Daí que se mostre também haver erro notório na apreciação da prova.
7) De igual forma o Tribunal a quo operou em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, mormente ao dar como provado que a arguida presta tais declarações no âmbito do processo 245/09.8PBVRL do 1º Juízo, na sequência de uma pergunta do MP no sentido de saber "se andam desavindas?., e porquê que começou esta situação, sempre andaram desentendidas, ou houve algum motivo? Sublinhado nosso, e que no decurso do referido depoimento, pese embora não tenha prestado juramento, arguida foi advertida do dever de responder com verdade. E depois acaba por concluir que a arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Claro que não, a arguida, foi advertida que se não dissesse a verdade cometia um crime de falsas declarações, é óbvio que depois de advertida a arguida, assistente naqueles autos não iria arriscar a mentir ou ocultar a realidade, ou seja, não explicar as razões porque já se haviam incompatibilizado e de não falar com a arguida naquele processo.
8) De igual forma o Tribunal entra em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão já que na douta dissertação que faz acerca do crime de difamação p. e p. pelo art. 181º n.º l e 2 do CP, acaba por entrar em contradição, pois primeiro é necessário que a imputação seja feita na ausência do visado (elemento objectivo), o que no caso dos autos não o foi, depois que essa imputação ainda que sob a forma de suspeita seja ofensiva da honra e consideração da pessoa visada, e depois explica as cláusulas de exclusão e que são se a mesma for feita tendo em vista a realização de interesses legítimos ou o agente provar a verdade da mesma imputação, ou tiver tido fundamento sério para em boa fé a reputar verdadeira. Ora face aos factos dados como provados dos quais deviam também constar precisamente que o assistente andaria de relações cortadas com a arguida, e que em data que não se pode precisar o mesmo teria ido a casa da arguida abordado a sua filha de 6/7 anos à data e correu atrás dela às pedradas, ou arrumar-lhe às pedras e que esta foi aflita para casa da tia como referiu a arguida e as demais testemunhas da defesa. E certamente se verificava que perante um comportamento estranho desta natureza a arguida questiona-se as reais intenções do assistente. Mas por outro lado da douta fundamentação também consta que a mesma foi realizada na prossecução da realização de um interesse legítimo e forçoso que não podia o Tribunal a quo concluir que havia ilicitude nesta conduta tanto mais que a arguida ali assistente tinha sido advertida para a hipótese de cometer um crime se não dissesse a verdade. Daí que haja a contradição reclamada supra. De igual forma se dirá que não estava preenchido sequer um elemento objectivo do tipo legal de crime, que é a ausência do visado no momento da imputação do facto ou constatação a terceiro. Razão pela qual entendemos que o meritíssimo juiz a quo, acabou por concluir erradamente pelo preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal de crime n.º l do 181º do CP e que não estavam preenchidas as cláusulas de exclusão da ilicitude previstas no n.º 2 do mesmo preceito legal. Por isso ocorre a contradição reclamada. Art. 410º n.º 2 al. b) do CPP.
9) - Os depoimentos das testemunhas mencionadas, conjugados com as declarações da recorrente e a prova documental junta aos autos e supra referida, conjugada com as regras da experiência comum, impõe decisão oposta da recorrida, pois devia-se absolver a arguida B… da prática do crime de difamação p. e p. pelo art. 181º do CP que vinha pronunciada, já que não se mostra preenchido um elemento do tipo objectivo, ausência do visado no momento da actuação da arguida e ainda por se verificarem as cláusulas de exclusão de ilicitude previstas no n.º 2 do supra citado preceito legal, conforme supra se referiu, ao assim não se ter decidido violou o tribunal o referido normativo legal.
10) Relativamente à impugnação da matéria de direito, a douta sentença recorrida sempre seria censurável quanto à não aplicação do princípio do in dubio pro reo.
Já que o in dubio pro reo é um princípio básico do Direito Processual Penal Probatório e que deverá ser aplicado quando exista um laivo de dúvida, por mínimo que seja, sobre a veracidade de um facto em que se alicerça uma imputação. Aliás este princípio é uma imposição dirigida ao Juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não lhe houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Face ao alegado supra impunha-se a sua absolvição. O que neste caso em apreço se verificou. Ac. STJ de 24.03.99 CJ stj tomo I, pág. 247.
11) Por outro lado, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão que não entendia necessário ser ouvida a menor G… filha da arguida, face as transcrições das declarações da aqui arguida, assistente naquele outro processo, quando na verdade as mesmas estão incompletas, assim devia o Tribunal ter-se socorrido do artigo 340º n.º l e 2 do CPP, e determinar a junção aos autos do CD com as declarações da aqui arguida prestadas em sede do processo 245/09.8PBVRL do 1° Juízo e determinar a inquirição da menor G… supostamente vítima do aqui assistente. Já que se trata não de um dever, mas sim de um poder dever para assim prosseguir na descoberta da verdade. Ao assim não ter decidido violou tal normativo legal dado fez uma incorrecta interpretação do mesmo.
12) - De igual forma a sentença sempre seria censurável do ponto de vista da medida da pena de multa aplicada (número de dias) e quantitativo fixado, face aos parcos rendimentos que aufere o agregado familiar da arguida (180,00€/ mês). Isto porque, e no humilde entender da recorrente, face a factualidade dada como provada em sede de julgamento bem como ao direito aplicável, a pena aplicada revela-se pouco criteriosa e desequilibradamente doseada, não tendo sido bem aplicada as disposições relativas a dissimetria da pena na sua plenitude. Já que a mesma se mostra deveras exagerada e o quantitativo diário fixado também. Devendo por isso na hipótese de se manter a condenação da recorrente pelo crime de difamação esta ser reduzida atenta a factualidade dada como assente e ao parco grau de ilicitude da mesma bem como o seu montante. Ademais ainda na senda da mera hipótese académica a admitir-se a prática do crime de difamação pela arguida, sempre a pena se deveria fixar perto do mínimo legal tanto em termos de dias de multa como de quantia, sendo certo que a recorrente entende que não praticou os factos apenas se limitou a dizer a verdade depois de advertida do crime de falsas declarações se não dissesse a verdade e portanto sempre seria aqui de aplicar a arguida atendendo ao diminuto grau de ilicitude, uma admoestação em detrimento da pena de multa atendendo também que a arguida não tem antecedentes criminais. Ao assim não ter entendido violou o tribunal o disposto nos art. 40º e 71º ambos do CP
13) Por último o procedimento criminal contra a arguida encontra-se prescrito pelo decurso do prazo de prescrição normal, acrescido de metade depois de descontado o período de interrupção e que supra se demonstrou, prescrição esta que ocorreu em 8 de Agosto de 2013, e que se invoca para todos os efeitos legais e que o Tribunal deveria ter declarado, ao assim não ter decidido violou também as disposições dos art. 181º, 118º, 121º todos do CP.
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Admitido o recurso, por despacho proferido a fls. 555, respondeu apenas o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do decidido, rematando com as conclusões que se transcrevem:
1 - A decisão ora recorrida não merece qualquer censura, já que interpretou correctamente a prova produzida e carreada para os autos, e não violou qualquer dispositivo legal.
2 - Deve, pois, ao recurso ser negado provimento, mantendo-se a douta decisão recorrida.
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Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do recurso não merecer provimento, acompanhando e reforçando com pertinente argumentação a resposta do Ministério Público da 1ª instância.
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Cumpriu-se o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo havido resposta.
Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1. É consabido que, para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença ou vícios do art. 410º n.º 2, do citado diploma legal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt].
Assim, no caso sub judicio, as questões suscitadas, na sua pré-ordenação lógica, são as seguintes:
a) Prescrição do procedimento criminal
b) Violação do disposto no art. 340º, do Cód. Proc. Penal
c) Vícios da decisão
• Insuficiência para a decisão da matéria de facto
• Contradição entre a fundamentação e a decisão
• Erro notório na apreciação da prova
d) Erros de julgamento da matéria de facto
• Insuficiência/ausência de prova
• Violação do princípio in dubio pro reo
e) Aplicação da pena de admoestação
f) Redução da medida da pena de multa
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2. A fundamentação de facto realizada pelo tribunal a quo, no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
1) No decurso da segunda sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 17 de Maio de 2010, no Tribunal Judicial de Vila Real, no âmbito do processo comum singular n.º 245/09.8PBVRL, do 1º Juízo, a arguida proferiu a seguinte afirmação: “…o pai da H… tentou violar a minha miúda… há cerca de 6 anos atrás”.
2) A arguida proferiu tais declarações em voz alta, perante Magistrado Judicial, Magistrada do Ministério Publico, Advogados e demais público presente, em especial mulher e filha do assistente.
3) Fê-lo na sequência de uma pergunta do Ministério Público no sentido de saber “se andam desavindas? … e porquê que começou esta situação, sempre andaram desentendidas ou houve algum motivo?”.
4) No decurso do referido depoimento, pese embora não tenha prestado juramento, a arguida foi advertida do dever de responder à verdade.
5) A arguida proferiu tais declarações sabendo que as mesmas eram falsas.
6) A arguida proferiu tais expressões com o propósito de atingir o assistente na sua honra dignidade, consideração e reputação, humilhando-o e afectando-o o que pela presente via conseguiu.
7) Agiu a arguida livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.
Condições sócio-económicas e antecedentes criminais
8) A arguida está desempregada.
9) Não tem os três filhos a seu cargo.
10) Vive com o marido, tendo como rendimento 180,00€ da pensão deste.
11) Faz pequenas actividades de agricultura, auferindo 12,50€ por cada meio dia.
12) Reside em casa própria.
13) Não tem qualquer encargo prestacional mensal a favor de terceiros.
14) Sofre de anemia.
15) Possui o 4.º ano de escolaridade.
16) Nada consta no certificado de registo criminal da arguida.
17) A arguida goza de boa reputação no meio social em que vive.
18) Correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua um processo comum singular com o n.º 82/08.7GCPRG, em que figura como assistente/demandante a aqui arguida e arguido o aqui assistente
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B) Factos não provados
a) A presente participação mais não é do que uma retaliação do aqui assistente contra a arguida, em virtude dos dois processos crimes que contra ele correm termos no Tribunal Judicial de Peso da Régua, um sob o n.º 82/08.07GCVRL do 2.º Juízo, onde foi condenado precisamente por ter atropelado a aqui arguida, cuja decisão neste momento já transitou em julgado e ainda o processo crime 72/10.0GCPRG por alegada agressão praticada por este na pessoa da arguida no dia 7 de Junho de 2011, cuja acusação já foi deduzida e se encontra agendado julgamento para o dia 21 de Maio de 2012.
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C) Motivação[1]
O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade acima apurada com base no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento e criticamente analisada, do modo que se passa a expor.
Assim, o Tribunal conjugou os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento com a prova documental junta aos autos, tendo em atenção as declarações da arguida as quais não se afiguraram totalmente credíveis ao Tribunal, nos termos em que passaremos a expor.
(…)
Desde logo, os factos enunciados de 1) a 3) mostram-se comprovados com base no teor da certidão da transcrição das declarações que a arguida prestou no âmbito do processo comum singular n.º 245/09.8PBVRL, do 1º Juízo do Tribunal de Vila Real, junta de fls. 45 a 110, cujo conteúdo não foi colocado em causa por nenhum sujeito processual, tendo-se feito constar o teor das declarações prestadas pela arguida, na qualidade de assistente, no referido processo.
E tal bastar-nos-ía para tomarmos posição sobre a intenção da arguida ao proferir tais expressões.
É que diz-nos a conjugação dos artigos 145.º, n.º 2 e 4 e 346.º do Código de Processo Penal que, em síntese, o assistente não presta juramento, mas fica sujeito ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação, pelo que o facto enunciado em 4) se mostra naturalmente dado como provado e que permite circunstanciar as declarações da arguida no referido processo, cuja advertência foi efectivamente realizada, tal como se retira de fls. 47.
Como a própria arguida confessou, no referido processo o assistente não era parte, mas antes a filha deste H…, a qual era arguida, sendo que as expressões proferidas e dadas como provadas foram proferidas já quando a Digna Magistrada do Ministério Público procurava enquadrar o motivo de ambas andarem “desentendidas” ou “desavindas”, por eventuais agressões que se discutiam no referido processo.
Foi na sequência dessas questões que a arguida se sentiu no direito de afirmar que já não falavam há 6 anos atrás “(…) porque o pai da H… tentou violar a minha miúda.”
Refere a arguida que há 9 ou 10 anos, tendo a sua filha, na altura, de 6 anos de idade, a sua tia telefonou-lhe a dizer para ir rapidamente a sua casa porque o assistente tinha andado atrás dela.
Chegada ao local estava em pânico a criança, tendo ido para o Centro de Saúde …, feito inclusivamente a respectiva ficha, mas foi verificado que o assistente não a tinha molestado (“não lhe tinha feito nada”).
Referiu que a criança tinha medo do assistente e que lhe teria confessado que foi atrás dela, depois de lhe ter perguntado se estava sozinha e que “lhe tinha atirado às pedras” e que fora a fugir para casa da tia da arguida, não havendo contacto físico, embora estando arranhada de ter caído a fugir dele.
A tia transmitiu-lhe também que a criança lhe dissera que o assistente lhe perguntara se estava sozinha em casa e que foi atrás dela, a atirar às pedras, não sabendo o porquê.
Com absoluto relevo, explicou a arguida que quanto à expressão que proferiu na audiência de julgamento, a proferiu apenas tendo por base o que lhe dissera a tia, mas reconheceu que foi o que entendeu quando esta lhe referiu que tinha andado atrás dela, ainda que entenda que contou a verdade, muito embora, questionada, referiu não ter apresentado queixa sobre o referido episódio, o qual teria acontecido em 2004 ou 2005, por “altura do calor”.
Não temos dúvidas que, no mínimo foi uma fabulação e extrapolação da arguida dizer que o assistente tivesse tentado violar a sua filha.
Vejamos.
Diz que lhe perguntaram, na referida audiência de julgamento, se falava com o assistente, o que não corresponde à verdade, havendo notória confusão sobre o que disse, muito embora dissesse que não foi sua intenção ofender a honra e consideração do assistente.
É que, enquadrando a situação, à arguida foi-lhe pedido que esclarecesse, no referido processo, o porquê de estar desavinda com a filha da assistente e nunca com o assistente, aproveitando essa pergunta para aduzir um facto que notoriamente diminuiria o respeito e consideração devidas ao assistente, pois que é evidente que, para além de configurar a prática de um crime, afirmar que alguém, de maior idade, tentou violar uma criança de 6 anos de idade é, sem margem para qualquer dúvida, imputar a prática de um facto gravíssimo e socialmente intolerado, não podendo ignorar que ao fazê-lo, sem que o assistente fosse sujeito processual, lhe estava a diminuir a honra e consideração do visado a qual, sem que a arguida tivesse motivo válido para introduzir esse facto, podendo ter afirmado que tinha um desentendimento com o pai da H…, aqui assistente, sem lançar a afirmação categórica que fez, quando devia ter tido o cuidado de saber se poderia sustentar, em termos de prova, a veracidade do que afirmava.
Vejamos, então, se a arguida poderia ter concluído e estar firmemente convencida que o assistente havia tentado violar a sua filha.
Manifestamente não.
É que jamais a sua tia, F…, com quem a arguida confessou ter uma boa relação, lhe disse que o assistente tinha tentado violar a sua filha.
Ora, a testemunha F… nega que lhe tenha dito isso.
O Tribunal não considerou absolutamente necessária a inquirição da filha da arguida, G…, a qual se encontra a residir no estrangeiro, pois que é a própria arguida que refere que a sua conclusão foi retirada apenas tendo por base o que lhe disse a sua tia F….
Não se pode confirmar absolutamente se o arguido se encontrava ausente no estrangeiro, pois que a arguida apenas balizou a situação entre os anos de 2004 e 2005, pelo que, não obstante a análise do teor dos documentos de fls. 326-379, na verdade, o Tribunal não pôde atestar, na ausência dessa data concreta, se o arguido estaria ou não em Portugal.
Ora, tendo a arguida afirmado que levou a criança ao Centro de Saúde … no dia dos factos, o Tribunal tomou em consideração o teor de fls. 436-439, em complemento da informação de fls. 147, informação aquela subscrita pelo médico de família, não se vislumbrando o registo de qualquer invocada suspeita de violação, pelo que as declarações da arguida não foram consideradas credíveis, também por este motivo, mas sobretudo pela forma como depôs F…, que não obstante a sua idade, prestou um depoimento absolutamente credível, por circunstanciado e sem qualquer falha de memória, que convenceu o Tribunal face à concludência do que afirmou. Tal não é abalado, muito pelo contrário, pelo teor do relatório de perícia médico-legal de fls. 486-488, ali se concluindo pela capacidade de testemunhar, ainda que pudessem existir défices cognitivos que não se evidenciaram, no seu depoimento, atenta a forma concludente como depôs. A sua credibilidade foi assim muito considerada para prova da intenção da arguida.
Referiu que fora a criança disse que o assistente lhe andava a “arrumar às pedras” e, nessa sequência, telefonou à arguida para vir a sua casa. Explicou que não viu nada, apenas tendo assistido ao que a criança dizia, chorosa e aflita, a fugir e que, no telefonema, apenas disse à arguida que o assistente “andava a arrumar às pedras” à G… e que esta estava aflita, pedindo que a fosse buscar.
Apesar de achar estranho, percebeu com essa expressão que o assistente lhe estava a atirar pedras, sem que, no entanto, tenha visto qualquer vestígio no corpo, nem se queixava do corpo, pelo que soçobra também por aqui a sustentabilidade da tese da arguida de que teria de se ter socorrido do Centro de Saúde ….
E tal ausência de lesões (invocadas pela arguida) mostra-se consentânea com a ausência de registos clínicos e com a falta de queixa.
Será natural que alguém que suspeita que a sua filha tenha sido violada não tenha apresentado a pertinente queixa ou denúncia criminal? Manifestamente, parece-nos pouco provável, não obstante a natureza dos factos em questão poderem, em alguns casos, inibir tal conduta processual concludente.
Mas conjugando o facto de nunca a tia, a aqui testemunha F… lhe ter dito que o assistente tinha tentado violar a filha, que a expressão “atirar às pedras” nunca poderia querer ter esse significado como possível ou necessário, que não existe qualquer registo clínico com esse diagnóstico, nem qualquer participação criminal contra o assistente por poder ter alegadamente tentado violar a filha da arguida, tudo conjugado, permite-nos concluir que a arguida, não sendo perguntada, directamente, no referido processo sobre a relação com o assistente, introduziu um facto que sabia não ter qualquer correspondência com a realidade, não tendo qualquer sustentáculo probatório, outra intenção não tendo do que ofender a honra e consideração do visado, como melhor explicaremos na fundamentação de direito, dando-se naturalmente como provados os factos enunciados em 5) a 7) e como não provado o facto enunciado em a), pois que, ainda que se tenha dado como provado o facto elencado em 18, na verdade, o mesmo apenas resulta do teor da certidão de fls. 212-223, sem que se tivesse feito qualquer prova de qualquer intenção extraprocessual do assistente, nos presentes autos.
Os problemas que a arguida tem com a H…, filha do assistente, nada tem que ver com este facto (da alegada tentativa de violação), sendo relativos a uma eventual agressão por esta, pelo que melhor se conclui que a introdução deste facto extravasou o limite da necessidade de enquadrar a situação em discussão, como a própria arguida reconhece, pois que o processo com este tinha, como se disse, por objecto umas agressões físicas.
(…)
Não tendo havido qualquer dúvida no espírito do julgador de que a arguida proferiu as expressões dadas como provadas, com o objectivo de diminuir a honra e consideração do visado, não podendo falar-se em violação do princípio in dubio pro reo, nem de qualquer outro princípio.
São as regras da experiência e a prova indirecta que nos leva assim a concluir.
(…)
Todos os indícios já explanados são concordantes no sentido dessa intenção por parte da arguida, nos termos já expostos, isto é, não sendo perguntada, directamente, a arguida no referido processo sobre a relação com o assistente, introduzindo um facto que sabia não ter qualquer correspondência com a realidade, não tendo qualquer sustentáculo probatório (nenhum elemento clínico ou participação criminal), outra intenção não tendo do que ofender a honra e consideração do visado.
As declarações do assistente serviram apenas para prova do enunciado em 2), no que se refere à presença da sua esposa e da sua filha, na audiência de julgamento em que a arguida proferiu as expressões aqui em crise, pois que, no demais, negou que alguma vez tivesse tentado violar a sua filha, tendo ficado afectada a sua reputação com a referida afirmação, tendo-se tornado pública, atento o meio social pequeno em que vive.
De resto, nenhum elemento probatório, se fez da veracidade da imputação.
D…, tio da arguida, não tendo uma boa relação com o assistente, por causa de ser testemunha nos presentes autos, prestou um depoimento apenas abonatório da arguida, nunca tendo ouvido da boca desta a imputação que fez na audiência de julgamento, tendo confirmado que a testemunha F…, sua irmã, lhe dissera que a filha da arguida lhe tinha afirmado que o assistente andava a atirar às pedras, atrás dela.
E… prestou um depoimento pouco relevante, até porque não está de boas relações com o assistente, apenas abonando o comportamento social da arguida, depoimento que conjugado com o depoimento da testemunha D…, por credíveis nesta parte, permitiu ao Tribunal dar como provado o facto enunciado em 17. Esta testemunha apenas sabe que foi a testemunha F… transmitiu à arguida que o assistente andava atrás da sua filha a correr às pedras, que lhe teria fugido, não podendo dar-se como assente que o assistente estivesse em Portugal na data dos factos, pois que perguntado sobre a altura do ano, a testemunha referiu não se lembrar, pelo que naturalmente também não poderia atestar que o assistente estivesse efectivamente em Portugal.
No que respeita às condições sociais, económicas e familiares da arguida, consideraram-se as declarações da própria, por se revelarem sinceras e credíveis, neste particular, em conjugação com o relatório da DGRSP de fls. 425-429.
A informação sobre a ausência dos antecedentes criminais da arguida encontra-se a fls. 390 dos autos.
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3. Apreciando de mérito
3.1 Da prescrição do procedimento criminal
Sufraga a arguida que o procedimento criminal estaria extinto por prescrição operada a 8 de Agosto de 2013.
Para tanto, invoca a previsão do art. 121º n.º 3, do Cód. Penal, da qual resulta, no que ao caso importa, que “a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade”.
Cumpre recordar que está em causa infracção punível com pena de prisão até 6 meses – art. 180º n.º 1, do Cód. Penal.[2]
Como evidencia a síntese conclusiva e melhor se vê da motivação do recurso para a qual remete, a recorrente, pese embora citando correctamente o prazo prescricional aplicável [2 anos – art. 118º n.º 1 d), do Cód. Penal] e o acréscimo legal devido nos termos do primeiro normativo citado, olvida depois que o desconto aí imposto é o do prazo de suspensão e não das interrupções ocorridas.
Ora, por força do estatuído no art. 120º n.ºs 1 b) e 2, do Cód. Penal, a prescrição do procedimento criminal suspende-se, além do mais, durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação e até ao limite máximo de 3 anos.
Quer isto dizer que a pretendida prescrição apenas operaria, in casu, por via de tal disciplina, a 17 de Maio de 2016 [2 anos+metade (1 ano) + 3 anos (prazo máximo da suspensão)], ou seja 6 anos a contar da consumação do crime a 17/5/2010.
Termos em que por manifestamente infundada, falece tal pretensão da recorrente.
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3.2 Da violação do disposto no art. 340º n.º 1, do Cód. Proc. Penal
Sufraga a recorrente que o tribunal a quo ao não determinar a inquirição da testemunha G… violou o dever de descoberta da verdade material porquanto fundamentou a sua decisão nas transcrições das suas declarações enquanto assistente no processo n.º 245/09.8PBVRL, quando na verdade as mesmas estão incompletas, pelo que devia o Tribunal ter-se socorrido do artigo 340º n.º l e 2 do CPP, e determinar a junção aos autos do CD com as declarações da aqui arguida prestadas nesses autos bem como a inquirição da menor G… supostamente vítima do aqui assistente.
Sendo certo que sobre o tribunal impende o dever de descoberta da verdade material e boa decisão da causa, incumbindo-lhe ordenar a produção de todos os meios de prova necessários à prossecução de tais objectivos, o certo é que, na presente hipótese, a censura da recorrente não faz qualquer sentido. Desde logo porque as razões que presidiram ao entendimento propugnado pelo julgador são bem diversas das indicadas pela recorrente, como demonstra o simples cotejo da motivação da convicção, onde se exarou que: “O Tribunal não considerou absolutamente necessária a inquirição da filha da arguida, G…, a qual se encontra a residir no estrangeiro, pois que é a própria arguida que refere que a sua conclusão foi retirada apenas tendo por base o que lhe disse a sua tia F…”, ou seja segundo as declarações da arguida na audiência de julgamento dos presentes autos a afirmação que proferiu e deu azo à acusação baseia-se unicamente no que lhe teria sido dito pela tia, a testemunha F…, que foi ouvida pelo julgador, e não pela sua filha, mostrando-se, pois, perfeitamente adequado e irrepreensível o juízo formulado a tal propósito pelo tribunal a quo.
Acresce que, a testemunha em causa foi arrolada pela arguida (v. fls. 179) que além de não ter comunicado ao tribunal que a mesma se ausentara para o estrangeiro e a morada respectiva - levando à realização de uma série de actos inúteis, com o consequente dispêndio económico e de meios do Tribunal -, se comprometeu, depois, a apresentar o que não fez e também nada requereu [fls. 400, 401, 409, 417, 418, 422, parte final, e acta de fls. 441 e segs.].
Consequentemente e no real contexto enunciado, nenhum reparo merece a actuação do tribunal a quo.
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3.3 Do recurso em matéria de facto
Sendo consabida a possibilidade dos Tribunais da Relação conhecerem de facto [art. 428º, do Cód. Proc. Penal], a circunstância do recurso ser entendido como um remédio para os vícios do julgamento da 1ª instância, não sendo admissível “o julgamento do julgamento” mas tão-só a emissão de juízos de censura crítica a propósito dos concretos pontos que as partes especifiquem e indiquem como não correctamente julgados[3], determina como consequência necessária que a modificação da matéria de facto apenas seja possível, para além dos casos dos vícios documentados no texto da própria decisão, de harmonia com o preceituado no art. 410º n.º 2, quando a prova tiver sido impugnada nos precisos termos do n.º 3 do art. 412º, ou seja quando o recorrente especifique os concretos pontos de facto da discórdia, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas. E, no caso da reapreciação da prova gravada, acresce ainda o ónus das duas primeiras especificações deverem ser feitas por referência à acta e com indicação concreta [ou transcrição se a acta for omissa – v. Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012] das passagens em que se funda a impugnação, consoante decorre do n.º 4, do mesmo normativo legal.
Para além das características inerentes à sua espécie, a distinção fulcral entre os vícios da decisão e os erros de julgamento reside na circunstância daqueles terem que patentear-se do texto da sentença, por si ou em conjugação com as regras de experiência mas sempre sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, designadamente a análise de prova junta aos autos ou produzida em audiência, e estes admitirem a reapreciação de toda e qualquer prova, nomeadamente as declarações e depoimentos objecto de gravação.
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3.3.1 Dos vícios da decisão
In casu, como patenteia o anteriormente exposto, a recorrente, na sua síntese conclusiva faz apelo às duas vertentes do recurso em matéria de facto, invocando, por um lado, erros de julgamento quanto aos factos provados sob os pontos n.ºs 5, 6 e 7 e não provados sob a alínea a), com base em insuficiência/inexistência probatória e violação do princípio in dubio pro reo - que, assim e ao contrário do afirmado, não incide sob matéria de direito - e, por outro lado, os vícios de insuficiência da matéria de facto para a decisão, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.
Pese embora seja este o quadro formal das questões suscitadas no recurso, o certo é que a análise da respectiva substância facilmente denuncia realidade bem diversa, pois que, a recorrente, para atingir tal desiderato, na maior parte dos casos, faz apelo à sua própria versão dos acontecimentos e interpretação probatória para definir os contornos dos imputados vícios da decisão e olvida o real teor desta.
Ora, como é bom de ver, os vícios da decisão têm que ser invocados e demonstrados por referência ao real conteúdo desta, tal como ela foi elaborada e proferida pelo julgador, e não fazendo apelo a uma realidade alternativa construída pelo interessado, segundo a sua análise parcelar e subjectiva do sucedido.
Assim, tal como o julgador delimitou o thema decidendum a sentença não patenteia qualquer lacuna factual.
Por outro lado, a decisão não manifesta qualquer contradição insanável pelo facto de se considerar provado que a arguida proferiu as palavras em causa quando respondia a perguntas que lhe foram feitas em juízo, na sequência de advertência de que devia depor com verdade, e ainda assim se concluir que agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, pois que, o julgador, considerou igualmente demonstrado que a arguida sabia que tais declarações eram falsas, como decorre do ponto 5 da matéria provada. E, declarações falsas, com carácter insultuoso para terceiros, não se compaginam com a prossecução de interesses legítimos.
Acresce que, do teor da decisão, não se depreende que o visado tenha assistido ao acto, circunstância que impossibilita a afirmação, sem mais, da existência de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, questão que nos remete para a impugnação por via dos erros de julgamento prevista no art. 412º n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, única que admite a reapreciação da prova.
E o mesmo se verifica relativamente ao invocado erro notório na apreciação da prova que a recorrente reporta ao facto de, em seu entender, não haver prova de que o ofendido se sentiu humilhado na sua honra e consideração e das repercussões que tais afirmações tiveram na sua vida pessoal e social.
Em consequência, é manifesto que nenhum dos vícios do aludido art. 410º, foi real, fundada e legitimamente invocado, já que as pretensas insuficiências fácticas, contradições e erro notório na apreciação da prova resultam do entendimento e análise probatória levada a cabo pela recorrente, sem efectiva ligação ao texto da decisão impugnada.
Neste contexto, importa afirmar que, percorrido o teor desta – nos precisos contornos definidos pelo tribunal a quo e não quaisquer outros que a recorrente tivesse por mais adequados - dele não evolam quaisquer anomalias susceptíveis de integrar a densificação normativa dos vícios em causa, aí não sendo patentes hiatos factuais que devessem ter sido colmatados [antes se dando como provados os factos necessários e suficientes ao raciocínio lógico-subsuntivo que integra o thema decidendum], contradições materiais insanáveis ou erros de lógica e inobservância do que aconselha o senso comum e normalidade do acontecer.
Ou seja e concluindo, não manifesta a decisão, qualquer dos vícios previstos no art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, suscitados pelo recorrente ou carecidos de declaração oficiosa no âmbito dos poderes de “revista alargada” que a este tribunal ad quem assistem.
Em consequência e no preciso quadro descrito, único admissível face à substância recursiva, facilmente se percebe que a única questão efectivamente suscitada é a da existência de erros de julgamento.
Estabelecido, pois, real âmbito e objecto das questões carecidas de apreciação, cumpre descer ao caso concreto.
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3.3.2 Dos erros de julgamento
A recorrente mostra-se inconformada com a matéria dada como não provada e com os pontos 5, 6 e 7, da matéria provada.
Para o efeito, pretende a revisão de toda a prova produzida, tendo mesmo transcrito excertos das suas declarações e do assistente e dos depoimentos das testemunhas. Ou seja, pretende a arguida um segundo julgamento, à imagem da interpretação probatória que em seu entender devia prevalecer, em detrimento da convicção livre e fundadamente adquirida e explicitada pelo tribunal a quo o que, como já vimos, não é admissível.
Não está, pois, aqui, em causa uma impugnação legitimada pela previsão legal do art. 412º, do Cód. Proc. Penal, cujos específicos requisitos já supra se explicitaram, mas antes e tão-só uma discordância da recorrente sobre a apreciação do acervo probatório e credibilidade que o tribunal a quo atribuiu a determinados meios de prova.
Ora, como já se explicou anteriormente, a este tribunal ad quem incumbe unicamente emitir juízos de censura crítica a propósito dos concretos pontos que as partes especifiquem e indiquem como não correctamente julgados ou verificar se as provas indicadas impunham uma decisão diversa, cumprindo apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não de obter uma nova convicção em resultado da apreciação da globalidade da prova produzida.
Tratando-se unicamente de divergente sensibilidade sobre a relevância do acervo probatório disponível, por não ter sido invocado qualquer desvio às regras de normalidade e experiência comum ou violação de prova tarifada, é óbvio que há-de prevalecer a solução do julgador, atento o princípio da livre apreciação da prova estatuído no art. 127º, do Cód. Proc. Penal.
A recorrente parece entender que, pelo facto de ter proferido a afirmação em causa – “o pai da H… tentou violar a minha miúda” – em resposta a uma pergunta que lhe foi feita em processo judicial onde era assistente e estava sujeita ao dever de verdade, legitimaria o seu comportamento.
Todavia, como bem esclarece o tribunal a quo, apoiado na prova produzida, logicamente concatenada e criticamente apreciada, tal afirmação além de desnecessária para o efeito pretendido [esclarecimento das razões porque estava zangada com a filha do assistente] não correspondia à realidade, como a mesma bem sabia e o demonstra o facto de, em tempo oportuno e ao contrário do afirmado, não ter procurado e proporcionado assistência médica à menor sua filha nem tão pouco ter comunicado o facto às autoridades policiais/judiciais, aproveitando a pendência de ulteriores processos judiciais para, a coberto de uma pretensa legitimidade decorrente do dever de responder, ultrajar a honra do assistente, sendo ainda cabalmente desmentida pela testemunha F… que, segundo ela, fora quem lhe referira tal acontecimento.
Assim, ainda que se considerasse que, por razões pessoais, atinentes a sua capacidade intelectual e habilitações literárias, a arguida não fora capaz de responder de outra forma à pergunta que lhe foi dirigida, sempre falharia a demonstração da prova da imputação ou, pelo menos, do fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira, circunstância imprescindível ao afastamento da responsabilidade já que os requisitos previstos nas alíneas a) e b), do n.º 2, do art. 180º, do Cód. Penal, são cumulativos, como decorre da partícula de ligação e, e não autónomos como afirma, na respectiva motivação, a recorrente.
Resta, pois, afirmar que, nessa sede, os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, não tendo a recorrente especificado qualquer prova que impusesse decisão diversa.
Deste modo, também não se vislumbra que o tribunal nos controvertidos factos seleccionados tenha violado o princípio in dubio pro reo.
Com efeito, o princípio in dubio pro reo, sendo corolário do princípio da presunção de inocência, estabelecido no art. 32º n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, impõe que “a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido”.[4]
Todavia, o seu campo de actuação é a matéria de facto e não de direito, pois que se encontra limitado pela existência de dúvida sobre factualidade essencial à boa decisão da causa, impondo que o julgador se pronuncie favoravelmente ao arguido, se durante o processo de formação da sua convicção, se deparar com questões de facto sobre as quais paire, irremediavelmente, a dúvida.
Em consequência, a violação de tal princípio apenas existe quando se comprova que o juiz tenha ficado com dúvidas sobre factos relevantes e tenha decidido desfavoravelmente ao arguido, não bastando para o efeito a constatação da existência de versões não inteiramente coincidentes ou sequer a possibilidade do acervo probatório admitir outra interpretação como parece pressupor a recorrente.
Ora, considerando os elementos probatórios disponíveis, já mencionados e clara e abundantemente explicitados na motivação da convicção pelo julgador, que evidenciam uma versão da arguida muito pouco credível e inconsistente, não só porque desacompanhada de qualquer outro elemento coadjuvante mas também porque contrariada pelas informações obtidas e depoimento da testemunha F…, não se vislumbra qual a razão que poderia justificar a dúvida do tribunal a quo a propósito da matéria em causa.
Aliás, percorrendo o texto da decisão recorrida, facilmente se conclui que dela não evola a existência de qualquer dúvida no espírito do julgador, a propósito da matéria dada como provada e não provada, resultando claramente da motivação as circunstâncias e juízos que presidiram e fundamentam a convicção obtida.
Em consequência, nem sequer se coloca a hipótese de violação de tal princípio.
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No entanto, embora noutro contexto, invocou a arguida que não há prova da humilhação do ofendido e demais repercussões que tal causou na sua vida e bem assim que o mesmo estivesse ausente da audiência de julgamento onde foram proferidas as controvertidas afirmações da arguida, impondo-se a apreciação da eventual existência de erro de julgamento nesse concreto segmento da fundamentação de facto.
No primeiro caso, bastaria recordar que as consequências referidas são as que, em termos de normalidade de acontecer, se verificam em resultado dos concretos actos que se consideraram praticados pela arguida, sendo inquestionável que a imputação de uma tentativa de abuso sexual por parte de um adulto para com uma criança de cerca de 6 anos é de molde a denegrir a imagem daquele se tal não corresponde minimamente à realidade, já que tais comportamentos são fortemente rejeitados pela generalidade dos cidadãos, sendo certo que, de harmonia com o disposto no art. 125º, do Cód. Proc. Penal, não está vedado ao julgador lançar mão das presunções judiciais, tal como as define o artigo 349º, do Código Civil, desde que sustentadas em juízos de avaliação que permitam, sustentadamente, afirmar que, segundo as regras da experiência, determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido[5].
De todo o modo, in casu, existe a prova decorrente das próprias declarações do assistente – credíveis e bem claras, ao contrário do que entende a recorrente, como decorre da gravação que ouvimos na íntegra - que disse ter ficado ofendido com tais afirmações e ter sido confrontado com o que, a partir daí, se comentou na aldeia já que muita gente assistiu ao julgamento – v., além do mais, os segmentos do registo gravado dessas declarações de 05:27 a 05:38, 05:41 a 05:49, 10:30 a 10:52 e 11:20 a 12:04.
Porém, são estas mesmas declarações que dão razão à recorrente quando afirma que o visado não estava ausente da audiência de julgamento onde a arguida, aí assistente, pronunciou as afirmações em causa.
Na verdade, o aqui assistente C…, ao longo das suas declarações, afirma e reitera sempre que assistia ao julgamento da filha e que ouviu o que a arguida dizia “nesta sala, na 2ª sessão do julgamento” – cfr., registo gravado nos segmentos 00:47 a 01:02, 01:30 a 01:44, 02:51 a 03:20, 06:20 a 06:43 e 07:03 a 07:06.
E, tal circunstância é relevante pois que é ela que fornece o critério distintivo dos crimes de difamação e injúria, visto que ambas as infracções, consabidamente, tutelam a honra e consideração alheias, facto que o tribunal a quo ignorou em sede fáctica e também na longa dissertação jurídica sobre os elementos típicos do ilícito, pejada de citações doutrinárias e jurisprudenciais, mas nem sempre ajustada ao caso concreto como seja a referência à qualidade de funcionário do visado ou da ofensa ser dirigida ao próprio (fls. 510).
Na verdade, o crime de difamação pressupõe que a ofensa à honra e consideração alheia seja perpetrada na ausência do visado, enquanto o crime de injúria previne as situações em que a ofensa lhe é directamente dirigida [não sendo, porém, necessário que o agente profira as imputações em conversa com o próprio bastando que o faça em condições do visado delas se aperceber por estar presente, como foi o caso]. Aliás, esse é precisamente o fundamento da maior gravidade da pena prevista para o crime de difamação, já que se entende que estando o ofendido presente (injúria) lhe será mais fácil defender-se e tentar, de imediato ou subsequentemente, repor a honra e consideração que lhe são devidas.
Neste contexto e face ao anteriormente exposto, impõe-se a modificação da matéria de facto nos assinalados segmentos, nos termos e ao abrigo do preceituado no art. 431º a) e b), do Cód. Proc. Penal, e extrair, em sede própria, as devidas consequências.[6]
Termos em que o teor do ponto 2 da matéria provada supra referida passará a ser o seguinte:
“2) A arguida proferiu tais declarações em voz alta, perante magistrado Judicial, Magistrado do Ministério Público, Advogados e demais público presente, em especial o assistente C…, mulher e filha deste.”
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3.4. Do recurso em matéria de direito
3.4.1 Da escolha da pena e determinação da medida da pena
Alegou a recorrente, em termos essencialmente genéricos, que a multa que lhe foi aplicada se revela pouco criteriosa e desequilibradamente doseada, sendo deveras exagerada.
Em concreto, apenas referenciou que o quantitativo fixado é desadequado aos parcos rendimentos do seu agregado.
Vejamos, então.
Nesta sede e além do mais, destaca-se da fundamentação da decisão recorrida, o seguinte: (transcrição)
«A) Em desfavor da arguida milita:
- O grau elevado da ilicitude dos factos, tendo em conta a natureza pessoal do bem jurídico violado;
- A gravidade das suas consequências, ou seja, os sentimentos de tristeza e humilhação provocados no assistente (al. a) do nº 2 do art. 71º - releva por via da culpa e da prevenção);
- A intensidade do dolo (directo) do agente (al. b) do nº2 do art. 71.º - releva por via da culpa);
- A repercussão que tem a imputação de um facto como o que aqui se deu como provado, socialmente intolerado e penalmente punível.
Em termos de prevenção geral, atendendo que estamos perante um tipo de crime que protege bens jurídicos pessoais e, ainda, que é cada vez mais frequente este tipo de comportamento, as exigências são medianas.
B) Em favor da arguida milita:
- A situação económica e social apurada da arguida - (al. d) do n.º2 do art. 71.º - releva por via da culpa e da prevenção).
- Em termos de prevenção especial, as mesmas são moderadas, atendendo ao facto de a arguida ser primária e tendo em consideração as suas condições económicas e pessoais.
Ponderadas todas as circunstâncias referidas supra, julgamos adequada, fixar uma pena de multa, de 160 dias (cento e sessenta dias).
No que se reporta ao seu quantitativo diário, dispõe o art. 47.º, n.º2, do CP que “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
E, aqui importa considerar os ensinamentos do Acórdão do STJ de 02/10/97, in CJ, Tomo III, pág. 183, onde se decidiu que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de se constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.”
Cumpre, ainda, ponderar o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/7/95, in CJ, Tomo IV, pág. 48, onde se considerou que “o montante diário da pena de multa não deve ser doseado por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade.”
Ou, como refere Jesheck, in Tratado de Derecho Penal, Vol. I, pág. 1077, apud Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/01/04, Processo n.º1880/03.1, Relator Dr. Ribeiro Cardoso, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “a multa deve, pois, traduzir-se num encargo sensível não podendo converter-se num negócio cómodo para o condenado.”
Posto isto, indubitável é que para a determinação do montante diário devido deverá pois, para além de se ter presente que a mesma deve implicar um sacrifício para a arguida, atender-se à situação económica do mesmo e aos seus encargos pessoais.
De acordo com o exposto e face à situação económica e familiar da arguida, que se revela parca, atento o facto de o rendimento derivar da pensão de reforma do companheiro/marido, entende-se ser adequada a fixação da quantia diária da pena de multa em €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante de €960,00 (novecentos e sessenta euros).»
Apreciando.
Antes de mais, cumpre recordar que a arguida foi condenada pela prática de um crime de difamação, previsto e punível pelo art. 180º n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00, numa moldura legal abstracta de multa até 240 dias a taxa que oscila entre os €5,00 e os € 500,00.
Porém, atenta a modificação supra introduzida à matéria de facto provada, é inquestionável que a subsunção jurídica há-de fazer-se agora por referência ao crime de injúria, previsto e punível pelo art. 181º n.º 1, do Cód. Penal, que comina a pena de prisão até 3 meses ou multa até 120 dias, por consequência mais favorável à arguida.
Dispõe o art. 70º, do Cód. Penal, que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Tal dispositivo denuncia claramente a intenção e vontade do legislador dar preferência às penas não privativas da liberdade, desde que os fins por elas visados possam ser acautelados e atingidos.
Esses fins mostram-se consagrados no art. 40º n.º 1, do mesmo diploma legal, e reconduzem-se à protecção de bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade”.
E, é pacífico o entendimento de que ao sentido pedagógico e ressocializador das penas acresce a finalidade de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, sem que possa ser excedida a medida da culpa.[7]
Uma vez que o tribunal a quo optou – e bem – pela pena não privativa da liberdade, apenas tendo sido interposto recurso pela arguida, é óbvio que a pena de prisão nem sequer pode aqui ser equacionada, atenta a proibição de reformatio in pejus, estatuída no art. 409º n.º 1, do Cód. Penal. De todo o modo e ainda que assim não fosse, as concretas circunstâncias da ocorrência, ilicitude, culpa, personalidade e condições pessoais da arguida, sempre afastariam tal solução.
Assim sendo e ponderando os critérios que regem nesta sede [art. 71º, do Cód. Penal], bem como as circunstâncias doutamente apontadas na decisão recorrida para as quais se remete, destacando-se ainda a especial gravidade do modus operandi escolhido – veja-se que a imputação é feita em juízo, numa audiência de julgamento pública – entende-se justo e equilibrado fixar a pena concreta em 80 dias de multa, não se vislumbrando fundamento para alterar o quantitativo diário de € 6,00, fixado, pois, praticamente no mínimo legal, visto que a arguida além de viver em casa própria, realiza trabalhos agrícolas que lhe proporcionam rendimento não concretamente apurado e não tem qualquer encargo especial, como decorre dos factos elencados sob os n.ºs 9 a 13 da matéria provada.
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3.4.2 Da pena de admoestação
Invocando um diminuto grau de culpa, em virtude de ter praticado os factos depois de ter sido advertida pelo tribunal de que devia dizer a verdade, sufraga a recorrente que a pena adequada seria a admoestação.
Dispõe o art. 60º, do Cód. Penal, no que ao caso interessa, que:
“1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Considerando a medida da multa aplicada à arguida, é inegável que se verifica o requisito objectivo pressuposto pela aludida pena.
Todavia, falham os requisitos substanciais.
Desde logo e como é bom de ver, o argumento invocado pela recorrente é falacioso e nem sequer a beneficia, pois que, como decorre da factualidade assente, advertida em tribunal, na audiência de julgamento de processo judicial, que devia dizer a verdade, não só mentiu como, ao fazê-lo, violou direitos alheios criminalmente tutelados.
Deste modo e como bem entendeu o tribunal a quo, a ilicitude é elevada e não diminuta como pretende a arguida, sendo ainda certo que esta não reparou o dano, mesmo que por via da satisfação moral ao ofendido (v.g. reconhecimento do mal e pedido de desculpa), o que sempre inviabilizaria o recurso à pretendida pena de admoestação.
Improcede, pois, por falta de fundamento legal, tal pretensão da arguida.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, em julgar parcialmente procedente o recurso e, alterando a matéria de facto nos moldes supra enunciados, condenar a arguida B… pela prática de 1 (um) crime de injúria, previsto e punível pelo art. 181º n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros), mantendo quanto ao mais a decisão recorrida.
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Sem custas - art. 513º n.º 1, a contrario, do Cód. Proc. Penal.
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 5 de Novembro de 2014
Maria Deolinda Dionísio - Relatora
Maria Dolores da Silva e Sousa - Adjunta
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[1] Transcrição parcial eliminando-se as extensas referências doutrinárias e jurisprudenciais porque além de desnecessárias ainda dificultam a apreensão dos motivos que presidem à opção do julgador.
[2] A recorrente por manifesto lapso de escrita refere correctamente o crime de difamação mas por referência ao art. 181º n.º 1, do Cód. Penal, relativo ao crime de injúria.
[3] Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae Maio/1999.
[4] Figueiredo Dias, in Direito processual Penal, pág. 215.
[5] Cfr., neste sentido, Acórdão do STJ, de 07/04/2011, rel. Santos Cabral, in dgsi.pt.
[6] Resultando a alteração da impugnação da própria arguida não há lugar à comunicação prevista no art. 358º, do Cód. Proc. Penal, atento o estatuído no seu n.º 2.
[7] V., entre outros, Acs. STJ de 10/4/96 e 20/5/98, CJSTJ 1996 e 1998, Tomo 2, pág. 168 e 205, respectivamente.