Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2364/15.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
FALTA DE CONCRETIZAÇÃO DO FUNDAMENTO
CONSEQUÊNCIAS
Nº do Documento: RP201705292364/15.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 258, FLS.2-13)
Área Temática: .
Sumário: I - A exigência do n.º 1 do art.º 395.º do CT/09, de que a comunicação ao empregador da resolução do contrato de trabalho seja feita “por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam”, constitui uma formalidade ad substantiam.
II - A falta da indicação sucinta dos factos que justificam a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, não gera a invalidade da declaração extintiva, mas obsta imediatamente a que possa ser reconhecida a alegada justa causa, determinando a sua irregularidade, com as consequências fixadas nos artigos 399.º e 401.º do CT.
III - Dizer que “Nos termos e para os efeitos no artigo 394.º n.ºs 1 e 2 al.a) e n.º 5 do Código do Trabalho sou pelo presente a comunicar a resolução do contrato de trabalho que tenho com V.Exas”, não concretiza minimamente o fundamento para resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa.
IV - Assim como não supre essa omissão mencionar na parte final da comunicação pretender-se “que se apurem e prepare o pagamento de todas as importâncias que tem direito a receber, nomeadamente vencimentos em atraso, subsídios de férias, subsídios de Natal e férias não gozadas!”, que nada concretiza, tratando-se de uma formulação conclusiva aplicável a qualquer caso, independentemente dos fundamentos que seja invocados pelo trabalhador para resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa, reportando-se genericamente aos efeitos decorrentes da justa causa que se pretende fazer valer.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2364/15.2T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Porto - Inst. Central – 1.ª Sec. Trabalho, B…, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C…, a qual foi distribuída ao Juiz 1, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de €14.442,73 (catorze mil quatrocentos quarenta e dois euros e setenta e três cêntimos) relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, com as legais consequências quanto a custas, procuradoria e demais encargos.
Para sustentar o pedido alega, no essencial, que trabalhou para o Réu, como funcionária administrativa forense desde setembro de 2009, contra o pagamento mensal de €700,00. Acontece que o Réu deixou de proceder ao pagamento de diversas remunerações, pelo que fez cessar o contrato de trabalho celebrado com o mesmo, através da resolução com justa causa, nos termos do art.º 394.º, n.º 1 e n.º 2 al. a) do Código Trabalho, devidamente comunicada e aceite por este, e com efeitos imediatos.
A Autora ampliou o pedido em requerimento de fls. 25 e 26.
Foi realizada audiência de partes, mas sem que tenha sido alcançada a resolução do litígio por acordo,
O Réu veio contestar, contrapondo, também no essencial, que a Autora não cumpria as suas obrigações como trabalhadora, tendo sido advertida da possibilidade de sobre ela impender processo disciplinar com intenção de despedimento com justa causa. Foi nesse quadro que a A. enviou a carta a resolver o contrato de trabalho, a qual ela própria recebeu, não tendo o aviso de recepção sido assinado pelo Réu, mas por ela, que após isso abandonou o local de trabalho, sem informar a password do computador de trabalho onde constavam dados da actividade profissional do Réu, designadamente relativos aos clientes, sabendo que lhe ia causar prejuízos. inclusive nem entregou a chave do escritório.
Alega que na carta não são invocados factos concretos que fundamentem a resolução, invocando o art.º395 nº 1 do Código do Trabalho.
Sustenta, ainda, que a Autora omite que lhe foram pagas quantias via cheque e em numerário além da via transferência bancária.
Contrapõe, ainda, que os últimos pagamentos que efectuou à Autora, dos quais tem comprovativo, ocorreram em Outubro e Novembro de 2014. Se a Autora tivesse fundamento para resolver o contrato quando enviou a carta há muito que se mostrava decorrido o prazo aplicável previsto no art.º 395.º, tendo ocorrido a caducidade do direito que quis exercer.
Impugna os demais factos.
E, deduz pedido reconvencional, nos termos do disposto no art.º 400º do Código do Trabalho.
Foi saneado o processo, mas sem que se tenha conhecido nessa fase das excepções arguidas.
Foi fixado o valor da acção em 14.442,73€.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do legal formalismo.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando-se a matéria de facto e aplicando-se-lhe o direito, culminada com a decisão seguinte:
- «Nestes termos, julgo parcialmente procedente por provada a ação instaurada por B… e, consequentemente, condeno o Réu C… a pagar àquela a quantia de €7.108,29 (sete mil cento e oito euros e vinte e nove cêntimos) acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
No demais, vai o Réu absolvido do pedido.
Custas por Autora e Réu, na proporção do decaimento.
Julgo totalmente procedente por provado o pedido reconvencional condenando a Autora a pagar ao Réu a quantia de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a notificação da contestação e até efetivo e integral pagamento.
Custas do pedido reconvencional pela Autora.
(..)»
I.3 Inconformada com esta decisão, a autora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados.
As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1 - O Tribunal a quo fez uma errada interpretação do conteúdo da carta remetida pelo Recorrente à Recorrida, a comunicar a resolução imediata do seu contrato de trabalho.
2 - A Apelante quando diz sucintamente na carta que remete ao Apelado, Advogado, que, “Nos termos e para os efeitos no artigo 394.º, n.ºs 1 e 2 al. a) e n.º 5 do Código do Trabalho (…)”, está a dizer de forma sucinta que quer fazer cessar de imediato, com justa causa, o contrato de trabalho, por falta culposa de pagamento pontual da retribuição, que se prolonga por período de 60 dias.
3 - Não assiste razão à Mm.ª Juiz a quo, quando refere na fundamentação de direito que, a Apelante “se limita a invocar uma disposição legal do Código do Trabalho, sem que esboce qualquer facto concreto que àquela se possa subsumir”, já que a própria disposição legal, invoca um facto em concreto por si só- a falta de pagamento de retribuições prolongada por 60 dias.
4 - Ademais, a Apelante termina a sua carta dizendo que solicita que se apurem e prepare o pagamento de todas as importâncias que tem direito a receber, nomeadamente vencimentos em atraso, subsídios de férias, subsídios de Natal e férias não gozadas!
5 - Se o art.º 395.º, n.º, 1 do Código do Trabalho quisesse que o trabalhador fosse obrigado a concretizar as retribuições em falta, número, meses a que se referem e se são devidas na totalidade ou parcialmente, não referiria uma exposição sucinta.
6 - Se fosse esse o espírito do legislador, então, impunha na resolução do contrato pelo trabalhador, os mesmos requisitos que exige ao empregador quando procede ao despedimento do trabalhador com justa causa- o processo disciplinar.
7 - A ratio legis da aludida norma visa delimitar temporalmente o exercício do direito de resolução do contrato, permitir ao empregador avaliar os factos invocados e circunscrever os que poderão ser invocados judicialmente, cabendo ao intérprete determinar o sentido objetivo da norma com vista a defesa do direito material invocado pelo trabalhador.
8 - A Recorrente imputou à entidade empregadora uma conduta omissiva permanente, tendo esta percebido os factos invocados e a temporalidade e as circunstâncias em que se verificam, tanto mais que in casu a entidade patronal se tratava de um advogado, conforme se encontra assente no ponto 1. da fundamentação de facto da decisão em crise.
9 - Pelo que deverá revogar-se a decisão recorrida, decidindo-se que a carta que foi enviada pela Recorrente ao Recorrido respeita o art.º 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
10 - Decidiu mal a Mm.ª Juiz a quo ao referir que não se logrou provar que o Réu aceitou a resolução do contrato de trabalho, o que está em clara oposição com o considerado não provado no ponto ee), que refere que o Réu não assinou qualquer documento que permitisse a Autora requerer subsídio de desemprego”
11 - Foi o Recorrido quem assinou a declaração de desemprego do Apelante, junta sob o documento n.º1 com a sua resposta, aceitando a resolução do contrato de trabalho, ou de outro modo, não a teria assinado.
12 - Não considerou pois a Mm.ª Juiz a quo estes elementos de facto constantes do documento junto aos autos, e que, caso o tivesse feito, impõem uma decisão diferente quanto à decisão da prova da matéria de facto,– arts. 376º CC. e 662.º nº.1 CPC.
13 - Pelo que sempre deverá este Tribunal no seu douto acórdão a proferir alterar a decisão recorrida, decidindo considerar provado que o Recorrido aceitou a resolução do contrato de trabalho pela Recorrente.
14 - O mesmo se dirá quanto à decisão de não considerar provado que a Apelante foi admitida ao serviço do Recorrido em 15 de Setembro de 2009 e constante da alínea a) da matéria não provada, já que a testemunha D… depôs, quanto a tal facto, de forma perentória e inequívoca, mostrando conhecimento direto dos factos e até explicando coerentemente porque passados tantos anos se lembrava da data de admissão da Apelante, conforme resulta do registo do seu depoimento.
15 - Impondo-se assim modificar a decisão sobre a matéria de facto também no que a este facto diz respeito, devendo considerar-se provado que a Apelante foi admitida ao serviço do Apelado em 15 de setembro de 2009, de acordo com o preceituado no n.º1 do art.º 662-º do C.P.C.
16 - Acresce ainda que, estando provado que, a Apelante, face aos não pagamentos, sentiu alguns transtornos e que tem a seu cargo uma filha menor, o que é conhecimento do Recorrido (pontos 8 e 9 da matéria provada), bem como que a Apelante tinha vários meses de salários em atraso, assim como que a Apelante vive com a sua irmã, a testemunha D…, que segundo a fundamentação vertida em e), depôs, “ de forma clara e concisa” e “ descreveu a vida da irmã, as dificuldades sentidas com o não pagamento atempado dos ordenados e posteriormente com o não pagamento dos ordenados por parte do Réu.”, não pode o Tribunal a quo não considerar provado que o Apelado mostrou desprezo pelas necessidades económicas da Apelante.
17 - Impondo-se modificar a decisão sobre a matéria de facto também no que a este facto diz respeito, devendo considerar-se provado que o Réu/recorrido mostrou desprezo pelas necessidades económicas da Autora/ Apelante, ficando deste modo claramente demonstrada a ilicitude do comportamento do Réu/Apelado, que bem sabia estar a faltar aos seus deveres, devendo o Acórdão proferido condenar o Apelado na indemnização peticionada nos termos do disposto no artigo 346.º do Código do Trabalho.
I.4 O Recorrido Réu não apresentou contra-alegações.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
I.6 Cumpridos os vistos legais, procedeu-se à remessa do projecto de acórdão aos Ex.mos adjuntos, determinando-se a inscrição do processo em tabela para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões colocadas pela recorrente, organizadas segundo a ordem lógica de apreciação, consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, ao considerar provado o que consta nas alíneas a), b) e c) da matéria de facto;
ii) Na aplicação do direito aos factos, fazendo errada interpretação do conteúdo da carta remetida pela Recorrente ao Recorrido, a comunicar a resolução imediata do seu contrato de trabalho.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo Tribunal a quo, abrangendo os factos provados e não provados, é o que passa a transcrever, sendo que quanto a estes últimos apenas se mencionam os necessários para apreciar a impugnação da matéria de facto. Assim:
1. O Réu exerce, com carácter habitual e lucrativo, no domicílio indicado, a atividade de advogado.
2. A Autora é funcionária administrativa forense e é funcionária do Réu desde finais de 2009.
3. A Autora manteve-se no exercício das suas funções, sob ordens, direção e fiscalização do aludido Réu, até ao dia 21 de Janeiro de 2015.
4. Auferindo o vencimento mensal líquido de €700,00 (setecentos euros), sem que o Réu alguma vez tenha entregue à Autora qualquer recibo de remuneração.
5. A Autora foi prestando o concurso do seu trabalho até ao dia 21 de Janeiro de 2015.
6. A Autora remeteu para o escritório do Réu a carta junta aos autos a fls. 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e da qual o Réu veio a tomar conhecimento no mesmo dia.
7. O Réu não procedeu ao pagamento das seguintes quantias:
a) metade da remuneração do mês de julho de 2014, vencida e ainda não paga, no montante de €325,00;
b) remuneração do mês de agosto de 2014, vencida e ainda não paga, no montante de €700,00
c) remuneração do mês de setembro de 2014, vencida e ainda não paga, no montante de €700,00
d) remuneração do mês de outubro de 2014, vencida e ainda não paga, no montante de €700,00
e) remuneração do mês de novembro de 2014, vencida e ainda não paga, no montante de €700,00
f) remuneração do mês de dezembro de 2014, vencida e ainda não paga, no montante de €700,00
g) remuneração referente a 21 dias do mês de janeiro de 2015, vencida e não paga, no montante de €483,29.
h) subsídio de férias vencido em 31.07.2014 e não pago, no montante de €700,00;
i) subsídio de Natal de 2014 vencido e não pago, no montante de €700,00;
j) férias vencidas a 1 de janeiro de 2015 e subsídio de férias, no valor de €1.400,00.
8. A Autora, face aos não pagamentos, sentiu alguns transtornos.
9. A Autora tem a seu cargo uma filha menor, o que é do conhecimento do Réu.
10. Autora arquivava expediente (nomeadamente notificações nas respetivas pastas); atendia o telefone e estabelecia ligações telefónicas; recebia o correio; recebia comunicações via e-mail.
11. A carta referida em 6) chegou à posse do Réu, estava junta com a demais correspondência recebida no dia 21 de janeiro de 2015, no escritório deste.
12. A Autora pelo seu punho colocou uma rúbrica no AR da carta referida em 6).
13. A Autora era a única funcionária em funções ao serviço do Réu.
14. A Autora utilizava no âmbito e por causa das suas funções um computador.
15. A Autora tinha um endereço eletrónico (B1…@mail.E….pt) para onde clientes do Réu remetiam emails.
16.A Autora a partir de Setembro de 2014 passou na prática a ser única funcionária do aqui Réu das três que há muitos anos colaboravam / trabalhavam no escritório do mesmo.
17.Naquele mês e ano a outra funcionária (de nome F…) desvinculou-se e outra (de nome G…) por regra não podia comparecer em virtude de ter que ficar em casa a tratar /acompanhar o marido que estava gravemente doente.
18.A Autora devia no seu dia-a-dia contactar telefonicamente devedores de Instituições de Crédito (Clientes / Constituintes do Réu) a confirmar reuniões para os quais tais devedores tinham sido convocados por carta que lhes tinham sido endereçadas pelo Réu.
19. À Autora pagava o Réu por cheque e por transferência bancária.
20. Por via transferência o dinheiro só chega à conta destino dois dias depois.
21. Por via cheque também só dois dias úteis depois do cheque ser depositado é que o respetivo montante fica disponível.
22. Em 18 de julho de 2013, o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, o ordenado de Junho de 2013.
23. Em 6 de agosto de 2013, o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, o ordenado de Julho de 2013.
24. Em 11 de setembro de 2013, o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, o ordenado de Agosto de 2013.
25. Em 8 de outubro de 2013, o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, o ordenado de setembro de 2013.
26. Em 11 de novembro de 2013, o Réu pagou à Autora, por cheque, o ordenado de Outubro de 2013.
27. Em 8 de janeiro de 2014, o Réu pagou à Autora, por cheque, o ordenado de Novembro de 2013 e ½ do subsídio de férias de 2013.
28. Em 11 de fevereiro de 2014, o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, a outra ½ do subsídio de férias de 2013 e ½ do subsídio de natal de 2013.
29. Em 18 de março de 2014, o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, a outra ½ do subsidio de natal de 2013 e ½ do salário de Dezembro de 2013.
30. Em 4 de abril de 2014 o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, a outra ½ do salário de Dezembro de 2013 e ½ do salário do mês de Janeiro 2014.
31. Em 9 de maio de 2014, o Réu pagou à Autora, por cheque, a outra ½ do salário de Janeiro 2014 e ½ do salário do mês de Fevereiro 2014.
32. Em 2 de julho de 2014, o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, a outra ½ do salário de Fevereiro 2014 e ½ do salário do mês de Março 2014.
33. Em 31 de julho de 2014 o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, a outra ½ do salário de março 2014 e ½ do salário do mês de abril 2014.
34. Em 8 de setembro de 2014, o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, a outra ½ do salário de abril 2014 e ½ do salário do mês de maio 2014.
35. Em 9 de outubro de 2014 o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, a outra ½ do salário de maio 2014 e ½ do salário do mês de junho 2014.
36. Em 14 de novembro de 2014, o Réu pagou à Autora, por transferência bancária, a outra ½ do salário de Junho 2014 e ½ do salário de Julho de 2014.
Factos não provados:
a) que a Autora foi admitida ao serviço do Réu em 15 de setembro de 2009;
b) que o Réu aceitou a resolução do contrato de trabalho;
c) que o Réu mostrava desprezo pelas necessidades económicas da Autora e dos restantes trabalhadores também com salários em atraso;
ee) que o Réu não assinou qualquer documento que permitisse a Autora requerer subsidio de desemprego;
II.2 Reapreciação da matéria de facto
A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, sustentando que o tribunal a quo errou o julgamento na apreciação da prova quanto à matéria constante das alíneas a), b) e c) dos factos não provados.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Estes são os princípios a atender.
Nas conclusões, verifica-se que a recorrente fez a indicação de quais os factos que impugna, bem como das respostas alternativas.
E, nas alegações, em geral, especifica os meios de prova em que se sustenta para pedir a alteração, sendo que no caso dos depoimentos gravados procede à indicação dos momentos de início e termo dos pontos da gravação em que se encontram os extractos invocados.
Concluindo, nada obsta à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.2.1 Nas alíneas da matéria de facto não provada impugnada lê-se o seguinte:
a) que a Autora foi admitida ao serviço do Réu em 15 de setembro de 2009;
b) que o Réu aceitou a resolução do contrato de trabalho;
c) que o Réu mostrava desprezo pelas necessidades económicas da Autora e dos restantes trabalhadores também com salários em atraso;
Na fundamentação da matéria de facto, a propósito desta matéria lê-se o seguinte:
- «b)quanto aos factos vertidos sob os nºs 2, (…) [no facto 2 consta provado que “A Autora é funcionária administrativa forense e é funcionária do Réu desde finais de 2009”] teve o Tribunal por base os depoimentos das testemunhas H…, advogada que trabalhou no escritório do Réu até meados de janeiro de 2015 e aí se tornou amiga da Autora e I…, advogado que prestou serviços no escritório do Réu entre janeiro de 2005 e julho de 2013.
Atentas as relações mantidas com a Autora e Réu, as testemunhas de forma clara e concisa descreveram as funções exercidas pela Autora desde que foi para o escritório do Réu e o acréscimo das mesmas resultado da saída das demais funcionárias.
(..)
f) quanto aos factos vertidos sob os nºs 11 e 12, teve o Tribunal por base a aceitação pela Autora de que foi a mesma que assinou o aviso de receção da carta de resolução do contrato de trabalho que remeteu ao Réu e ainda as declarações do mesmo quanto a esta matéria.
Efetivamente, o mesmo, de forma que se mostrou credível ao Tribunal, referiu que, apesar de não ter assinado o aviso de receção, recebeu a carta de resolução do contrato de trabalho, no dia 21 de janeiro de 2015, carta essa que se encontrava junta com a restante correspondência do escritório.
(..)
No demais, a prova produzida não foi de molde a convencer o Tribunal no sentido de dar como provados os demais factos.
Vejamos.
Incumbia à Autora demonstrar o desprezo e a arrogância do Réu, as interpelações, os enormes transtornos causados na sua vida.
Ora, as testemunhas apresentadas, a saber, H…, I…, D…, não referiram tais factos.
(..)».
Vejamos então.
Para sustentar a impugnação na parte dirigida à alínea a) dos factos não provados, a recorrente socorre-se do testemunho prestado por sua irmã D…, transcrevendo o extracto seguinte:
Testemunha: Trabalha lá desde 2009
Advogado: Recorda-se de quando a sua irmã é admitida?
Testemunha: Olhe ela entrou na segunda quinzena de 2009
Testemunha: De setembro de 2009
Advogado: E porque é que a senhora passado…, 2009… 7 anos mais ou menos, se recorda que é a 2.ª quinzena de 2009?
Testemunha: Porque ela tinha saído do outro emprego em 31 de Agosto.
Advogado: Onde é que ela trabalhava antes?
Testemunha: J…
Advogado: Na K…, não é?
Testemunha: K… exacto
Advogado: Portanto ela …, a percepção que a senhora tem é que a B… esteve 15 dias desempregada
Testemunha: esteve 15 dias sem trabalhar e arranjou logo aqui para o escritório do Senhor Dr. C….
Advogado: Pronto e e essa… E não tem dúvidas de que essa cessação do contrato de trabalho com a J… ocorreu em 31 de Agosto
Testemunha: Absolutamente nenhumas. Foi no dia 31 de Agosto que ela terminou o contrato de trabalho.
Advogado: Ela à época já morava consigo?
Testemunha: Sim senhor
Advogado: Desde quando é que ela mora consigo?
Testemunha: Desde sempre
Procedeu-se à audição do extracto apontado, mostrando-se correcta a transcrição.
O Tribunal a quo considerou provado que a autora é funcionária do Réu “desde finais de 2009” (facto 2). Na fundamentação, relativamente a este facto mencionam-se as testemunhas H… e I…, ambos advogados que trabalharam no escritório do Réu, que mostraram conhecimento das funções exercidas pela autora “desde que foi para o escritório”. Como se vê, não justifica o Tribunal a quo por que razão considerou que a autora foi admitida “desde finais de 2009”, e considerou não provado que aquela tenha sido admitida em 15 de Setembro de 2009 [al.a)], como alegou.
Mais, nem tão pouco faz alusão ao que disse a testemunha D…, sendo certo que noutras partes da fundamentação há várias referências à mesma, sempre no sentido de merecer credibilidade e ser objectiva e isenta no seu testemunho.
Procedeu-se à audição testes testemunhos.
A transcrição do testemunho de D… corresponde ao que foi testemunhado.
As testemunhas H… e I…, ambos advogados, foram inquiridos a este propósito. Mais precisamente, em qualquer dos casos foi a primeira questão sobre a matéria controvertida com que foram confrontados pelo ilustre mandatário da autora. A primeira declarou que só iniciou a colaboração com o Réu em Novembro 2013, "já lá estava a B… a trabalhar". E, o segundo, embora tenha iniciado a sua colaboração com o Réu em Janeiro 2005, não se lembrava sequer se a A. foi admitida em 2009 ou 2010 e, quanto ao mês, disse "não tenho essa memória, o mês em concreto não sei".
Neste quadro, se aquela primeira testemunha asseverou que a autora iniciou a prestação de trabalho a 15 de Setembro de 2009 e justificou a razão por que o recorda, pese embora tivessem passado sete anos, entende-se que a impugnação merece ser atendida.
Assim, elimina-se a alínea a), dos factos não provados e altera-se a resposta ao facto provado 2, que passa a ter a redacção seguinte:
- [2]A Autora é funcionária administrativa forense e é funcionária do Réu desde 15 de Setembro de 2009.
Prosseguindo, sustenta a recorrente que a matéria não provada na alínea b) - que o Réu aceitou a resolução do contrato de trabalho - está em oposição com o considerado não provado no ponto ee), que refere que o Réu não assinou qualquer documento que permitisse a Autora requerer subsídio de desemprego.
Recorrendo às alegações para procurar compreender a lógica do argumento da recorrente, afirma-se ai que “Ora, se foi o Recorrido quem assinou a declaração de desemprego do Apelante, aceitou a resolução do contrato de trabalho”.
Salvo o devido respeito, esse argumento enferma, desde logo, de um equívoco. Da alínea ee), dos factos não provados resulta não se ter provado “que o Réu não assinou qualquer documento que permitisse a Autora requerer subsídio de desemprego”, o que significa apenas que o Réu não fez a prova dessa alegação, mas já não o inverso. Não se fazer a prova de um facto não tem por efeito que se prove o contrário.
Ora, dos factos provados não resulta que o Réu assinou o documento que permitiu à autora requerer subsídio de desemprego.
Portanto, logo por aqui sucumbe a impugnação, dado que o fundamento invocado, ou seja, a contradição entre dois factos não provados não se verifica.
Mas para além disso, sempre com o devido respeito, nem logramos entender qual o propósito da recorrente ao proceder à impugnação do ponto a) dos factos não provados. Esse ponto tem a ver com o por si alegado na resposta à contestação do autor, nomeadamente, nos artigos 8.º, 9.º e 10.º, nos quais se lê:
8º. Por sua vez, alega o R. em 4.º da sua contestação (referindo-se à resolução do contrato de trabalho), que não aceitou fosse o que fosse, mas que teve conhecimento da carta enviada pela A. a resolvê-lo – cfr. 6.º da contestação/reconvenção.
9º. Ora, como resulta da Lei, o direito de resolução de um contrato é uma declaração negocial receptícia, cuja eficácia da comunicação depende do conhecimento pelo destinatário.
10º. E efectivamente, a rubrica do A.R. não é do R.! É de quem recebia o correio no seu escritório- a A.! Mas o que é facto confessado é que o R. teve conhecimento da resolução!
Estava em causa saber se o autor tomou, ou não, conhecimento da carta enviada pela autora comunicando a resolução do contrato de trabalho.
Ora, consta provado no facto 6, o seguinte:
[6] A Autora remeteu para o escritório do Réu a carta junta aos autos a fls. 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e da qual o Réu veio a tomar conhecimento no mesmo dia.
Constando da parte da fundamentação do tribunal a quo acima transcrita as razões por que se chegou a esta resposta, em suma, a autora admitiu que foi ela quem recebeu a carta e assinou o aviso de recepção, mas por sua vez o Réu também reconheceu que tomou conhecimento dela nesse mesmo dia.
De resto, o insucesso da acção nem passa por este ponto.
Não se vê, pois, qual o interesse útil na impugnação desse ponto. Mas seja qual for o raciocínio da recorrente, o certo é que nesta parte a impugnação improcede.
Por último, quanto à alínea c), dos factos não provados, recorrendo mais uma vez às alegações, sustenta a recorrente que “[E]stando provado os factos constantes de 8 e 9 da matéria assente, bem como que a Apelante tinha vários meses de salários em atraso, assim como que a Apelante vive com a sua irmã, a testemunha D…, (..). Não se entende como o Tribunal a quo não considera provado que o Apelado mostrou desprezo pelas necessidades económicas da Apelante!”.
Invoca, ainda, que a testemunha D…, declarou que “Claro, claro e dizíamos que tinha que resolver a vida dela porque não podia estar sem… ela estava quase a trabalhar para trabalhar… tinha que tirar passe, tinha todas as despesas com a menina mensalmente e.. pronto, e sei que pediu dinheiro, eu ajudava no que podia, mas sei que também pessoas amigas ajudaram, mas ela assim não ia poder continuar”.
A fundamentação do tribunal a quo é clara: as testemunhas apresentadas – H…, I…, D… - não referiram factos de onde resultasse demonstrado “o desprezo e a arrogância do Réu, as interpelações, (..)”.
Nem se vê como possa retirar-se dos factos 8 e 9, onde se considerou demonstrado que a autora “face aos não pagamentos, sentiu alguns transtornos” e que tem “a seu cargo uma filha menor, o que é do conhecimento do Réu”, possa retirar-se que o Réu “ mostrava desprezo pelas necessidades económicas da Autora”.
O facto do réu não cumprir sempre a sua obrigação de pagar a pontualmente a retribuição da trabalhadora autora, só por si não pode significar que sentisse desprezo pelas necessidades económicas da autora. Só se poderia retirar essa conclusão a partir de factos concretos e precisos que tivessem sido alegados e provados, p. ex., que o autor tinha capacidade económica para cumprir a sua obrigação de pagar a retribuição da trabalhadora, mas que não o fazia intencionalmente ou, então, que colocava-se em condições de não o poder fazer despendendo os valores necessários e que teria disponíveis em gastos que não teriam essa prioridade.
Mas nada disso foi alegado e provado.
Acresce que a alegação é puramente conclusiva e, consequentemente, nem sequer poderia ser dada como provada.
Com efeito, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum.
Aplicando esta doutrina ao caso presente, significa isso que nem o Tribunal a quo poderia dar como provada aquela alegação, nem por identidade de razões o poderia agora fazer este tribunal ad quem.
Assim, quanto a este ponto improcede a impugnação de decisão sobre a matéria de facto.
II.2.2 No facto provado 6, respeitante à carta enviada pela Autora ao Réu, comunicando a resolução do contrato de trabalho, diz-se estar “junta aos autos a fls. 20” e depois dá-se o seu teor por “integralmente reproduzido”, mas sem que concretize seja o que for do conteúdo da carta. Com o devido respeito, a boa técnica jurídica exige que o conteúdo dos documentos na parte essencial e relevante para a apreciação da causa seja levada aos factos provados, não bastando dar o conteúdo por “integralmente reproduzido”.
Assim, decide-se alterar a redacção do facto 6, para integrar nela o conteúdo da carta, na parte relevante, passando a ser a seguinte:
[6] A Autora remeteu para o escritório do Réu a carta junta aos autos a fls. 20, da qual o Réu veio a tomar conhecimento no mesmo dia, na qual se lê o seguinte:
«Exmo Senhor,
Apresento os melhores cumprimentos.
Nos termos e para os efeitos no artigo 394.º n.ºs 1 e 2 al.a) e n.º 5 do Código do Trabalho sou pelo presente a comunicar a resolução do contrato de trabalho que tenho com V.Exas.
Com efeito a minha ligação contratual com Vexas cessará de imediato, após a recepção desta carta, altura onde deixarei de exercer toda e qualquer função laboral.
Solicito ainda que apuem e preparem o pagamento de todas as importâncias a que tenho direito a receber, nomeadamente vencimentos em atraso, subsídios de férias, subsídios de natal e férias não gozadas.
Mais solicito que me providenciem também o Certificado de Trabalho.
II.3 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Coloca-se agora a questão de saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao não reconhecer a justa causa de resolução invocada pela autora.
Na perspectiva da recorrente, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do conteúdo da carta remetida por si ao Réu a comunicar a resolução imediata do seu contrato de trabalho, ao concluir que aquela “se limita a invocar uma disposição legal do Código do Trabalho, sem que esboce qualquer facto concreto que àquela se possa subsumir”.
II.3.1 O Tribunal a quo fundamentou a decisão em crise nos termos seguintes:
- «(..) De acordo com o disposto no artº 395º, nº 1 do Código do Trabalho, o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam.
Daqui resulta que a resolução do contrato de trabalho, por parte do trabalhador, com invocação de justa causa, está dependente da observância por este de um requisito formal, sob pena de a resolução ser ilícita. Tal requisito tem natureza ad substantiam, delimitando, o seu conteúdo, a invocabilidade, em juízo, dos factos suscetíveis de serem apreciados para tais efeitos.
A resolução, mesmo que ilícita, não deixa porém, de produzir os efeitos extintivos do contrato de trabalho, inclusivamente nas situações em que a resolução tenha sido comunicada verbalmente.
Ora, conforme refere o D. Acórdão da Relação do Porto de 26 de março de 2012, Processo nº 1282/10.5TTBRG.P1, in www.dgsi.pt “(…) para efeitos de resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, a sua exigência não tem por finalidade a mera prova da declaração, não visando efeitos meramente probatórios, antes condicionando a possibilidade do conhecimento judicial dos factos que, eventualmente, hajam sido determinantes da resolução. Tal requisito de forma, como condição da licitude da resolução, não tem, pois, natureza meramente probatória (ad probationem). Aliás, a situação é semelhante à que ocorre no despedimento promovido pelo empregador com invocação de justa causa, residindo a única diferença quanto ao grau de exigência na descrição dos factos que justificam a resolução e o despedimento.
E que assim é decorre não apenas do citado preceito, bem como do art. 364º, nº 1, do Cód. Civil, como também do art. 398º, nº 3, do CT/2009 nos termos do qual apenas são atendíveis para justificar a justa causa de resolução do contrato de trabalho os “factos constantes da comunicação referida no nº 1 do artigo 395º”.
Ou seja, a resolução operada pelo trabalhador só se mostrará licita se observar os requisitos de natureza procedimental previstos no artº 395º, nº 1 do Código do Trabalho, dela dependendo a atendibilidade dos factos invocados pelo trabalhador para justificar a cessação imediata do contrato.
Albino Mendes Baptista, in Estudos sobre o Código do Trabalho,2004,Coimbra Editora, pg 28, referia que “ a “indicação sucinta dos factos “ que justificam a rescisão tem alguma correspondência com a “nota de culpa” a que alude ….
Só que enquanto esta deve conter “ a descrição circunstanciada dos factos” que são imputados ao trabalhador, aquela basta-se com uma “descrição” sumária de onde deriva claramente uma menor exigência formal na resolução do contrato por iniciativa do trabalhador relativamente ao despedimento por facto imputável ao trabalhador.
Isto não quer dizer que a declaração de resolução não deve ser cuidadosamente pensada, corretamente elaborada e sem menções genéricas (como alegar que foi violado o direito à ocupação efetiva) ou meras remissões para normas legais.
Torna-se necessário materializar a alegação em factos concretos, devendo o trabalhador descrever, ainda que de forma concisa, um quadro fáctico suficientemente revelador da impossibilidade de manutenção da relação contratual.
Importa, de resto, não esquecer que na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da respetiva comunicação (art ….)”.
Por seu lado, Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição- revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009 – Almedina, pp. 1017/1018 referia que “a resolução do contrato por justa causa depende da observância do procedimento previsto no artigo 395º/CT», devendo a declaração de resolução «ser emitida sob a forma escrita e com a indicação sucinta dos factos justificativos. E, «[a]pesar da referencia da lei ao caráter «sucinto» desta indicação, a descrição clara dos factos justificativos da resolução é importante, uma vez que, em caso de impugnação judicial da resolução são estes factos os únicos atendíveis pelo tribunal, nos termos do artº 398ºº, nº 3”.
Daqui somos levados a concluir, aliás como refere o D. Acordão da Relação do Porto, de 12 de setembro de 2016, in www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto que, “(…) na comunicação de resolução do contrato com justa causa o trabalhador tem de invocar obrigatoriamente factos concretos, não podendo a alegar e invocar conclusões que extrai dos factos, nem relegar a alegação e explicitação para a petição inicial da acção que venha a instaurar contra o empregador, para efetivação dos direitos resultantes da resolução com justa causa e que se ache com direito. Além do mais. O caráter sucinto dessa alegação não se confunde com conclusões ou juízos. E essa exigência é tanto assim que é a própria lei que no nº 4 do artigo 398º estatui que no caso de a resolução ter sido impugnada com base em ilicitude do procedimento previsto no n.º 1 do artigo 395.º, o trabalhador pode corrigir o vício até ao termo do prazo para contestar. Ora se assim é, é porque o legislador entende que o trabalhador tem na comunicação de resolução de contrato do trabalho indicar os factos concretos em que se baseia pra esse efeito e que esta falta não pode ser colmatada na acção judicial instaurada para o efeito”.
Ora, como já atrás referimos, a Autora alegou como causa de resolução do contrato de trabalho, na carta que enviou ao Réu, “(…) Nos termos e para os efeitos no artigo 394º, nºs 1 e 2 al. a) e nº 5 do Código do Trabalho sou pelo presente a comunicar a resolução do contrato de trabalho que tenho com Vªs Exas.
Ou seja, a Autora não invocou qualquer facto concreto, mesmo de forma sucinta que justificasse a resolução do contrato.
Efetivamente, da carta cujo conteúdo atrás se reproduz e pela qual a Autora operou a resolução do contrato de trabalho que a ligava ao Réu, a mesma limita-se a invocar uma disposição legal do Código do Trabalho, sem que esboce qualquer facto concreto que àquela se possa subsumir - não há concretização das retribuições em falta, número, meses a que se referem, se são devidas na totalidade ou parcialmente.
Acresce ainda que, a Autora não invoca que tal seja uma violação grave dos interesses patrimoniais.
Assim sendo inviabiliza a Autora qualquer aferição da justeza e tempestividade do motivo invocado, face ao teor da carta remetida, seja pela entidade empregadora, seja pelo tribunal.
A resolução operada pela Autora apresenta-se assim, como não fundamentada, e consequentemente como ilícita, estando vedado ao tribunal pronunciar-se sobre os factos invocados na petição inicial porque não tendo os mesmos sido invocados na comunicação ao Réu, não são atendíveis nesta sede.
Ora, na sua resposta veio a Autora alegar que fundamentou o seu despedimento nos preceitos legais e que sendo o Réu conhecedor do Direito, bem entendeu os factos concretos que fundamentaram o despedimento.
Salvo o devido respeito por contrária opinião, incorre a Autora em dois erros.
Primeiro, a norma legal que obriga à concretização dos factos por parte do trabalhador, não o desonera de tal obrigação, face aos conhecimentos de direito que o seu destinatário possa ter.
Por outro lado, o Réu só poderia entender os factos concretos que fundamentam o despedimento se os mesmos tivessem sido pela Autora invocados.
Temos pois que a Autora/Trabalhadora na sua comunicação não cumpriu minimamente as formalidades e exigência legais a que estrava adstrita por força do nº 1 do artº 395º, pois, alegou apenas e tão só uma disposição legal.
Não o tendo feito, a resolução do contrato de trabalho efetivada pela Autora é ilícita e, assim sendo, tem de improceder o pedido de condenação do Réu no pagamento de indemnização nos termos do disposto no artº 396º do Código do Trabalho.
Em contrapartida, procedente será o pedido reconvencional deduzido por este, porque, não valendo como válida a resolução, entendemos a carta datada de 19 de janeiro de 2015 e recebida pelo Réu a 21 daquele mês e ano, como denúncia, sendo certo que, não observou a mesma o prazo de pré-aviso de 60 dias, nos termos constantes do nº 1 do artº 400º do Código do Trabalho.
Assim sendo, conforme resulta do artº 401º do Código do Trabalho, tem o empregador direito a receber indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta, ou seja, no caso em apreço, de 60 dias, a que correspondem €1.400,00.
(..)».
II.3.2 Não convencida com aquela fundamentação, vem a recorrente contrapor «que quando diz sucintamente na carta que remete ao Apelado, Advogado, que, “Nos termos e para os efeitos no artigo 394.º, n.ºs 1 e 2 al. a) e n.º 5 do Código do Trabalho (…)”, está a dizer de forma sucinta que quer fazer cessar de imediato, com justa causa, o contrato de trabalho, por falta culposa de pagamento pontual da retribuição, que se prolonga por período de 60 dias», defendendo que a própria disposição legal, invoca um facto em concreto por si só- a falta de pagamento de retribuições prolongada por 60 dias”. Para além disso, termina a carta solicitando “que se apurem e prepare o pagamento de todas as importâncias que tem direito a receber, nomeadamente vencimentos em atraso, subsídios de férias, subsídios de Natal e férias não gozadas!”.
No seu entender, “Se o art.º 395.º, n.º, 1 do Código do Trabalho quisesse que o trabalhador fosse obrigado a concretizar as retribuições em falta, número, meses a que se referem e se são devidas na totalidade ou parcialmente, não referiria uma exposição sucinta”
Defende, assim que “imputou à entidade empregadora uma conduta omissiva permanente, tendo esta percebido os factos invocados e a temporalidade e as circunstâncias em que se verificam, tanto mais que in casu a entidade patronal se tratava de um advogado”.
No essencial é esta a argumentação que esgrime para pretender a revogação da decisão recorrida.
II.3.3 Mostra-se pertinente deixar as notas essenciais sobre o regime legal da resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com invocação de justa causa, regulado nos artigos 394.º e seguintes do CT/09.
Dispõe o artigo 394º [Justa causa de resolução]:
1 – Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 – Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticadas
3 – Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes pelo empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
4 – A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações.
5 – Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão do não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
E, o artigo 396º [Indemnização devida ao trabalhador]
1. Em caso de resolução do contrato com fundamento no facto previsto no nº 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 – (..)
3 – (…)
4 – (…)
O trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho imediatamente, isto é, sem necessidade de aviso prévio, sempre que se verifique uma situação de justa causa [n.º1 do art.º 394.º do CT/09].
A justa causa para a resolução do contrato de trabalho pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objectivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de actos lícitos pelo empregador [respectivamente, n.º2 e n.º3 do art.º 394]. No primeiro caso diz-se que a resolução é fundada em justa causa subjectiva; e, no segundo, que é fundada em justa causa objectiva.
A resolução tem de ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam (n.º1 do art.º 395.º, CT/09), o que se compagina como artigo 329.º do Código Civil, onde se estabelece que o «(..) prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido».
No que respeita à forma, o trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º].
Essa exigência de forma escrita constitui uma formalidade ad substantiam [cfr., entre outros, Ac STJ de 11/02/2004, proc.º 03S742, Conselheiro Vítor Mesquita; e, Acórdãos da Relação de Lisboa, de 22/01/1992, proc.º 0066454, Desembargador Belo Videira, e de 30/04/2003, proc.º 009784, desembargador Simão Quelhas; (todos disponíveis em www.dgsi.pt)] e prende-se, para além do mais, com uma outra exigência, isto é, da indicação, ainda que “sucinta dos factos” que justificam a justa causa, sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].
Com efeito, a menos que a entidade empregadora reconheça a existência de justa causa invocada pelo trabalhador para resolver o contrato de trabalho, este carecerá de intentar acção judicial para a ver reconhecida, sendo a partir daquela indicação “sucinta dos factos que a justificam” que o Tribunal afere da procedência dos motivos invocados [Pedro Furtado Martins, A cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3.ª edição, 2012, Cascais, p. 532].
Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos” deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão [Cfr. Pedro Furtado Martins, op. cit, pp. 533; e, Ac. da Relação de Lisboa, de 22-06-2011 processo n.º478/09.7TTTVD.L1-4, Desembargador Ramalho Pinto. Disponível em www.dgsi.pt/jtrl].
De resto, não podendo esquecer-se, desde logo, que na interpretação da lei o intérprete não pode considerar solução que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (art.º 9.º n.º 2, do CC), pelo que outra interpretação não poderia retirar-se da norma, sendo certo que o adjectivo “sucinto” significa dizer com poucas palavras; breve; curto; resumido; que se limita ao mais importante [in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt].
Vale isto por dizer que nesta acção só poderão ser considerados os factos que tenham sido invocados, ainda que sucintamente, para justificar a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa.
É certo que o art.º 398.º do CT regula a impugnação da resolução, a ser decretada pelo Tribunal em acção intentada pelo empregador, caso pretenda ver declarada a ilicitude da resolução, bem assim que não se encontra norma semelhante no que respeita ao trabalhador.
Contudo, desde logo por identidade de razões, mas também pelas que a seguir se acrescentam, não poderá deixar de se concluir que, sem necessidade de consagração expressa na lei, o mesmo princípio tem necessariamente aplicação na acção intentada pelo trabalhador com a finalidade ver reconhecida a justa causa invocada e, consequentemente, obter os efeitos jurídicos daí decorrentes, nomeadamente, a indemnização em função da antiguidade, quando esta seja devida (cfr. art.º 396.º CT).
Como observa António Monteiro Fernandes, tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa por facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspectiva do trabalhador [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp.644].
Para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa, ou seja, que alegue os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, bem assim que deles faça prova [art.º 342.º 1, do Código Civil].
E, no âmbito dessa prova cabe-lhe demonstrar que procedeu à “resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam”, através do documento que corporiza essa comunicação.
Consequentemente, o tribunal só poderá indagar se existe ou não justa causa para resolução do contrato de trabalho tendo por base os factos que sejam indicados pelo trabalhador e que estão na base da sua decisão.
É justamente por essa razão que a lei impõe a comunicação da “resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam” e que a mesma consubstancia, como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, uma formalidade ad substantiam.
A falta da comunicação escrita, com indicação sucinta dos factos que a justificam, ou da sua demonstração, “(..) não gera a invalidade da declaração extintiva”, mas obsta imediatamente a que possa ser reconhecida a alegada justa causa, “(..) determinando a sua irregularidade, com as consequências fixadas nos artigos 399.º e 401.º: o trabalhador fica constituído na obrigação de indemnizar o empregador pelos danos causados (…)” [Pedro Furtado Martins, op. cit., p. 525].
No essencial, foram estes os princípios enunciados na sentença recorrida. Daí que, como já se percebeu, é forçoso concluir que não assiste razão à autora.
Dizer que “Nos termos e para os efeitos no artigo 394.º n.ºs 1 e 2 al.a) e n.º 5 do Código do Trabalho sou pelo presente a comunicar a resolução do contrato de trabalho que tenho com V.Exas”, não concretiza minimamente o fundamento em que a autora se sustenta para resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa.
É certo que a autora não precisava de liquidar rigorosamente as retribuições que agora na acção vem reclamar, mas pelo menos tinha que resultar claro da comunicação que o seu fundamento era a falta de pagamento de retribuições em divida, quais e quando se venceram.
Acresce que a parte final da carta também não supre a omissão da autora. Dizer que pretende que “que se apurem e prepare o pagamento de todas as importâncias que tem direito a receber, nomeadamente vencimentos em atraso, subsídios de férias, subsídios de Natal e férias não gozadas!”, continua a nada concretizar, tratando-se de uma formulação conclusiva aplicável a qualquer caso, independentemente dos fundamentos que seja invocados pelo trabalhador para resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa, reportando-se genericamente aos efeitos decorrentes da justa causa que se pretende fazer valer.
No caso é manifesto que nem o Réu poderia saber concretamente qual o fundamento invocado, nem muito menos o Tribunal a quo ao proceder à apreciação da causa.
Por último, realça-se que a resposta à questão é pacífica à luz do entendimento da jurisprudência. Ilustram-no os sumários dos arestos seguintes:
i) Desta Relação e Secção, de 10/01/2011 – citado na sentença - [Processo n.º 1382/09.4TTVNG.P1, Desembargador Machado da Silva, disponível em www.dgsi.pt]
I - A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos - art. 395º, nº 1, do CT de 2009.
II - Na acção em que for apreciada a justa causa da resolução apenas são atendíveis os factos constantes da referida comunicação escrita - artigo 398.º, n.º 3.
III - A comunicação escrita, consubstanciada na carta de resolução do contrato, onde se consigna «rescindir o meu contrato a partir da presente data uma vez que não pretendo continuar a trabalhar sujeita a pressões infundadas, ameaças e vários insultos que se vêm verificando desde há algum tempo a esta parte» não específica quaisquer factos concretos imputados à empregadora.
IV - Não constando da referida comunicação escrita a indicação dos factos para justificar a resolução do contrato, não se pode suprir, na petição inicial, esse vício de procedimento.
V - De acordo com o artigo 399.º, a resolução do contrato pelo trabalhador com invocação de justa causa, quando esta não tenha sido provada, confere ao empregador o direito a uma indemnização pelos prejuízos causados não inferior à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de aviso prévio.
ii) Do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/02/2010 [Processo n.º 934/07.1TTCBR.C1.S1, Conselheiro Vasques Dinis, disponível em www.dgsi.pt]
I - A possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, mostra-se expressamente consignada no artigo 441.º do Código do Trabalho de 2003, para as situações consideradas anormais e particularmente graves, de infracção aos deveres contratuais, de que são exemplo as previstas no n.º 2 daquele artigo, todas elas recondutíveis a comportamentos culposos da entidade empregadora.
II - Em tais situações de grave infracção aos deveres contratuais, por parte do empregador, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio previsto no artigo 447.º, nº 1.
III - A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 442.º, n.º 1), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção (artigo 443.º, n.ºs 1 e 2).
IV - Na acção em que for apreciada a justa causa da resolução apenas são atendíveis os factos constantes da referida comunicação escrita (artigo 444.º, n.º 3).
V - De acordo com o artigo 446.º, a resolução do contrato pelo trabalhador com invocação de justa causa, quando esta não tenha sido provada, confere ao empregador o direito a uma indemnização pelos prejuízos causados não inferior à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de aviso prévio.
VI - A comunicação escrita, consubstanciada na carta de resolução do contrato, enviada pelo advogado da autora, em nome desta, onde consigna a «repetida falta culposa do pagamento pontual da retribuição que lhe é devida», «lesão culposa dos interesses patrimoniais», «violação das garantias legais e convencionais», «direito à ocupação efectiva», não específica quaisquer factos concretos – comportamentos do Réu, por acção ou omissão – susceptíveis de preencher aquelas fórmulas de cariz jurídico-normativo, não traduzindo, por conseguinte, realidades concretas susceptíveis de serem averiguadas sem o recurso a operações intelectuais de enquadramento normativo.
VII - Não constando da referida comunicação escrita a indicação dos factos para justificar a resolução do contrato, não se pode suprir, na petição inicial, esse vício de procedimento, pois a indicação dos factos concretos e a temporalidade dos mesmos, na carta de resolução, se mostra indispensável, além do mais, para aferir se o direito foi exercido dentro do prazo de 30 dias, estabelecido no artigo 442.º, n.º 1, condição formal, de que, também, depende a licitude da resolução.
VIII - A circunstância de, na contestação, o Réu ter sido capaz de quantificar valores de retribuição devidos à Autora e ter invocado que esta ficara em casa, sem trabalhar, a pedido dela, apenas tem o valor de contrariar o que fora alegado na petição inicial, não tendo, em face da lei, virtualidade para suprir as ditas exigências formais.
IX - Perante a preterição dos requisitos de natureza procedimental, tudo se passa como se a trabalhadora tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa não existente, pelo que se impõe a condenação da mesma no pedido reconvencional, oportunamente deduzido pelo Réu, em conformidade com o disposto nos artigos 446.º e 448.º.
Concluindo, improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes que compõem este colectivo decidem julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento, mas sem prejuízo do apoio judiciário (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 29 de Maio de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares