Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0413860
Nº Convencional: JTRP00037481
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: EVASÃO
PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
Nº do Documento: RP200412150413860
Data do Acordão: 12/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática: .
Sumário: Para efeitos do crime de evasão, há detenção quando os agentes da autoridade entregam em mão à pessoa a deter o respectivo mandado ao mesmo tempo que lhe comunicam que está detida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Lamego foi julgado em processo comum, com intervenção do tribunal singular (Proc. n.º ../00), o arguido B....., tendo sido proferida a seguinte decisão:
Condenar o arguido B..... pela prática de um crime de evasão p. e p. pelo art. 352º do Cód. Penal na pena de 6 meses de prisão e pela prática, em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143º, n.º 1, 146º, nºs 1 e 2 e 132º, n.º 2, al. j) do Código Penal, na pena de prisão de 12 meses; operando o cúmulo jurídico das penas ora cominadas, aplica-se-lhe a pena única de 15 meses de prisão.
Considerando que o arguido revela ter atravessado um período mau da sua vida, que a simples censura e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nos termos do art. 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal, decido suspender a execução da pena ora aplicada pelo período de 3 anos, sob a condição de, no prazo de 2 meses, demonstrar ter pago a indemnização em que ora é condenado;
Julgar procedente, por provado, o pedido formulado pela Digna Procuradora-Adjunta e, em consequência, condenar o demandado a pagar à PSP e ofendido C..... a quantia de € 1.890,58, a título de indemnização por danos patrimoniais.
Condenar ainda o arguido B..... nas custas do processo, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça e procuradoria em 1/4 a favor dos SSMJ, nos termos dos arts. 513º ss. do CPP e 74º, 82º, 85º, n.º 1, al. b), 40º e 95º, todos do CCJ; Mais o condenar no adicional previsto no art. 13º, n.º 3 do DL n.º 423/91 de 30 de Outubro (1% da taxa de justiça, a favor do Cofre Geral dos Tribunais).

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, concluindo:

1) No dia, hora e local dos autos, os agentes da PSP não chegaram a executar o mandado de detenção do arguido, porque este nem o chegou a receber e pôs-se imediatamente em fuga;

2) O recorrente não chegou, assim, a encontrar-se “em definitivo estado de detenção, numa situação de disponibilidade física efectiva e concreta por parte da polícia, pelo que não cometeu o crime de evasão p. e p. pelo art. 352º do C.Penal, pelo qual deve ser absolvido;

3) Se assim não se entender, sempre terá de considerar-se que aquele mandado se destinava a garantir a comparência do arguido, no dia 1 de Fevereiro de 2000, no Tribunal de Lamego, para ser julgado e que, nesse dia e hora, ele compareceu espontaneamente em juízo;

4) O que importa a atenuação especial da pena aplicável, como decorre do n.º 2 art. 352º do Cód. Penal;

5) Nessa não admitida hipótese, e face ao disposto nos artigos 41º, 1; 44º, 1; 47º, 1; 71º, 2 e al. a) a e) e 73º, 1 al. a) e c) todos do C.Penal, não deve ser-lhe aplicada pena superior a trinta dias de multa à razão de cinco euros por dia;

6) O quadro factual que ficou provado não permite, por outro lado, enquadrar a conduta do recorrente no tipo de ofensa à integridade física qualificada do art. 146º, 1, por referência à al. j) do n.º 2 do art. 132º.

7) Este último preceito descreve apenas exemplos padrão e não comporta a aplicação automática que dele fez a douta sentença recorrida ao declarar, sem nenhum argumento válido e, sobretudo, sem razão, a especial censurabilidade e/ou perversidade da conduta do agente;

8) Pelo contrário, o recorrente agiu movido por um simples impulso de momento, com mero dolo eventual, está arrependido e confessou todos os factos, o que constitui um conjunto de circunstâncias que, tendo ele incorrido, como incorreu, na prática, em autoria material de um crime de ofensas à integridade física simples (p. e p. pelo art. 143º do C.Penal), impõem mera pena de multa, não superior a noventa dias, à razão diária de cinco euros;

9) Ao decidir de modo diverso, a douta sentença impugnada desrespeitou os preceitos citados e ainda o art. 70º do C.Penal.

O M.P. na 1ª instância respondeu à motivação do recurso, concluindo, em síntese:
- Mostram-se preenchidos os elementos do tipo legal do crime de evasão;
- A conduta do arguido é ainda subsumível à prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada (art. 146º, com referência à al. j) do n.º 2 do art. 132º do C.P.);
- A medida da pena é adequada.

Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido do recurso dever ser julgado improcedente, aderindo à posição defendida pelo M.P. na 1ª instância.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do C.P.Penal, não tendo havido resposta.

Colhidos os vistos, procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto

A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:

a) Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. Pelas 16,40 horas do dia 31 de Janeiro de 2000, em cumprimento do mandado de detenção, para o fazer comparecer, como arguido, pelas 10 horas do dia seguinte na audiência de julgamento relativa ao Processo Comum Colectivo nº ../99, do -º Juízo deste Tribunal, em veículo descaracterizado e vestindo à civil, os agentes da P.S.P. C..... e D....., que o arguido bem conhecia, nomeadamente o primeiro, não só por o conhecer como agente da P.S.P. que já havia tido várias intervenções com ele em serviço de trânsito e devidamente fardado, mas também por até saber o seu nome, e o segundo por o conhecer apenas de vista, no acesso à residência do arguido, mais concretamente no arruamento do Bairro..... que dá acesso à Quinta..... nesta cidade, abordaram o arguido que se encontrava no interior do veículo automóvel da marca Mercedes, amarelo, de matrícula ..-..-GT;

2. O arguido saiu do referido veículo, após se identificarem, comunicaram-lhe que se encontrava detido para assegurar a sua comparência naquela audiência de julgamento, que teria de os acompanhar até à esquadra da P.S.P. desta cidade e entregaram-lhe cópia do dito mandado de detenção;

3. Logo após e de repente, o arguido atirou para o chão aquela cópia, enfiou-se no veículo que tinha deixado a trabalhar e arrancou, com velocidade, com o mesmo para abandonar o local, mesmo após aqueles agentes, para evitarem a fuga, terem agarrado, o primeiro o braço esquerdo do arguido e o segundo a porta do condutor do veículo, que se mantinha aberta;

4. Além disso, para que aqueles o largassem e ao veículo, pouco se importando se lhes provocasse ferimentos, o arguido, depois de ter percorrido alguns metros, direccionou o veículo de modo a que aqueles, ou a porta do veículo, embatessem num muro;

5. O agente D....., ao aperceber-se disso, largou o veículo e avisou o agente C..... de tal perigo, o qual soltou logo o arguido, sem que, atenta a proximidade do muro e o impulso que levava, viesse a embater no mesmo com as mãos e a perna direita, conseguindo, assim, o arguido pôr se em fuga;

6. Em consequência directa e necessária da mencionada conduta, C..... sofreu os ferimentos referidos e descritos na ficha clínica de fls. 17, 52 nos relatórios médicos de fls. 18, 19, 39 e 48 e nos autos de exame médico de fls. 21, 51 e 53, os quais demandaram 60 dias de doença para curar, todos com incapacidade para o trabalho;

7 O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito, conseguido, de se furtar à privação da liberdade e, muito embora tivesse considerado a hipótese de provocar ferimentos aos agentes da P.S.P., conformou-se com essa possibilidade;
8. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

9. O ofendido, em consequência das lesões que lhe foram provocadas pelo arguido, teve os seguintes prejuízos:
a) vencimento 36 dias 231.460$00
b) Supl. Serv. F. Seg. 39.952$00
c) Sub. Refeição 18.000$00
d)Remunerados 80.790$00 370.202$00


Despesas de saúde
Consulta de cardiologia 2.500$00
Taxas moderadoras Epis. Urgências 3.000$00
Taxa Mod. dos Meios Comp. Diagnóstico 350$00
Medicamentos 2.975$00 8.825$00

T O T A L 379.027$00

10. O arguido para além de outros processos, respondeu no Proc. Comum Singular n.º ../96 do -º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, pela prática de um crime de ameaças, tendo sido condenado na pena de um ano e dois meses de prisão, cuja execução foi suspensa por quatro anos e no Proc. Sumário n.º ../01, deste -º Juízo, por factos praticados em 28.2.2001, por detenção ilegal de arma de defesa, por sentença de 22.3.01, e condenado na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 700$00, o que perfaz o total de 70.000$00;

11. O arguido, em Dezembro de 1995, foi vítima de um ataque à sua integridade física e psicológica na cidade de Anadia;

12. O arguido no dia 1 de Fevereiro de 2000 compareceu neste Tribunal, pelas 10 horas, a fim de ser julgado no Processo Comum Colectivo n.º ../99 do -º Juízo;

13. O arguido exerce a profissão de vendedor ambulante, nas feiras, e também faz uns biscates na construção civil, obtendo, em média, € 1.250 por mês;

14. A mulher do arguido é doméstica e, por vezes, acompanha-o nas feiras;

15. Tem dois filhos: uma com 12 anos e um com 11 anos de idade, a estudar;

16. Possui casa própria, pagando € 750 por mês para liquidação do empréstimo que contraiu para a adquirir;

17. De água e energia eléctrica paga cerca de € 70 por mês;

18. Possui a 4ª classe da instrução primária;

19. Já respondeu várias vezes e nunca esteve preso.

20. O arguido confessou a prática dos factos de que vem acusado, alegando, no entanto, que não direccionou o seu veículo automóvel contra o muro para provocar lesões nos agentes de autoridade, mas admitiu que se a porta da frente do lado esquerdo fosse aberta a mesma batia no muro;

21. Diz-se arrependido e que logo nos dias seguintes pediu desculpa ao agente C.....;

Não se provou que:
a) Tenha sido atraído a um local recôndito, onde foi surpreendido por vários homens, que o tenham agredido, deixando-o com fracturas expostas, diversos hematomas, em estado muito grave.

b) No dia 31 de Janeiro de 2000, pelas 16h 40m, foi o arguido surpreendido por dois homens, que se faziam transportar numa carrinha de cor azul, marca RENAULT EXPESSO, quando se dirigia para casa de seu pai, no lugar de..... em .....;

c) O condutor da referida carrinha, lhe tenha feito sinal com a mão, para que arguido parasse;

d) O condutor da referida carrinha tenha saído da mesma, num ímpeto inusitado, e em simultâneo, um outro homem, que seguia na mesma, saiu também, de forma impetuosa, dirigindo-se-lhe, tenham convidado o arguido a sair da viatura que conduzia;

e) O arguido tenha entrado em pânico, sentido desespero e a partir daquele momento, tudo o que ouviu e fez, tenha sido em estado de nervosismo e descontrolo;

f) O arguido tenha procurado o seu veículo, tentando sair ileso daquilo que, no momento, tinha como certo, ou seja, ia ser atacado, uma vez mais.

g) Tenha entrado no seu veículo e os dois homens se tenham agarrado ao espelho retrovisor e à porta do lado direito, ao mesmo tempo que, tentaram atirar para dentro do seu veículo um qualquer objecto.

h) O arguido não soubesse que os dois homens eram agentes da Polícia de Segurança Pública;

i) Não tenha tido capacidade de se comportar e manifestar a sua vontade de uma forma livre, consciente, memorizada e avaliada.

j) Que não sabia da existência de mandatos de detenção para assegurar a sua comparência em audiência de julgamento e em consequência, pudesse ser interpelado por dois indivíduos aparentemente comuns.

l) Não teve qualquer intenção de desrespeitar uma ordem.

m) Não tenha tido consciência de que ao por a sua viatura em marcha, pudesse por em perigo os ofendidos e que a condução da viatura fosse meio de infligir lesões aos mesmos.

FUNDAMENTAÇÃO
Para prova dos factos provados supra descritos, foram determinantes para a formação da convicção do tribunal os autos de exame de fls. 8, 21, 36, 51 e 53, documentos de fls. 13, 17 a 20, 35, 48 e 52 e 65 a 71, certidão de fls. 73 a 78, as respostas do arguido, o qual confessou a prática dos factos, de forma espontânea, quase na íntegra, o depoimento do ofendido C..... e de D....., guarda da Polícia de Segurança Pública que também esteve presente aquando da prática dos factos, de E....., irmã do arguido e que confirmou ter discutido com o arguido pouco antes da prática dos factos e que ele saiu de junto dela muito nervoso, de F..... e G....., vendedores ambulantes, tendo ambos dito que o arguido é nervoso, sendo que o último já foi empregado do arguido, tendo todas as pessoas deposto de forma isenta.
Relevou também o C.R.C. constante de fls. 120 a 123.

2.2. Matéria de direito
O presente recurso versa exclusivamente matéria de direito, uma vez que o próprio recorrente inicia as motivações do seu recurso declarando que “aceita a matéria de facto descrita na douta sentença, mas discorda desta por razões de direito”. As razões da sua discordância prendem-se com três aspectos da decisão recorrida: (i) preenchimento do crime de evasão; (ii) verificação da circunstância qualificativa do crime de ofensa à integridade física; (iii) natureza e medida da pena.

Vejamos cada uma delas.

i) Crime de evasão.
Defende desde logo o recorrente que não chegou a acatar a ordem de detenção e, portanto, não chegou a ser detido. Não basta, em seu entender, a mera “voz de prisão” para que se inicie o estado de privação de liberdade, pressuposto do crime de evasão.
Sobre este aspecto, o M.P. junto da 1ª instância entende que o arguido se pôs em fuga, já depois de detido; a detenção concretizou-se “porque foi comunicado ao arguido que se encontrava detido e ordenado que teria de acompanhar os agentes à esquadra da PSP e lhe foi entregue cópia do mandado de detenção”.
De acordo com o disposto no art. 352º, 1 do Cód. Penal “quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir é punido com pena de prisão até dois anos”.
Da matéria de facto provada resulta que o arguido foi abordado no interior do seu veículo, saiu do mesmo, foi-lhe comunicado que se encontrava detido e que tinha de acompanhar os agentes à esquadra da PSP, tendo-lhe sido entregue o respectivo mandado de detenção. “Logo após e de repente, o arguido atirou para o chão aquela cópia, enfiou-se no veículo que tinha deixado a trabalhar e arrancou com velocidade com o mesmo para abandonar o local, mesmo após aqueles agentes, para evitarem a fuga, terem agarrado, o primeiro o braço esquerdo do arguido e o segundo a porta do condutor do veículo, que se mantinha aberta”.
Destes factos resulta, a nosso ver, que quando o arguido fugiu já se havia efectivado a detenção: os agentes da PSP estavam fisicamente próximos do arguido, numa situação que permitiu a entrega em mão do mandado de detenção, acompanhado da respectiva ordem (de detenção) e do dever de, nessa qualidade, os acompanhar à esquadra. No presente caso, com a entrega em mão do “mandado de detenção”, acompanhado da comunicação de que se encontrava detido e, nessa situação, devia acompanhar os agentes à esquadra da PSP, o arguido ficou legalmente privado da liberdade. E de facto só readquiriu a liberdade, após “luta física” com os dois agentes. Assim, não há dúvida que entre o momento em que lhe foi entregue o mandado de detenção e dada a respectiva ordem, até ao momento em que “o agente D..... largou o veículo e o agente C..... soltou o arguido”, ou seja, o momento da fuga (momento da consumação do crime de evasão), o arguido se encontrava legalmente privado da liberdade.
Verificam-se, deste modo, as condições objectivas necessárias à prática do crime de evasão: o estado de privação de liberdade e a modificação desse estado, por iniciativa do detido – cfr., neste sentido, o Acórdão do STJ de 3-03-98, recurso 97P1530: “Sendo a detenção do agente legal, nos termos do artigo 253, n.º 2, do CPP e n.º 2, alínea b), do CPP, é evidente que se o detido escapar, há-de fatalmente cometer o crime p. e p. no artigo 352º, n.º 1, do CP, porque preencheu o pressuposto essencial da legalidade da detenção”.
Improcede, assim, a crítica feita à sentença recorrida quanto ao preenchimento do tipo legal de crime p. e p. no art. 352º do Cód. Penal (Evasão).

ii) Verificação da circunstância qualificativa do crime de ofensa à integridade física
Defende o recorrente que a decisão não especificou a razão do enquadramento dos factos na previsão do art. 146º do C.Penal - ofensa à integridade física qualificada, ou seja, produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente. E, no seu entender, “essa especial censurabilidade ou perversidade não foi objecto de comentário específico na fundamentação da sentença impugnada. No entanto e pela invocação da al. j) do art. 132º do CP, é legitimo supor que, no entendimento do Tribunal, decorre da mera circunstância de a vítima ter a qualidade de agente policial no exercício das suas funções”. É este ponto de vista que o recorrente põe em causa, uma vez que o mesmo é, na sua perspectiva, incompatível com o dolo eventual que enformou a sua conduta. Na verdade, o recorrente apenas quis fugir e desconsiderou as consequências da sua acção, mas tal não pode considerar-se revelador de especial censurabilidade e, muito menos, de especial perversidade.

O M.P. defende a manutenção da sentença recorrida, também neste aspecto, por entender que o comportamento do arguido preencheu a al. j) do n.º 2 do art. 132 CP, ou seja, praticou os factos (ofensa à integridade física) contra dois agentes da PSP que estavam no exercício das suas funções e nessa qualidade o abordaram, com vista ao cumprimento do mandado de detenção.

O art. 132º, n.º 2, al. j) do C.Penal considera susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade, a prática do facto contra (nomeadamente) os agentes das forças de segurança ou agentes de força pública.
Muito embora a enumeração do artigo 132º,2 do CP seja meramente exemplificativa, o facto do legislador ter escolhido, desde logo, algumas circunstâncias susceptíveis de revelar “especial censurabilidade ou perversidade”, é um claro desígnio de identificar os comportamentos que, objectivamente e de uma maneira geral, evidenciam essa especial censurabilidade ou perversidade do agente. Numa sociedade legalmente ordenada, os agentes da força pública merecem uma especial protecção e, de um modo geral, as pessoas da respectiva colectividade reconhecem a necessidade dessa especial protecção, pelo que é perfeitamente compreensível a existência de uma circunstância qualificativa como a da alínea j) do n.º 2 do citado preceito. Uma agressão praticada contra agentes policiais contribui para “abalar a confiança no regular funcionamento e na eficácia penal, potenciando sentimentos de insegurança” (cfr. relatório que antecedeu o Dec. Lei 101-A/88, que introduziu a qualificativa em causa). Para proteger tais valores, o legislador agravou a punição da ofensa à integridade física, por entender que tal comportamento denunciava uma especial censurabilidade e perigosidade do agente. Assim, apesar da enumeração meramente exemplificativa do art. 132º,2 CP e da não aplicação automática das qualificativas aí enumeradas, julgamos que a circunstância referida na al. j) do n.º 2 é, em princípio, de verificação objectiva.
Sustenta ainda o recorrente que a verificação da referida qualificativa é incompatível com o dolo eventual que enformou a sua conduta.
Julgamos que não é assim. O dolo eventual, neste caso, reportou-se às ofensas e não à qualidade do ofendido. O agente sabia que o ofendido era agente da PSP e estava no cumprimento das suas funções, precisamente a tentar evitar a sua fuga, após a detenção. Por outro lado, o dolo eventual, por definição, qualifica um comportamento em que o agente prevê a ofensa corporal, conta com a sua realização e conforma-se com ela (art. 14º, 3 do C.Penal). Conformar-se com o resultado é, ainda, uma modalidade de querer praticar o crime e, por isso, igualmente censurável.
Por outro lado, e tendo em atenção o caso concreto, julgamos que o recorrente manifestou grande desprezo pelos valores subjacentes à qualificativa, uma vez que afrontou com especial agressividade a ordem de detenção dos agentes da PSP, arrancando com o seu veículo quando o ofendido segurava a respectiva porta, que se mantinha aberta, direccionando o veículo de modo a que o ofendido embatesse num muro.
Assim, julgamos que se verifica a circunstância qualificativa do crime de ofensa à integridade física, prevista no art. 132, n.º 2, al. j), por força do disposto no art. 146º, 2 do C.Penal.


iii) Medida da pena
Quanto à natureza e medida da pena, defende o recorrente que, relativamente ao crime de evasão, lhe é aplicável a atenuação especial prevista no art. 352º, 2 do C. Penal e que as penas concretas não se mostram adequadas aos factos provados.

Quanto à atenuação especial da pena, argumenta o recorrente que se apresentou espontaneamente às autoridades; o mandado de detenção destinava-se a assegurar a sua comparência no dia seguinte (1 de Fevereiro de 2000, pelas 10 horas) no Tribunal de....., a fim de ser submetido a julgamento e, nesse dia, o arguido compareceu no Tribunal.

Da matéria de facto dada como provada consta efectivamente que o arguido, no dia 1 de Fevereiro de 2000, compareceu no Tribunal, pelas 10 horas, a fim de ser julgado no processo onde fora ordenada a sua detenção.

Nos termos do art. 352º, 2 do C.Penal “se o agente espontaneamente se entregar às autoridades até à declaração de contumácia, a pena pode ser especialmente atenuada”.

A razão de ser do preceito radica no facto do agente espontaneamente pôr fim à prática do crime de evasão, o qual é um crime de execução continuada. A comparência do arguido em julgamento, satisfazendo todas finalidades da detenção (fazê-lo comparecer, como arguido, na audiência e julgamento, no proc. n.º 141/99), pode ser equiparada à situação referida no citado art. 352, 2 CP, uma vez que também aqui o arguido pôs fim à situação de evasão, por sua livre vontade.
Assim, e nesta parte, o recurso merece provimento, com as necessárias implicações na medida da pena.

Quanto à escolha da pena aplicada, o recorrente não tem razão alguma. Só no seu entendimento (pessoal e, portanto, parcial) os factos em causa mereciam a escolha da pena de multa, em vez da pena de prisão aplicada, relativamente a ambos os crimes. É certo que o art. 70º do C.Penal mandar dar preferência à pena não privativa da liberdade e que tal preferência depende da realização “de forma adequada e suficiente das finalidades da punição”. Contudo, no presente caso, quer a evasão, quer a ofensa física ao agente da autoridade, no momento da detenção, são situações sensíveis, em termos de prevenção geral, susceptíveis de gerar insegurança nos cidadãos e desconfiança no funcionamento das instituições. Daí que a escolha da pena de prisão, em ambos os casos, se mostre adequada às finalidades da punição referidas no art. 70º do C.Penal.

O arguido foi condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 12 meses de prisão, tendo em conta um mínimo de um mês e dez dias e um máximo de quatro anos. O arguido já respondeu várias vezes, embora nunca tenha estado preso. Confessou a prática dos factos, diz-se arrependido e, logo nos dias seguintes, pediu desculpa ao ofendido. Agiu com dolo eventual. As circunstâncias em que se deu a agressão denunciam uma afronta aos valores legais, já que ocorreu no seguimento da fuga à sua detenção. Justifica-se, apesar de tudo, um pena bastante inferior ao termo médio, pelo que a medida escolhida, de 12 meses de prisão, se mostra adequada.

Quanto ao crime de evasão, e tendo em conta a atenuação especial, prevista nos arts. 352º, 2 do e 73º, als. a) e b) C. Penal, o mesmo é punido, em abstracto, com uma pena de prisão entre um mês e 16 meses. Dado que a decisão recorrida aplicou ao arguido a pena de 6 meses de prisão, sem tomar em conta a referida atenuação especial, deve tal pena ser reduzida na adequada proporção, aplicando-se ao arguido a pena de 4 meses de prisão.
O cúmulo jurídico deve igualmente ser alterado, uma vez que os respectivos limites também o foram e, consequentemente, julgamos adequado aplicar ao arguido, em cúmulo jurídico, a pena única de 13 meses de prisão.

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, decidem:
a) Condenar o arguido como autor material do crime de Evasão, p. e p. no art. 352º, 1 do Cód. Penal, com a atenuação especial prevista no n.º 2 do mesmo artigo, na pena de 4 meses de prisão;
b) Aplicar ao arguido, em cúmulo jurídico, a pena única de 13 meses de prisão.
c) Manter, no mais, a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente (face ao seu decaimento parcial), fixando em 2 UC a taxa de justiça.
*
Porto, 15 de Dezembro de 2004
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Manuel Joaquim Braz
Luís Dias André da Silva
José Manuel Baião Papão