Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | ||||||||||||||||||||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | |||||||||||||||||||
| Relator: | MARIA DA LUZ SEABRA | |||||||||||||||||||
| Descritores: | DIVISÃO DE COISA COMUM CAUSA DE PEDIR DA AÇÃO DE DIVISÃO EFEITO DA FALTA DE CONSTESTAÇÃO | |||||||||||||||||||
| Nº do Documento: | RP20251126674/22.1T8ILH.P2 | |||||||||||||||||||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | |||||||||||||||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||||||||||||
| Texto Integral: | S | |||||||||||||||||||
| Privacidade: | 1 | |||||||||||||||||||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | |||||||||||||||||||
| Decisão: | REVOGADA | |||||||||||||||||||
| Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | |||||||||||||||||||
| Área Temática: | . | |||||||||||||||||||
| Sumário: | I - Na ação de divisão de coisa comum o autor não está onerado com a prova dos factos aquisitivos dos direitos em comunhão, não se estando perante uma ação real, mas uma ação destinada a fazer valer apenas o direito à divisão. II - Considerando-se provado, por falta de contestação, e não tendo sido considerado inoperante a revelia, que Autores e Réus são os comproprietários do imóvel cuja divisão foi peticionada, assim como as respectivas quotas-partes, deve o Tribunal prosseguir para prolação da decisão prevista no art. 927º do CPC para fixação dos quinhões, seguida da realização da conferência de interessados para os fins consagrados no art. 929º do CPC. (Sumário elaborado pela Relatora) | |||||||||||||||||||
| Reclamações: | ||||||||||||||||||||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 674/22.1T8ILH.P1- Apelação Juízo de Competência Genérica de Ílhavo- Juiz 2 * Sumário (elaborado pela Relatora): ……………………………………….. ……………………………………….. ……………………………………….. ** I. RELATÓRIO 1. AA e esposa BB intentaram ação especial de Divisão de Coisa Comum contra CC, DD, EE e esposa FF, GG e esposa HH e II e esposa JJ tendo formulado o seguinte pedido: - cessar a compropriedade do prédio rústico, composto de pinhal e semeadura, sito nas ..., com 1960 m2, que confronta de norte com KK, de sul com herdeiros de LL, de nascente com MM e de poente com vala, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...61 da freguesia ..., Concelho ..., o qual proveio do anterior artigo da matriz ...81, registado na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo, freguesia ... sob a descrição n.º ...71, o qual se encontra indiviso mas é divisível, sendo possível dividir nas seguintes proporções: 1/6 para os Autores, 1/6 para a 1.ª Ré, 2/6 ou 1/6 para a 2.ª Ré (consoante a proporção que se vier a apurar), 1/6 ou 2/6 para os 3.ºs Réus (consoante a proporção que se vier a apurar), 1/6 para os 4.ºs Réus e 1/6 para os 5.ºs Réus, fazendo-se a divisão do prédio em substância. Para o efeito alegaram em síntese que o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...61 encontra-se em compropriedade, entre os Autores e os Réus, encontrando-se definidas as parcelas de cada comproprietário, que se trata de um prédio indiviso, mas que é divisível, encontrando-se dividido em 7 talhões (ou 7 parcelas) já desde há largos anos, que cada um dos Réus já tem construída a sua casa na sua respectiva parcela, com excepção dos Autores que são os únicos que, na sua parcela de 1/6 não têm qualquer construção, e que a divisão do referido prédio, em substância, não altera a sua configuração nem reduz o seu valor. Mais alegaram que o prédio permite a sua divisão e fraccionamento em parcelas, em nada prejudicando as construções dos Réus que já se encontram erigidas sobre as suas respectivas parcelas e que se vão manter inalteradas com a divisão, não pretendendo os Autores continuar na indivisão do prédio, sendo possível atribuir-se aos Autores o seu 1/6, à 1.ª Ré o seu 1/6, à 2.ª Ré os seus 2/6 ou 1/6 (consoante a proporção que se vier a apurar), aos 3.ºs Réus o seu 1/6 ou 2/6 (consoante a proporção que se vier a apurar), aos 4.ºs Réus o seu 1/6 e aos 5.ºs Réus o seu 1/6. 2. Nenhum dos Réus deduziu contestação. 3. Foi proferido despacho com Ref Citius 127859373 com o seguinte teor: * Assim, importará proceder à realização de perícia nos termos dos artigos 924.º do Código de Processo Civil, com a finalidade de proceder à avaliação do bem imóvel e saber se o mesmo é ou não divisível em substância e em que termos se opera tal divisão. Destarte, cada uma das partes deverá, no prazo de 10 dias, indicar os respectivos peritos, sob cominação de nenhuma delas o fazendo, a perícia ser realizada por um único perito, designado pelo tribunal. Notifique.” 4. Posteriormente foi proferido despacho com Ref Citius 129431244 com o seguinte teor: “Notifique os peritos nomeados para procederem à realização da perícia tendo em vista determinar se o prédio em causa nos autos é suscetível de divisão e, em caso afirmativo, determinar as áreas dos mesmos e os quinhões de cada um dos comproprietários e enviar o respetivo relatório, de acordo com o disposto nos artigos 483.º e 484.º do Código de Processo Civil. Mais notifique os peritos que deverão prestar compromisso de honra, nos termos do artigo 479.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mediante declaração escrita assinada, podendo a mesma constar do próprio relatório. Remeta aos peritos cópia dos documentos juntos com a petição inicial.” 5. Foi apresentado relatório pericial unânime em 23.03.2024, contendo as seguintes conclusões (transcrição): “Conclusões
* II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO: O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC. * As questões a decidir, em função das conclusões de recurso, são as seguintes: 1ª Questão- se a decisão recorrida padece de nulidades; 2ª Questão-se foi violado o caso julgado formal; 3ª Questão-se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada; 4ª Questão-se a ação deve prosseguir para a fixação e adjudicação dos quinhões em Conferência de interessados. ** III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Pelo tribunal de 1ª Instância foram considerados provados os seguintes factos: 1. Os Autores encontram-se registados como sendo proprietários, na proporção de 1/6, do prédio rústico, composto de pinhal e semeadura, com 1960 m2, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o número sob o artigo ...71, da freguesia ..., Concelho ..., e inscrito na matriz da referida freguesia atualmente sob o artigo ...61. 2. Os Autores adquiriram este prédio, na proporção de 1/6, mediante compra, feita por escritura pública, a 23 de agosto de 1993, a QQ, RR, SS, TT e UU. 3. Os 3.ºs Réus EE e FF encontram-se registados como sendo também proprietários, na proporção de 1/6, do prédio rústico referido em 1. 4. Os 4.ºs Réus, GG e HH encontram-se registados como sendo também proprietários, na proporção de 1/6, do prédio rústico referido em 1. 5. Os 5.ºs Réus, II e JJ têm a sua moradia (correspondente ao urbano n.º ...46) construída sobre parte do prédio supra identificado em 1, porquanto a 20 de novembro de 2001 aquele celebrou um contrato promessa de compra e venda referente a 1/6 do prédio rústico referido em 1, e pagou o respetivo preço. 6. O prédio referido em 1 encontra-se dividido em 7 talhões desde há largos anos. ** IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. Nulidades da sentença Sob as Conclusões P e Q os Apelantes aludiram às nulidades da sentença previstas no art. 615º nº 1 al. c) e d) 2ª parte do CPC, sustentando que a sentença enferma de contradição entre a matéria de facto dada como provada e como não provada e respectiva fundamentação quanto aos 5ºs RR, e por ter decidido novamente quanto aos factos provados que já estavam consolidados pelo despacho de 18.07.2023, bem como houve erro na apreciação das provas porquanto o Tribunal a quo não considerou toda a prova documental junta bem como os relatórios dos peritos, nem analisou criticamente as provas Sendo o elenco das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC, um elenco taxativo [1], só nas hipóteses ali expressamente consignadas se coloca a hipótese de nulidade da sentença. O art. 615º nº 1 al. c) e d) do CPC, para o que aqui importa decidir, tem o seguinte teor: “É nula a sentença quando: (…) c)os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;” Vejamos. Tal como já fizemos alusão no anterior Acórdão por nós proferido nestes autos, a nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, al. c) do CPC, tem a ver com uma contradição lógica entre a fundamentação jurídica e a decisão. Como refere nesta matéria J. Lebre de Freitas, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade de sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada conclusão jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. “[2] Os Apelantes defendem que a sentença enferma de contradição entre a matéria de facto dada como provada e como não provada e a respectiva fundamentação quanto aos 5ºs Réus, pois o Tribunal não pode dar como provado e não provado em simultâneo que aqueles Réus são proprietários e não são proprietários de 1/6 do imóvel, e ainda por ter decidido novamente quanto aos factos dados como provados que já estavam consolidados por despacho proferido em 18.07.2023 transitado em julgado. Ora resulta evidente da própria argumentação dos Apelantes que o que está invocado é um erro de julgamento respeitante à matéria de facto, e não uma nulidade da sentença. Não existe, em termos manifestos, qualquer contradição ou oposição entre a fundamentação de facto e a decisão em termos de direito, pois que o Tribunal a quo considerou “não provado que todas as partes em juízo são as comproprietárias do prédio em causa nos autos”, e consequentemente julgou improcedente a ação “por falecer no caso concreto, à luz da petição apresentada e da alegação e prova feita, os pressupostos supra enunciados, ou seja, conhecer-se todos os comproprietários do imóvel e a extensão do seu direito.” Tal decisão pode estar errada, quer quanto à fixação dos factos provados e não provados, quer quanto à conclusão em termos de direito, mas contradição entre a fundamentação e a decisão não existe. Também não vislumbramos que a decisão seja nula à luz do art. 615º nº 1d) 2ª parte, isto é, que o Tribunal a quo tenha conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, que a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia, pois que ter dado como não provados factos que já havia considerado confessados por despacho transitado em julgado, não consubstancia nulidade da sentença, mas, mais uma vez, um eventual erro de julgamento, a conhecer em sede de mérito. O error in judicando quer em matéria de facto, quer em matéria de direito não se confunde com as nulidades da sentença, consubstanciará eventual erro de julgamento que poderá determinar a revogação da sentença. Não se vislumbrando qualquer das nulidades apontadas à sentença recorrida, improcede este argumento recursivo. Violação do caso julgado formal Já havíamos escrito no Acórdão anteriormente por nós prolatado nestes autos, que “na ação para divisão de coisa comum o autor deve identificar o bem a dividir, alegar a fonte da compropriedade, especificar a posição relativa de cada contitular e respectivas quotas e tomar posição sobre a divisibilidade ou não do bem”, alegações essas que foram vertidas pelos Apelantes na petição inicial. Padecendo a petição inicial, porventura, de insuficiência de concretização de factos, designadamente a propósito da identificação dos comproprietários, da fonte da compropriedade, ou da menção da quota parte de cada comproprietário, impõe-se que o tribunal convide o autor a aperfeiçoá-la na fase declarativa, complementando-a com os elementos em falta, se necessário. Convém, no entanto, realçar que na ação de divisão de coisa comum não se pede ao Tribunal o reconhecimento do direito de propriedade individualizado de cada um dos proprietários sobre o imóvel indiviso (contrariamente a uma ação de reivindicação), limitando-se o Tribunal, nas situações em que o imóvel for divisível, a fazer a adjudicação dos quinhões pelos comproprietários, depois de os fixar, sendo a existência de compropriedade um pressuposto prévio. Isso não desconhece o Tribunal a quo que inclusivamente fez constar da decisão recorrida que “nesta ação- que não constitui uma ação real- não está em questão a propriedade sobre a coisa ou direito, mas a relação de comunhão em que os consortes estão envolvidos e o poder- de provocar a sua cessação mediante divisão- resultante dessa relação”. Luís Filipe Pires de Sousa escreve que “a causa de pedir na ação de divisão de coisa comum consiste na situação de comunhão de direitos e na vontade de um ou mais dos consortes pôr termo à respectiva e concreta indivisão. O autor não tem de indicar a origem da compropriedade, bastando a alegação de que a coisa é propriedade comum das pessoas indicadas. Se a alegação não for exacta, qualquer dos citados pode contestar a compropriedade, arrogando-se a propriedade exclusiva. Não é necessário que previamente seja declarada a compropriedade. Deve o autor desde logo: a) Identificar o prédio ou a coisa mobiliária a dividir; b) Alegar a compropriedade ou comunhão de que é contitular com os demais consortes; c) Especificar a posição relativa de cada consorte e o volume das respectivas quotas. Os factos acima referidos sob a) e b) constituem factos essenciais que integram o núcleo primordial da causa de pedir, cuja falta implica a ineptidão da petição inicial. Se não for especificada a posição relativa de cada um dos consortes e a medida das respectivas quotas, tal situação é sanável mediante despacho de convite ao aperfeiçoamento. (…) Na contestação, podem os requeridos, designadamente: a) Deduzir exceções dilatórias; b) Impugnar a compropriedade, arrogando-se titulares da propriedade exclusiva da coisa; c) Negar ao autor ou aos demais requeridos o direito a qualquer quota-parte; d) Contrariar o volume das quotas indicado pelo autor(…). Se os requeridos não contestarem e a revelia for operante (Artigo 567º, nº 1, do CPC, não se verificando nenhuma das situações previstas no Artigo 568º que determinam a inoperância da revelia), entendendo o juiz que nada obsta à divisão em substância da coisa comum, o processo transita para a fase da perícia destinada à formação de quinhões nos termos do Artigo 927º, nº 1. As partes são notificadas para, em dez dias, indicarem os respectivos peritos com vista à formação dos quinhões sob a cominação de, nenhuma delas o fazendo, a diligência ser realizada por um perito único designado pelo juiz 8Artigo 927º, nº 1). Como esta notificação pressupõe a formulação de um juízo sobre a verificação de revelia operante, deve o processo ser concluso previamente, não se aplicando a regra da notificação oficiosa do Artigo 220º, nº2, do CPC. Em caso de revelia inoperante, o processo segue a tramitação preconizada para os casos em que ocorre contestação.” [3] Como também já anteriormente escrevemos, “O processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais: uma, de natureza declarativa, que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado, a qual só se desenvolve quando haja contestação ou, inexistindo esta, quando a revelia do réu for inoperante (art. 926º, nº2); outra, de índole executiva, em que se materializa (fundamentalmente, por meio de perícia, o propósito da divisão em sustância) o direito já definido na fase declarativa ou afirmado, sem contestação, pelo autor. Nesta fase, nos casos de seccionamento da coisa comum, procede-se à sua divisão mediante a formação de quinhões, em conformidade com as quotas dos comproprietários, e à subsequente adjudicação de tais quinhões”.[4] “Ora, conforme decorre dos autos e se fez menção no relatório supra, a fase de índole declarativa desenrolou-se sem contestação dos Réus, tendo ficado definido por despacho judicial o direito à divisão invocado pelos aqui Apelantes, tendo o tribunal a quo determinado a realização de perícia para “determinar se o prédio em causa nos autos é suscetível de divisão e, em caso afirmativo, determinar as áreas dos mesmos e os quinhões de cada um dos comproprietários” assim prosseguindo os autos para a fase de índole executiva”. E anteriormente a tal despacho, o Tribunal a quo, por despacho proferido em 18.07.2023 considerou confessados “(…) os factos alegados pelos Autores e relativamente aos quais não foi deduzida contestação, (…), atento o disposto nos artigos 566.º e 567.º, n.º 1 do C.P.C.” Isto é, considerou provados, por confissão ficta- por não ter havido contestação- tal como expressamente prevê o art. 927º nº 1 do CPC- todos os factos alegados pelos Apelantes, inclusivamente que os Apelados são os comproprietários do imóvel, e qual a quota parte que cada um detém no imóvel comum. Transitados tais despachos, tendo o Tribunal a quo assim decidido de forma expressa, não pode vir agora decidir em sentido contrário, dando como não provado que os 1º, 2º, 3º e 5º RR sejam proprietários de 1/6 do referido prédio, julgando improcedente a ação alegadamente porque os Apelantes não lograram provar que “todas as partes em juízo são as comproprietárias do prédio em causa e a extensão do seu direito”. Em função da factualidade alegada pelos Apelantes na petição inicial e considerada provada (porque os Apelados não a contestaram), o imóvel, cuja divisão os Apelantes pretendem, pertence-lhes numa quota parte de 1/6, pertencendo o restante aos réus na quota parte por eles indicada, e esses factos bem como o direito à divisão foi já afirmado pelo Tribunal a quo na decorrência daquela confissão ficta. Afirma o Tribunal a quo que os “Autores não provaram quem eram todos os titulares do direito de propriedade relativamente à coisa e com que extensão”, porém, esses factos haviam já sido dados como provados por despacho transitado em julgado. É certo que na motivação da matéria de facto o Tribunal a quo considerou que quanto aos factos que agora deu como não provados, tal ocorreu “porque não cobertos pela confissão ficta dos Réus (por integrar uma das exceções do art. 568º do Código do Processo Civil)”, aludindo a que para a sua prova era necessária a junção de escritura pública, ou documento particular autenticado, ou certidão da Conservatória do Registo Predial, ou a invocação de factos para a aquisição por usucapião(…), porém, ainda que assim eventualmente entendesse, certo é que anteriormente considerou-os todos confessados à luz dos arts. 566º e 567º nº 1 do CPC, sem que nesse despacho, transitado em julgado, tenha declarado considerar a revelia inoperante. O art. 625º do CPC, precavendo a possibilidade de serem proferidas duas decisões contraditórias (neste caso com conteúdos diferentes), sobre a mesma pretensão ou que dentro do processo versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, determina que se cumpre a decisão que passou em julgado em primeiro lugar. Já assim defendia A. Varela, porquanto “pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida seja objecto de repetida decisão. Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão. Se assim acontecer, para evitar repetições inúteis e o risco de decisões contraditórias, o Tribunal deve indeferir a segunda pretensão. Caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário. É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação processual. Ele pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo (ob. cit., 308). Ambos pressupõem o trânsito em julgado da decisão anterior”.[5] Também nos ensina Manuel de Andrade, que “o caso julgado formal consiste na força obrigatória que os despachos e as sentenças possuem relativa unicamente à relação processual, dentro do processo, excepto se não for admissível o recurso de agravo (…) “consiste na preclusão dos recursos ordinários, na irrecorribilidade, na não impugnabilidade”.[6] No mesmo sentido João Castro Mendes defende que o “caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo”, contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida.[7] No caso em apreço, temos uma decisão proferida no processo que já tinha decidido que os factos alegados pelos Apelantes se consideravam provados, foi julgada operante a revelia, e como tal ficou assente serem os réus os comproprietários e terem a quota parte mencionada pelos Apelantes, decisão essa transitada em julgado, pelo que a decisão recorrida não podia ter sido proferida, porquanto não podiam ser dados como não provados factos que já haviam sido dados como provados, estando encerrada a fase declarativa- a tal se opunha o principio da intangibilidade do caso julgado formal. O art. 620º do CPC dispõe sobre o caso julgado formal, dele podendo ler-se: 1. As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. 2. Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630º. Quanto ao alcance do caso julgado, Miguel Teixeira de Sousa é elucidativo quando escreve que “o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (art. 659.°, n.º 2, in fine, e 713.° n.º 2) (…)”[8] Em resumo, “o caso julgado consubstancia-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário’, tornando indiscutível o conteúdo da decisão. O caso julgado aporta à decisão um segundo nível de estabilidade (de continuidade na emissão dos seus efeitos jurídicos) – constitui uma técnica de estabilização dos resultados do processo, que se integra numa linha gradual de estabilização: do esgotamento do poder jurisdicional (art. 613º do CPC), enquanto regra de proibição do livre arbítrio, resulta um primeiro nível de estabilidade da decisão judicial, ainda que interna ou restrita, relativa ao próprio autor da decisão; o trânsito em julgado permite à decisão alcançar um segundo nível de estabilidade alargada, vinculando o tribunal e as partes, dentro do processo (caso julgado formal - art. 602º do CPC), ou mesmo fora dele, perante outros tribunais (caso julgado material - art. 619º do CPC).”[9] Ora, tendo ficado definitivamente determinado, por despacho transitado em julgado, que os factos alegados pelos Apelantes se consideravam confessados- provados por confissão ficta- é essa a decisão que prevalece neste processo especial de divisão de coisa comum, nele se impondo com força de caso julgado. Ainda que por hipótese assim não se entendesse, o que não concedemos, de uma coisa estamos absolutamente certos, o Tribunal a quo se entendia que a revelia era inoperante teria de ter dado cumprimento ao art. 926º nº 2 e 3 do CPC, o qual dispõe que “se a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294º e 295º”, ou então “se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”, não podia era decidir, declarando não provados factos que as partes assumiram como estando já provados, sem conceder o princípio do contraditório e sem prosseguir para produção das provas necessárias, designadamente as requeridas pelos Apelantes. Não obstante, sempre se dirá que, tal como escreve Rui Pinto e Ana Alves Leal, “o que o autor tem de alegar são, pois, os factos constitutivos deste direito à divisão, entre os quais pontifica, como elemento de facto e não como questão de direito principal ou prejudicial, a existência daquela relação de comunhão, não a sua origem”, e mais à frente, “o autor não está onerado com a prova dos factos aquisitivos (máxime, originários) dos direitos em comunhão. Desde que não está em crise uma ação real, porque fundada e destinada a fazer valer apenas o direito à divisão, a necessidade de prova dos factos de que deriva o direito real está excluída. Na causa de pedir desta ação não se inscrevem sequer tais factos.” Referenciando uma situação em tudo similar à dos presentes autos, aqueles Autores questionam o que ocorre se, “o autor pede a divisão de certa coisa limitando-se a alegar que dela são donos, segunda determinada proporção, ele e os réus e sem oferecer qualquer prova disso. Quid iuris? Nem é caso de ineptidão, como dissemos, nem de fatal improcedência. c) Não havendo contestação da comunhão, nada obsta a que fique dada como assente a qualidade de comunheiros do autor e dos réus. Não tendo a ação por objecto a definição da compropriedade ou outra forma de comunhão, a situação de comunhão factualiza-se e pode ser tratada como matéria de facto.”[10] Acompanhando nós este entendimento, soçobram todos os argumentos vertidos na decisão recorrida para julgar a presente ação de divisão de coisa comum improcedente. Estando o processo já na fase executiva, tendo os Apelantes alegado serem eles e os Apelados os comproprietários do imóvel a dividir e as quotas dos mesmos no imóvel comum, elementos que não foram questionados na fase declarativa, e tendo inclusivamente já sido realizado e entregue o relatório pericial do qual consta que o imóvel está já fisicamente dividido em parcelas pelos comproprietários, de forma informal, embora continue para todos os efeitos legais como um único imóvel da titularidade de todos, não tendo os Apelados, identificados como os comproprietários quer pelos Apelantes, quer no referido relatório pericial, questionado a quota parte que lhes cabe no todo daquele imóvel, restará ao Tribunal a quo definir o quinhão de cada um correspondente a essa quota parte. O que se torna necessário nesta fase será que, verificada pelo Tribunal a quo a ausência de impedimentos legais, profira decisão de fixação dos quinhões (respeitando a forma pré-existente ou decidindo-se por outra “segundo o seu prudente arbítrio”- art. 927º nº 3 do CPC) e prossiga para Conferência de interessados para fazer a adjudicação. Da análise do relatório pericial junto aos autos resulta a quota parte de cada comproprietário e a forma de atribuição dos respectivos quinhões, definição essa que, embora em última instância pertença ao Tribunal a quo, nele pode e deve alicerçar a sua decisão. Resumindo, estando provado nos autos, por falta de contestação, e tendo sido considerado operante a revelia, que os Apelantes são comproprietários do imóvel identificado nos autos, do qual são também comproprietários os Apelados, na respectiva quota-parte alegada pelos Apelantes, que não se mostram questionadas, e cujas parcelas inclusivamente até já estão divididas entre todos de forma informal, deve o Tribunal a quo prosseguir com os presentes autos para prolação da decisão prevista no art. 927º com fixação dos quinhões, seguida da realização da conferência de interessados para os fins consagrados no art. 929º do CPC. ** V. DECISÃO: Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso interposto pelos Apelantes, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se o prosseguimento da ação nos moldes supra determinados. Custas a cargo dos Apelantes, que dele tiraram proveito (art.527º nº 1 do CPC). Notifique. Porto, 26.11.2025 Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora) Alexandra Pelayo (1ª Adjunta) João Diogo Rodrigues (2º Adjunto) (O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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