Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2013/13.3JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: COELHO VIEIRA
Descritores: CONTRAFACÇÃO DE MOEDA
CRIME DE FALSIDADE INFORMÁTICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RP201409172013/13.3JAPRT.P1
Data do Acordão: 09/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Constitui o crime de contrafação de moeda falsa p.p. pelos artºs 262º1 e 267º1 c) CP o fabrico de cartão de crédito falso com inserção de banda magnética clonada de um cartão verdadeiro, por bastar para o preenchimento do tipo a interferência na banda magnética do cartão de crédito clonado.
II - Constitui o crime de falsidade informativa p.p. pelo artº 3º 1 e 2 da Lei 109/2009 de 15/9 a captura, em ATM, da informação existente na banda magnética de cartão de crédito.
III – Entre tais crimes existe concurso real, por no 1º o bem jurídico se traduzir na protecção da confiança e fé pública da moeda e na autenticidade do sistema monetário e no 2º se defenda a integridade dos sistemas de informação.
IV - As exigências de prevenção geral, por se tratar de criminalidade que opera em grupos, de forma organizada, a uma escala transnacional e altamente danosa, não consentem a suspensão da execução da pena de prisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2013/13.3JAPRT.P1 (urgente – arguidos em prisão prev.)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

O Magistrado do Ministério Público requereu o julgamento dos arguidos:
B…, natural de …, Bulgária, solteiro, nascido a 27/03/1989, filho de C… e de D…, titular do passaporte n.° ………, com residência na Rua …, n.° .., …, Bulgária, e, actualmente, preso preventivamente no Estabelecimento Prisional do Porto, e
E…, natural de …, Bulgária, solteiro, nascido a 27/10/1989, filho de F… e G…, titular de documento de identificação civil n.° ………., com residência na Rua …, n.° ., …, Bulgária, e actualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional do Porto,
Imputando-lhes a prática dos factos descritos na acusação de fls. 331 a 340 cuja teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em co-autoria, de um crime de contrafacção de moeda, previsto e punido pelos artigos 262º, nº 1 e 267º, nº 1, alínea c), do Código Penal e de um crime de falsidade Informática, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 e 2, da Lei nº 109/2009, de 15/09.
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Os arguidos não apresentaram contestação.
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Foi realizada audiência de discussão e julgamento, na 3ª Vara Criminal do Porto, com observância de todas as formalidades legais.
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A instância mantém-se regular, inexistindo questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer.
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Subsequentemente, foi elaborado Acórdão, dele constando o seguinte dispositivo:-
(…)
Assim, e pelo exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Coletivo, em julgar a acusação procedente, por provada, e consequentemente:
A) Condenar os arguidos B… e E… pela prática, em co-autoria material e concurso efectivo, de um crime de contrafacção de moeda, previsto e punido pelos artigos 262º, nº 1 e 267º, nº 1, alínea c), do Código Penal, cada um, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e de um crime de falsidade Informática, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 e 2, da Lei nº 109/2009, de 15/09, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
B) Em cúmulo jurídico, condenar os arguidos na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efetiva.
C) Condenar os arguidos nas custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em 5 UC de taxa de justiça e nas custas do processo.
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Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos aos arguidos descritos a fls. 24, 25, 43 e 44, nos termos do artº 109º, do Código Penal.
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Regime coativo
Nos termos do artigo 213°, n.º 1, b) do Código de Processo Penal cumpre reavaliar a medida de prisão preventiva aplicada aos arguidos.
Atentos os factos dados como assentes neste acórdão, reforçaram-se os indícios da prática dos crimes imputados aos arguidos, retira-se que se mantêm o perigo de continuação de atividade criminosa (artigo 204°, c) do Código de Processo Penal).
Assim sendo, a prisão preventiva em que se encontram os arguidos, continua a ser a única medida susceptível de acautelar o referido perigo sendo que, atenta a gravidade dos crimes em causa, é também proporcional, pelo que se mantém a medida de coação aplicada nos autos aos arguidos, nos termos dos artigos 193°, n.º 1 e 2, 202°, n.º 1, a) e 204°, c) do Código de Processo Penal.
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Notifique e deposite o presente acórdão (artº 372º, nº 4 e 5 e 373º, nº 2, do C.P.P.).
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(Acórdão processado por computador e por mim integralmente revisto – artº 94º, nº 2, do C.P.P.)

Porto, em 27 de junho de 2014
(…)
X
Inconformados com o decidido ambos os arguidos vieram interpor recurso, motivando-o e aduzindo CONCLUSÕES (as quais se sintetizam sem, contudo as desvirtuar e com apelo à motivação).
Assim:-
1 – A decisão da matéria de facto e respectiva fundamentação contrariam-se e não se sustentam, estando aquela ferida do vício constante da al. b), do nº 2, do art. 410º, do CPP. Vício esse a ser sanado na decisão a proferir, com a expurgação da matéria de facto que não encontra apoio na fundamentação e com reflexo na diminuição da pena. Quando tal não se mostre viável, deverá ser decretado o reenvio para novo julgamento, nos termos do disposto no art. 426º, do CPP.
2 – Apelando à motivação, defendem os Recorrentes que apenas está em causa um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3º ns. 1 e 2, da Lei nº 109/2009, pelo que apenas poderão ser punidos por tal crime e não pelo crime de contrafacção de moeda; assim sendo, a pena nunca deverá exceder em sede de dosimetria concreta, 1(um) ano de prisão; e tal pena, face às condições pessoais dos Recorrentes, deverá ser suspensa na sua execução, de forma a permitir a sua integração no país de origem ( cfr.arts. 40º, 50º e 71º, do C. Penal ). A decisão recorrida violou os arts. 262º, nº 1 e 267º, nº 1, al. c), do C. Penal.
3 – Ainda que assim se não entenda, a pena concreta encontrada é demasiado onerosa, uma vez que estavam num estádio preliminar de colheita e armazenamento de dados, sem o domínio da acção ilícita até ao seu culminar e sem possibilidade de domínio de qualquer lucro. Gozam de condições pessoais no país de origem que lhes garantem o afastamento da prática do crime e assumiram parcialmente os factos, pelo que a pena nunca deverá ultrapassar 1(um) ano para o crime de falsidade informática e 3(três) anos para o crime de contrafacção de moeda, devendo, em cúmulo jurídico, ser encontrada a pena de 3 anos e 4 meses de prisão, esta suspensa na sua execução; a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 40º, 50º e 71º, do C. Penal.
X
Ao recurso dos arguidos veio doutamente responder o Digno Magistrado do MP, defendendo, em suma, a sua total improcedência.
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Idêntica atitude processual assumiu o Ilustre PGA, por via do douto Parecer que emitiu.
X
Cumprido que foi o disposto no art. 417º nº 2, do CPP, verifica-se que os arguidos vieram responder, apenas reafirmando a sua posição já anteriormente assumida em sede de recurso.
X
COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS CUMPRE DECIDIR:-

Do Acórdão recorrido consta o seguinte:-
(…)

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto provada
Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Entre os dias 22 e 26 de Setembro de 2013, os arguidos, em comunhão de esforços e intentos e de acordo com um plano comum e delineado pelos dois, colocaram um mecanismo electrónico de captura e cópia do conteúdo das bandas magnéticas de cartões bancários e de filmagem dos correspondentes códigos secretos utilizados petos titulares daqueles cartões, designados por PIN’s, nas caixas multibanco exteriores (ATM’s) da agência da H…, sita na …, n.° …, da agência do I…, sita na Rua …, e da agência do J…, sita na Rua …, n.° …, todas nesta comarca.
2. No referido dia 26, o mecanismo electrónico colocado pelos arguidos na ATM da H… foi detectado pelo próprio banco e ali encontrado sobreposto à ranhura de entrada de cartões, sendo composto por uma peça de plástico com ranhura para entrada de cartões, tendo acopladas uma placa electrónica, uma fonte de alimentação, um interruptor e uma entrada para cabo de ligação com seis pernos, o qual foi idóneo para ler, capturar e armazenar o conteúdo de bandas magnéticas dos cartões bancários que ali foram utilizados pelos seus legítimos titulares.
3. Naquela ATM foram ainda encontrados vestígios de cola e restos de fita adesiva, visíveis na estrutura de metal junto à parte superior do monitor e sobre o teclado, relacionados com a colocação e retirada pelos arguidos de um dispositivo complementar ao já acima referido.
4. Nesse mesmo dia 26, cerca das 18 horas, a PAYWATCH (SIBS – ForwardPaymentSolutions – empresa que em Portugal é responsável pela prevenção e detecção de fraude em meios de pagamento), comunicou a utilização de um “cartão régua” no ATM da Agência do J…, sita na Rua …, n.° …, no Porto, e que havia sido já utilizado, entre os referidos dias 22 e 26 de Setembro, nas ATM*S da H… e do I…, acima identificadas.
5. O “cartão régua” corresponde a um cartão bancário, verdadeiro ou não, com banda magnética e que é utilizado aquando da colocação do mecanismo de clonagem com o objectivo da sua afinação e verificação do seu correcto funcionamento.
6. Naquele dia, hora e local, o arguido B…, de acordo com o plano comum traçado pelos dois arguidos, utilizou no referido ATM o “cartão régua”, o qual apresenta as características de um cartão de cliente da “K...”, com o número ………., condizente com o que se encontra gravado na banda magnética e que foi lido pelas ATM’s onde foi utilizado e já identificadas.
7. Acto contínuo, o arguido B… abeirou-se do referido terminal de pagamentos, retirou o mecanismo electrónico que se encontrava na parte superior do monitor e envolveu-o numa revista que colocou debaixo do braço esquerdo, antes de abandonar o local.
8. Posteriormente, foram ali encontrados, fixos à estrutura frontal da ATM, dois mecanismos estranhos ao mesmo, um com cerca de 30 cm de comprimento por 2 cm de largura, junto à parte superior do monitor e outro sobreposto à ranhura de entrada de cartões, este último idêntico ao que havia sido encontrado e retirado da ATM da H….
9. Passado poucos minutos da conduta acima descrita, o arguido B… encontrou-se com o arguido E… junto da entrada do L…, sito na mesma Rua …, junto ao n.° …/….
10. Os arguidos tinham na sua posse, bem como no interior e na varanda do quarto n.° … do M…, sito nesta comarca e onde se encontravam hospedados desde o dia 22 de Setembro de 2013, e ainda no interior do cacifo n.° . da N…, entre outros objectos, diverso material que utilizaram nas acções de clonagem de cartões bancários em ATM, a saber:
11. O dispositivo retirado do ATM do J… e que foi envolvido numa revista de moda;
12. Cinco cartões de plástico com banda magnética, dois deles identificados como sendo os ‘cartões régua” referenciados pela PAYWATCH, e um outro do O…, em nome do arguido E…, com o número …………….., o qual foi objecto de manipulação dos dados da banda magnética, pois a mesma contém o número …………….., correspondente à entidade emissora americana “P…”;
13. Um computador portátil HP;
14. Dois cartões com banda magnética;
15. Três cabos USB adaptados artesanalmente, os quais se encontravam acondicionados num saco plástico fechado com fita adesiva.
16. Diverso material próprio para fabrico e colocação de dispositivos de captura fraudulenta em ATM dos dados de cartões bancários respectivos códigos secretos;
17. Três placas frontais de ATM, de adaptação artesanal, sendo compostas por micro-dispositivos electrónicos, ligações USB e fontes de alimentação;
18. Dois mecanismos de captura de dados (ranhura);
19. Um leitor de cartões memória;
20. Uma placa electrónica com microchips;
21. Dois terminais USB com ligações artesanais adaptadas;
22. Um terminal com ligação shunt,
23. Uma bateria Samsung com ligação artesanal;
24. Uma agenda, na qual se encontravam, atém de indicações relacionadas com a deslocação e hospedagem, instruções quanto à forma de procederem na colocação dos dispositivos e quanto ao meio de comunicação a utilizar, no caso o SKYPE.
25. Todo este material pertence aos arguidos e foi por eles utilizado, de forma concertada e comum, para concretizar o plano de ambos de captura, cópia e armazenamento de dados de cartões bancários e respectivos códigos secretos, em ATM’S, sendo idóneo a fazê-lo em ATM’s com características diferentes e em simultâneo.
26. Na posse dos dados dos cartões bancários, obtidos da forma acima descrita, os arguidos, sempre em conjugação de esforços e intentos, por si ou através de outros indivíduos que com eles colaboram, cuja identidade não se logrou apurar, procediam à inserção daqueles dados em outros cartões de plástico, tipo cartão bancário, com o objectivo comum e concertado de os utilizarem e de facultarem o seu uso a terceiros, como sucedeu.
27. Os cartões não genuínos, assim obtidos, permitiram o acesso às contas bancárias associadas aos dados dos mesmos, através de movimentos e levantamentos de dinheiro, pertencente aos legítimos titulares dos cartões bancários copiados.
28. Aqueles cartões não originais, onde foi colocada a informação da banda magnética dos cartões bancários obtida pêlos arguidos, bem como os movimentos com eles realizados, são feitos sem o conhecimento ou autorização dos legítimos titulares das contas bancárias associadas e do banco emissor, com o objectivo de obter dinheiro que sabem os arguidos não lhes pertencer.
29. Através da intervenção da PAYWATCH, foi detectada a tentativa de utilização fraudulenta de quatro cartões bancários, três de débito e um de crédito, cujos dados originais foram capturados e copiados pêlos arguidos através do dispositivo por eles colocado, no dia 23 de Setembro de 2013, na ATM da H… da …, os quais foram por aqueles utilizados, da forma acima descrita, para criação de cartões bancários não genuínos:
30. Com o n.° ……………., cartão de crédito do Q…, copiado para outro cartão que foi utilizado no dia 26 de Outubro de 2013, nos EUA;
31. Com o n.° ………………, cartão de débito da H…, copiado para outro cartão que foi utilizado no dia 19 de Novembro de 2013, nos EUA;
32. Com o n.° …………….., cartão de débito da H…, copiado para outro cartão que foi utilizado no dia 19 de Novembro de 2013, nos EUA;
33. Com o n.° ……………., cartão de débito da H…, copiado para outro cartão que foi utilizado no dia 19 de Novembro de 2013, nos EUA;
34. Com o n.° ……………., cartão de débito do S…, copiado para outro cartão que rói utilizado nos dias 26 de outubro e 19 de Novembro de 2013, nos EUA.
35. Os arguidos, de forma concertada e com um objectivo comum, procederam à adulteração das ATM’s, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar acima referidas, utilizando para o efeito o material electrónico já descrito.
36. Os arguidos, sem o conhecimento ou consentimento dos seus legítimos titulares e do banco emissor, procederam à leitura e gravação das informações e dados suportados nas bandas magnéticas e PIN’s dos cartões bancários que foram utilizados em ATM’s de forma legítima pelos seus proprietários.
37. A sequência da conduta dos arguidos, foram comprometidos e utilizados os dados relativos a 830 cartões bancários, de débito e de crédito.
38. Os equipamentos electrónicos instalados pêlos arguidos nas ATM’s, nos moldes supra descritos, e os equipamentos electrónicos que estavam na sua posse, contêm componentes electrónicos que constituem dispositivos próprios para a captação e gravação dos dados informáticos e elementos de segurança contidos nas bandas magnéticas e PIN’s dos cartões bancários de débito e de crédito, utilizados nas caixas ATM’s, onde se encontrassem instalados tais equipamentos electrónicos.
39. As informações assim obtidas pelos arguidos foram posteriormente por eles utilizadas para a elaboração de cartões não originais, os quais foram utilizados por terceiros para proceder a levantamentos em dinheiro ou pagamentos nos EUA.
40. Os arguidos conheciam as características e potencialidades dos referidos equipamentos, querendo com a sua utilização e colocação em ATM’s obter dados informáticos contidos nas bandas magnéticas dos cartões bancários, de débito e de crédito, dos quais queriam fazer duplicação e transmitir a terceiros para posterior utilização como se fossem verdadeiros e genuínos, como fizeram.
41. Sabiam que actuavam com o desconhecimento e contra a vontade, quer dos titulares das contas a eles associados, quer das respectivas entidades bancárias emissoras dos cartões em causa, logrando, desta forma, que terceiros procedessem ao levantamento de quantias monetárias e a pagamentos, bem sabendo que os cartões e os valores monetários assim obtidos não lhes pertenciam.
42. Os arguidos sabiam que a cópia de dados de cartões bancários para outro tipo de cartões com bandas magnéticas regraváveis não é permitida, sabendo que essa função cabe exclusivamente aos bancos e entidades emissoras daqueles cartões.
43. Os arguidos sabiam que os dados por si obtidos configuravam dados informáticos confidenciais e pessoais, que utilizavam esses dados com o desconhecimento e contra a vontade das entidades emissoras desses cartões e dos seus legítimos titulares e que, ao utilizarem ou possibilitarem o uso desses dados, como o fizeram, actuavam, de forma indevida e ilegítima, sobre o tratamento dos dados informáticos daqueles.
44. Os arguidos sabiam ainda que os cartões bancários, de crédito e de débito, constituem uma forma de pagamento idêntica à moeda, uma vez observados os necessários procedimentos para a sua utilização.
45. Conscientes destes factos, actuaram com o propósito concretizado de obter e inserir tais dados em cartões não genuínos, utilizando-os e facultando a sua utilização a terceiros, como se de verdadeiros cartões bancários se tratassem e como se para tanto tivessem legitimidade, com vista a alcançarem benefícios económicos indevidos e ilegítimos.
46. Os arguidos sabiam que, da sua actuação, resultava prejuízo para a segurança e credibilidade do tráfego bancário, bem como para a integridade e fiabilidade dos sistemas de informação e dos dados informáticos.
47. Os arguidos agiram de forma concertada, em conjugação de esforços e intentos, partilhando e comungando tarefas, de acordo com um plano comum, previamente delineado pelos dois, na execução das instruções fornecidas por rede transnacional que se dedica à contrafacção e posterior utilização fraudulenta de cartões bancários.
48. Agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
49. Os arguidos são primários.
50. O arguido E… nasceu a 27 de outubro de 1989.
51. É cidadão búlgaro, sem laços familiares em Portugal.
52. E… expressa-se como sendo oriundo de agregado familiar perturbado pelo divórcio dos progenitores, do restabelecimento de novo agregado materno com o actual padrasto e nascimento da sua irmã.
53. Não manifestou dificuldades de realização académica com frequência de curso superior técnico e desenvolvimento de actividade laboral diversificada entre o exercício das funções de empregado de restauração e de barman.
54. Transmite a ideia de um civismo pacato desprovido de qualquer dependência ou problema de saúde além dos dentários ou constrangimentos anti-sociais determinantes de um trajecto transgressivo.
55. A aparente pacatez apresentada por E… excede as dificuldades linguísticas e a dependência (ou submissão) da tranquilidade transmitida pelo co-arguido porque ininteligível o seu papel nesta amizade.
56. O arguido apresenta maior consistência na formulação dos seus propósitos pretendendo retornar ao seu país natal para junto dos seus familiares e retomar o referido curso superior técnico.
57. No E. P. o arguido conserva a atitude de respeito pelas exigências disciplinares.
58. Reconhece a ilicitude e a gravidade dos factos inscritos na acusação, com a qual se identifica, transmitindo a ideia da inexistência de vítimas.
59. Conjuntamente com o seu co-arguido convivem com alguns dos poucos presos concidadãos.
60. O arguido mantem contactos telefónicos com os seus familiares.
61. O arguido B… nasceu a 26 de março de 1989.
62. É cidadão búlgaro, sem laços familiares em Portugal.
63. O arguido B… residia na Bulgária com os seus avós maternos.
64. Provém de uma família de condição financeira razoável resultante da actividade profissional exercida pêlos progenitores, proprietários, o pai de uma empresa de fabrico de chãos, tectos e cadeiras em madeira e a mãe, uma mercearia.
65. Tal possibilitou ao arguido uma escolarização de 12 anos e a conclusão de um curso superior de comércio de um ano, e posteriormente, fora da República da Bulgária, frequentou no Reino Unido um outro curso de telecomunicações, que não concluiu.
66. O interesse exploratório nas diferentes culturas e na definição do seu papel ter-se-á tomado uma situação conflituante porque descontrolada com a expressão da adição ao e da sua ligação aos diferentes contextos de diversão/risco, vulnerabilidade agravada pela contracção de dívidas de jogo e pela permeabilidade às pressões e oportunidades transgressivas/criminais.
67. O arguido formula a vontade de retornar ao seu país de origem onde menciona dispor do suporte familiar tanto dos progenitores como dos seus avós formulando o propósito, ainda confuso, de retomar a sua actividade empresarial de restauração.
68. O arguido tem procurado respeitar as exigências disciplinares e de adaptação ao contexto prisional. Exerceu a actividade laboral no sector da cozinha.
69. Conjuntamente com o seu co-arguido convivem com alguns dos poucos presos concidadãos.
70. O relacionamento entre os arguidos remonta a uma amizade estabelecida no seu pais de origem permanecendo entre ambos um sentimento de entreajuda.
71. Os arguidos confessaram parcialmente os factos imputados na acusação.
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2.2. Matéria de facto não provada
Da que se mostra relevante para a discussão da causa logrou obter prova toda a matéria de facto.
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2.3. Motivação da decisão de facto
O tribunal baseou a sua convicção, relativamente aos factos considerados provados, nos seguintes meios de prova, livremente apreciados (art. 127º do CPP):
Nas declarações prestadas pelos arguidos em julgamento, na parte em que confessaram apenas a colocação dos dispositivos para clonagem de cartões bancários na caixa multibanco do J…, na Rua … quando foram detidos em flagrante pelos inspectores da PJ, bem como a posse dos objectos apreendidos no quarto do hotel e no cacifo da N…, material informático que lhes havia sido entregue em Lisboa por um indivíduo de nome T…, destinava-se à captura e armazenamento de dados de cartões bancários e respectivos códigos secretos, em ATM’S; mais declarou o arguido B… que praticou os factos para pagamento de dívidas de jogo na Bulgária.
No depoimento do inspector da PJ X…, o qual relatou de forma objectiva e coerente que no dia 26 de Setembro de 2013, após comunicação da PSP da detecção de um mecanismo de captura fraudulenta do conteúdo de bandas magnéticas de cartões bancários que havia sido instalado no ATM exterior da Agência da H… da …, efectuou inspecção à ATM/caixa multibanco, tendo em conta os vestígios de cola e restos de fita adesiva visíveis na estrutura de metal, junto à parte superior do monitor e sobre o teclado, verificou que ali havia sido colocado e retirado um dispositivo complementar. Mais relatou que contactou com a PAYWATCH - SIBS – ForwardPaymentSolutions – empresa que em Portugal é responsável pela prevenção e detecção de fraude em meios de pagamento -, através do analista de fraude U…, tomou conhecimento da existência de um cartão régua, detectado pelo sistema de prevenção e detecção de fraude, a operar na rede multibanco, desde o dia 22 de Setembro de 2013, nos ATM’S da H… da … nos dias 22, 23 e 25 de Setembro e I… da Rua … (informação escrita a fls.65 e 66). No dia 26 de Setembro, após comunicação da PAYWATCH da utilização do dito cartão régua no ATM/Caixa multibanco da Agência do J…, sita na Rua …, deslocou-se ao local, onde através de visualização directa, o depoente verificou que se encontravam fixos à estrutura frontal do ATM dois mecanismos estranhos ao mesmo, um com cerca de 30 cm de comprimento por 2 cm de largura, junto à parte superior do monitor e outro sobreposto à ranhura de entrada de cartões, este último idêntico ao já apreendido na agência da H…, pelo que montou vigilância. Visionou o arguido B… a abeirar-se do referido terminal de pagamentos, retirou um mecanismo que se encontrava na parte superior do monitor, o qual envolveu numa revista que colocou debaixo do braço esquerdo, contornando todo um quarteirão, o B… encontrou-se com o arguido E… junto da entrada do L…, na Rua …, altura em que foram detidos pela equipa de vigilância; mais relatou o que foi apreendido na revista pessoal aos arguidos, nas realizadas buscas no quarto de hotel onde os detidos se encontravam hospedados e num cacifo da N…, material diversificado susceptível de ter sido utilizado em acções de clonagem de cartões bancários em ATM.
No depoimento da testemunha V…, relatou que é vigilante da W… na N…, confirmou ter testemunhado a abertura do cacifo n° ., o qual continha uma mochila com diverso material metálico embrulhado numa toalha.
No depoimento da testemunha Y…, o qual relatou que é gerente da agência da H… da …, confirmou ter recebido das mãos de um utente do ATM, pelas 19H30 do dia 25 de Setembro de 2013, uma peça que se soltara, tendo comunicado o facto à PSP.
No depoimento da testemunha U…, o qual relatou que exerce a função de analista de fraude da SIBS – ForwardPaymentSolutions / Paywatch, confirmou os factos comunicados à Polícia Judiciária, respeitantes ao potencial compromisso de 830 cartões bancários, decorrentes da detecção de eventos de fraude; referiu ainda que foram verificados, posteriormente à detenção dos arguidos, movimentos com quatro cartões bancários, três de débito e um de crédito nos EUA, cujo compromisso aconteceu no dia 23 de Setembro de 2013, entre as 17H48 e as 19H20, no ATM da H… da …, no Porto.
O tribunal teve ainda em conta a analise da prova documental de fls.:
- 2 a 9, 135 e 136 (informação de serviço da PJ e e auto de notícia da PSP);
- 10 a 12 (auto de revista pessoal);
- 21 (auto de apreensão); -
-22 e 23 (fotografias dos dispositivos e da revista onde foram escondidos);
- 24 e 25 (auto de busca e apreensão realizadas no quarto e respectiva varanda);
- 26 a 34 (cartões apreendidos e fotografias oestes e de outros objectos apreendidos);
- 35 a 44 (relato de diligência externa, fotografias e auto de apreensão, relativos aos cacifos do N…); -
- 47 a 62 e 178 a 189 (autos de exame directo dos objectos apreendidos); -
- 69,70 e 236 a 238 (informações da PAYWATCH);
- 302 a 310 (tradução da agenda, de duas cartas e de dois papéis, os quais se encontram na contracapa do 1° volume, guardados no saco prova Série …….). Da tradução da agenda apreendida, resulta que os dois arguidos, para além das indicações relacionadas com a deslocação e hospedagem em Portugal, traziam instruções escritas quanto a forma de procederem à colocação dos dispositivos, mas também quanto ao meio de comunicação a utilizar SKYPE constante dos autos a fls. 300 a 310.
Bem como do teor dos relatórios periciais:
- relatório de exame do Laboratório de Polícia Cientifica da Polícia Judiciária de fls. 169 a 171;
- relatório de exame do Sector de Telecomunicações e Informática da Polícia Judiciária de fls. 191, gravado no DVD de fls. 192;
- relatório de análise forense do Sector de Telecomunicações e Informática da Polícia Judiciária de fls. 262 e 263, com as fotografias de fls. 264, 265 e 267 a 297, gravado no DVD de fls. 266.
Assim, da conjugação da prova produzida, o Tribunal formou convicção, designadamente, tendo em conta o número de dispositivos/mecanismos electrónicos apreendidos, as acções de clonagem de dados de cartões bancários já confirmadas pela PAYWATCH, que os dois arguidos se dedicavam à cópia de dados de cartões bancários e que integravam uma rede transnacional que se dedica a actividade de duplicação/contrafacção e posterior utilização fraudulenta de cartões bancários.
*
O tribunal valorou, também, o teor dos relatórios socias elaborados pela DGRS relativamente à situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos, bem como as suas declarações, para além do teor dos certificados de registo criminal junto aos autos.
*
Relativamente ao dolo dos arguidos, o tribunal baseou a sua convicção na generalidade da prova produzida, designadamente, na confissão dos arguidos, analisada em função de critérios de normalidade, decorrentes das regras da experiência.
*
(…)

O RECURSO DOS ARGUIDOS:-

O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. art. 428º, do CPP.
É consabido que as conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respectivo objecto – cfr. arts. 402º, 403º e 412º, todos do CPP.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº 2, do art. 410º, do CPP, mas tão-só quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr.Ac. do STJ nº 7/95 – in DR I s., de 28/12/1995, em interpretação obrigatória, ainda hoje actual); ainda das nulidades principais, como tal “taxadas” por lei.

Dito isto alcança-se que os Recorrentes sindicam o Acórdão recorrido nas seguintes vertentes:-

- Vícios da decisão (contradição insanável entre a fundamentação de facto e decisão);
- Subsunção jurídica (com apelo à motivação), em termos de ausência de concurso real quanto aos dois crimes em presença;
- Escolha e medida das penas (parcelares e resultante do cúmulo jurídico);
- Questão da suspensão da execução da pena de prisão.

X

Vejamos:-

Na síntese feita pelo STJ (cfr. CPP Anot., Leal Henriques e Simas Santos – II vol., pags. 738 a 741) ali se diz o seguinte:-

O vício da insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada ocorre quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o Tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que “essa matéria de facto” não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso concreto; no cumprimento do dever de descoberta da verdade material (art. 340º, do CPP), podendo e devendo ter ido mais longe, o Tribunal não curou de indagar factos essenciais que se prendem com a subsunção jurídica ou medida da pena, ou de ambas.

O vício da contradição insanável entre a fundamentação ou entre esta e a decisão ocorre quando, de acordo com um raciocínio lógico seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão insanável entre os fundamentos invocados.

Por sua vez, o vício do erro notório na apreciação da prova (cfr.art. 410º nº 2, al. c), do CPP), devendo ser patente ao homem comum, existe, …” quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado…ou quando usando de um processo racional e lógico se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica e arbitrária, contraditória ou notoriamente violadoras das regras da experiência comum, ou ainda quando se violam regras sobre provas vinculadas ou das “legisartis”… (cfr. Ac. do STJ de 2/06/99 – proc. Nº 288/99).

No caso em apreço e sob as roupagens da existência de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (com reflexo no direito em sede de dosimetrapenal) assim qualificado pelos Recorrentes certo é que da matéria de facto não se vislumbra em termos de FACTO qualquer contradição entre “premissas” (no que pudesse envolver contradição insanável entre fundamentação, ou entre estas e a “conclusão”); salvo o devido respeito, basta uma leitura necessariamente atenta da fundamentação de facto e da decisão para concluir precisamente o contrário do alegado vício.

Com efeito do que se trata é que os Recorrentes não concordam com (parte) da matéria de facto julgada e dada como provada, aduzindo outra proposta de julgamento em matéria de facto, lançando-se mão de meios de prova e interpretação probatória restritivas e mui parcelares, conducentes a uma convicção diversa da alcançada pelos Julgadores.

E isto com o propósito de se verem condenados apenas pela prática do crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3º ns. 1 e 2, da Lei nº 109/2009, que não pelo crime contrafacção de moeda (arts. 262 nº 1 e 267 nº 1, al. c), do C. Penal).
Nesta matéria é fatal a improcedência do recurso.

X

Vejamos então quanto ao recurso da matéria de facto na dita vertente:-

Em termos genéricos:-

Como se sabe, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:
• no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;
• ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência (cfr. Ac. do STJ de 05/06/08, proc. 06P3649; Ac. do STJ de 14/05/09, proc. 1182/06.3PAALM.S1,www.dgsi.pt).
Relativamente aos vícios previstos no artigo 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, importa considerar que o vício previsto na alínea c) se verifica quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, melhor, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar (cfr. Ac. STJ de 2/10/96, proc. 045267, www.dgsi.pt). Trata-se, pois, de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
Na impugnação ampla impõe-se ao recorrente o dever de especificar os «concretos» pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as «concretas» provas que impõem decisão diversa. Este ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados e em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa e em que sentido devia ter sido a decisão.
Este modo de impugnação não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, ou seja, não pressupõe uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados (cfr. Ac. do STJ de 29/10/08, proc. 07P1016 e Ac. do STJ de 20/11/08, proc. 08P3269, www.dgsi.pt).
Neste contexto, as indicações exigidas no artigo 412.º n.º 3 e 4 do Código Processo Penal são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto (cfr. Ac. STJ de 19/05/2010, proc.696/05.7TAVCD.S1, www.dgsi.pt).
De harmonia com a jurisprudência fixada pelo STJ no Acórdão 8 de Março de 2012 (proc. 147/06.0GASJO.P1-A.S1, www.dgsi.pt), «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

CONCRETIZANDO:-

Em sede de matéria de facto os Recorrentes limitam-se a discordar da valoração probatória e interpretação da mesma que o Tribunal “a quo” alcançou.

E nesta matéria, o recurso não deixa de ser também fatalmente improcedente.

Ora, para além de remetermos para o douto Acórdão em sede da “Motivação da decisão de facto”, não deixamos de aditar (seguindo de perto e a espaços o que doutamente respondeu o MP) o seguinte:-
É verdade que os Recorrentes, em sede de audiência, não deixaram de assumir a factualidade provada e que se prende com a prática dos factos atinentes à caixa ATM da Agência do J…, sita na Rua …, nº … – Porto – levada a cabo em 26/09/2013.
No entanto tal parcelar confissão tem um valor mui diminuto; com efeito, os Recorrentes limitaram-se a assumir aquilo que resulta por evidente, na medida em que como bem consta a detenção dos Recorrentes ocorreu em flagrante delito, tendo sido surpreendidos pelos elementos da PJ, em sequência da vigilância que vinha sendo efectuada e já compreendida na investigação à actividade criminosa que vinha sendo desenvolvida pelos Recorrentes, ora arguidos.
E é igualmente certo e seguro probatoriamente que a PAYWATCH (SIBS – ForwardPaymentSolutions – empresa que em Portugal é responsável pela prevenção e detecção de fraude em meios de pagamento), já havia comunicado a utilização de um “cartão régua” na referida ATM do J…, cartão esse também já utilizado, entre os dias 22 e 26 de Setembro de 2013, nas caixas multibanco experiores (ATM,s) da Agência da H…, sita na …, nº … – Porto e Agência do I…, sita na Rua … – Porto.
Acresce que após a detenção dos arguidos-Recorrentes, para além dos mecanismos utilizados por aqueles na caixa ATM do J…, veio a ser encontrado, quer na varanda do quarto nº … do M…, sito no Porto, onde estavam hospedados, quer no interior do cacifo nº ., da N…, muito material que utilizaram nas acções de clonagem de cartões bancários, incluindo uma agenda que continha, para além do mais, instruções relativas ao procedimento a seguir para a colocação dos dispositivos e quanto ao meio de comunicação a utilizar, no caso o SKYPE.
Como é evidente (cfr. manancial probatório e inferências decorrentes das regras normais da experiência da vida) o verdadeiro arsenal de material encontrado, não só se destinava como foi mesmo utilizado pelos Recorrentes de forma concertada na concretização de plano de captura, cópia e armazenamento de dados de cartões bancários e respectivos códigos secretos em ATM,s com características e em simultâneo.
Dados esses posteriormente inseridos em cartões de plástico, tipo cartão bancário, como objectivo de não só os utilizarem, como de facultarem o seu uso a terceiros com quem estavam conluiados.
Ainda de notar que tais cartões permitiram o acesso às contas bancárias associadas aos dados introduzidos nos mesmos, através de movimentos e levantamentos de dinheiro pertencente aos legítimos titulares dos cartões bancários copiados.
Ainda de notar que a actividade criminosa dos arguidos não se limitava ao território português e, bem assim que outros indivíduos não identificados também estavam ligados ao plano gizado, o que resulta dos pontos 30 a 34 da matéria de facto dada como provada e que não foi especificadamente impugnada.
Com efeito, aí resulta que quatro cartões, um dos quais de crédito, foram fraudulentamente utilizados nos Estados Unidos da América (EUA), que demonstra, por elementar inferência e sem dúvidas, até onde se estendia a actividade criminosa dos arguidos e, bem assim, o envolvimento de outros indivíduos nessa actividade.
Diz ainda (e com todo o acerto o Ilustre Magistrado do MP na 1ª instância) que …” para se ter uma ideia mais precisa da grandeza dessa actividade, basta ter em consideração que foram utilizados dados relativos a 830 (oitocentos e trinta) cartões bancários, de débito e de crédito – cfr. ponto 37 dos factos provados que não vem impugnado especificadamente.
E só a pronta e eficaz actuação da PJ evitou a continuação do périplo criminoso dos arguidos.
Ora, toda a matéria de facto provada assentou da análise global, crítica e objectiva do manancial probatório expendido no Acórdão recorrido, como bem acima consta – e da sua conjugação; prova documental; material apreendido; contributos testemunhais credíveis de X…, V…, Y… e U….
Também não restando dúvidas, até pela verificação feita pela Paywatch, do envolvimento dos arguidos na prática de todos os factos provados e não apenas no “acto confessado”, uma vez que o “modus operandi” e dispositivos utilizados em todas as situações eram idênticos, tudo tendo em conta elementares regras da experiência comum.

Daqui resulta que entendemos falecer por completo razão aos Recorrentes nesta sede, considerando que a matéria de facto provada tem que se ter por ASSENTE.

X

A questão da subsunção jurídica:-

A 1ª instância expressou-se assim:-
(…)
Os arguidos vêm acusados da prática, em co-autoria material e em concurso efectivo, de um crime de contrafacção de moeda, previsto e punido pelos artigos 262º, nº 1 e 267º, nº 1, alínea c), do Código Penal e de um crime de falsidade Informática, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 e 2, da Lei nº 109/2009, de 15/09.
Preceitua o art. 262.º, n.º 1, do Cód. Penal, que “quem praticar contrafacção de moeda, com a intenção de a pôr em circulação como legítima, é punido com prisão de 3 a 12 anos”.
Como é óbvio, a convocação deste normativo, na situação dos autos, não decorre tanto da ideia clássica que comummente se associa à moeda, seja ela metálica ou em papel, mas antes, daquela outra que a concebe mais genericamente como “todo o meio geral e definitivo de pagamentos que goza de curso legal, quer dizer, a que o Estado ou outra entidade por ele autorizada confere capacidade liberatória universal imediata e, portanto, salvo convenção das partes em contrário, não pode ser recusado na aquisição de bens e serviços ou no cumprimento de quaisquer dívidas” – assim Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Parte Especial, T.2, pág.ª 739 – e de um modo mais concreto, a que decorre da equiparação dos cartões crédito a moeda, operada pelo art. 267.º, n.º1, al. c), daquele Código.
O crime de falsidade informática estatui o art. 3.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 o seguinte:
“1. Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão ate 5 anos ou com multa de 120 a 600 dias.
2. Quando as acções descritas no número anterior incidirem sobre os dados registados ou incorporados em cartão bancário de pagamento ou em qualquer outro dispositivo que permita o acesso a sistema ou meio de pagamento, a sistema de comunicações ou a serviço de acesso condicionado, a pena é de 1 a 5 anos de prisão.
3. Quem, actuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um beneficio ilegítimo, para si ou para terceiro, usar documento produzido a partir de dados informáticos que foram objecto dos actos referidos no n.º 1 ou cartão ou outro dispositivo no qual se encontrem registados ou incorporados os dados objecto dos actos referidos no número anterior, é punido com as penas previstas num a noutro número, respectivamente”.
O bem jurídico protegido nos crimes de moeda falsa tem sido colocado, entre nós, quer na “confiança ou fé pública na moeda”(cfr. Prof. Beleza dos Santos, in RLJ , 64, 275/276 , 290/291 e 305/307 ) quer na “segurança e funcionalidade (operacionalidade) do tráfego monetário ou em ambos ”(Cfr.Almeida Costa, in Comentário Conimbricense do Código de Processo Penal , II , 739) , falando-se também na “pureza ou autenticidade do sistema monetário”, ou mais explicitamente na “ integridade ou intangibilidade do sistema monetário em si mesmo considerado ( cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal , II , 749) , no interesse público da genuinidade respectiva de que é garante e nele encabeça o banco emissor .
Assim, tendo em conta a factualidade provada, a prática em comparticipação pelos dois arguidos com quem terá fabricado o cartão, basta a interferência na banda magnética do cartão de crédito consubstancia um crime de contrafacção de título equiparado a moeda atenta a sua natureza de crime comum, mesmo quando o cartão de crédito verdadeiro tenha sido clonado em Portugal e o cartão falso fabricado e utilizado nos EUA, como foi o caso do cartão de crédito do Q… n.° ……………., copiado para outro cartão que foi utilizado no dia 26 de Outubro de 2013, nos EUA.
Assim sendo, praticaram os arguidos um crime de “contrafacção de moeda falsa”, p. e p. pelos artigos 262º, nº 1, e 267º, nº 1, al. c), do Código Penal.
Relativamente ao crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, da Lei 109/2009 de 15.09.
A Lei 109/2009, apelidada de Lei do Cibercrime, transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, relativa a ataques contra sistemas de informação, adaptando o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa.” O bem jurídico que este ilícito pretende acautelar é a integridade dos sistemas de informação, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, 30-06-2011, processo nº TRL189/09.3JASTB.L1-5, Relator FILOMENA LIMA, in www.dgsi.pt
Dados informáticos são qualquer representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma susceptível de processamento num sistema informático, incluindo os programas aptos a fazerem um sistema informático executar uma função – alínea b), do artigo 2.º da Lei 109/2009.
Aqui, o bem jurídico que se pretende defender é a integridade dos sistemas de informação, pretendendo-se impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados - Preâmbulo da Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, in DR I.ª Série A, 15-09-2009.
Cada vez mais a sociedade actual depende da utilização de sistemas informáticos, os quais contém informação sobre todos os elementos da vida de cada um e ao mesmo tempo que a sua utilização se tornou banal e mesmo “vital” para cada um dos cidadãos.
A interferência por qualquer meio nessa informação implicará graves danos para os cidadãos visados, que se podem traduzir na violação dos seus direitos patrimoniais, mas em primeira linha são uma violação aos seus direitos humanos, nomeadamente ao seu direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 8.º da Convenção de Direitos do Homem do Conselho da Europa). Por outro lado, tais interferências são extraordinariamente difíceis de controlar, por parte do próprio e mesmo do Estado.”
No presente caso, os arguidos ao actuarem nos termos descritos na matéria provada em 1 a 10, estavam a actuar com intenção de provocar engano nas relações jurídicas e de provocar e causar prejuízo a outrem e de obter um benefício ilegítimo, para si.
Assim sendo, praticaram os arguidos um crime de falsidade informática, p. e p. pelos artigos 3º, nºs 1 e 2, da Lei 109/2009 de 15.09.
(…)
Não merece qualquer censura a subsunção jurídica e a consequente conclusão pelo cometimento pelos dois crimes em presença e em concurso real, com co-autoria material.
Em suma:-
Os arguidos praticaram crime de falsidade informática porque, ao actuar como actuaram, puseram em causa a integridade e fiabilidade dos sistemas de informação, afectando a confidencialidade e disponibilidade de dados informáticos.
Sendo que (como mais uma vez bem anota o MP), …como nos parece evidente, o facto de o nº 2 do art. 3º da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, se fazer referência aos dados registados ou incorporados em cartão bancário, não significa que a utilização de um cartão de crédito falsificado não integre ainda a prática de outro crime, mais concretamente o p. p. nos termos dos arts. 262º nº 1 e 267º nº 1, al. c), do CP.
E continua-se, citando o Comentário do CP – Paulo Pinto de Albuquerque, pags. 685, 691 e 692:-
O cartão de crédito é equiparado a moeda e, sendo o bem jurídico protegido pela incriminação, no que toca à contrafacção de moeda, a intangibilidade do sistema monetário, incluindo a segurança e credibilidade do tráfico monetário, a protecção da secção na qual aquela norma se integra, estende-se, para além do mais, ao cartão de crédito.

Assim, a interferência na banda magnética do cartão de crédito consubstancia um crime de contrafacção de título equiparado a moeda, mesmo quando o cartão de crédito verdadeiro e o cartão falso apresentem dissemelhanças externas, mas o cartão falso desencadeou o funcionamento do sistema informático através do terminal de POS.
(…)

Conclui-se assim que também aqui improcede claramente o recurso.

X

Quanto às penas (dosimetria das penas parcelares; pena única; instituto da suspensão da execução da pena:-

No que toca a dosimetria das penas, é sabido que, nos termos do artigo 71.º, n.º2 do Código Penal, a determinação da medida da pena deve respeitar os limites impostos por lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, consideradas as finalidade das penas indicada no artigo 40.º, do mesmo diploma legal, e há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, possam depor a favor do agente ou depor contra ele.
Assim, será de ponderar na determinação concreta da pena, além do mais, os graus de culpa e ilicitude, a intensidade dolosa, as consequências gravosas do acto, o comportamento anterior e posterior ao facto, as condições pessoais do agente, as exigências de reprovação e prevenção criminal (artigo 71.º n.º2 do Código Penal).
O art. 70º, do CP do C. Penal preceitua que “ Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O art. 40º ns. 1 e 2, do C. Penal refere que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Por sua vez, o art. 71º, do C. Penal estabelece que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo, ainda, conforme o nº 2 deste preceito legal, atender-se às circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as aí enumeradas
- o grau de ilicitude do facto, modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;
- intensidade do dolo;
- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando destinada a reparar as consequências do crime;
- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias (cfr. Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1988, pag. 255), “Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (em sentido estrito, ou de “determinação concreta”…) da pena. E mais adiante: “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa” (ob. cit., pag. 279).
No dizer de Anabela Rodrigues (in O Modelo de Prevenção na determinação da medida concreta da pena – RDCC, 12, 2, Abril/Junho /2002”, …” Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de sociabilização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome das exigências preventivas. É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposto pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça – cfr. Ac. de 28/04/2010 – in www.dgsi.pt., (…)…nos termos do art. 71.º, n.º 1, do CP, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Toda a pena tem, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, não havendo pena sem culpa – nullapoena sine culpa.
Mas, por outro lado, a culpa constitui também o limite máximo da pena (cf. Ac STJ de 26-10-2000, Proc. n.º 2528/00 - 3.ª Secção): “a culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura que funciona, a um tempo, como um fundamento e um limite inultrapassável da medida da pena”.
Com o recurso à prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos. Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências da socialização (ou ressocialização) do agente delitivo em ordem a uma sua integração digna no meio social – cf. Ac. STJ, supra citado.

X

Escreveu-se no douto Ac. do STJ de 5/07/2012 in www.dgsi.pt:-
(…)

I - Os arts. 77.º e 78.º do CP regem sobre a punição do concurso de crimes, de pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo arguido, situações de concurso real ou efectivo de crimes, praticados durante certo lapso de tempo; a diferença entre um e outro está apenas no «timing» da cognição dessas condutas delitivas e da intervenção do sistema punitivo.

II - No caso do art. 77.º do CP o conhecimento da pluralidade de crimes é actual, contemporâneo do julgamento dos crimes em concurso, imediatamente apreensível; a pluralidade de infracções emerge da própria descrição/enumeração dos factos provados, em que a cada um se soma outro; emerge da fundamentação de facto; trata-se de uma confecção de pena de síntese, da elaboração de uma pena única, feita ao momento, ao vivo e em directo, em sequência do julgamento, em que os ingredientes de facto estão presentes e disponíveis e onde foi o próprio tribunal que fixou a matéria de facto que vai fixar a pena conjunta, como mais uma fase sequencial. Nesses casos, admite-se por suficiente que a fundamentação da pena única seja feita por remissão para o segmento imediatamente anterior, no implícito desenvolvimento do anteriormente explanado.

III - Muito diversamente, no caso do cúmulo jurídico feito ao abrigo do disposto no art. 78.º do CP, estamos em presença de uma elaboração de cúmulo tardia, efectuada ao retardador, subsequente, correspondendo à punição de uma situação de pluralidade de infracções que se encontram em concurso real e de condenações, que se sucederam, no desconhecimento uma das outras. Só nestes casos se alude à necessidade, se bem que de forma sintética, de uma (autónoma) fundamentação de facto, de modo a perceber as ligações e conexões entre os factos praticados em épocas diferentes e julgadas separadamente em outros processos, de forma a ter-se uma imagem global do facto, a alcançar uma ideia mais concretizada do ilícito global.
(…)
Ainda como consta da fundamentação do douto Ac. do STJ de 22/01/2013 ( m- site):-
(…)
A medida da pena única em caso de concurso de infracções é extraída a partir de uma nova moldura penal tendo como pressupostos os factos considerados no seu conjunto e a personalidade do agente e como seus limites materiais os fixados no art.º 77.º n.º 2, do CP, mas que não se reconduz a uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível, segundo Iescheck, RPCC, Ano XVI, 155 -antes repousando numa valoração global dos factos, nos quais se espelha a sua personalidade

Quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que (esteve) na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido”_cfr. Ac. deste STJ, de 27-06-2012, Proc. n.º 70/07.0JBLSB-D.S1 - 3.ª Secção
O julgador fixa a pena não em função de um mero somatório das penas aplicadas, de uma forma mecânica e rotineira, mas de um modo elaborado, construído “ex novo”, procurando reconstituir a imagem global do facto, com ligação à personalidade do agente , descortinando , o que releva para aquela retratar , se a conduta delituosa é fruto de uma desconformidade enraizada na sua pessoa contra o direito , se ele por sistema o ostraciza , ou se, pelo contrário, o crime é um comportamento desviante , porém um acto acidental, no percurso vital , não correspondendo de modo algum ao seu modo de coexistência, na observância regra de padrões comunitários.
(…)
Ainda entendemos por relevante dizer o seguinte:-

Na determinação da pena conjunta não poderá deixar de ter também em conta a medida da culpa e as exigências de prevenção (geral e especial).

Diferença há na moldura penal que, no concurso de crimes é a que resulta das penas judiciais. Sendo no limite mínimo balizada pela pena parcelar mais elevada e o máximo pela soma material das penas parcelares aplicadas –vd. art. 77 n.º 2 do CP.
E há ainda um critério especial: que sejam “considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de concurso de crimes e de cúmulo jurídico de penas, é de concluir que o agente é punido, pelos factos individualmente praticados, mas não como um mero somatório, em visão atomística, antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências de culpa e de prevenção, tanto geral como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (prevenção especial de socialização) –J. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 290-292.
A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

Concretizando:-

As molduras penais abstractas, quanto ao crime de contrafacção de moeda, p. e p. pelos arts. 262º nº 1 e 267, nº 1, al. c), do CP – 3 a 12 anos de prisão; para o crime de falsidade informática, p nº art. 3º ns. 1 e 2, da Lei nº 109/2009, de 15/09 – 1 a 5 anos de prisão.
O Tribunal “a quo” aplicou para o primeiro dos crimes a pena de 3 anos e 6 meses de prisão; quanto ao segundo a pena de 2 anos de prisão.
E aplicou a pena única de 4 anos de prisão efectiva para cada um dos arguidos, não aplicando o instituto da suspensão da execução da pena.

E fundamentou da seguinte forma:-
(…)
A prática destes crimes vem ocorrendo com frequência crescente, potenciada pela cada vez maior divulgação das tecnologias informáticas.
Tal actividade criminosa vem sendo assumida quase sempre por grupos que operam de forma organizada e a escala transnacional, conforme sucede manifestamente no caso em presença.
A frequência com que tais práticas tem lugar, a sua danosidade e a dificuldade muitas vezes experimentada pelas autoridades na oportuna descoberta a detenção dos seus agentes faz com que com que as exigências de prevenção geral se apresentem, relativamente às evocadas condutas, com grande intensidade (…)”.
A conduta traduzida em forjar a subsequente utilização de cartões bancários é grave em termos de ilicitude, uma vez que permite o desenrolar de transacções comerciais que tem na sua base o recurso a valores monetários de contas a revelia dos respectivos titulares, com o prejuízo imediato consequente para estes a mediato para as entidades bancárias e para o normal desenvolvimento das relações comerciais.
Ao nível do dolo, este foi intenso, porquanto, não só directo, mas também por que se mostra concretamente acentuado, em virtude da sofisticação da sua actuação, que é reveladora de planeamento a reflexão sobre os meios utilizados.
Militou a favor dos arguidos o facto de não terem antecedentes criminais em Portugal e a confissão foi parcial e não assumiu contornos de grande relevância, porquanto apenas assumiram as operações que antecederam a sua detenção.
Ao nível das condições pessoais, antes de presos, os arguidos apresentavam deficiências a nível do respectivo enquadramento laboral assim como um nível de integração social com falhas, porém, os arguidos têm família no país de origem que os acolhem.
Tendo em conta também, que a apontada actuação concentrou-se em poucos dias, de 22 a 26 de Setembro de 2013, consideramos adequada a aplicação pela prática do indicado crime de contrafacção de título equiparado a moeda falsa p. e p. pelos art.ºs 262.º, n.º 1 e 267.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão e para o crime de falsidade informática a pena de 2 anos de prisão.
Nesta conformidade, haverá realizar os respectivos cúmulos jurídicos.
Em termos de molduras abstractas, oscila entre o limite mínimo de 3 anos e 6 meses de prisão e o limite máximo de 5 anos e 6 meses.
Atendendo ao conjunto dos factos disponíveis, que à falta de outros elementos nada permite filiá-los numa qualquer “carreira” criminal, mas que corresponde a uma actuação manifestamente danosa em termos de perigo potencial, não houve prejuízos efectivamente causados face à intervenção das autoridades, concorrendo a ausência de uma verdadeira consciência crítica sobre o mal dos factos praticados, e descontando-se o carácter realmente confinado no tempo em que a mesma se realizou, entendemos adequada a aplicação da seguinte pena única de 4 anos de prisão.
*
Impõe-se, agora, determinar se é caso de substituir a pena de prisão por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
Entre as medidas não detentivas há então que ponderar, a suspensão da execução da prisão, v.g. sujeita ao cumprimento de obrigações e/ou de regras de conduta ou até complementada com o regime de prova (arts. 50º a 54º do CP).
Impõe-se, assim, abordar a questão da suspensão da execução da pena, à luz do disposto no disposto no artº 50°, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, o qual dispõe que:
“O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições das circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Trata-se, aqui, de um (novo) regime de suspensão da execução da pena que se analisa, agora, em um verdadeiro poder vinculado do julgador conforme vem o S.T.J. decidindo, não são considerações de culpa que deverá decretá-la sempre que se encontrem reunidos tais pressupostos interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
Efectivamente, o que se consagra naquele texto legal é nem mais nem menos do que “…um meio em si mesmo autónomo de reacção jurídica criminal, configurado como pena de substituição, que se baseia em juízo de prognose favorável ao condenado desde que não fiquem prejudicadas as finalidades da punição” (Sá Pereira e Alexandre Lafayette, in Código Penal, Anotado e Comentado, QuidJuris, 2008, 179).
Ora, em face de tudo, já se pôs em relevo, ou seja, os crimes em causa têm uma grande exigência de prevenção geral e, por outro lado, os arguidos actuaram no âmbito de um grupo transnacional pelo que a nível de prevenção especial não podemos fazer uma prognose favorável, pois que se trata de condutas enquadráveis no fenómeno que se já se convencionou denominar de “turismo criminal”. Assim, afigura-se-nos claro, que tais circunstâncias constituem factos que não permitem elaborar o prognóstico de que a simples censura pública e solene do seu crime e a ameaça da execução da pena de prisão bastarão para os afastar da criminalidade e satisfazer ao mesmo tempo as necessidades concretas de reprovação dos seus crimes e de prevenção de outros, sendo que tais factos afastam completamente a possibilidade de suspensão da pena de prisão.
(…)

Concordamos plenamente.

Note-se que o caso entendemos a “confissão parcial” de diminuto relevo, pois que os arguidos foram detidos em flagrante delito.
Depois, importa referir que mau grado a ausência de antecedentes criminais conhecidos dos arguidos são mui prementes as exigências, sobremaneira, de prevenção geral no caso em apreço.
As “justas expectativas da comunidade” e a “imagem global do facto” apontam, sem dúvida para a aplicação de penas de prisão efectivas e também pela aplicação de uma pena única de prisão efectiva, face a tudo o supre dito e às referências às Fontes de Direito acima citadas.
O dolo é intenso porque directo e com sofisticação da actuação dos arguidos, com planeamento e reflexão sobre os meios utilizados.
Estamos em presença de criminalidade que opera em grupos, de forma organizada e a uma escala transnacional; a actuação dos arguidos á manifestamente danosa em termos de perigo potencia e só não continuou por via da actuação da entidade policial.
Mau grado a primodelinquência dos arguidos as prementes exigências de prevenção geral afastam sem dúvida a aplicação do instituto da execução da pena de prisão que os Recorrentes defendem.

Em suma, o recurso dos arguidos é totalmente improcedente e o Acórdão recorrido merece total confirmação.
XXX

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso dos arguidos, confirmando totalmente o douto Acórdão recorrido.

Cada um dos arguidos pagará 8 Ucs de taxa de justiça.

Comunique à 1ª instância (cfr.art. 215º, do CPP).

PORTO, 17/09/2014
Coelho Vieira
Borges Martins