Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1/10.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS FINANCEIROS
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP201902261/10.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 875, FLS.200-231)
Área Temática: .
Sumário: I - Na área bancária o dever de informação tem um carácter acentuado, visando a proteção da parte débil na relação contratual, sendo que aqui a fraqueza apura-se pela falta de conhecimento e de experiência do utente do banco ou pela ausência de liberdade e em que a proteção da parte mais fraca se efetiva através de particulares deveres de informação e esclarecimento, a cargo da parte forte;
II - Se o banco, através do seu funcionário, não fornece ao cliente, antes da sua aquisição, qualquer informação sobre a natureza e os riscos do produto financeiro em causa – papel comercial da H… – ocorre violação dos deveres de informação que sobre ele impendiam.
III - Para que ocorra nexo de causalidade entre a atuação do banco, que violou os deveres de informação e o dano que o cliente sofreu, basta que a factualidade dada como assente permita formular um juízo de grande probabilidade no sentido de que este não teria subscrito o produto financeiro se o dever de informação tivesse sido cumprido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1/10.0 TVPRT.P1
Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 1
Apelação
Recorrente: “Banco B…, S.A.”
Recorridos: C… e mulher D….
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Os autores C… e D… vieram propor a presente ação a seguir a forma de processo ordinário contra os réus “E…, S.A.”, “E1…, S.A.”, “F…, S.A.”, G…, S.A., e H…, S.A.”, alegando que por conselho de I…, funcionário do E… que já antes conheciam por ter sido funcionário de outro banco de que eram clientes, aceitaram abrir contas à ordem no referido Banco, para onde transferiram parte do seu dinheiro passando, desde então o referido funcionário a deslocar-se a casa dos autores onde recolhia assinaturas, levantava dinheiro para depósito e dava conta dos investimentos feitos. Dada a confiança que nele depositavam e os anos de relação bancária que tiveram por intermédio do mesmo neste e noutro banco, aceitaram investir algumas das suas poupanças num fundo imobiliário, depósitos a prazo e outras aplicações financeiras que o referido funcionário recomendava e que sempre se revelaram rentáveis e seguros até que, em 2008, sem que nenhum dos autores o tivesse ordenado, o referido funcionário resgatou as unidades de participação que ambos tinham num fundo imobiliário e comprou papel comercial da H… em nome do autor marido no valor de 650.000,00€ e em nome da autora mulher o valor de 100.000,00€. Alegam que só posteriormente o referido funcionário lhe comunicou tais operações dizendo tratar-se de um produto novo do E… sem qualquer risco no reembolso do capital e no pagamento dos juros, que se venceria em 22.2.2009. Mais aconselhou os autores, então, a investir noutro produto similar que o Banco iria ter à disposição no final de Fevereiro de 2008, garantindo tratar-se também de aplicação sem riscos. Em consequência o autor marido aceitou investir 50.156,00€ em Papel Comercial J…, não sabendo nem lhe tendo sido explicado o tipo de produto em causa. Após as notícias da nacionalização do Banco o autor marido teria questionado o funcionário em causa sobre o risco de não reembolso do capital investido pelos autores tendo sido tranquilizado que estava garantido pelo banco o pagamento do capital e dos juros como se de um depósito a prazo se tratasse. Alegam ainda que aquando do vencimento do referido papel comercial em 22.2.2009 o Banco nada creditou aos autores e que até Maio desse ano, em diferentes datas, creditou 14.791,22€, 14.768,00€, 2.275,00€, 58,00€ e 2.272,00€ nada mais tendo sido pago até hoje.
Sustentam que se tratam de investidores não qualificados e que não foram devidamente informados sobre os produtos recomendados e aplicados pelo Banco, que este sempre soube que preferiam investimentos seguros do tipo de depósitos a prazo e que os investimentos feitos foram de risco e sem o seu prévio aconselhamento e autorização. Alegam também as relações de domínio/grupo entre as várias rés para justificar a sua demanda conjunta e o prévio conhecimento, por parte de todas, do risco inerente ao papel comercial H…, dada a situação desta empresa do grupo que apenas internamente era conhecida.
Pedem o pagamento dos valores que lhes deviam ter sido creditados em 22.2.2009, acrescidos de juros vencidos num total pedido de 785.263,20€.
Devidamente citadas todas as rés contestaram impugnando os factos alegados pelos autores como causa de pedir.
Por força de sucessivas declarações de insolvência das rés “F…, S.A.”, G…, S.A.” e “H…, S.A e a desistência do pedido quanto à ré “E1…, SA” importa relevar apenas a defesa apresentada pelo único réu contra quem a ação prossegue.
Ora, o réu “Banco B…, SA” alega que o autor marido tinha conhecimentos sobre aplicações e produtos financeiros muito superiores ao comum, que o Banco não previu nem tinha como prever o que viria a suceder com a emitente do papel comercial em causa (facto a que se diz alheio e inteiramente decorrente de posterior decisão de nacionalização do Banco), que a venda deste nos seus balcões foi decisão da F… que detinha 100% do seu capital e que o funcionário do réu que fez as aquisições em nome dos autores agiu em estrito cumprimento das ordens deste. Sustenta que os autores sempre lhe deram “carta branca” para aplicar o seu dinheiro privilegiando a rentabilidade sem descurar a segurança. Defende, ainda, que o papel comercial H… revestia tais características, quer por força do sucesso das emissões anteriores quer por se tratar de empresa do mesmo grupo do Banco que revelava, à data, solidez. Finalmente alega ter sido previamente prestada aos autores toda a informação necessária à tomada de decisão de aquisição relativa ao produto e entidade emitente e que os mesmos mantiveram sempre tal papel comercial jamais tendo pretendido vender tais títulos.
Os autores apresentaram réplica.
Foi proferido despacho saneador e ordenada a apensação aos autos do processo 170/11.2TVPRT para efeitos de julgamento conjunto bem como reformulado o despacho saneador em função de algumas reclamações a ele feitas e de documentos entretanto juntos aos autos a pedido das partes.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Foi depois proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o réu a pagar aos autores a quantia de 750.000,00€, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 12.6.2009 e até efetivo e integral pagamento.
Inconformado com o decidido, o réu “Banco B…, SA” interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Existe manifesta contradição entre a matéria dada por provada no nº 103 da decisão recorrida e a constante da al. m) dos Factos não Provados.
2. Existe igualmente manifesta contradição entre a matéria dada por provada nos nºs 113, 116 e 117 da decisão recorrida e a constante das als. ii), jj) e kk) dos Factos não Provados.
3. Tais contradições, uma vez que os autos contêm todos os elementos que permitem a sua ultrapassagem, deverão ser resolvidas pela análise da prova produzida, e, com base nela, a matéria de facto descrita nos nºs 103, 113, 116 e 117 deverá ser dada como não provada.
4. A matéria descrita no nº 31 da decisão recorrida, de acordo com a prova produzida nos autos, deverá ser dada como não provada.
5. E a matéria descrita sob os nºs 28, 29 e 35 deverá, também conforme a prova produzida, passar a ter a redacção seguinte:
“28. Com data de 04.06.2003, o autor marido, através do referido funcionário I…, aplicou cerca de €40.000,00 num, fundo imobiliário E…, SA, chamado Fundo de Investimento E2…, subscrevendo 7.050 unidades de participação;
29. Aplicação essa que o mesmo funcionário veio a assegurar ser segura, quer quanto capital, pois o fundo pertencia ao banco, quer quanto ao juro, por assegurar uma rentabilidade um pouco superior à resultante das taxas que o E…, SA praticava para os depósitos a prazo;
35. Através do funcionário I…, o autor marido aplicou em 19.01.2005 €11.466,77 no fundo imobiliário referido em 29., subscrevendo 1.880 unidades de participação.”
6. A matéria descrita sob o nº 38 deverá ser tida como não escrita, pelo facto de o seu conteúdo se traduzir exclusivamente numa referência, inverídica e legalmente impossíveis, a características legais do produto financeiro denominado fundos de investimento imobiliário, e atinentes à determinação do seu valor e rentabilidade.
7. A não se entender assim, sempre tal matéria deveria ser dada como não provada, porque não referida nem confirmada por qualquer prova constante dos autos.
8. E, pela prova produzida e constante dos autos, a matéria descrita sob os nºs 41 e 56 deverá passar a ter a redacção seguinte:
“41. A autora mulher aplicou-os no mesmo fundo imobiliário do E…, SA.
56. A partir de 04.05.2006 e até 06.02.2008, a autora mulher manteve as suas poupanças aplicadas no Fundo de Investimento Imobiliário referido em 41., com o valor de €112.643,90 (em 06.02.2008)“.
9. A matéria descrita nos nºs 74, 75 e 76 da decisão recorrida, por total ausência de prova, deverá ser dada como não provada.
10. Ainda de acordo com a prova produzida, deverá ser expurgada da matéria factual descrita no nº 85 a frase “a conselho e recomendação dele “, devendo a sua redacção passar a ser a seguinte:
“ Em Novembro de 2008, quando veio a público a notícia da nacionalização do E…, o Autor marido interrogou o referido I… acerca das consequências desse facto ao nível do risco de (não) reembolso dos valores depositados e investidos por si e pela sua mulher.”
11. No que toca à matéria do nº 91, e de acordo com a prova produzida, deverá ser alterada a sua redacção com a eliminação da referência à garantia de capital e juros, passando a ser a seguinte:
“A informação interna do banco e a consciência que o funcionário I… tinha quando efectuou as operações de aquisição em nome do Autores era de que o papel comercial H… adquirido pelos Autores era um produto seguro.”
12. O facto descrito sob o nº 101, face a tudo o acima dito quanto ao relacionamento entre o I… e à prática e conduta daquele com a aceitação tácita deste, deverá ser dado como NÃO PROVADO.
13. A matéria descrita sob os nºs 104 e 105, por expressar conceitos legais relativos à valorização e rentabilidade dos produtos financeiros, deverá ser dada como não escrita ou, assim não se entendendo, deverá ser dada como NÃO PROVADA.
14. A matéria descrita sob o nº 125 da decisão recorrida, também conforme a prova produzida, deverá passar a ter a redacção seguinte:
“ O referido funcionário actuava junto dos Autores como representante do E…, SA, com respeito do que sabia ser o perfil de investidores dos mesmos.”
15. A matéria dada como não provada, e que vem descrita sob as als. w) e x) dos FACTOS NÃO PROVADOS, deverá ser daí eliminada.
16. E deverá, pelo contrário, por estar de acordo com a prova produzida, ser acrescentada à factualidade PROVADA a seguinte:
“ - Os Autores sempre aceitaram que o funcionário I… optasse pelas aplicações que tivesse por mais adequadas ao propósito de obtenção de boa rentabilidade e sem risco, conferindo-lhe legitimidade para tal.
- O referido I… agiu sempre com o conhecimento e tácita aprovação, prévia ou posterior, dos Autores“.
17. Tomando em consideração as alterações acima pretendidas à matéria de facto, a relação entre os autores e o banco apelante, por via do seu funcionário I… deverá ser encarada e enquadrada como de gestão discricionária de carteira.
18. Figura esta perfeitamente compatível com a definição de um perfil conservador para os autores, e dando como certa a delegação de poder ao referido funcionário, e a autonomia que ele disfrutava na actuação por conta e no interesse dos autores.
19. E se assim não se entender, sempre deverá ter-se a relação entre os autores e o dito funcionário do banco apelante como configurando um contrato de mandato, através do qual os autores concederam poderes ao funcionário em causa para actuar, gerir e rentabilizar as suas poupanças.
20. Sempre condicionado tal mandato ao respeito por critérios e princípios previamente definidos pelos autores, assentes fundamentalmente numa desejada melhor rentabilidade, e com garantias de segurança das respectivas aplicações.
21. Tanto assim era que, ao longo dos anos, o dito funcionário sempre selecionava as aplicações a fazer e os produtos a adquirir ou a alienar, e sem que se sentisse obrigado a obter prévia autorização da parte dos mandantes e seus clientes.
22. Não estava, assim, o banco apelante, através do seu funcionário, obrigado a dar previamente informações relativas aos produtos financeiros que adquiria para os autores, e designadamente ao Papel Comercial H… que adquiriu em Fevereiro 2008.
23. Estava, sim, obrigado a respeitar e observar nessas aquisições aquilo que sabia ser, como investidor não qualificado, o perfil conservador dos autores, que privilegiava produtos de boa rentabilidade e com segurança.
24. Os autores recebiam regularmente extractos da parte do banco, e dos quais constava expressamente o Papel Comercial H… a partir do momento em que foi adquirido para a sua carteira.
25. Os autores nada disseram ou sequer questionaram o banco apelante sobre aquele produto financeiro ao longo de todo o ano de 2008, até à nacionalização do então E… em Novembro de 2008.
26. E nessa altura, à imagem de praticamente todos os clientes do banco, as suas dúvidas não eram exclusivas deste produto aqui em causa, mas sim de todas as poupanças que ali detinham.
26. Os autores, como mandantes, ao nada dizerem ao banco seu mandatário sobre o produto aqui em causa, ratificaram a operação da sua aquisição, nos termos do disposto no art. 240º do CComercial e art. 1163º do CCivil.
27. Para o caso, que por mera hipótese se admite, de ser entendido não se verificar aqui um contrato de mandato a legitimar a conduta do funcionário do banco, e de se estar antes perante um contrato de intermediação financeira para recepção, transmissão e execução de ordens por conta do investidor, não estava então o banco apelante obrigado a dar qualquer informação sobre qualquer risco inerente ao produto Papel Comercial.
28. Tanto mais que era uma característica do dito produto a garantia do reembolso do capital ao investidor, para além da rentabilidade anunciada.
29. Ao caso dos presentes autos será de aplicar, contrariamente ao que sucedeu na douta sentença recorrida, o regime do CVM na redacção que lhe foi dada pelo Dec-lei nº 357-A/2007, de 31.10, porque era a legislação em vigor à data em que os factos aqui em causa ocorreram.
30. E no que toca à informação relativa aos instrumentos financeiros, o intermediário financeiro – aqui o banco apelante – estava obrigado apenas a informar os autores sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa, e não já o risco associado à entidade dele emitente (art. 312-E nº 1 do CVM).
31. E não estava seguramente obrigado a informar os autores sobre a situação económica e financeira dessa entidade emitente e, logicamente, do maior ou menor risco de ela vir a insolver.
32. Esse não é um risco inerente ao produto financeiro em causa, mas sim, e tão só, um risco geral e comum a todo o tráfico jurídico-mercantil, para o qual não há em nenhuma actividade o dever de alertar o consumidor.
33. Em Fevereiro de 2008, data em que o funcionário do banco apelante adquiriu para os autores o Papel Comercial H… aqui em causa, este produto não tinha qualquer risco a ele associado, e era tido como um produto seguro.
34. E tal situação não perde validade nem deixa de ser verdadeira pelo facto de, um ano depois, a entidade emitente se ver na impossibilidade de liquidar o capital investido, e vir a ser declarada insolvente.
35. O banco apelante não incumpriu o contrato de intermediação financeira que possa ter celebrado com os autores, nem violou qualquer dever de informação que por via de tal contrato devesse lhes ter prestado.
36. E ainda que tivesse incumprido tal contrato, esse incumprimento não seria, por si só, suficiente para que os autores pudessem reclamar do banco qualquer indemnização, já que sempre faltaria saber da existência do nexo de causalidade entre o facto e o dano invocado.
37. Ou seja, seria necessário ainda que os autores tivessem alegado e logrado provar que, caso “a informação em falta” tivesse sido prestada, eles não teriam querido adquirir o produto que está aqui em causa.
38. Como requisito indispensável à existência de um direito de indemnização derivado da responsabilidade civil, era sobre os autores que recaía o ónus de alegação e prova desse nexo de causalidade.
39. E caso estivesse em falta com o dever de prestar informação aos autores, e essa omissão fosse por si só relevante à existência do direito dos autores a serem indemnizados, a verdade é que existia no relacionamento entre o banco e os autores uma prática, assente na confiança que tinham no funcionário do banco, e que o dispensava de previamente informar e obter autorização para as operações que em nome e por conta dos autores sempre fizera.
40. Pretender agora, que se sabe que a entidade emitente não está em condições de liquidar o capital investido no dito Papel Comercial H…, obter esse pagamento invocando uma omissão que era uma prática habitual na relação existente, será seguramente um comportamento que configura abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
41. A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições legais dos arts. 1157º, 1161º al. a), 1163º, 563º, 342 nº 1 e 334º, todos do CCivil, 231º, 233º e 240º do CComercial e 312º nº 1 al. e), 312-E nºs 1 e 2 al. a) do CVM.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida.
Os autores apresentaram contra-alegações, nas quais se pronunciaram pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil.
*
As questões a decidir são as seguintes:
I – Impugnação da matéria de facto;
II Qualificação jurídica da relação estabelecida entre os autores e o E…/Violação dos deveres de informação por parte do E…;
III Nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos autores;
IV Abuso do direito.
*
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
Julgada assente no despacho saneador:
A. A Ré E…, SA encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Comercial sob o número de matrícula 503 159 093 desde 31-05-1993, tendo por objecto o “exercício de actividades consentidas por lei aos bancos”.
B. Em 31-05-1993 foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial a nomeação de K… como presidente do Conselho de Administração da Ré E…, SA.
C. Em 07-04-2008 foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial a renúncia de K… ao cargo de Presidente do Conselho de Administração da Ré E…, SA.
D. Em 07-12-2012 foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial a fusão da Ré E…, SA na modalidade de transferência global do património, com o Banco B…, SA.
E. Até 12 de Novembro de 2008, a totalidade das acções representativas do capital social da Ré E…, SA era propriedade da E1…, SA.
F. A Ré “E1…, SA” encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Comercial sob o número de matrícula ……… desde 18-11-1999, tendo por objecto o “as actividades legalmente consentidas às sociedades gestoras de participações, nomeadamente a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício do exercício de actividades económicas e a prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades suas participadas”.
G. Em 10-03-2003 foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial a nomeação de K… como presidente do Conselho de Administração da Ré e…, SA.
H. Em 20-06-2008 foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial a renúncia de k… cargo de Presidente do Conselho de Administração da Ré E…, SA.
I. A totalidade do capital social da Ré “E1…, SA” pertence, desde a sua constituição, à 3ª Ré “F…, SA”.
J. A totalidade do capital social da Ré G…, SA pertence, desde a sua constituição, à 3ª Ré “F…, SA”.
K. A F…, SA encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial como tendo por objecto a “gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício da actividade económica”.
L. Em 19-02-2008 K… renunciou ao cargo de Presidente do Conselho de Administração da Ré F…, SA.
M. A H…, SA encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Comercial sob o número de matrícula …….., desde 13-07-1997, tendo por objecto “Importação, produção, comercialização e distribuição de cimento e seus derivados”.
N. Em 17-05-2002 foi inscrita a “aquisição de acções tendente ao domínio total” da “H…” passando a constar a identificação da L…, SA como “Sociedade Dominante” na respectiva certidão de registo comercial.
O. Por contrato escrito datado de 12-05-2003 e cujo teor é o de fls. 142 e 143 a L…, SA declarou, entre o mais ali constante e aqui se dá por reproduzido, vender à G…, SA, 5.000.000 de acções com o valor nominal de 1€ cada, representativas da totalidade do capital social da H…, SA.
P. A H…, SA, foi declarada insolvente por sentença datada de 15.09.2010, já transitada em julgado.
Q. Os Autores são casados sob o regime de bens da comunhão geral de bens, tendo contraído casamento católico em 4/9/1977.
R. Desse casamento tiveram dois filhos nascidos em 26.10.1978 e 21.01.1983.
S. Cada um dos Autores celebrou com a Ré E…, SA, um contrato de abertura de conta, em 10-01-2003, sujeito às condições gerais previstas nos documentos juntos a fls. 1203 a 1210, cujo teor se dá por reproduzido.
T. Em 26 de Fevereiro e 4 de Maio de 2009, a Ré E…, SA, creditou: na conta ……………. as quantias de €14.791,22 e €14.768,00, respectivamente; na conta ……………, as quantias de €2.275,58 e €2.272,00, respectivamente.
U. A sociedade H… aqui 5ª ré tinha como fiscal único uma sociedade de revisores oficiais de contas, denominada M…, N… e M…, Lda.
V. Correu termos na 2ª Vara Cível do Tribunal de Lisboa, uma acção ordinária com o nº 1400/08.3TBILH, em que foram Autores N… e mulher e Rés a F…, SA e G…, SA., onde aqueles pediram o reconhecimento da propriedade e posse de 25% do capital social da H…, SA acção essa julgada improcedente por sentença de 28-02-2011 já transitada em julgado.
W. A relação existente entre o funcionário do E…, SA – I… – e os Autores era uma relação de grande amizade e confiança pessoal.
X. O E… geria um fundo de investimentos imobiliários de nome O….
Y. As aplicações em papel comercial P… e em Unidades de Participação da O… ofereciam uma rentabilidade aos autores mais elevada daquela que era oferecida por um normal depósito a prazo.
Z. Os Autores sempre privilegiaram a segurança das suas aplicações financeiras.
AA. O funcionário do E…, SA, I…, era conhecedor dessa preferência dos Autores.
BB. Em 29-09-2010 o E…, SA ainda anunciava na informação que disponibilizava sobre o fundo O… que “neste fundo tudo é imóvel, menos o investimento” e que ele se apresenta como uma interessante alternativa de investimento, adequada aos investidores que privilegiam aplicações de menor risco.
CC. Da Nota Informativa relativa ao produto papel comercial H…, junta a fls. 129 a 141, cujo teor se dá aqui por reproduzido, constava expressamente que a responsabilidade pelo seu teor era assumida pelo Conselho de Administração da própria H…, SA, como entidade emitente.
DD. Ali era dito que a Instituição Agente e Instituição Registadora do Programa da referida operação era o Banco Q…, SA, que estava assim autorizado a proceder à sua divulgação e ainda que o Banco Q…, SA não tinha preparado, analisado ou confirmado a informação prestada pela entidade emitente, pelo que a dita Nota Informativa “não implicava qualquer responsabilidade, compromisso ou garantia do próprio Banco Q… quanto à suficiência, veracidade, objectividade e actualidade do conteúdo da informação prestada pela entidade emitente” e que, por tal motivo, “qualquer avaliação ou juízo de valor quanto à oportunidade e validade do investimento no PROGRAMA dependeria exclusivamente do critério do investidor.”
EE. A Ré H…, SA declarou na nota informativa junta a fls. 129 a 141, que a Ré G… detinha 100% das acções da H….
FF. As contas da 5ª Ré achavam-se legalmente certificadas e as contas consolidadas de todo o Grupo F… existiam e tinham sido aprovadas pelos órgãos próprios e sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.
Resultantes da instrução da causa:
1. O Autor marido é licenciado em medicina, exercendo essa actividade há mais de 30 anos no sector público e privado e não tendo outra profissão ou modo de vida.
2. A Autora mulher é doméstica tendo exercido actividade de escritório durante alguns anos até ao momento em que, por força de acidente, foi considerada incapaz por invalidez.
3. Desde então, só cuidou da casa e dos filhos enquanto tal foi necessário e até estes adquirirem autonomia e independência.
4. O agregado familiar, especialmente depois da incapacidade que sobreveio à Autora, sempre foi sustentado pelos rendimentos auferidos pelo Autor marido.
5. Pelo facto de a Autora ter exercido actividade profissional durante poucos anos e ter ficado invisual, os Autores curaram de aforrar quantia que lhes permitisse fazer face a uma qualquer fatalidade, designadamente pela falta ou limitação de ganho que pudesse sobrevir ao Autor.
6. Daí que foram constituindo poupanças que depositaram em bancos e que estiveram aplicadas em produtos seguros, porque sem risco de perda de capital ou de flutuação de taxas de juro.
7. Máxime depósitos a prazo ou produtos que lhes diziam ser equivalentes.
8. Até há cerca de 6 anos - tendo por referência a data da propositura da acção -, os Autores tinham a maior parte das suas poupanças depositadas no Banco B…, SA, na Agência B1….
9. Durante grande parte do período em que os Autores foram clientes desse banco e agência eram dois funcionários, um de nome I… e outro D…, que tratavam dos assuntos que diziam respeito à sua conta bancária.
10. Há cerca de 8 anos, o referido I… passou a prestar o seu trabalho para o E…, SA, numa agência sita na cidade do Porto.
11. Passado algum tempo, o I… sugeriu aos Autores que abrissem conta nesse Banco.
12. Solicitação a que os Autores anuíram, porquanto conheciam o I… e o tinham por pessoa de confiança, assim como nada tinham ou sabiam em desabono do E…, SA.
13. Foi nessa circunstância que, em data situada no ano de 2003, os Autores se tornaram clientes da 1ª Ré.
14. No âmbito dos contratos referidos em S) e na sua execução, o E…, SA, atribuiu aos Autores um número de cliente: ao Autor marido o número ……… e à Autora mulher o número ……...
15. Abriu nos seus registos de escrita mercantil uma conta de depósitos à ordem e de títulos em nome de cada um deles, com os nºs …………….. e ……...........
16. E foi abrindo – à medida que pelos Autores foram sendo constituídos diversos “depósitos a prazo” – sucessivas contas assim designadas, tendo todas elas como número de referência os mesmos oito dígitos da conta à ordem e de títulos – …….. e ……… – e, além deles, o número 20, indicativo de se tratar de um depósito a prazo.
17. Sendo que os três últimos dígitos de cada “depósito a prazo” eram os correspondentes, por ordem sequencial, ao número de tais depósitos constituídos por cada um dos autores desde o início da relação banco/cliente entre eles estabelecida.
18. A assinatura de toda a documentação necessária para essa abertura das contas – fichas de assinaturas, entre outras – e a assinatura de toda a documentação necessária para movimentação das contas posteriormente - requisição de cheques, entrega de módulo de cheques, depósito de valores – foi sempre efectuada na residência dos Autores.
19. Era o referido I…, empregado do E…, SA que se deslocava à residência dos Autores para colher deles as assinaturas nos documentos que dizia que necessitava para os movimentos pretendidos efectuar.
20. E para ir buscar o dinheiro e os cheques que aqueles queriam depositar nas suas contas bancárias, enviando-lhes depois os documentos comprovativos pelo correio.
21. Tal prática - deslocação à residência dos Autores para tratar dos assuntos bancários - foi implementada pelo referido I… por sua própria e livre iniciativa, por cortesia.
22. Os Autores, até ao ano de 2009, nunca tinham entrado em qualquer agência do banco 1º Réu e não sabiam sequer em que agência ou departamento concreto é que o referido I… trabalhava, sabendo apenas que se localizava na cidade do Porto.
23. Nos extractos das contas que os Autores tinham em seu nome constava o nome de outros funcionários diversos do referido I… como gestores das suas contas que, até 2009, os Autores não conheciam.
24. E que jamais os tinham contactado ou sido por eles contactados.
25. A única pessoa que em nome do E…, SA os contactou até 2009 e a única pessoa que contactavam quando pretendiam algo daquele Réu era o funcionário deste, I….
26. Que era quem geria as suas contas acima identificadas e todos os valores lá depositados ou subscritos.
27. O que era sabido pelo E…, SA que de tanto o tinha encarregado no seu próprio interesse.
28. Seguindo a proposta, conselho e recomendação do E…, SA, através do referido funcionário I…, o Autor marido aplicou em 4/06/2003 cerca de €40.000,00 num fundo imobiliário E…, SA, chamado Fundo de Investimento E2…, subscrevendo 7.050 unidades de participação.
29. Aplicação essa que o referido funcionário I… lhe garantiu ser tão segura como um depósito a prazo, quer quanto ao capital, pois o fundo pertencia ao Banco, quer quanto ao juro por assegurar uma rendibilidade um pouco superior à resultante das taxas que o E…, SA praticava para os depósitos a prazo.
30. Em 10/03/2004, o Autor marido constituiu no E…, SA uma aplicação financeira com o nº …….., por débito da sua conta de depósitos à ordem com o mesmo número, no montante de €1.039.000,00, com início naquela data e vencimento no dia 15 de Setembro de 2004, com a taxa de rendibilidade líquida de 3% e o rendimento líquido de €16.364,25.
31. Tendo sido informado que tal produto era oferecido pelo E…, SA para montantes elevados, equivalente a um depósito a prazo com capital e juro líquido garantido.
32. No princípio de Junho de 2004 tinha já o Autor marido constituído no E…, SA um depósito a prazo com o nº ……………. no valor de €8.580,00, com vencimento em 15/09/2004, à taxa de juro ilíquida de 3,2% ao ano.
33. O Autor marido foi renovando aquela aplicação financeira, designadamente em 15/9/04, 18/1/05, 31/5/05 e 4/1/06 por prazos, taxas de juros e montantes variáveis.
34. Sendo a última renovação de €610.000,00, a qual se manteve no Banco 1º Réu até ao dia 4/5/2006.
35. Por proposta, conselho e recomendação do funcionário I…, em 19/1/2005 o Autor marido aplicou €11.466,77 no fundo imobiliário referido em 29), subscrevendo 1.880 unidades de participação.
36. E em 17/6/2005 aplicou mais €562.581,89 no mesmo fundo, subscrevendo 91.207 unidades de participação, ficando a partir daí com 100.137 unidades desse fundo.
37. Aqueles €562.581,89 foram a adição de um depósito a prazo de €50.000,00 e de parte da aplicação financeira de €1.100.000,00 que o Autor marido possuía no Banco 1º Réu e que se venceram nessa data de 31/5/2005.
38. O Autor marido manteve até 4/5/2006 a referida aplicação financeira com capital e taxa líquida garantidos.
39. E teve, até 6/2/2008, poupanças aplicadas no Fundo Imobiliário referido em 28, as quais tinham em 6/2/2008 o valor de €682.673,98.
40. A Autora mulher, desde a abertura da conta no E…, SA transferiu de outras instituições e foi depositando na sua conta de depósitos à ordem nº …………… dinheiros que possuía.
41. E confiando nas propostas, conselhos e até recomendações do funcionário I…, aplicou-os no mesmo fundo imobiliário do E…, SA que aquele recomendou à mesma e ao seu marido.
42. Por acreditar que se tratava de um investimento seguro em capital e em juros, com uma taxa de juro superior às dos depósitos a prazo.
43. Para tanto, aplicou em 11/6/2003, 6.995,79€.
44. Em 11/8/2003 e €47.876,09.
45. Em 15/9/2004 - o mesmo dia em que se venceu um D/P de €6.000,00 que a Autora possuía – aplicou o valor de €5.913,47 nessas participações.
46. E em 16/2/2005, €10.124,32.
47. E em 3/1/2006, €26.998,08.
48. Em 3/1/2006, a Autora detinha 16.523 unidades de participação no valor de €97.907,75.
49. Algumas delas efectuadas quando do vencimento de depósitos a prazo que a Autora tinha constituído no E…, SA.
50. Parte das poupanças que a Autora transferiu para o E…, SA, foram produto de uma indemnização que a Autora havia recebido em compensação dos danos que sofreu no acidente de viação em que perdeu parcialmente a visão.
51. Há cerca de dez anos, reportados à data de propositura da acção, a Autora a perdeu a totalidade da visão.
52. Tal compensação foi recebida em 1974, no valor de 2.000 000$.
53. A Autora nunca havia gasto essa quantia que estava acrescida de juros que se foram capitalizando.
54. O referido funcionário sabia que os Autores não pretendiam aplicar as suas poupanças em produtos que não lhes assegurassem o reembolso do capital e a fruição de um juro certo, ainda que pequeno.
55. E por isso os Autores não movimentavam aquelas suas contas de depósitos à ordem a não ser para através delas aplicarem as poupanças e receberem os juros, capitalizando-os.
56. A partir de 4/5/2006 e até 6/2/2008 a Autora mulher manteve, por proposta, conselho e recomendação do I…, as suas poupanças aplicadas no Fundo Imobiliário referido em 41), com o valor de €112.643,90 (em 06-02-2008).
57. No dia 6/2/2008, o E…, SA resgatou as unidades de participação que cada um dos Autores tinha no fundo imobiliário referido em 28 e 41.
58. Em 13 desse mês de Fevereiro foi creditada na conta D/O do Autor marido a quantia de €682.673,98 e na conta da Autora mulher a quantia de €112.643,9.
59. No mesmo dia 13/2/2008, o E…, SA creditou aquele montante de €682.673,98 na conta número …………., constituindo dois depósitos a prazo nos valores de €650.000,00 e de €32.670,00, o primeiro por 9 dias e o segundo por 373 dias, este à taxa de juro ilíquida de 5% ao ano.
60. O que fez sem ordem e sem, sequer, o conhecimento dos Autores.
61. Creditando o montante de €112.643,90 na conta nº ……………, no mesmo dia 13/2/2008 o Banco 1º Réu constituiu, por contrapartida do débito dessa conta, dois depósitos a prazo nos valores de €100.000,00 e de €12.640,00, o primeiro por 9 dias e o segundo por 373 dias, este à taxa de juro ilíquida de 5% ao ano.
62. O que também fez sem ordem e sem o conhecimento dos Autores.
63. Vencido o depósito a prazo de €650.000,00 no dia 22 de Fevereiro de 2008 e creditado que foi o capital e os juros, o E…, SA comprou em nome do Autor €650.000,00 de papel comercial da H….
64. Debitando, por esse valor, a conta de depósitos à ordem do Autor.
65. Compra e débito que ocorreram sem que o Autor os tivesse previamente ordenado ou conhecido.
66. Vencido o depósito a prazo de €100.000,00 no dia 22 de Fevereiro de 2008 e creditado que foi o capital e os juros, o E…, SA comprou em nome da Autora €100.000,00 de papel comercial da H….
67. Debitando, por esse valor, a conta de depósitos à ordem da Autora.
68. Compra e débito que ocorreram sem que a Autora os tivesse previamente ordenado ou conhecido.
69. O Banco 1º Réu através do seu funcionário I…, só posteriormente fez saber ao Autor marido das operações que havia efectuado em ambas as contas, referidas em 57 a 67.
70. Informando-o que o tinha feito no interesse dos Autores.
71. Dizendo-lhe que se tratava de um produto novo do E… para investimento, com garantia de reembolso do capital aplicado e do pagamento de juros.
72. E que os juros eram superiores aos dos depósitos a prazo e aos que o fundo imobiliário, em que os Autores participavam, vinha rendendo.
73. Bem como lhes disse que o valor do capital e dos juros lhe seria pago no dia 22 de Fevereiro de 2009.
74. O referido I… disse, ainda, ao Autor marido que lhe propunha, aconselhava e recomendava o investimento num produto similar que o Banco 1º Réu iria ter à disposição dos clientes no final do mês de Fevereiro de 2008.
75. Garantindo-lhe tratar-se do mesmo tipo de aplicação sem qualquer risco.
76. Aplicações essas que, segundo o referido I… informou o Autor, estavam a ser propiciadas por instruções dos seus superiores hierárquicos e lhes garantiam uma rentabilidade melhorada e sem risco.
77. Por isso, o Autor marido, no dia 28/02/2008 depositou na sua conta de depósitos à ordem nº ………….., €50.000,00 e, seguindo os conselhos e recomendações dadas pelo funcionário I…, aplicou-os nesse outro produto.
78. Tendo o E…, SA, comprado, em nome e para o Autor, papel comercial P… no valor de €50.156,00.
79. Nenhuma outra informação foi dada ao Autores sobre o que eram esses produtos, nem lhes foi dito que se tratava de papel comercial.
80. Os Autores não sabiam o que era papel comercial.
81. Não lhes foi explicado o que era nem lhes foi entregue ou facultado qualquer documento que o identificasse ou explicitasse - brochura, nota informativa ou outro.
82. Os Autores jamais haviam comprado ou possuído qualquer papel comercial.
83. Não estavam familiarizados com aplicações e investimentos em bolsa e/ou em valores mobiliários.
84. Não conhecendo os conceitos e os pormenores concretos, em que se desenvolvem essas actividades económicas e bancárias.
85. Em Novembro de 2008, quando veio a público a notícia da nacionalização do E… o Autor marido interrogou o referido I… acerca das consequências desse facto ao nível do risco de (não) reembolso dos valores depositados e investidos por si e pela sua mulher a conselho e recomendação dele.
86. Tendo-o ele tranquilizado alegando que a nacionalização constituía até maior garantia de reembolso.
87. Só então é que o referido funcionário referiu que essas aplicações eram papel comercial.
88. Mas sem lhes explicar o que é que isso era ou em que consistia.
89. No dia 22 de Fevereiro de 2009, vencida que foi a obrigação de reembolso dos €650.000,00 e dos €100.000,00, bem como dos juros devidos, o E…, SA não creditou qualquer quantia nas contas de depósitos à ordem dos Autores.
90. Questionado pelo Autor marido, o referido funcionário I… transmitiu, então, que estava suspensa a liquidação dos juros e do capital, o que era um facto consumado.
91. A informação interna do Banco e a consciência que o funcionário I… tinha quando efectuou as operações de aquisição em nome dos Autores era de que o papel comercial H… adquirido pelos Autores era um produto seguro e que o E…, SA garantia o capital e os juros.
92. O E…, SA, creditou em 26 de Fevereiro e 4 de Maio de 2009, na conta …………… as quantias de €14.791,22 e €14.768,00.
93. E na conta ……………, nesse mesmo dia 26 de Fevereiro de 2009, creditou a quantia de €2.275,58 e em 4 de Maio de 2009 a quantia de €2.272,00.
94. Os Autores apresentaram uma reclamação, verbalmente e por escrito, junto do E….
95. E receberam do chamado Gabinete de Provedoria do cliente do mesmo uma comunicação afirmando que o E…, SA não havia prestado qualquer garantia de reembolso dos valores subscritos e que “a função do “E…” consistiu apenas na distribuição da referida emissão de Papel Comercial.
96. Os Autores insistiram junto do E…, SA no sentido de lhes serem pagas as quantias usadas na aquisição daquele papel comercial da H…, designadamente por email de 12/06/2009 e por carta de 30/07/2009, por aquele, E…, recebido.
97. Até hoje mais nenhuma resposta receberam e nenhuma quantia lhes foi paga.
98. Ao longo dos então cinco anos de relação bancária com o E…, SA, os Autores sempre revelaram ser pessoas de perfil conservador que não investiam em acções, nem em outros valores mobiliários que envolvessem risco potencial de perda dos capitais investidos.
99. E nem sequer dos juros ou remunerações anunciadas.
100. Bem como se revelaram como pessoas que no referido Banco tinham depositados aforros.
101. O referido I… sabia que os conselhos e recomendações que prestava ao Autor na qualidade de funcionário do Banco se destinavam à tomada pelos mesmos de uma decisão definitiva de consolidar o investimento até então efectuado.
102. Bem como sabia que eles não iriam, como não foram, proceder a quaisquer outras diligências de averiguação acerca da anunciada segurança do retorno, quer do capital a investir, quer da sua remuneração.
103. O referido I… tinha conhecimento de que se os Autores soubessem que a aplicação proposta tinha risco superior ao de um depósito a prazo ou dos fundos que possuíam, recusariam a feitura dessa aplicação.
104. Bem como tinha consciência de que para os Autores os fundos que possuíam eram de risco idêntico ao dos depósitos a prazo.
105. O papel comercial da H… tinha risco superior quer ao dos depósitos a prazo, quer ao do fundo imobiliário que os Autores, respectivamente, constituíram e em que participaram no Banco 1º Réu.
106. Quando – em Fevereiro de 2008 e posteriormente –, comunicou aos Autores a aquisição - que já havia efectuado -, de papel comercial e em nome deles adquiriu €650.000,00 e €100.000,00 daquele papel, o funcionário I… bem sabia que os Autores não tinham lido, nem por qualquer outra forma ou meio tinham tomado conhecimento do conteúdo de qualquer nota informativa da emissão elaborada pela H….
107. O referido I… ao adquirir tal papel comercial em nome dos Autores estava a cumprir ordens recebidas dos seus superiores hierárquicos no sentido de angariar clientes para adquirirem tal produto.
108. Antes da aquisição do referido papel comercial em nome dos Autores o referido I… nunca solicitou aos Autores que lhe prestassem qualquer informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento que respeitasse ao tipo de instrumento financeiro proposto, que lhe permitisse avaliar se os Autores compreendiam os riscos envolvidos.
109. E nunca o referido funcionário do E…, SA disse aos Autores existir relação de domínio total existente entre a F…, SA como entidade dominante do E…, SA e da H….
110. Nem lhes disse que tal relação podia permitir que se duvidasse sobre se o E…, SA estaria a privilegiar os interesses da H… na obtenção dos fundos subjacentes à emissão de papel comercial em causa, em detrimento dos interesses dos autores na aplicação segura e com menor risco dos seus capitais.
111. Nunca o funcionário da 1ª Ré disse aos Autores, que, pelo facto de o valor nominal unitário da emissão ser igual a €50.000,00, esta não era havida como oferta pública, antes como oferta particular.
112. Nem lhes disse que tal a sujeitava a riscos acrescidos devido a menores exigências de informação aos investidores.
113. O referido funcionário do E…, SA, nunca disse aos Autores que a contabilidade da H… deveria evidenciar que a mesma tinha perdido mais de metade do seu capital social, já no final do ano de 2007.
114. A H…, SA mantinha, no final do ano de 2007, inscrito na sua contabilidade um saldo a receber proveniente de anos anteriores, no montante aproximado de 10,7 milhões de euros.
115. O referido I… nunca deu conhecimento aos Autores de que a H… tinha uma unidade industrial de moagem que havia entrado em funcionamento no início do ano de 2007 cujos custos de construção constavam inscritos na contabilidade na rubrica das imobilizações em curso.
116. Nem lhes disse que tais custos deveriam ter sido transferidos para a rubrica do imobilizado firme dando lugar, assim, a amortizações no valor mínimo de 5, 5 milhões de euros.
117. Bem como não lhes disse que caso assim se tivesse procedido o capital próprio da H… inscrito na sua contabilidade relativa ao ano de 2007 ficaria diminuído em 16,2 milhões de euros.
118. O referido funcionário do E…, SA nunca comunicou aos Autores que a G…, SA, por força da diminuição de 16,2 milhões de euros do capital próprio da teria de proceder a redução de igual valor nos seus capitais próprios, o que levava à sua redução para €5.098. 275,84, quando o seu capital social era de €20.000.000,00.
119. O funcionário do E…, SA nunca disse aos Autores, que a referida G… tinha, no final do ano de 2007, mais de €16 milhões de euros de prejuízos acumulados.
120. O I… nunca disse aos Autores que o E…, SA não assumiria o compromisso de os reembolsar integralmente caso a H… o não fizesse.
121. O Autor marido efectuou investimentos em produtos de risco superior aos dos depósitos a prazo tais como os efectuados na aquisição de Unidades de Participação em fundos de investimento.
122. Os Autores passaram a ser clientes do E…, SA por força da relação pessoal e de confiança que tinham no referido I….
123. Os Autores – na pessoa do Autor marido –, sempre manifestaram ao dito I… que pretendiam para as suas poupanças a melhor rentabilidade possível.
124. Bem como privilegiavam também a segurança das aplicações que o referido funcionário aconselhasse fazer.
125. O referido funcionário actuava junto dos Autores, até à compra do papel comercial H…, como representante do E…, SA com respeito do que sabia ser o perfil de investidores dos mesmos.
126. Procurando aplicações tidas por seguras e com taxas de rentabilidade que fossem além das que normalmente eram inerentes aos simples depósitos a prazo.
127. O E…, SA, a propósito do lançamento do produto – papel comercial H…, SA – apoiou e ajudou na sua colocação no mercado e designadamente junto dos seus clientes, aproveitando o Grupo F… a existência de uma rede significativa de balcões e a relação de proximidade que tal rede permitia com os respectivos clientes.
128. Os Autores, após a aquisição do produto – papel comercial H… -, em Fevereiro de 2008, foram recebendo, como sempre recebiam, os extractos mensais integrados e combinados da parte do E…, SA, e neles vinha explicitada a aplicação em papel comercial H….
129. Os Autores foram informados, em momento posterior à subscrição do produto em causa, que o I… havia investido os montantes de €650.000,00 e €100.000,00 em papel comercial H….
130. Tendo sido informados da natureza do produto em causa, da sua taxa de rentabilidade, e que se tratavam de “valores mobiliários” com um valor unitário de €50.000,00.
131. Tratava-se da 10ª Emissão de Papel Comercial H…, SA.
132. As emissões anteriores haviam sido objecto do correspondente reembolso, e a grande maioria dos clientes subscritores haviam optado pela sua renovação.
133. Nunca os Autores manifestaram ao E…, SA ou ao dito I… que desejavam alienar as unidades de papel comercial H… que tinham subscrito.
134. À data em que os Autores subscreveram papel comercial H… era de todo imprevisto e imprevisível que a entidade emitente do referido produto deixasse de ter qualquer ligação com o E…, SA.
135. Para conhecer o prospecto/nota informativa junta a fls. 129 a 141, o Autor teve de se deslocar ao balcão do E…, SA em …, no Porto, e pedi-lo por escrito, na primeira visita que efectuou a essa agência em 09/07/2009.
*
Não se provaram os seguintes factos:
a) Os Autores não tinham conhecimentos, experiência ou aptidão para tratar dos assuntos que diziam respeito à sua conta bancária.
b) O funcionário do E…, SA, I…, sabia do referido nas alíneas 51 a 53.
c) A liquidez da aplicação referida em 29) foi garantida aos autores mediante um aviso prévio de cinco dias.
d) Quando o I… propôs, aconselhou e recomendou aos Autores o investimento na aquisição de papel comercial da H…, apresentou-o como sendo adequado ao tipo de cliente que eles eram.
e) Quando – em Fevereiro de 2008 e posteriormente –, comunicou aos Autores a aquisição - que já havia efectuado -, de papel comercial e em nome deles adquiriu €650.000,00 e €100.000,00 daquele papel, o próprio funcionário I… ignorava o conteúdo de qualquer nota informativa da emissão elaborada pela H….
f) Bem sabia o I… que, caso tivesse revelado aos Autores o referido em 109 e 110 estes recusariam a aquisição do papel comercial H… sem o compromisso da garantia do Banco.
g) Só após o referido em 90 o I… revelou aos Autores que o papel comercial por eles titulado estava relacionado com uma empresa de cimentos do grupo do Banco- 1º Réu -, a H….
h) Após o referido em 90) o I… prontificou-se a declarar onde fosse preciso, inclusive no tribunal, que o papel comercial que para eles tinha comprado era um produto seguro e que o E…, SA garantia o capital e os juros.
i) Os superiores hierárquicos do funcionário I… haviam-no autorizado a omitir que era pretensão do Banco transferir o maior número possível de depósitos a prazo ou outras aplicações financeiras que tivessem o Banco como devedor principal ou em que o Banco fosse responsável pela sua gestão para outras que o não tivessem, tendo -o mesmo exortado a afirmar o contrário.
j) As contas da H…, SA ao nível do activo e dos capitais próprios estavam sobrevalorizadas em 10,7 milhões de euros em 31 de Dezembro de 2007.
k) O que era do conhecimento das Rés E…, SA, E3…, E1… e F…, SA.
l) O referido funcionário do E…, SA sabia que que caso tudo ou parte disso tivesse revelado aos Autores, estes recusariam a aquisição dos instrumentos financeiros propostos.
m) Em Fevereiro de 2008 tais administradores conheciam o risco previsível que de que a H… não iria restituir em Fevereiro de 2009 o capital e os juros correspondentes ao papel comercial emitido - 11ª emissão.
n) Pelo menos no período de 31 de Dezembro de 2007 a 22 de Fevereiro de 2008, era K… quem, acompanhado do seu filho que o acompanhava nos conselhos de administração da 1ª e 2ª Rés, determinava o agir das sociedades do denominado Grupo E… e a todas elas dava instruções vinculantes.
o) O Autor marido é pessoa experiente e habitual investidor em produtos financeiros variados.
p) Para além de exercer profissionalmente a medicina, o Autor marido acompanhava de muito perto uma empresa familiar que tinha por objecto a indústria cerâmica e tinha aí responsabilidades de facto, na respectiva gerência.
q) O Autor marido era pessoa com conhecimentos superiores ao normal dos clientes bancários e das pessoas que investem normalmente em aplicações e produtos financeiros.
r) Foi devido à decisão de nacionalização do E…, no modelo que se adoptou de divisão do Grupo F…, que se verificou uma situação de incumprimento, por parte da H…, aquando do vencimento da aplicação financeira em causa.
s) O Autor chegou a questionar o referido I… sobre a possibilidade de resgatar o produto H….
t) Mas aquele respondeu-lhe que teria de esperar pelo vencimento, pois não havia quem o quisesse.
u) O referido I… sempre contactou os Autores, na sua relação com o E…, SA, exclusivamente por força de tal relação de amizade.
v) Não cabia nas funções deste, como director bancário de zona, o contacto directo com os clientes na gestão corrente e diária de tal relação.
w) Os Autores sempre deram “carta branca” ao funcionário I… para optar pelas aplicações que tivesse por mais adequadas a obter a melhor rentabilidade.
x) O referido I… agiu sempre com o conhecimento e a tácita aprovação dos Autores.
y) O dito I… informou os Autores que estava em preparação o lançamento de um produto financeiro, por empresa do mesmo grupo a que o E…, SA pertencia e que, por tal motivo, a sua segurança e garantia de rentabilidade advinha justamente do facto de pertencer ao mesmo grupo.
z) Beneficiando da mesma segurança que qualquer outro produto emitido pelo próprio banco.
aa) O dito I… identificou então aos Autores a entidade emitente de tal produto como sendo uma empresa industrial da área dos cimentos e que a rentabilidade de tal produto era a correspondente a uma taxa de juro de 5,622% ao ano.
bb) Aquilo que transmitiu aos Autores correspondia à verdade.
cc) Os administradores do E…, SA do E1… e da F..., SA e a G…, em Fevereiro de 2008, sabiam ser para todas elas preferível que os Autores adquirissem directamente em nome próprio e em substituição de um depósito a prazo e das participações no fundo imobiliário E2…, o papel comercial emitido pela H… do que ser o próprio E…, SA a fazê-lo directamente com os dinheiros dos Autores nela colocados em depósito.
dd) Dado que esta segunda hipótese tinha repercussão negativa sobre os ratios de solvabilidade escrutinados pelo Banco de Portugal.
ee) Foi na execução de uma estratégia de grupo no seio da F…, SA, definida pelos órgãos sociais dessa sociedade, que foi decidida a emissão de papel comercial pela sociedade H… no montante de €10.000.000,00.
ff) Bem como foi na execução da mesma estratégia que foram definidas as condições de tal emissão, designadamente o valor nominal de todo o Programa, a modalidade da representação do papel comercial, a incumbência da sua organização, montagem, agência e registo, prazo do dito Programa e preço da respectiva subscrição.
gg) Ao E…, SA foi solicitado e ordenado pela F… que ajudasse o Banco Q…, SA na colocação desse produto, aproveitando a sua rede de balcões.
hh) Assim beneficiando das sinergias daí decorrentes e da poupança decorrente da desnecessidade de recurso a entidades bancárias estranhas ao denominado Grupo F….
ii) A contabilidade da H… deveria evidenciar que a mesma tinha perdido mais de metade do seu capital social, já no final do ano de 2007.
jj) Os custos referidos em 116 deveriam ter sido transferidos para a rubrica do imobilizado firme dando lugar, assim, a amortizações no valor mínimo de 5,5 milhões de euros.
kk) Caso assim se tivesse procedido o capital próprio da H… inscrito na sua contabilidade relativa ao ano de 2007 ficaria diminuído em 16,2 milhões de euros.
ll) A G…, SA, por força da diminuição de 16,2 milhões de euros do capital próprio teria de proceder a redução de igual valor nos seus capitais próprios, o que levava à sua redução para €5.098.275,84, quando o seu capital social era de €20.000.000,00.
mm) A G… tinha, no final do ano de 2007, mais de €16 milhões de euros de prejuízos acumulados.
nn) O E…, SA, através do dito I…, havia já subscrito em nome e por conta dos Autores, em data anterior à aquisição do papel comercial H…, papel comercial P…, com seu conhecimento e aprovação.
oo) Aplicação essa que os Autores nunca questionaram ou puseram em dúvida, como nunca, a tal propósito, pediram ao E…, SA qualquer tipo de esclarecimento ou informação adicional.
pp) Sem que alguma vez os Autores tivessem reclamado ou instruído o banco e/ou aquele I… que não pretendiam tal aplicação, ou que não fosse feita no futuro outro tipo de investimento financeiro do mesmo género.
qq) Após a aquisição de papel comercial H… em nome dos Autores o I… esclareceu o Autor marido que:
- a dita emissão ocorreria a 22.02.2008;
- a data do seu vencimento seria no final do ano contado desde aquela data;
- a remuneração respectiva seria Euribor a 12 meses + 1,25% ao ano;
- os montantes: o mínimo de €50.000,00 e em múltiplos de €50.000,00.
- se tratavam de valores mobiliários registados, nominativos e com representação escritural.
- rr) Bem como o informou do referido em DD).
ss) No balcão respectivo havia exemplares da Nota Informativa relativa a este produto, junta a fls. 129 a 141.
tt) Porque não dispunha de uma rede de balcões como o E…, SA, o Banco Q…, SA solicitou a colaboração deste para efeitos da colocação deste produto financeiro junto dos seus clientes.
uu) Existindo nos balcões do E…, SA vários exemplares da nota informativa junta a fls. 129 a 141.
vv) Toda a informação constante da nota informativa existente nos balcões do E…, SA relativa à operação, foi transmitida aos Autores pelo dito I….
ww) Bem como lhes foi transmitido que a entidade emitente era uma empresa pertencente ao mesmo grupo do próprio banco.
xx) O E…, SA dispunha, no seio do denominado Grupo F…, de uma empresa de corretagem especialmente vocacionada para actuar na área da intermediação, que era a S…
yy) No caso do produto H…, foi o Banco Q… quem, em exclusividade, se incumbiu da prestação dos serviços de assistência técnica, económica e financeira.
zz) Em Fevereiro de 2008, a H… não tinha activos que lhe permitisse pagar a todos os seus credores e aos titulares de papel comercial nessa data subscrito por inteiro.
aaa) O E…, SA sabia disso.
bbb) O trato que os Autores tinham estabelecido com o referido I… era no sentido de não serem efectuadas aplicações financeiras, mesmo depósitos a prazo, sem previamente lhes ser dada explicação e confirmação.
ccc) A fim deles determinarem a sua vontade de os constituir, desde o prazo, aos montantes e as taxas de juro.
*
Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I Impugnação da matéria de facto
…………………………………………………………………………
………………………………………………………………………….
………………………………………………………………………….
*
Em suma:
A impugnação da matéria de facto feita pelo réu/recorrente merecerá pois parcial acolhimento, efectuando-se nesta as seguintes alterações:
1. Da matéria de facto provada são eliminados os seus nºs 105, 113, 116 e 117;
2. Da matéria de facto não provada é eliminada a alínea l);
3. É alterada a redação dos seguintes números da matéria de facto:
Nº 38: “O autor marido manteve até 4/5/2006 a referida aplicação financeira.”
Nº 76: “Aplicações essas que segundo o referido I... informou o autor lhe garantiam uma rentabilidade melhorada e sem risco.”
*
IIQualificação jurídica da relação estabelecida entre os autores e o E.../Violação dos deveres de informação por parte do E...
Na sentença recorrida qualificou-se o contrato celebrado entre os autores e o E..., através do seu funcionário I..., como contrato de intermediação financeira, entendimento do qual dissente o réu/recorrente que considera dever ser este considerado como contrato de gestão discricionária de carteira ou, não se entendendo assim, como contrato de mandato.
O contrato de gestão de carteira é o celebrado entre um intermediário financeiro (gestor) e um investidor (cliente) através do qual o último, mediante retribuição, confia ao primeiro a administração de um património financeiro de que é titular com vista a incrementar a respetiva rentabilidade.[1]
Encontra-se fundamentalmente previsto e regulado nos arts. 335º e 336º do Cód. dos Valores Mobiliários (CVM).[2]
Ora, no nº 1 do art. 335º deste diploma dispõe-se que «pelo contrato de gestão de uma carteira individualizada de instrumentos financeiros, o intermediário financeiro obriga-se: a) A realizar todos os atos tendentes à valorização da carteira; b) A exercer os direitos inerentes aos instrumentos financeiros que integravam a carteira».
Depois, o art. 336º do mesmo diploma estatui que: “1. Mesmo que tal não esteja previsto no contrato, o cliente pode dar ordens vinculativas ao gestor quanto às operações a realizar. 2 – O disposto no número anterior não se aplica aos contratos que garantam uma rendibilidade mínima da carteira.”
Por outro lado, do disposto nos arts. 290º, n.º 1, al. d) e 321º, n.ºs 1 e 2 do CVM, decorre que estes contratos, quando celebrados com investidores não qualificados, estão sujeitos à forma escrita (ainda que só estes investidores possam invocar a nulidade decorrente da sua inobservância) e podem ser celebrados com base em cláusulas gerais.
No que concerne ao seu objeto trata-se de contrato que vai endereçado fundamentalmente ao desenvolvimento de uma actividade complexa de administração de bens alheios levada a cabo por um intermediário financeiro, por conta e no interesse do cliente (objeto imediato), que incide sobre “uma carteira individualizada de instrumentos financeiros” (objeto mediato).
É fonte de um conjunto de direitos e deveres diversos para ambas as partes. Do lado do gestor, avultam as obrigações de execução diligente da prestação gestória, que se configura como uma mera obrigação de meios e não de resultado (art. 335º, nº 1 do CVM), de acatamento das instruções do cliente (art. 336º, nº 1 do CVM), de prestação de informação mínima (art. 312º-D do CVM) e obtenção de informação junto do cliente por forma a realizar o juízo da adequação das operações de gestão (art. 314º-A do CVM), de envio de um extrato periódico sobre a composição, saldo e movimentos de gestão de carteira (art. 323º-A do CVM) e de observância de regras especiais em caso de subcontratação (art. 308º-C do CVM). Do lado do cliente, avulta a obrigação de remuneração, que tanto pode abranger em sentido amplo as remunerações principais – que representam a contrapartida da atividade nuclear de gestão de carteira propriamente dita (a chamada “comissão de gestão”) – como as remunerações acessórias – que visam corresponder a determinados serviços complementares ou conexos (v.g., comissões de constituição e reforço de carteira, comissão de envio de extrato de conta, comissões bancárias relativas às contas de depósito de dinheiro e de títulos).[3]
Cremos, porém, que a matéria de facto dada como assente não permite que a relação jurídica estabelecida entre os autores e o banco se possa enquadrar num contrato verbal de gestão discricionária de carteira, desde logo porque não ficou demonstrado que os autores tivessem conferido ao E..., através do seu funcionário I..., “carta branca” para este efetuar as aplicações financeiras adequadas à obtenção de maior rentabilidade.
Tal como não existem extratos regulares relativos aos movimentos da carteira, nem tão-pouco se acha fixada uma remuneração específica como contrapartida da atividade gestória.
E se não é possível integrar a situação dos autos na figura da gestão discricionária de carteira, também não é de subsumi-la a um mero contrato de mandato comercial nos termos do art, 231º e segs. do Cód. Comercial.
Em causa no presente processo encontra-se a aquisição para os autores de papel comercial da H..., feita pelo E..., através do seu funcionário I..., em Fevereiro de 2008, e que surge na sequência de anteriores investimentos noutros produtos já por eles realizados.
Na sentença recorrida, considera-se acertadamente que esta operação, que foi efetuada sem prévia informação, consulta e consentimento dos autores, consubstancia execução de contrato de intermediação financeira.[4]
Com efeito, de acordo com o art. 289º, nº 1, al. a) do CVM, são atividades de intermediação financeira, entre outras, os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros.
São serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros a receção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem – cfr. art. 290º, nº 1, als. a) e b) do CVM.
Entre os agentes que desempenham funções de intermediação financeira em instrumentos financeiros contam-se as instituições de crédito, onde se integram os bancos – cfr. art. 293º, nº 1, al. a) do CVM e art. 3º, al. a) do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras).
Os princípios gerais pelos quais se orienta a atividade de intermediação financeira encontram-se previstos no art. 304º do CVM, cuja redação era a seguinte à data dos factos:
1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.
5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação.”[5] E depois o art. 312º do mesmo diploma, sob a epígrafe “deveres de informação”, dispunha o seguinte:
«1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.»[6]
Seguidamente, o art. 312º-E do mesmo diploma, em vigor à data dos factos, sob a epígrafe “Informação relativa aos instrumentos financeiros” prescrevia o seguinte:
«1. O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
2. A descrição dos riscos deve incluir:
a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;
b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;
c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;
d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo;
3. A informação, prestada a um investidor não qualificado sobre um valor mobiliário objeto de uma oferta pública, deve incluir a informação sobre o local onde pode ser consultado o respetivo prospecto.
(…)»
Por outro lado, o art. 7º, nº 1 do CVM prescrevia que a informação relativa a instrumentos financeiros deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
Verifica-se pois que subjacente a todo este conjunto de normas, constantes do CVM, está a intenção de proteger a confiança dos clientes dos bancos nas informações que estes lhes prestam aquando das conversações e/ou contactos preliminares à celebração de um ato ou contrato bancário, correspondente ao serviço tido em vista, tendo em atenção que hoje em dia existe uma gama muito vasta de serviços e produtos financeiros, o que mais faz ressaltar a necessidade de uma forte proteção aos clientes dos bancos, face à cada vez maior variedade e especificidade de tais produtos financeiros. Há assim uma maior necessidade de quem os adquire ser cabalmente esclarecido quanto à natureza do que está a comprar e dos riscos que a eles poderão estar associados.
Deste modo, bem se compreende que, caso as informações prestados pelo banco se mostrem inexatas, incompletas ou falsas e foram causais da celebração de um ato ou contrato com o banco, este venha a ser responsabilizado pelos danos que assim causou, quer por via contratual, quer por via extracontratual, tendo-se em conta a especificidade da matéria fáctica apurada.[7]
A existência de deveres informativos visa essencialmente proteger os investidores e este princípio nuclear tem subjacente a defesa do interesse público, a segurança nos mercados e a igualdade entre os vários agentes de mercado.[8]
Conforme se escreve no Ac. do STJ de 25.10.2018 (proc. nº 2581/16.8 T8LRA.C2.S1, rel. Bernardo Domingos, disponível in www.dgsi.pt) “No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. (…)[9]
Por conseguinte, na área bancária o dever de informação tem um carácter acentuado, visando a proteção da parte débil na relação contratual, sendo que aqui a fraqueza apura-se pela falta de conhecimento e de experiência do utente do banco ou pela ausência de liberdade e em que a proteção da parte mais fraca se efetiva através de particulares deveres de informação e esclarecimento, a cargo da parte forte.[10]
Este dever de informação, rigorosa e precisa quando contrata com os seus clientes, é, pois, um dever de conduta fundamental para o banco e da sua violação resulta a obrigação de indemnizar os danos causados, já que quer ao abrigo do disposto no artigo 762º, nº 2, do Cód. Civil, se exige às partes que atuem de boa-fé na execução do contrato, bem como ao abrigo do disposto no seu artigo 227º, nº 1 do mesmo diploma, logo nos preliminares ou na formação do contrato, se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé e em que se contam, indiscutivelmente, os deveres de lealdade, transparência, informação rigorosa e exata e de cabal esclarecimento.
Regressando ao caso dos autos, flui, da matéria de facto provada e não provada, que aos autores não foi fornecida qualquer informação sobre a natureza e o risco do papel comercial H... antes da sua aquisição, até porque essa aquisição ocorreu sem a sua prévia consulta.
Não se provou que tenha sido entregue aos autores uma cópia ou sequer que lhes tenha sido facultada para consulta um exemplar da nota informativa relativa a este produto, nem sequer que o autor marido tenha sido informado de que as obrigações eram emitidas por uma sociedade que detinha o banco.
Tal como não lhes foi explicado o que era o papel comercial.
Como se escreve na sentença recorrida, “a mera prova de que o Banco não previa, à data desta subscrição, a sua nacionalização ou entendia que nada desabonava sobre a entidade emitente não o exonerava de informar sobre a natureza do produto, sendo de todo inaceitável a alegação de que o produto em causa era tratado na banca como tendo o mesmo risco de um depósito a prazo.”
De resto, o funcionário do banco quando comunica aos autores a aquisição do produto financeiro aqui em análise limita-se a referir-lhes que o valor em causa lhes seria devolvido no prazo estipulado e que tal produto era seguro e tinha boa rentabilidade.
Nunca lhes foi explicado o risco que envolvia esse produto e a sua natureza, tal como não lhes foi transmitida a entidade do emitente nem quem garantia o produto.
E o papel comercial, em termos de risco, é uma realidade bem diferente de um mero depósito a prazo.
Com efeito, entre a multiplicidade de meios ou instrumentos que estão à disposição de uma sociedade comercial com vista ao seu financiamento através de capitais alheiros conta-se o papel comercial.
Sucede que o papel comercial é um empréstimo a curto prazo, um “título de dívida a curto prazo (...) um instrumento monetário, que consiste num título de crédito de certo prazo emitido por sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, cooperativas, empresas públicas e demais pessoas colectivas de direito público ou privado, destinado a financiar défices de tesouraria.[11]” É um “valor mobiliário utilizado para suprir necessidades de liquidez imediata” e que, “dotado de assinalável versatilidade” serve de “sucedâneo à emissão de garantias sobre contratos de concessão de crédito”[12]. É um “valor mobiliário representativo de um direito de crédito”, que pode ser emitido “através de oferta privada ou pública” e que constitui, observado que seja o balizamento legal, “um instrumento financeiro de curto prazo passível de, através de operações de engenharia financeira, ser adaptado a necessidades de financiamento de médio e até longo prazo, mormente através da atribuição de direitos de reembolso convertíveis em direito de subscrição de nova emissão de prazo idêntico ou outros mecanismos análogos (...)”.[13] ]14]
Ora, nada disto foi comunicado aos autores antes destes terem procedido à aquisição de 750.000,00€ em papel comercial da H... em seu nome, quando manifesto é que estamos perante um produto financeiro que nenhuma semelhança tem com um depósito a prazo e em que os seus riscos são claramente divisáveis, desde logo porque dependentes da própria solidez da sociedade que o emite, que, neste caso, se tratava de uma empresa sem dimensão assinalável e desconhecida para o comum dos cidadãos.
Assim, não se tendo demonstrado que estivéssemos perante um contrato de gestão discricionária de carteira, no âmbito do qual os autores teriam dado “carta branca” ao Banco para, através de um seu funcionário, fazer os investimentos que melhor lhe aprouvesse desde que respeitando o seu perfil de investidores, não pode deixar de se concluir que “in casu” ocorreu uma absoluta ausência de informação por parte do banco no que toca ao investimento feito em papel comercial da H....
E se entre o Banco e o seu cliente existe, em regra, uma relação de confiança, maior deve ser o cuidado do Banco no oferecimento de produtos financeiros e na captação de investimentos, sobretudo nos casos de iliteracia financeira: o cliente tem, razoavelmente, motivo para confiar.
Por isso, num caso como o dos presentes autos, perante o pouco conhecimento que os autores tinham dos produtos financeiros, que desconheciam o que fosse papel comercial, mais se impunha que o banco, através do seu funcionário, tivesse o maior cuidado na realização deste investimento, informando-os, com detalhe, das características do produto em causa.
Conclui-se, por isso, que o Banco violou os deveres de informação que sobre si impendiam, pelo que se torna responsável pelos prejuízos causados à autora, nos termos do art. 314º, nº 1 do CVM[15], na redação então em vigor, onde se estatui que «os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública», sendo certo que não logrou ilidir a presunção legal de culpa a que se refere o nº 2 da mesma disposição legal.
Aí se preceitua que «a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação
*
IIINexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos autores
Sustenta ainda o réu/recorrente que, para a procedência da acção, os autores teriam que alegar e provar a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente – o Banco – e o dano sofrido e invocado.
Como tal, na sua ótica entende que os autores deveriam ter alegado e provado que caso o banco apelante os tivesse informado sobre a natureza do papel comercial eles não teriam admitido e aceitado a compra deste produto financeiro.
O art. 563º do Cód. Civil preceitua que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
A nossa lei consagra a chamada teoria da «causalidade adequada» no âmbito da sua formulação negativa devida a Enneccerus-Lehmann (segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo e só se tornou sua condição por virtude de outras circunstâncias), ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.”[16]
No caso dos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa ação ou omissão. O que está em causa é uma situação hipotética.
Pretende saber-se então se o dano (perda do capital investido e respectivos juros) ocorreria se o Banco tivesse cumprido escrupulosamente os seus deveres de intermediário financeiro, em particular o dever de informar os autores, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objectiva e lícita, ou seja se os autores, perante tal informação, sempre teriam adquirido papel comercial da H....
A este propósito, no Acórdão do STJ de 28.4.2016 (proc. 1114/11.7 TBAMT.P1.S1, relator Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt.) sustenta-se que “os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações que impliquem uma projecção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei a certeza quanto à sua ocorrência.”[17]
Ora, das regras da experiência comum, com facilidade se conclui que os autores não teriam adquirido papel comercial da H... se o funcionário do banco com quem contactavam lhes tivesse explicado, com detalhe, a natureza desse produto que envolvia um risco superior ao de um depósito a prazo e até ao dos fundos que já tinham possuído, que corriam o risco de perder a totalidade ou parte do seu dinheiro em caso de insolvência do emitente e que o retorno do capital não era garantido.
Aliás, é até de realçar que o funcionário do Banco quando dá conta aos autores da aplicação que havia feito do seu dinheiro lhes diz que se tratava de um produto novo do E... para investimento, com garantia de reembolso do capital aplicado e do pagamento de juros e que o capital e os juros lhes seriam pagos no dia 22.2.2009.
Neste contexto, se o funcionário do réu tivesse prestado as informações a que por lei estava obrigado, os autores, com altíssima probabilidade, não teriam aplicado o seu dinheiro no papel comercial da H..., o que seria suficiente para considerar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos autores e a conduta ilícita e culposa do réu, traduzida na violação dos deveres de informação que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro.[18]
Mas, no caso “sub judice” este nexo de causalidade surge ainda mais nítido, porquanto se deu como provado, inclusive, que o funcionário do banco, I..., tinha conhecimento de que se os autores soubessem que a aplicação tinha risco superior ao de um depósito a prazo ou ao dos fundos que possuíam, recusariam a feitura dessa aplicação.
Ou seja, patente é que se os autores tivessem na posse de informação rigorosa sobre as características do produto papel comercial da H... e sobre os seus riscos não o teriam adquirido, razão pela qual se tem por verificado o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos por eles sofridos.
*
IV – Abuso do direito
O réu/recorrente sustenta, por último, haver na conduta dos autores abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, uma vez que permitir que os autores possam obter do banco apelante o montante que foi aplicado em papel comercial da H... é permitir que numa época cheia de riscos se possa viver sem esses riscos.
Isto é, se tudo corresse bem os autores usufruiriam da rentabilidade daquele produto, correndo mal ficam com a garantia de serem indemnizados.
Vejamos então.
Dispõe o art. 334º do Cód. Civil que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»
O abuso do direito constitui uma fórmula tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas, isto é: do exercício concreto de posições jurídicas que, embora correcto em si, acabe por confundir com o sistema jurídico na sua globalidade.
No abuso do direito há uma atuação humana estritamente conforme com as normas imediatamente aplicáveis, mas que, tudo visto, se apresenta ilícita por contrariedade ao sistema, no seu todo.[19]
Entre as condutas integrativas do abuso do direito, uma das que mais se destaca é o denominado “venire contra factum proprium”, que implica duas condutas da mesma pessoa, lícitas entre si, mas diferidas no tempo, sendo que a primeira – o “factum proprium” - é contraditada pela segunda – o “venire”.[20]
O que lhe subjaz é o “dolus persons”, ou seja, a conduta sobre que incide a valoração negativa é a conduta presente sendo a conduta anterior apenas ponto de referência para, tendo em conta a situação criada, se ajuizar da legitimidade da conduta actual, conforme sublinha Baptista Machado (in “Obra Dispersa”, págs. 415/8), que acrescenta que o feito jurídico próprio do instituto só se desencadeia quando se verificam três pressupostos:
1º. A situação objectiva de confiança: uma conduta de alguém, que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
2º: O investimento de confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a confiança vier a ser frustrada;
3º: A boa fé da contraparte que confiou: a confiança de terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa fé e se tiver agido com o cuidado e as precauções usuais no tráfico jurídico.[21]
Em suma: a ideia geral que preside ao tipo “venire contra factum proprium” é a da proibição de comportamentos contraditórios que, no plano do exercício do direito, considera inadmissível uma actuação contrária a outra antes assumida pelo seu titular.[22]
Acontece que no caso vertente não é reconhecível no comportamento dos autores, ao intentarem a presente acção, exercício abusivo do seu direito.
Com efeito, não se pode ignorar que os autores sempre privilegiaram a segurança nas suas aplicações financeiras, pretendendo produtos seguros, sem risco de perda de capital ou de flutuação de taxas de juro, maxime depósitos a prazo ou produtos equivalentes, o que era do conhecimento do funcionário do E... com quem contactavam.
Assim, todos os produtos que lhes foram sendo vendidos pelo E... eram apresentados como produtos seguros, semelhantes a depósitos a prazo, com capital e juros garantidos, mas tal não correspondia à verdade, sendo que o banco bem sabia que o papel comercial é um produto financeiro que em nada se assemelha a um depósito a prazo, podendo não haver lugar ao reembolso do capital.
Deste modo, não se configura como exercício ilegítimo do direito a instauração da presente ação por parte dos autores, uma vez que o comportamento destes que, sublinhe-se, sempre pretenderam aplicar o seu dinheiro em produtos financeiros isentos de risco, não era apto a criar no banco a convicção de que não exerceriam o seu direito à indemnização.
Consequentemente, o recurso interposto pelo autor improcederá “in totum”, o que significa a confirmação da sentença recorrida.
*
Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
...............................................
...............................................
...............................................
*
DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo réu “Banco B..., SA” e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do réu/recorrente.

Porto, 26.2.2019
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
_______________
[1] Cfr. José Engrácia Antunes, “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, reimpressão, pás. 587/588.
[2] A redacção do CVM aplicável aos autos é a resultante do Dec. Lei nº 357-A/2007, de 31.10, em vigor à data dos factos, ou seja em Fevereiro de 2008.
[3] Cfr, José Engrácia Antunes, ob. cit, págs. 590/591.
[4] Como os autores se tratam de investidores não qualificados, o legislador prescreve a forma escrita para estes contratos – art. 321º, nº 1 do CVM -, sendo que a inobservância desta forma, que aqui ocorreu, apenas por estes pode ser invocada e, no presente caso, os autores nada arguiram.
[5] A redação actual do art. 304º do CVM é a seguinte:
«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente.
4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das excepções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º.
5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.»
[6] É a seguinte a sua actual redacção:
«1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:
a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;
b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;
c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;
d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;
e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;
g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
h) Ao custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.
4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.
5 - Sempre que, na presente subsecção, se estabelece que a informação deve ser prestada por escrito, a informação deve ser prestada em papel salvo se:
a) A prestação da informação noutro suporte seja adequada no contexto da relação, actual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor; e
b) O investidor tenha expressamente escolhido a prestação da informação em suporte diferente do papel.
6 - Presume-se que a prestação de informação através de comunicação electrónica é adequada ao contexto da relação entre o intermediário financeiro e o investidor quando este tenha indicado um endereço de correio electrónico para a realização de contactos no âmbito daquela.
7 - A informação prevista nos artigos 312.º-C a 312.º-G pode ser prestada através de um sítio da Internet, se o investidor o tiver expressamente consentido e desde que:
a) A sua prestação nesse suporte seja adequada no contexto da relação, actual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor;
b) O investidor tenha sido notificado, por via electrónica, do endereço do sítio da Internet e do local no mesmo de acesso à informação;
c) Esteja continuamente acessível, por um período razoável para que o investidor a possa consultar.»
[7] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 9.10.2012, proc. 1432/09.4 T2AVR.C1, relator Arlindo Oliveira, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Sofia Nascimento Rodrigues, “A protecção dos investidores em Valores Mobiliários”, Almedina, Coimbra 2001, págs. 23 e segs,
[9] Cfr. Acórdão do STJ de 17.3.2016, proc. 70/13,1 TBSEI.C1.S1, Rel. Maria Clara Sottomayor, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Menezes Cordeiro, in “Banca, Bolsa e Crédito, Estudos de Direito Comercial e de Direito da Economia”, I Vol., Almedina, 1990, págs. 40 a 42, citado no Ac. Rel. Coimbra de 9.10.2012.
[11] Cfr. Ana Perestrelo de Oliveira, “Manual de Corporate Finance”, Almedina, 2015, pág. 120, nota 213 e pág. 360, entrada “Papel Comercial”.
[12] Cfr. Paulo Câmara, “Manual de Direito dos Valores Mobiliários”, 2.ª edição, Almedina, 2011, pág. 198.
[13] Cfr. José Engrácia Antunes, “Os Instrumentos Financeiros”, Almedina, 2009, pág. 219/221.
[14] Cfr. Ac. Rel. Porto de 16.3.2015, proc. 234/11.2 TVPRT.P1, relator José Eusébio Almeida, disponível in www.dgsi.pt.
[15] Este art. 314º corresponde atualmente ao art. 304º-A.
[16] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 654.
[17] Cfr., neste sentido, Júlio Gomes, “Sobre o dano de perda de chance”, em Direito e Justiça, vol. XIX, tomo II, pág. 11.
[18] Cfr. Ac. do STJ de 25.10.2018, proc. nº 2581/16.8 T8LRA.C2.S1, rel. Bernardo Domingos, disponível in www,dgsi.pt.
[19] Cfr. Menezes Cordeiro, “Litigância de Má Fé; Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, 2006, pág. 33.
[20] Cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 50.
[21] Cfr. Ac. STJ de 9.1.2003, p. 02B3923, relator Miranda Gusmão, disponível in www.dgsi.pt.
[22] Cfr. Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 622.