Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8398/16.2T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: ARTIGO 17-G DO CIRE
Nº do Documento: RP201809248398/16.2T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º680-A, FLS.97-106)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ART.º 17º-G, NºS 3 E 4 DO CIRE
Sumário: I - Ao encerramento do processo especial de revitalização com fundamento na não aprovação de medida, não homologação de medida aprovada e não homologação de acordo extrajudicial aplica-se o regime previsto no art. 17º-G do CIRE.
II - Os efeitos do encerramento são distintos consoante se verifique, ou não, uma situação de insolvência da empresa.
III - Cabe ao administrador judicial provisório apresentar o parecer sobre a situação da empresa e caso conclua no sentido de considerar a empresa em situação de insolvência, segue-se a declaração de insolvência da empresa em processo próprio, com a tramitação prevista no art. 17º-G /3 /4 do CIRE e com observância do contraditório por parte do devedor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PER-NHomol-8398/16.2T8VNG-A.P1
*
Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
*
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
No presente Procedimento Especial de Revitalização instaurado pelo devedor B…, SA, id. nos autos, proferiu-se sentença que não homologou a medida de recuperação aprovada, a qual foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
*
O Administrador da Insolvência Provisório, ao abrigo do art. 17º-G/4 do CIRE deu o seguinte parecer:
“ […] após ouvir a devedora ( anexo 1) e os credores que se manifestaram ( anexo 2), perante todos os argumentos expostos, a situação financeira e antiguidade dos incumprimentos identificados, apresentar o seu parecer de que a insolvência da sociedade é atual, devendo a mesma ser declarada, nos termos e para os efeitos previstos no nº3 do referido artigo e código”.
*
Proferiu-se o seguinte despacho:
“Conforme resulta dos autos, o Sr. Administrador Judicial Provisório emitiu já parecer no sentido de que a devedora se encontra em situação de insolvência.
Cabe, pois, tramitar o processo de insolvência.
Nestes termos, extraia certidão do requerimento inicial, de fls. 867/883, de fls. 887/889, bem como do presente despacho e remeta à distribuição como processo especial de insolvência”.
*
A requerente, notificada do acórdão, veio requerer o encerramento do processo, afastando a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 17.º-G do CIRE.
Alegou para o efeito que nos termos do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, foi confirmada a sentença recorrida, o que significa que o plano de revitalização proposto pela Requerente – e votado pelos credores – não será judicialmente homologado, o que não permitiria a aplicação do disposto no artigo 17.º-G do CIRE.
Considerou, ainda, que no caso tal não terá aplicabilidade, motivo pelo qual deverá ser simplesmente ordenado o encerramento do processo, pois anteriormente à apresentação deste processo especial de revitalização, estava a Requerente a atuar no cumprimento de plano que anteriormente vira aprovado pelos seus credores e homologado no âmbito do processo n.º 121/14.2TBAMT que corre termos no Tribunal Judicial de Amarante, o qual nunca foi interrompido ou declarado findo por qualquer motivo, nem invocada ou declarado o seu incumprimento. Tal circunstância afasta a aplicabilidade do disposto no artigo 17.º-G, n.º 3 do CIRE, processualmente inadmissível havendo um plano de revitalização vigente.
Mais alegou que no decurso dos presentes autos, e conforme se propôs no plano de revitalização, a requerente promoveu nestes meses a profunda alteração estrutural da sua atividade o que igualmente concorre para o afastamento da alegada situação de insolvência, podendo propor novo processo especial de revitalização atentas as novas circunstancias em que se encontra a empresa. Conforme se previa no plano apresentado, a Requerente foi capaz de reduzir os seus custos fixos em cerca de 50%, estando em negociações – atrasadas em virtude da instabilidade da sua situação jurídica – para formalizar contratos que assegurarão volume de faturação suficiente para o pagamento das obrigações que se propôs assumir no plano apresentado. Foi igualmente alterado o seu modelo de negócio nos termos propostos aos credores.
Alegou, ainda, que a requerente se mantém em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda suscetível de recuperação, o que impede a aplicação do regime do art. 17º-G/3 CIRE.
Termina por referir que o parecer do Administrador Provisório se mostra omisso de factos e fundamentos que justifiquem a medida sugerida – instauração de processo de insolvência.
*
Proferiu-se despacho com o teor que se passa a transcrever:
“ Por decisão transitada em julgado proferida nos presentes autos foi decidido recusar a homologação do plano de revitalização apresentado pela devedora.
O Sr. AJP apresentou parecer no sentido de que a devedora se encontra insolvente.
Assim, por despacho de fls. 907 foi determinado que fosse extraída certidão e remetida a mesma à distribuição como processo de insolvência.
A devedora veio requerer, a fls. 1045/1047 que seja ordenado o encerramento do processo afastando-se a aplicação do n.º 3 do art. 17.º-G do C.I.R.E.
Alega, para tanto e em suma, que anteriormente à apresentação deste PER estava a requerente a atuar no cumprimento de plano que anteriormente vira aprovado pelos seus credores e homologado no âmbito do processo 121/14.2TBAMT que correu termos no tribunal de Amarante, sendo que até à presente data nunca o dito plano foi interrompido ou declarado findo, nem declarado o seu incumprimento.
Assim, tal facto sempre seria causa e fundamento de inaplicabilidade do disposto no art. 17-ºG, n.º 3, do C.I.R.E.
Acresce que a requerente promoveu nestes meses uma profunda alteração da sua atividade que concorre para o afastamento da alegada situação de insolvência, sendo certo que poderá propor novo processo de revitalização atentas as novas circunstâncias em que se encontra.
O credor C…, SA veio pronunciar-se no sentido de ser mantida a decisão de distribuição do atual processo como processo de insolvência.
Alega, para o efeito, que o recurso pela devedora ao segundo PER demonstra que é inequívoco que a mesma se encontra incapaz de cumprir as obrigações que assumiu no primeiro processo, sendo a repristinação do primeiro plano inadmissível uma vez que a mesma não tem condições para o executar.
Apreciando.
Nos termos do art. 17.º-I, n.º 5, do C.I.R.E. na sua atual redação “caso o juiz não homologue o acordo, aplica-se com as necessárias adaptações o disposto nos n.ºs 2 a 4 e 7 do artigo 17.º-G”. Quer isto dizer que, ao contrário do que refere a devedora, nos casos em que um tribunal não homologa o plano de revitalização apresentado pela devedora, a mesma não pode atualmente recorrer a novo processo de revitalização pelo prazo de dois anos.
Por outro lado, analisada a petição inicial apresentada pela devedora nos presentes autos, constatamos que a mesma nela refere a existência de um PER anterior que foi homologado. Mais refere que, o recurso a esse PER lhe permitiu inverter a tendência decrescente de atividade. Contudo, a mesma veio a constatar que o cumprimento das obrigações assumidas nesse PER vem-se revelando de difícil cumprimento, impondo-se nova negociação com os seus credores.
Como é evidente a apresentação por parte da devedora deste segundo PER traduz-se num reconhecimento de que a mesma se encontra incapaz de cumprir as obrigações que assumiu no primeiro processo. Se assim não fosse, não teria qualquer efeito útil a apresentação do mesmo.
Assim, entendemos que assiste razão ao C… quando refere que a repristinação do primeiro plano é inadmissível.
Por último, tendo o Sr. AJP apresentado um parecer no sentido de que a devedora se encontra insolvente não cremos que exista qualquer fundamento legal para o tribunal declarar o encerramento do processo e não dar cumprimento ao preceituado no art. 17.º-G, n.º 3 e 4, do C.I.R.E. Essa obrigação decorre da própria lei não se prevendo que o juiz do processo analise o que é invocado pelo AJP e conclua que o que invoca não é fundamento para a declaração da insolvência.
Não aceitando a devedora essa situação de insolvência o que poderá fazer, desde logo, é deduzir embargos no processo de insolvência que venha a ser instaurado por força da distribuição da aludida certidão.
Acresce que este tribunal tem o entendimento de que, nos casos em que o AJP emite parecer no sentido da insolvência da devedora e seja intentado processo de insolvência, impõe-se nesse processo que a devedora seja citada e possa deduzir oposição, sendo certo que nesse processo virá a ser discutida a impossibilidade da devedora em cumprir com as suas obrigações.
Por todo o exposto, indefere-se o requerido pela devedora e, em consequência, renova-se o despacho de fls. 907, 1.ª parte.
Por outro lado, determina-se que na certidão a extrair para distribuição se faça constar a informação de que está pendente neste juízo o processo identificado a fls. 1055, anexando-se cópia de fls. 1055 para os efeitos tidos por convenientes”.
*
O requerente-devedor veio interpor recurso do despacho.
*
Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
1 - Foi a Recorrente notificada do despacho proferido pelo Tribunal a quo nos termos do qual foi determinada a distribuição dos autos como processo especial de insolvência.
2 - Com efeito, não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento, que viola o disposto no artigo 17.º-G, n. 1 e n.º 2 do CIRE e 2.º da CRP.
3 - Desconsiderando o Tribunal os argumentos aduzidos pela Recorrente, e fundando a decisão única e exclusivamente no parecer – manifestamente infundado e descontextualizado – do Sr. Administrador.
Senão vejamos,
4 - No âmbito dos presentes autos, foi proferida decisão de não homologação judicial do plano de revitalização, não obstante a sua aprovação pela maioria dos credores, o que veio a ser confirmado pelo Tribunal da Relação.
5 - Perante tal facto, requereu a Devedora que o Tribunal a quo determinasse o encerramento dos autos, permitindo que esta e os seus credores, caso assim entendessem, viessem a apresentar novo PER ou fosse retomado o cumprimento do plano anterior.
6 - Notificados para se pronunciarem, apenas um dos credores da Devedora se opôs à sua pretensão, tendo todos os demais manifestado a sua aceitação, porquanto, convidados para tal, não se opuseram às pretensões da Devedora.
7 - Não obstante, e novamente ao arrepio da vontade dos credores, veio o Tribunal a quo a declarar “(…) Como é evidente a apresentação por parte da devedora deste segundo PER traduz-se num reconhecimento de que a mesma se encontra incapaz de cumprir as obrigações que assumiu no primeiro processo. Se assim não fosse, não teria qualquer efeito útil a apresentação do mesmo (…)”.
8 - Carece de fundamento legal o despacho proferido pelo Tribunal a quo, partindo de raciocínio erróneo e desleal com os princípios que o CIRE estabelece para o Processo Especial de Revitalização.
10 - É evidente que uma sociedade que se apresenta a PER está em situação económica difícil, é este um dos requisitos de tal apresentação, mas se os credores e a lei determinam as condições em que tal processo pode e deve ser admitido, e se, de forma relevante os seus credores manifestam acreditar na sua recuperação, porque há de o Tribunal opor-se (onde a lei não se opõe?)?
11 - A lei, em momento algum, impede a repristinação alegada inexistindo por isso fundamento legal que dê conforto à posição assumida pelo Tribunal a quo.
12 - Acresce que, o primeiro PER na Recorrente foi aprovado e homologado inexistindo qualquer declaração de incumprimento.
13 - O parecer do Tribunal a quo além de não ter respaldo na lei, contraria o espirito do legislador que omite este impedimento propositadamente.
14 - Caso o legislador entendesse que tal repristinação não era admissível teria previsto expressamente tal impossibilidade, como fez, a titulo de exemplo, no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 26/2015 que regula o Procedimento SIREVE.
15 - Desta forma, andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente o argumento aduzido pelo Recorrente, o que se requer seja reconhecido e declarado, com a consequente extinção dos presentes autos.
Ainda,
16 – O Tribunal assenta a sua decisão no parecer do Sr. Administrador – proferido em abril de 2017 -, o qual é composto por três linhas, sem cuidar de apurar quais os factos, números ou documentos que permitiram tal conclusão.
17 – Decorreram dez meses desde a prolação do parecer, sendo que a empresa continua a laborar e a executar o plano que delineou para a sua recuperação.
18 – Ou seja, durante estes meses a Devedora, vem aplicando as medidas de reestruturação e revitalização a que se propôs – com dificuldade é certo se atendermos à absoluta instabilidade da sua situação jurídica, mas com resultados favoráveis que já vão surgindo, numa redução substancial dos seus encargos correntes.
19 - Este esforço e estes resultados são ignorados na decisão proferida, que nem tão pouco cuidou de pedir nova apreciação ao Senhor Administrador, e desta vez fundamentada, seguindo a facilidade de se basear no que já estava nos autos, ainda que desfasado da realidade.
20 - Desta forma, e ainda que se entendesse que seria de aplicar – in casu – a cominação prevista no artigo 17.º-G do CIRE – o que não se concede conforme de seguida exporemos – sempre seria necessário requerer novo parecer ao Senhor Administrador, o qual atendesse à nova realidade da empresa.
21 - Assim, andou mal o Tribunal a quo ao determinar a distribuição dos autos ao invés do encerramento, e mais gravemente quanto funda a sua decisão num parecer desatualizado e sem fundamento, violando assim o disposto no artigo 17.º-G, n.º 4 do CIRE.
Acresce ainda que,
22 - Vem o Tribunal a determinar a aplicabilidade do disposto no artigo 17.º-G do CIRE, ao caso dos autos.
23 - Não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento, porquanto o dito mecanismo foi criado pelo legislador para acorrer às situações de não aprovação e não para os casos de não homologação, cujas consequências não estão previstas no CIRE.
24 - O normativo tem aplicabilidade direta aos casos em que o devedor ou os seus credores concluem que não é possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D,
25 - In casu, o acordo foi alcançado com o voto favorável da maioria dos credores, e o prazo não foi ultrapassado, o que só por si já afasta aplicabilidade do normativo.
26 - A empresa não se encontra em situação de insolvência, tanto mais que, encontra-se já em fase de implementação do plano desejado pelos seus credores.
27 - Assim, e contrariamente ao entendimento preconizado pelo Tribunal, in casu, não se verificam os pressupostos de que depende a cominação prevista no artigo 17.º-G, n.º 3 do CIRE.
28 - Ora, ao decidir em sentido contrário violou o Tribunal a quo o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º-G do CIRE e, mais gravemente, o principio constitucional previsto no artigo 2.º da CRP.
29 - Na verdade, a decisão proferida viola a expetativa jurídica da maioria dos credores da Recorrente, os quais votaram favoravelmente e creem na revitalização da Recorrente e na satisfação dos seus créditos através do plano apresentado.
30 - Sendo que, importará recordar que TODOS os credores – os quais representam a totalidade dos créditos reclamados e reconhecidos - foram notificados do requerimento apresentado pela Recorrente através do qual requereu o encerramento do processo e APENAS um dos credores – cujo crédito não está garantido – se pronunciou no sentido do indeferimento da pretensão da Recorrente.
31 - In casu, é manifesto que os factos aconselhavam melhor ponderação e diferente decisão.
32 - Em suma, o despacho proferido pelo Tribunal a quo é manifestamente violador dos preceitos aplicáveis, mormente, do disposto no artigo 17.º-G, n.º 1 e n.º 2 do CIRE e, mais gravemente, do principio constitucional consagrado no artigo 2.º da CRP o que deverá determinar a sua revogação, o que se requer seja julgado por este Venerando Tribunal.
Termina por pedir a revogação do despacho proferido e a sua substituição por outro que determine o encerramento do processo especial de revitalização, ou caso assim não se entenda, a revogação e substituição por despacho que ordene a notificação do administrador judicial provisório para apresentar o parecer fundamentado previsto no art. 17º-G do CIRE.
*
Não foi apresentada resposta ao recurso.
*
O recurso foi admitido como recurso de apelação.
*
Dispensaram-se os vistos legais.
*
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º da Lei 41/2013 de 26/06.
A questão a decidir consiste em saber se estão reunidos os pressupostos para declarar encerrado o processo, com os efeitos previstos no art. 17º-G/3 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (abreviadamente CIRE).
*
2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
- Na petição inicial apresentada pela devedora nos presentes autos, a mesma nela refere a existência de um PER anterior que foi homologado. Mais refere que, o recurso a esse PER lhe permitiu inverter a tendência decrescente de atividade. Contudo, a mesma veio a constatar que o cumprimento das obrigações assumidas nesse PER vem-se revelando de difícil cumprimento, impondo-se nova negociação com os seus credores.
- O Sr. AJP apresentou um parecer no sentido de que a devedora se encontra insolvente.
*
3. O direito
- Do encerramento do processo especial de revitalização com os efeitos previstos no art. 17º-G/3 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (abreviadamente CIRE).
- Antes de entrar na apreciação do mérito do recurso cumpre ter presente o regime jurídico aplicável.
O processo especial de revitalização previsto nos art. 17º-A a 17º-H do CIRE, foi introduzido com a Lei 16/2012 de 20 de abril, que constitui a sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [abreviadamente CIRE], aprovado pelo Decreto -Lei n.º 53/2004, de 18 de março, alterado pelos Decretos -Leis n.os 200/2004, de 18 de agosto, 76 -A/2006, de 29 de março, 282/2007, de 7 de agosto, 116/2008, de 4 de julho, e 185/2009, de 12 de agosto.
A mais recente alteração introduzida ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas pelo DL 79/2017 de 30 de junho, que entrou em vigor a 01 de julho de 2017, incidiu sobre o processo de revitalização (art. 8º).
Em sede de normas transitórias, o art. 6º/1 do citado diploma, prevê que “as disposições do diploma são imediatamente aplicáveis aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, com exceção do disposto nos números seguintes”.
O presente processo foi instaurado em 2016.
A decisão que não homologou a medida de recuperação transitou em julgado em data posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo DL 79/2017 de 30 de junho, aplicando-se o novo regime ao presente processo.
*
No âmbito do presente processo especial de revitalização instaurado pelo devedor/empresa a medida de recuperação aprovada não foi objeto de homologação judicial.
Desta decisão foi interposto recurso.
O Administrador Judicial Provisório, após ouvir o devedor e os credores, deu o parecer previsto no art. 17º-G/3 CIRE, no sentido da declaração de insolvência da requerente-devedor.
Proferiu-se despacho que ordenou que fosse extraída certidão de certas peças processuais e a respetiva remessa das mesmas à distribuição como processo de insolvência.
Depois de proferido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a decisão da 1ª instância veio o requerente-apelante requerer o encerramento do processo, afastando a aplicação do disposto no art. 17º-G/3 CIRE.
A pretensão do requerente não foi atendida.
No presente recurso o apelante insurge-se contra o decidido, renovando parte dos argumentos já debatidos na 1ª instância e invocando novos argumentos, pretendendo que se declare encerrado o processo especial de revitalização, sem os efeitos previstos no art. 17º-G/3 CIRE ou que se ordene ao Administrador Judicial Provisório a realização de novo relatório.
O processo especial de revitalização, como se prevê no art- 17º-A/1 do CIRE destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
O Processo Especial de Revitalização constitui um processo pré-insolvencial, através do qual qualquer devedor pode obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente ( art. 17º-A/2 CIRE ).
Apenas pode aceder ao procedimento especial de revitalização o devedor que se encontre em situação económica difícil ou de insolvência iminente e reúna as condições necessárias para a sua recuperação.
O encerramento do processo ocorre com a homologação judicial da medida aprovada ( art. 17º- F CIRE ) e ainda, quando se conclua de forma antecipada não ser possível o acordo ( art. 17º-G/1 CIRE ), se tenha ultrapassado o prazo previsto no art. 17º-D/5 ( art. 17º-G/1 CIRE ) e quando a empresa ponha termo às negociações (art. 17-G)/5 CIRE).
Nas situações em que o acordo não foi homologado pelo juiz, a lei não previa as consequências de tal decisão e regime a seguir. A doutrina e a jurisprudência consideravam que se aplicava por analogia ou por interpretação extensiva, o regime previsto para a homologação de acordos extrajudiciais de recuperação de empresa, previsto no art. 17º-I CIRE e por remissão deste preceito o regime do art. 17º-G CIRE. Mas mesmo aqui era suposto que a causa da não homologação da medida resultasse da inobservância dos critérios legais quanto à votação e aprovação[2].
Esta questão mostra-se ultrapassada com a nova redação do art. 17º-F/8 CIRE, introduzida pelo DL 79/2017 de 30 de junho, que passou a prever que “caso o juiz não homologue o acordo aplica-se o disposto nos nº2 a 4, 6 e 7 do art. 17º G”.
Prevê o art. 17º-G do CIRE sob a epígrafe ”Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação”:
1 - Caso a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 5 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º -D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius.
2 - Nos casos em que a empresa ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
3 - Estando, porém, a empresa já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência da empresa, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1.
4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respetiva insolvência, aplicando -se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
5 - A empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
6 - O termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
7 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no nº4, o prazo de reclamação de
créditos previsto na alínea f) do nº1 do artigo 36º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do nº2 do art. 17º-D.
Resulta do atual regime que ao encerramento do processo especial de revitalização com fundamento na não aprovação de medida, não homologação de medida aprovada e não homologação de acordo extrajudicial, aplica-se o regime previsto no art. 17º-G do CIRE.
Os efeitos do encerramento são distintos consoante se verifique, ou não, uma situação de insolvência da empresa.
Cabe ao administrador judicial provisório apresentar o parecer sobre a situação da empresa e caso conclua no sentido de considerar a empresa em situação de insolvência, segue-se a declaração de insolvência da empresa, com a tramitação prevista no art. 17º-G /3 /4 do CIRE.
No caso presente o apelante veio requerer o encerramento do processo, afastando-se a aplicação do disposto no art. 17º-G/3 do CIRE.
Argumenta o apelante sob os pontos 1 a 15 que a não homologação da medida aprovada importa a repristinação da medida anteriormente adotado no âmbito do processo especial de revitalização, que correu os seus termos como Proc.121/14.2TBAMT, Tribunal Judicial de Amarante e por isso, o encerramento do presente processo não pode determinar a declaração de insolvência da empresa.
Cumpre ter presente desde logo que a lei não prevê tal situação – repristinação de medida anterior -, como fundamento de encerramento do processo.
Resulta dos factos apurados que a própria apelante fundamentou o novo pedido de revitalização na impossibilidade de cumprir as medidas aplicadas naquele outro acordo de revitalização e por isso, não pode pretender que se considere estar em condições de o cumprir.
O administrador judicial provisório apresentou o seu parecer no sentido de considerar a empresa em situação de insolvência atual, depois de ouvir a empresa sobre a questão. Tal como se refere no despacho recorrido será em sede de processo de insolvência que cumpre aferir da verificação da situação de insolvência, sendo certo que o tribunal de 1ª instância não formulou qualquer juízo sobre a situação de insolvência, limitando-se a extrair certidão de peças processuais e a remeter para distribuição, como processo de insolvência, não cumprindo nesta sede aferir do modo e forma como pode a empresa reagir.
Esta observação justifica-se face ao teor do Acórdão do Tribunal Constitucional 401/17 de 12 de julho de 2017[3] ( www.tribunal.constitucional.pt ) e para desde já deixar expresso que não tem aqui aplicação a apreciação do juízo de constitucionalidade, na medida em que não foi tomada qualquer decisão sobre a situação de insolvência.
Conclui-se, assim, que face ao parecer do administrador judicial provisório e ao disposto no art. 17º-G/4 do CIRE, não merece censura a decisão que indeferiu o requerido afastamento do cumprimento do art. 17º-G/3 do CIRE.
Argumenta, ainda, o apelante sob os pontos 16 a 21, que sempre deveria o juiz do tribunal “a quo” ter solicitado um novo parecer atualizado ao administrador da insolvência provisório, em virtude da empresa ter cumprido a medida aprovada até ser proferido o acórdão do Tribunal da Relação.
A omissão de tal formalidade a verificar-se constitui uma nulidade processual.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[4].
Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[5].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.
A omissão de pronúncia sobre a realização de novo parecer não constitui uma nulidade principal, pois não consta como tal na previsão do Código da Insolvência, nem do elenco das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 199º CPC.
Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC.
Verifica-se que o administrador judicial provisório apresentou o parecer no momento e fase própria, após prolação da sentença que não homologou a medida aprovada. Não prevê a lei que se deve completar tal parecer na eventualidade de recurso da decisão, nem tal requerimento foi formulado pelo apelante.
Conclui-se, assim, que não foi omitida qualquer formalidade, sendo certo que a ter ocorrido, sempre estaria sanada, porque não foi suscitada pela via própria em 1ª instância e no prazo de 10 dias, a contar da notificação do acórdão do Tribunal da Relação.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.
Nos pontos 22 a 32 das conclusões de recurso suscita a apelante uma questão nova, quando observa que o regime previsto no art. 17-G do CIRE não se aplica às situações, como a dos autos, quando a medida aprovada não foi homologada por sentença.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[6]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente ) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente ) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[7]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[8] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
Podemos concluir que os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
Verifica-se que os factos e novos argumentos que os apelantes vêm introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados, pois constituem novos fundamentos de sustentação da defesa que não foram alegados no requerimento apreciado no despacho recorrido.
Conclui-se, assim, nos termos do art. 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os factos novos que a apelante vem alegar e bem assim, os novos fundamentos de sustentação da sua defesa, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem“ está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte.
Contudo, atento o já exposto a respeito dos efeitos do encerramento do processo especial de revitalização, sempre seria de considerar que o regime previsto no art. 17º-G/3/4 CIRE tem aplicação na situação dos autos, porque assim está previsto no art. 17º- F/8 do CIRE.
Por fim, alega o apelante que a aplicação do regime do art. 17ºG/3/4 apesar da aprovação da medida de recuperação, viola o princípio constitucional previsto no art. 2º CRP.
A respeito da conformidade da interpretação das normas jurídicas com o direito constitucional refere Gomes Canotilho:
“O princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é fundamentalmente um princípio de controlo ( tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação ) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”[9].
Afigura-se-nos, porém, que a interpretação defendida, não contende com os princípios constitucionais que garantem o estado de direito democrático ( art. 2º CRP ), em particular a garantia de efetivação dos direitos.
O regime previsto como processo especial de revitalização prevê a homologação judicial do acordo de revitalização, pelo que, a sua eficácia não depende apenas da aprovação pela maioria dos credores. Desta forma, o facto de não ser homologado o acordo com o consequente encerramento do processo resulta da forma como foi concebido o procedimento, prevendo a lei a forma e modo de reagir contra a decisão judicial de não homologação e encerramento do processo, ficando garantida a efetivação dos direitos.
Improcedem, também, nesta parte as conclusões de recurso.
*
Conclui-se que a decisão recorrida não merece censura quando não atendeu o requerimento formulado pelo apelante.
*
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante, sem prejuízo da isenção de que goza nos termos do art. 4º/1 u) Regulamento das Custas Processuais.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.
*
Custas a cargo da apelante, sem prejuízo da isenção de que goza nos termos do art. 4º/1 u) RCP.
*
Porto, 24 de Setembro de 2018
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
_______
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico
[2] Cfr. CATARINA SERRA O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, 2ª edição, Coimbra, Almedina, Março 2017, pag. 111 a 114
[3] “ Decisão:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, números 1 e 4, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 17.º-G, n.º 4, do CIRE, quando interpretada no sentido de o parecer do administrador judicial provisório que conclua pela situação de insolvência equivaler, por força do disposto no artigo 28.º - ainda que com as necessárias adaptações -, à apresentação à insolvência por parte do devedor, quando este discorde da sua situação de insolvência, e, em consequência,
b) não conceder provimento ao recurso”.
[4] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156.
[5] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357.
[6] JOÃO CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5.
[7] JOÃO CASTRO MENDES, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil , vol V, pag. 382, 383.
[8] Cfr. os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 Ac. Rel. Porto 20.10.2005, Proc. 0534077 Ac. Rel. Lisboa de 14 de maio de 2009, Proc. 795/05.1TBALM.L1-6; Ac. STJ 15.09.2010, Proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1(http://www.dgsi.pt)
[9] J.J.GOMES CANOTILHO Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, (7ª Reimpressão) Coimbra, Almedina, 2003, pág.1226.