Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1617/13.9TMPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: ALIMENTOS À MÃE
CUMULAÇÃO COM A REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RP201410201617/13.9TMPRT-A.P1
Data do Acordão: 10/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O n.º 2 do artigo 1884.º do Código Civil, estabelecendo que a mãe pode pedir os alimentos que lhe são devidos, em relação ao período da gravidez e ao primeiro ano de vida do filho a que se reporta o n.º 1 do mesmo artigo, na acção de investigação de paternidade e que tem direito a alimentos provisórios se a acção foi proposta antes de decorrido o prazo a que se refere o número anterior, desde que o tribunal considere provável o reconhecimento, não restringe o exercício desse direito à acção de investigação de paternidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1617/13.9TMPRT-A.P1.
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I- O n.º 2 do artigo 1884.º do Código Civil, estabelecendo que a mãe pode pedir os alimentos que lhe são devidos, em relação ao período da gravidez e ao primeiro ano de vida do filho a que se reporta o n.º 1 do mesmo artigo, na acção de investigação de paternidade e que tem direito a alimentos provisórios se a acção foi proposta antes de decorrido o prazo a que se refere o número anterior, desde que o tribunal considere provável o reconhecimento, não restringe o exercício desse direito à acção de investigação de paternidade.


Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
B… intentou acção para regulação do exercício das responsabilidades parentais, no Tribunal de Família e Menores do Porto, contra C…, ambos melhor identificados nos autos.
1.1 A requerente alega que da união não matrimonial que manteve com o requerido e que durou cerca de três anos, nasceu o filho menor de ambos, pouco mais de três meses antes da data de propositura da acção.
A ruptura no relacionamento ocorreu logo após o conhecimento da gravidez, altura em que o requerido se afastou definitivamente da requerente e, até cerca de um mês antes da propositura da acção, o requerido nunca demonstrou interesse pelo filho e nunca se dispôs a contribuir para o sustento, habitação e alimentação do mesmo, impondo-se a respectiva regulação. A própria requerente teve que deixar a respectiva profissão devido à gravidez e ao estado de saúde e cuidados que daí advêm, pelo que ficou sem o seu único meio de subsistência, tendo como únicos rendimentos o rendimento social de reinserção e o abono de família de crianças e jovens, vivendo com recurso a ajuda e empréstimos de familiares.
Pretende que seja decretada a regulação das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor de ambos, nos termos que expõe na petição, devendo o requerido ser condenado a pagar uma pensão de alimentos ao menor em valor que liquida.
Cumulativamente, a requerente também pretende a condenação do requerido no pagamento de prestação que liquida, a título de alimentos para si própria, nos termos do artigo 1884.º do Código Civil.
Foi proferido despacho liminar nos seguintes termos:
«Notifique a/o requerente e cite o/a requerido/a para a conferência a que se refere o art.º 175.º da O.T.M a ter lugar no dia (…), pelas 11,20 horas.
Vem também a requerente formular um pedido de alimentos a seu favor, nos termos do art.º 1884 do CC.
Tal pedido, como resulta da leitura do n.º 2 do citado artigo, tem cabimento tão só na ação de investigação de paternidade.
Assim tal pedido não pode ser cumulado na ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, motivo pelo qual o indefiro liminarmente.
Custas do incidente a cargo da requerente em 1UC – art.º 7.º, n.º 4 da tabela II do RCP. (…)»
1.2 A requerente, não se conformando com a decisão proferida, interpôs o recurso aqui em apreciação, concluindo a motivação nos seguintes termos:
«1) Nos termos do artigo 1884.º do CC, não se retira a impossibilidade de a aqui apelante poder fazer o pedido de alimentos juntamente com o pedido de regulação das responsabilidades parentais e alimentos ao filho menor;
2) Caso se entenda que está em causa uma situação de incompetência do tribunal, nos termos do artigo 81.º, al. f) da Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro, deve-se interpretar extensivamente a referida norma, uma vez que este é o tribunal adequado para a atribuição de tais alimentos:
2.1) Quer por uma questão de conhecimento de causa e de regulação futura das responsabilidades parentais e de atribuição de alimentos ao filho menor com a qual deve ser relacionada a atribuição de alimentos à mãe, não sendo dissociáveis umas questões das outras,
2.2) Quer porque apesar de o legislador não o ter referido diretamente, pode-se considerar abarcada em tal norma esta situação concreta.»
Termina afirmando que o recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida em conformidade com o que deixa exposto, e admitindo-se o pedido de alimentos à mãe nos termos do artigo 1884.º do Código Civil.
1.3 Não houve resposta.
2. Colhidos os vistos e na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela apelante definem a matéria que é objecto de recurso e que cabe aqui precisar, em face do que se impõe decidir a seguinte questão:
● A admissibilidade da cumulação do pedido de alimentos à mãe, nos termos do artigo 1884.º do Código Civil na acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
II)
Fundamentação
1. Factos relevantes.
Relevam para a apreciação do recurso os factos que se deixaram sumariamente enunciados no relatório que antecede.
2. O artigo 1884.º do Código Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 479/77, de 25 de Novembro – e que subsiste –, estabelece o seguinte:
O pai não unido pelo matrimónio à mãe do filho é obrigado, desde a data do estabelecimento da paternidade, a prestar-lhe alimentos relativos ao período da gravidez e ao primeiro ano de vida do filho, sem prejuízo das indemnizações a que por lei ela tenha direito (n.º 1); a mãe pode pedir os alimentos na acção de investigação de paternidade e tem direito a alimentos provisórios se a acção foi proposta antes de decorrido o prazo a que se refere o número anterior, desde que o tribunal considere provável o reconhecimento (n.º 2).
A norma citada estabelece no n.º 1 uma inequívoca obrigação de prestação de alimentos, relativamente ao pai não unido pelo matrimónio à mãe do filho, por um período temporal que se prolonga pelo período da gravidez e o primeiro ano de vida do filho.
A verificação dos respectivos pressupostos e a omissão de cumprimento da obrigação legitimam o procedimento judicial para a prestação de alimentos.
Pode questionar-se o alcance desta disposição, especificamente, se a pretensão visando obter o cumprimento dessa obrigação tem cabimento tão só na acção de investigação de paternidade, como se afirma na decisão recorrida, se bem se interpreta a mesma.
Acompanha-se a este propósito a leitura da recorrente quando afirma que, não restando dúvidas de que o pedido de alimentos tem cabimento na acção de investigação de paternidade, não se restringe a esta.
Na verdade, o n.º 2 do artigo 1884.º, ao invés de restringir, amplia antes a possibilidade da mãe exercitar o direito a alimentos aos casos em que ainda decorre acção de investigação de paternidade, podendo aí efectuar o pedido e, sobretudo, requerer alimentos provisórios no caso de não estar ainda estabelecida a paternidade, desde que o tribunal considere provável o reconhecimento da mesma.
Reportando-nos ao caso dos autos, evidencia-se que não está em causa a paternidade do requerido, não estando vedado à recorrente a possibilidade de requerer a prestação de alimentos, em cumulação com a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho de ambos.
A recorrente, questionando a possibilidade de se entender que está em causa uma situação de incompetência material do tribunal, nos termos do artigo 81.º, alínea f), da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, defende que se deve interpretar extensivamente a referida norma, uma vez que o tribunal recorrido é o adequado para a atribuição de tais alimentos.
A leitura do despacho recorrido não evidencia que a razão do indeferimento liminar assente no entendimento da incompetência material do tribunal. De qualquer modo, tal entendimento não prevalecia perante a interpretação abrangente da aludida norma, na medida em que estão em causa alimentos a prestar à mãe, pelo pai, em função do nascimento do filho de ambos, resultando da norma ser esta matéria da competência do Tribunal de Família e Menores.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas e dando provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida, que indeferiu liminarmente o pedido de alimentos deduzido pela requerente a seu favor.
Sem custas.
*
Porto, 20 de Outubro de 2014.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Rita Romeira