Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1144/19.0T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: CONTRATO MISTO
CONTRATO DE EMPREITADA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Nº do Documento: RP202511271144/19.0T8PVZ.P1
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Pode definir-se o contrato misto como um negócio cujos elementos essenciais combinam diferentes tipos de contratos, como numa situação em que uma das partes se compromete a uma prestação que se compõe das prestações que integram a empreitada e a compra e venda, enquanto que a outra parte se compromete ao pagamento do preço unitário correspondente às duas prestações.
II - Estando em causa um contrato misto, importa apurar o regime a aplicar, perfilando-se três teorias: a teoria da absorção, que postula que haverá que individualizar o elemento preponderante do contrato e aplicar-se a todo o contrato o regime do contrato típico em que esse elemento preponderante se integra: a teoria da combinação, que defende a combinação das normas das diversas espécies contratuais que compõem o contrato misto, criticando a teoria da absorção por. em certas situações, não ser possível determinar o elemento preponderante do contrato: e a teoria da aplicação analógica, nos termos da qual é ao juiz que compete fixar o regime, de harmonia com os princípios válidos para o preenchimento das lacunas do contrato.
III - No caso, face ao que foi contratado, é a empreitada que se apresenta como o fim principal do contrato celebrado entre as panes, pelo que o regime a aplicar ao contrato no seu todo, deveria ser o da empreitada.
IV - Contudo, tendo em consideração que a autora nenhum incumprimento imputa à ré no que diz respeito à prestação correspondente à empreitada, não se justifica, na situação concreta em apreciação, seguir o regime da empreitada, devendo, antes, ser aplicado o regime da compra e venda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1144/19.0T8PVZ.P1



Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:



I - RELATÓRIO

A..., Ld.ª instaurou ação contra B..., Ld.ª, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 154.694,32, a título de dano patrimonial e € 10.000 a título de dano não patrimonial.
Alegou, em suma, que no exercício da sua atividade decidiu montar um conjunto de estufas para produção de pimentos; que foi informada sobre a plantação efetuada em sistema hidropónico de sacos de cultivo, composto de fibras de coco e aconselhada a contratar a Ré para concretização desse projeto; contactada, a Ré propôs-se fornecer a estrutura e montagem de um sistema de cultivo para a área de 8.736 m2, composto por canais de drenagem para suporte da estrutura de cultivo hidropónico, uniões para os canais, suportes elevados para sacos de cultivo e sacos de fibra de coco, bem como assessoria, no valor de € 33.432,66; que, contudo, no início de 2017, arrancou com a primeira campanha através do novo método de cultivo, seguiu o manual de recomendações, mas notou um resultado abaixo das expetativas de produção; no período de Maio a Julho, surgiram doenças nas plantas que não seriam expetáveis com aquele método, o que foi reportado à Ré; que em 2018, a produção caiu abruptamente; que verificou, com a primeira plantação em janeiro desse ano, que o saco estava húmido, em fevereiro as plantas não se desenvolviam como era suposto e apresentavam folhas amareladas, em abril apresentavam grandes deficiências de crescimento, com a parte radicular a não progredir; tentadas várias soluções, sem resultado, pediram à Ré a ficha técnica dos sacos hidropónicos que haviam sido instalados, verificando-se que o produto vendido não correspondia às características do que foi contratado e que a humidade excessiva decorrente da granulometria muito fina provocou o não desenvolvimento das plantas e o aparecimento de doenças; que como os sacos adequados à sua produção não lhe foram fornecidos, facto que denunciou à Ré, que nada fez, foi forçada a substituir todos os sacos de fibra de coco por outros com as caraterísticas corretas, no que despendeu € 13.672,93, para além de ter sofrido prejuízos resultantes da perda de produção, que quantifica; que sofreu também danos na sua imagem devido à perda de confiança dos clientes.

A ré apresentou contestação, alegando que foi contactada pela autora para o fornecimento e montagem de um sistema de cultivo para a área de 8.736 m2; que não se dedicava à produção e comercialização dos sacos necessários à produção, mas tinha contactos com um fornecedor especializado, tendo a Autora solicitado que encomendasse aqueles que pretendia, eventualmente para beneficiar de melhores condições comerciais quanto ao preço, ao que anuiu, solicitando que identificasse o produto pretendido, o que a autora fez, indicando os sacos designados por coco super grosso; que os sacos foram transportados desde a Índia, por via marítima, e seguiram para a exploração da autora, sem que a ré tivesse obtido qualquer proveito económico de tal transação; que só em momento posterior a março de 2018 a Autora reportou problemas com os sacos, e que os problemas invocados pela autora resultaram de más práticas de produção levadas a cabo pela própria autora.
A ré deduziu, ainda, reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 22.852,89 acrescida do montante dos juros moratórios calculados à taxa para as operações comerciais até efetivo e integral pagamento, alegando que no âmbito da sua atividade, procedeu ao fornecimento e montagem de uma rede de condutas de distribuição e coletor, sistema de rega e canal drenante e encomendou os sacos de cultivo com pagamento à fornecedora e subsequente faturação à demandante, acordando o valor global de € 46.269,33; que emitiu cinco faturas, tendo a Autora pago a primeira, no montante de € 12.806,67 e € 15.000 relativamente à segunda, estando em dívida € 18.462,66; contabilizou os juros até 30 de setembro de 2019 em € 4.390,23.
Pediu também a condenação da Autora como litigante de má fé multa e indemnização não inferior a € 10.000 por falsear pontos invocados que discriminou e omitir outros relevantes para a boa decisão da causa.

Foi apresentada réplica, pela autora, que admitiu o valor em dívida, mas invocou a exceção de não cumprimento do contrato relativamente à desconformidade dos sacos, pedindo, por sua vez, a condenação da ré como litigante de má fé.
Houve, ainda pronúncia quanto às exceções e pedidos de litigância de má fé.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu:
“Em face do exposto, o Tribunal:
A) julgando a ação não provada e improcedente, absolve a Ré B..., Ld.ª do pedido formulado pela Autora A..., Ld.ª;
B) julgando a reconvenção provada e procedente condena a Reconvinda A..., Ld.ª a pagar à Reconvinte B..., Ld.ª:
a) a quantia de € 18.462,66 relativamente ao capital em dívida das quatro últimas faturas identificadas no ponto 4) da fundamentação de facto;
b) a quantia de € 3.652,50 a título de juros vencidos até 30 de setembro de 2019;
c) juros à taxa que resultar da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de agosto e dos avisos publicados pela Direção Geral de Tesouro e Finanças desde 1 de outubro de 2019 até integral e efetivo cumprimento.
C) julga os incidentes de litigância de má fé improcedentes.
Custas:
- da ação a cargo da Autora;
- da reconvenção a cargo da Ré e da Autora na proporção de 3% e 97%, respetivamente;
- dos incidentes de litigância de má fé, a cargo da parte que suscitou, fixando a taxa de justiça em 1 UC para a Autora e em 2 UCs para a Ré.
Registe e notifique.”.
*

Não se conformando com o assim decidido, veio a autora interpor o presente recurso, o qual foi admitido como de apelação, com subida de imediato, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Formulou a autora as seguintes conclusões das suas alegações:
“1 – O facto 25, deverá ser dado como não provado atentas as declarações que a própria douta sentença nem sequer enuncia e omite (em absoluto) do Prof. AA, autor do livro Manual do cultivo sem solo, que se encontra também junto aos autos, e que foi ouvido no dia 24/04/2023, entre as 14:28h e as 17:12h, onde o mesmo explica que tal situação – substância gelatinosa – nada tem de anormal, e que se reconduz a um biofilm, no que está coadjuvado pela única testemunha que tem conhecimento direto sobre a solução nutritiva aplicada, Eng.º Agrónomo, BB, consultor da Recorrente, no seu depoimento prestado no sai 10/01/2023 entre as 14:45h e as 17:47h, aos min. 02h 25min e as 02h e 50min, que apresenta a mesma explicação para o fenómeno;
2 – Deverá, igualmente o facto 26 ser alterado passando a constar o número de gotejadores a que se refere;
3 – De facto conforme a sentença relata a existência de um problema nos gotejadores e que foram substituídos, parece tratar-se de algo muito relevante, todavia atente-se que para prova deste facto, somente a sentença refere a confissão. Ora, sabemos que foram montados 6.950 conjuntos hidropónicos, contendo cada um 3 gotejadores por saco, pelo que ao terem sido adquiridos 6.600 sacos, numa breve operação de multiplicação constata-se que toda a exploração terá à volta de 6.600 x 3 = 19.800 gotejadores;
4 - Assim sendo, como de facto é, percebe-se que estamos a falar de, somente, 500 gotejadores – vide depoimento de parte do Legal representante da Recorrida, prestado no dia 28/09/2022 entre as 09:51 h e as 12:28 h, entre 00:40 min e 01h:00 min.;
5 – No que toca os Factos 43, 44 e 45 e ainda os factos provados 14, 24, 25, 26, 32, 37 – os mesmos não poderiam ter sidos dados como provados por valoração enquanto confissão, das declarações de parte (art.º 466º do C.P.C.) do Legal Representante da Recorrente, o que se reconduz a uma violação do art.º 466º n.º 2 e 3 e 463º do C.P.C.;
6 - É manifesto que o Legal Representante não admitiu nenhum dos factos, nem os reconheceu de forma clara, expressa e inequívoca, pelo que, a douta sentença conheceu factos de forma que lhe estava vedada, pelo que, por esta banda e salvo melhor opinião, está ferida de nulidade pois conheceu do que não poderia – art.º 615º n.º 1 al. d) C.P.C.;
7 – Por outro lado, a ter existido confissão – que não houve – necessariamente a mesma teria que ser reduzida a escrito – vide artigo 463.º e 466.º n.º 2 do CPC, adquirindo assim um valor de prova plena contra o confitente nos termos do artigo 358.º n.º 1 do CC. – constando em ata, o que, compulsando a respetiva, datada de 04/10/2022, com a referência citius 440750286, se pode confirmar a sua inexistência - cremos que demandará a nulidade do ato nos termos do artigo 195.º n.º 1.;
8 - Ante o exposto, deverão ser desconsiderados como provados os aludidos factos 14, 24, 25, 26, 32, 37 e designadamente os factos 43, 44 e 45 cuja confissão não é manifestamente suportada pelas objetivas e concretas declarações do Legal representante;
9 – Em face aos elementos probatórios existentes dever-se-á dar como provados os factos não provados h) os problemas de crescimento radicavam na incapacidade de drenagem dos sacos; l) foi a humidade excessiva associada às partículas com granulometria muito fina que levou a que as plantas não se desenvolvessem; n) foi a humidade excessiva referida em l) que impediu o desenvolvimento são e escorreito da planta;
10 – Atendendo ao teor das declarações de parte da Recorrente - CC, prestadas no dia 04/10/2022, entre as 10:50 h e as 13:11 h – entre os min 00:20 e 00:40; bem como do depoimento do Eng.º Agrónomo, DD (que trabalhava para a empresa que adquiria à Recorrente a sua produção de pimento), prestado no dia 10/01/2023, entre as 10:10 h e as 11:44h, e do Eng.º BB, BB, consultor da Recorrente, no seu depoimento prestado no sai 10/01/2023 entre as 14:45h e as 17:47h, entre os min. 00:45 e 01:00, que confirmaram não ter havido total expansão do saco;
11 - Conforme confirmou o representante legal da Recorrida, EE, no seu depoimento prestado nos dias, 28/09/2022, entre as 10:17 h e as 12:49 h e no dia 30/09/2022, entre as 09:51 h e as 12:28 h, refere que a Recorrente efetuou várias queixas, segundo o mesmo haveria diferenças nas maturações das plantas e aparecimento de oídio e botrytis, tendo as reclamações da Recorrente levado a que a Recorrida enviasse o seu consultor, Eng.ª FF à exploração, mais reconhecendo a existência de clorose nas plantas.
12 - Por sua vez o Eng.º DD, no depoimento acima indicado, referiu que em 2018 as plantas estavam menos viçosas e mais amarelecidas, factos secundados pelo depoimento do consultor da Recorrente, o Eng.º BB, cujo depoimento já acima foi indicado, o qual, referiu ter feito experiência com um saco fora do sistema de cultivo, em que constatou que passado 15 dias ainda apresentava elevada humidade (encharcado, dixit), atribuindo a uma grande tensão no saco na retenção da água – vide depoimento já supra citado entre 01 h e 00 min. e 01 h e 30 min.;
13 - Por sua vez o então funcionário da Recorrida, Eng.º GG, com depoimento prestado no dia 11-01-2023, entre as 10:00 h e as 12:28, conforme também já indicado, referiu que havia um problema no substrato pois as plantas não estavam a desenvolver bem - vide depoimento entre os min. 00:15 e 02 h e 00 min.;
14 – Da análise ao substrato dos sacos de fibra de coco, feito na Universidade do Algarve, pelo Prof. AA resulta, com pertinência, para os presentes autos que, a capacidade de arejamento nos sacos novos era de 7,9%, nos com plantas normais 1,6% e com plantas pequenas 4,3%, sendo a água total superior a 80% em todos eles.
15 – Por outro lado da análise à sua granulometria verificou-se que a percentagem de partículas inferior a 1 mm (as mais importantes para retenção da água) é de 34,9%, 37,4% e 53,9 % nos sacos com plantas normais, pequenas e não utilizados, respetivamente. Sendo que até 2 mm, a percentagem é de 63,5%, 72,6% e 87,4%, aplicando a mesma ordem de indicação dos sacos;
16 - Ora, atendendo a estes factos constata-se que as diferenças são brutalmente contrastantes, não só pela enorme percentagem de partículas inferiores a 1mm nos sacos da Recorrida, mas também na praticamente ausência de partículas superiores a 5 mm, nunca superior a 10%. Diga-se que, aliás, no saco novo, as partículas superiores a 2 mm correspondem a uma percentagem de 12,4% a qual se confirma no substrato já desfeito à mão.
17 - Dúvidas não se suscitam de que os sacos, efetivamente, não correspondem aos sacos que a Recorrente havia encomendado – vide facto provado 18 – que deveriam ter uma capacidade de arejamento à volta dos 30% e com partículas grandes em relevante percentagem e com o mínimo de partículas finas, para que o substrato fosse altamente drenante e se adaptasse à cultura do pimento;
18 - Da consequência de uma baixa capacidade de arejamento e granulometria muito fina resulta hipoxia radicular e uma retenção de água que impede que as raízes contactem com o ar;
19 - E com tantas partículas finas que descaracterizam o saco fora de qualquer dos intervalos das nomenclaturas passíveis de serem utilizadas, jamais se poderia potenciar uma excelente produção;
20 – Quando se trata de saber não se estamos perante uma possibilidade de exploração de pimentos em sacos de fibra de coco, com granulometria muito fina, mas saber se tais sacos potenciam a capacidade de produção de pimento!!! Ora aqui a resposta é claramente negativa.
21 - Conforme refere o Manual de Cultivo sem Solo, ob. cit. e junta aos autos, o objectivo destas explorações em hidroponia é possibilitaram uma ótima relação entre ar e água na raiz das plantas – fls 20.
22 - E se os substratos são escolhidos conforme as plantas, esta substrato não era o certo para o pimento porque as condições de excessiva humidade que potenciou ao ter uma enorme tensão de água (devido às partículas finas que retêm a humidade), criam-se condições para anaerobiose, o que leva à diminuição de absorção de água e nutrientes – fls. 43 da ob. cit.;
23 - Por outro lado, o crescimento radicular da planta está dependente de um bom arejamento – ob. cit., fls. 85 – pelo que a carência de oxigénio conduz à carência de absorção de nutrientes: uma percentagem inferior a 10% de O2 começa a limitar a absorção de nutrientes – sublinhe-se que os sacos fornecidos pela Recorrida estavam nesse intervalo inferior;
24 - De facto, conclui-se que a fina granulometria impacta a produtividade das plantas, porque influencia a relação ar/água, no sentido das partículas condicionarem o tamanho dos poros - vide o cit. Manual, pág. 106, Quadro 5.4 onde fixa uma taxonomia para a classificação de substratos grosseiros, médio, finos e pó;
25 - Numa palavra, o substrato in casu, por ter uma granulometria muito fina, finíssima, dir-se-ia, e consequentemente uma capacidade de arejamento inferior a 10%, jamais poderia conter em si a virtualidade de possibilitar uma boa produção. Aliás, o facto de o seu arejamento ser inferior a 2% e de ter uma percentagem de partículas inferior a 2 mm, entre 60% a 87%, determina, necessariamente, a impossibilidade de exponenciar a produção de uma cultura altamente sensível à humidade;
26 – O efeito das características morfológicas do substrato dos sacos na produtividade da exploração foi de molde a provocar graves danos à Recorrente, com perdas de produtividade, abaixo até do que já tinha tido com um sistema indiferenciado de produção de pimentos, nos anos de 2015 e 2016;
27 - Assim, reportando-nos aos anos anteriores à implementação deste sistema de cultivo, altamente diferenciado, temos que – vide factos provados 61, 62, 63, 64, 65 e 66, no ano de 2015, a produção total cifrou-se em 113.391,90 Kg, em 2016 105.411,50 Kg, com a implementação, no ano de 2017 do novo sistema de cultivo, logrou-se uma produtividade anual por m2 de 125.498,40 Kg/8.736 m2 = 14,36 Kg/m2, mas em 2018 seria o pior ano de sempre onde a produção por m2 foi de (82.646,70 Kg/8.736 m2 ) 9,4 Kg. – vide factos provados 70, 71 e 72.;
28 - Foi a humidade excessiva do saco, fruto da granulometria extra fina, que levou a que as plantas não se desenvolvessem em boas condições, afectando-as a nível radicular – hipoxia nas raízes – ficando com as folhas amareladas – colorose referida por quase todas as testemunhas. Impedindo que se alcançasse graus de produção bons e óptimos, como seria e era expectável;
29 – Neste sentido depoimento do Eng.ª BB, já invocado, entre os min. 01 h 10 min e 01 h e 30 min.;
30 - Por isso, em finais de 2018, a A. não teve outra hipótese, após ter interpelado a R. e esta nada ter feito – doc. n.º 32 da p.i. – do que adquirir todo um novo conjunto de sacos hidropónicos – doc. n.º 33 -da pi.. Sacos estes com as características correspondentes às do doc. n.º 17, com o que despendeu 13.672,93 €, conforme melhor se alcança do doc n.º 33 e 33A. – vide factos provados 73, 74 e 75;
31 - O que alterou em 2019 para além dos novos sacos? “Nada” segundo o engenheiro agrónomo, BB, consultor da Recorrente – vide entre 01 h e 40 min e 02 h e 00 min.;
32 - Muito embora aqui se pugne por um acrescento da matéria de facto que consubstancie a conclusão que o douto aresto em crise alcançou, isto é, que houve incumprimento por parte da Recorrida, o certo é que foi sufragado um entendimento com o qual a Recorrente não se poderá conformar;
33 - Verifica-se que a douta sentença aceitando que a prestação não foi pontualmente cumprida, aceita a inversão do ónus da prova – art.º 799º - uma vez que nos quedamos no âmbito da responsabilidade contratual;
34 - Isto posto, o resultado que alcança, embora aceitando a desconformidade dos sacos quanto aos que haviam sido encomendados, foi impor o seu pagamento integral e desonerar a Recorrida de qualquer responsabilidade por um fornecimento de sacos totalmente inadequados à produção agrícola da Recorrente. Inadequação esta demonstrada à saciedade e, cremos nós que, revisitada toda a prova, se aprofundam as evidências demonstrativas do grave erro em que a Recorrente caiu, o que a impediu, tout cour, de alcançar níveis de produção consonantes com o tipo de exploração agrícola altamente diferenciado que se propôs desenvolver;
35 – Por ser condição essencial para a celebração da compra e venda dos sacos que estes apresentassem determinadas características – designadamente ao nível da sua granulometria que fosse compatível com uma excelente capacidade de drenagem e de arejamento, isto é, especificações únicas que permitiriam à Recorrente alcançar o que pela Recorrida lhes montado, ou seja, a potencialização da produção – estamos perante um cumprimento defeituoso e não uma compra e venda de coisa defeituosa;
36- Tal conclusão é alicerçada nos ensinamentos de Antunes Varela que concluiu que “a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidade ou requisitos dela, ao objeto da obrigação a que ele estava adstrito” – Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda. A Exceção do Contrato não Cumprido, Parecer publicado na Coletânea de Jurisprudência, Tomo IV 1987, pág. 30;
37 - Nos casos em que há falta de cumprimento, ou cumprimento defeituoso da obrigação, padeça ou não padeça de defeito a coisa entregue, assiste ao contraente lesado o direito ao cumprimento coercivo nos termos do artigo 817.º do Código Civil e o direito de indemnização nos termos gerais;
38 - Salienta Antunes Varela a este propósito que " haverá ao mesmo tempo uma vicissitude mais grave, que é o cumprimento defeituoso da obrigação (ou a falta qualitativa de cumprimento da obrigação), previsto no artigo 799.º do Código Civil ("Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda. A Exceção do Contrato não Cumprido", Antunes Varela, C.J.,1987, 4, pág. 21/35).
39 - Neste sentido, atente-se na Sentença do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de outubro de 2012;
40 - Brandão Proença, in O Não Cumprimento das Obrigações, pág. 453 e ss, no Capítulo sobre O cumprimento defeituoso em geral, alude a Batista Machado: por cumprimento inexato deve entender-se todo aquele em que a prestação efetuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correção e da boa fé”.
41 - Ora, dúvidas não restam de que a Recorrida violou o princípio da pontualidade mediante a entrega de coisa diferente da acordada e, em virtude de no ato da entrega dos sacos estes não virem acompanhados de qualquer ficha técnica, a Recorrente aceitou a prestação, estando de boa-fé e confiando que tudo estaria de acordo com o contratado, sendo mais tarde surpreendida com a desconformidade dos sacos e sofrendo com uma diminuição da produção da cultura de pimentos em resultado de os sacos não serem o que, de verdade, tinha acordado;
42 - Por tal facto, o presente contrato nunca foi cumprido, com a invocação da exceção de não cumprimento pela Recorrente – do que se prevalece, nos termos e para os efeitos do art.º 287º n.º 2 do C.C.: “Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.”;
43 – Como consequências deste incumprimento defeituoso, Antunes Varela in “Das obrigações em geral – Volume II”, Almedina, 5.º edição, pág. 129 consagrou que “a consequência mais importante do cumprimento defeituoso é a obrigação de ressarcimento dos danos causados ao credor”;
44 - Ou seja, propugna-se o entendimento de que o devedor é responsável quando não cumpre a prestação indo ao encontro do acordado com o comprador, pelo que decide pela sua condenação em indemnização pelos prejuízos causados ao comprador com a prestação – leia-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2012 – Proc. n.º 3362/05.TBVCT.G1.S1; de 13-02-2014, Proc. n.º 1115/05.4TCGMR.G1.S1; e de 10-04-2024, Proc. n.º 200/22.2T8MCN.P1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
45 - Destarte, outra opção não existe que não seja a condenação da Ré a ressarcir a Autora pelos prejuízos que a prestação imperfeita acarretou, indemnização esta não dos danos emergentes mas dos seus lucros cessantes, ou seja as consequências que o incumprimento defeituoso lhe determinou, não se estando aqui dependente de qualquer prazo concluindo-se como no Ac. STJ de 10-04-2024, Proc. n.º 200/22.2T8MCN.P1.S1: “Pelas razões indicadas, suportadas nas considerações doutrinárias e jurisprudenciais que foram elencadas supra, entendemos não ser aplicável à situação sub judice o regime específico consignado no artigo 917º do Código Civil, não se verificando os pressupostos de procedência da excepção de caducidade, conforme decidiu acertadamente o acórdão recorrido. Assim sendo, o exercício dos direitos do contraente cumpridor encontra-se à partida sujeito ao prazo geral previsto no artigo 309º do Código Civil.”
46 - Dúvidas não se suscitam que a obrigação incumprida pela Recorrida se reconduz a uma obrigação específica, pelo que a não verificação das características aquela intrínsecas, expressamente, acordadas, de uma dada granulometria (mais de 50% de partículas superiores a 2 mm) e com dada e boa capacidade de arejamento superior a 30%) e face ao acentuado e imenso desfasamento dessas mesmas circunstâncias, determina estarmos perante um cumprimento defeituoso que legitima o recurso à exceção de não cumprimento – por falta de pagamento do preço da Recorrente – e por outro que se apliquem as regras gerais do incumprimento;
47 - Sem prescindir, e ainda que se avente ter sido celebrada uma venda mercantil, uma vez que o negócio foi celebrado entre dois comerciantes, nos termos do artigo 13.º do Código Comercial, prevalece a solução acima referida atendo o entendimento adotado por Maria de Fátima Ribeiro, in A Desconformidade e o Artigo 471.º do Código Comercial: âmbito de aplicação e regime, pág. 20 (artigo publicado na Revista do Instituto do conhecimento AB Instantia – Outubro 2013, Ano I, n.º 2, pág. 13 a 33) onde afirma que “o artigo 469.º estabelece que, no caso da venda sobre amostra, o vendedor se obriga a entregar mercadoria conforme à amostra – não cabendo na ratio desta norma sujeitar o caso de desconformidade da mercadoria às consequências da não verificação da condição (não subsistência do negócio); ao invés, a desconformidade não deixará de sujeitar o vendedor às consequências do incumprimento do contrato previstas no artigo 913.º do Código Civil”.
48 - Neste sentido, também Maria de Fátima Ribeiro conclui que “ao invés, se o defeito é oculto, ou seja, se não pode ser detetado ou reconhecido por este comerciante à primeira vista, nem é percetível através de um exame diligente, já não se tratará de desconformidade ou de inconveniência; antes, estar-se-á perante o incumprimento do contrato regulado pelo direito comum, nos termos e com as consequências previstos nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil.
49 - Chegados à conclusão de que estamos perante o regime da compra e venda defeituosa, é reconhecido ao comprador um leque de possibilidades, nomeadamente, o direito à anulação do contrato – art. 905.º do Código Civil -, ou à redução do preço – art. 911.º do Código Civil -, e ainda a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos – arts. 908.º e 909.º do mesmo diploma legal.
50 - Tendo ficado provado pelo comprador que o saco padecia de um defeito oculto, e não tendo o vendedor em momento algum demonstrado ou provado que tomou as necessárias diligências para assegurar que o produto era entregue livre de vícios e defeitos, ou que este não padecia de qualquer defeito, sobre ele impende a responsabilidade de ressarcir o comprador pelos prejuízos que este sofreu em virtude de lhe ter sido entregue um produto defeituoso.
TERMOS EM QUE deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente, considerando-se não provados os factos acima indicados, bem como ainda provados os também supra aludidos, e ainda, compulsando a fundamentação jurídica expendida, condenar-se a Recorrida nos termos peticionados e absolver-se a Recorrente do pedido reconvencional.”.

A Ré/Recorrida apresentou contra-alegações, no final das quais concluiu pela total improcedência do recurso, com a confirmação da decisão recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões a apreciar:
- Nulidade da sentença;
- Se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, e consequente alteração da decisão da matéria de facto;
- Decidir se em conformidade, face à alteração, ou não, da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, deve ser alterada a análise jurídica.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
“1. A Autora é uma empresa que se dedica à agricultura, designadamente, à produção intensiva de pimentos [alínea A) do despacho em referência].
2. A Reconvinte dedica-se às seguintes atividades: comércio, representação, importação e exportação de equipamentos, máquinas e ferramentas para a agricultura; montagem de sistemas de rega, sistemas de aquecimento, sistemas de fertilização, sistemas hidráulicos de bombagem de água, sistemas de controlo fitossanitário, automatismos de estufas; venda e montagem de estufas; consultoria técnica em agronomia (incluindo a aplicação de fitofármacos) e apoio à realização de projetos de investimentos [alínea B) do despacho em referência].
3. No âmbito da atividade supra referida que desenvolve e de que vive, a Reconvinte, a pedido da Autora, procedeu ao fornecimento:
a) e montagem de um sistema de cultivo para uma área de 8.736m2, composto por canais drenantes para suporte de estrutura de cultivo hidropónico, uniões para os canais, suportes elevados para sacos de cultivo e topos de drenagem,
b) e montagem de uma rede de condutas de distribuição e do coletor;
c) e montagem de do sistema de rega localizada para uma área de 8.736m2 composto por 101 linhas de conjuntos hidropónicos autocompensantes e antidrenantes com 1 saída + estaca curva e dois setores de rega com conduta individual,
d) e instalação de canal drenante para suporte da estrutura do cultivo hidropónico;
e) e montagem de sistema de rega localizada, com 6.950 conjuntos hidropónicos 3l/h [alínea C) do despacho em referência].
4. A Autora e a Reconvinte acordaram que a primeira pagaria o preço global de € 46.269,33 discriminado nas seguintes faturas:
- nº 116/53 de 31 de Dezembro de 2016, no montante de € 12.806,67;
- nº 116/54 de 31 de Dezembro de 2016, no montante de € 17.8351;
- nº 116/55 de 31 de Dezembro de 2016, no montante de € 11.671,70;
- nº 117/84 de 31 de Dezembro de 2017, no montante de € 2.643,46;
- nº 118/93 de 25 de Outubro de 2018, no montante de € 1.312,50 [alínea D) do despacho em referência].
5. As faturas identificadas em 4) incluíam o preço de 26.600 sacos de fibra de coco para cultivo, destinados à Autora, comercializados por C..., SL [alínea E) do despacho em referência].
6. A Reconvinte enviou as faturas identificadas em 4) à Autora, que as recebeu [alínea F) do despacho em referência].
7. Autora e Ré acordaram que o fornecimento seria pago a pronto [alínea G) do despacho em referência].
8. A Autora pagou integralmente a fatura nº 116/53 entregando € 6.435 em 31 de Dezembro de 2016 e € 6.371,67 em 5 de Janeiro de 2017 [alínea H) do despacho em referência].
9. Em 3 de Janeiro de 2018 a Autora entregou à Ré a quantia de € 15.000 que esta imputou à fatura 116/54 [alínea I) do despacho em referência].
10. Em 2016, a Autora decidiu instalar nas estufas da sua exploração, com a área de 8.736 m2, um sistema hidropónico para produção intensiva de pimentos em sacos de cultivo compostos de fibras/partículas provenientes da desfibração do mesocarpo da noz de coco [resposta aos artigos 5º da petição inicial, 6º, 9º da contestação].
11. O sistema hidropónico corresponde a uma técnica intensiva de produção agrícola, designadamente, para cultivo de vegetais e frutos em estufas, que potencia o aumento da produtividade e a eficiência da utilização dos fatores de produção [resposta ao artigo 13º da petição inicial].
12. A Autora já produzia pimentos em estufa e sacos de cultivo antes da instalação do sistema hidropónico [resposta aos artigos 75º da petição inicial, 15º da contestação].
13. Além dos fornecimentos e instalação referidos em 3), em Janeiro de 2017, a Ré entregou à Autora um manual da autoria de um especialista renovado, o engenheiro agrónomo FF, contendo recomendações técnicas específicas da rega e alimentação dos pimenteiros, denominado “recomendações para arranque de exploração de pimentos em sistema hidropónico de sacos de cultivo” [resposta aos artigos 16º, 49º da petição inicial, 43º, 44º, 47º da contestação].
14. Autora e Ré acordaram entre si o fornecimento, por esta, dos sacos de cultivo de fibra de coco que iam ser o substrato de suporte das plantas, produzidos pela empresa espanhola C..., mediante o pagamento da quantia de € 1,95/saco [resposta aos artigos 15º, 18º da petição inicial].
15. Antes do acordo referido em 13) a Autora procurou informação acerca das características do substrato de coco junto de técnicos da sua confiança e de empresas comercializadoras, designadamente, a D..., a E... e a C... [resposta aos artigos 19º, 29º da petição inicial].
16. O pimenteiro é uma planta suscetível ao excesso de água [resposta aos artigos 24º, 26º da petição inicial].
17. A Autora foi aconselhada a escolher um substrato de coco cujas partículas propiciassem bom arejamento das raízes da cultura e boa drenagem [resposta ao artigo 25º da petição inicial].
18. A Autora decidiu optar pelo denominado “coco super grosso” produzido pela sociedade C... por ser composto por 40-45% de partículas superiores a 4 mm e 40-45% de partículas entre 1 e 4 mm, porosidade de arejamento de 32-37%, porosidade total de 85%-88% e retenção de humidade de 32-37% [resposta aos artigos 24º, 25º da petição inicial, 27º, 33º da contestação].
19. Após a decisão referida em 18), em Outubro de 2016, a Ré procedeu à encomenda dos sacos de cultivo destinados à Autora e outros para si, beneficiando do preço e condições de pagamento atribuídos pela C... aos distribuidores [resposta aos artigos 22º, 23º, 24º, 26º, 29º da contestação].
20. A Ré pagou à C... o montante de € 1,49 por saco [resposta ao artigo 34º da contestação].
21. Os sacos de substrato de coco foram transportados desde a Índia por via marítima até ao porto de Leixões em dois contentores com capacidade de 6.000 sacos cada [resposta ao artigo 35º da contestação].
22. Na sequência do acordo com C..., a Ré diligenciou pelo desalfandegamento e pelo transporte dos sacos destinados à exploração da Autora no final de Dezembro de 2016 e início de Janeiro de 2017, suportando os respetivos custos e ficando com os restantes para incluir noutros projetos [resposta ao artigo 36º da contestação].
23. Em Janeiro de 2017 a Autora arrancou com a primeira campanha de produção de pimento no novo método de cultivo utilizando plantas geneticamente adaptadas [resposta ao artigo 30º da petição inicial, 42º da contestação].
24. Em Junho de 2017 a Autora reportou à Ré um problema com gotejadores que instalara na sua exploração [resposta ao artigo 63º da contestação].
25. Os técnicos da Ré que ali se deslocaram constataram que havia gotejadores bloqueados por uma substância gelatinosa, que indiciava a utilização de matéria orgânica na solução nutritiva das plantas, não adaptada ao sistema hidropónico [resposta aos artigos 64º, 65º da contestação].
26. A Ré forneceu gotejadores destinados à substituição dos que estavam bloqueados cujo preço a Autora custeou [resposta ao artigo 66º da contestação].
27. Tendo em vista aumentar a área de produção em 6.240 m2 no sistema referido em 10) em novas estufas a construir e realizar melhoramentos nas estufas já existentes, no final de Julho de 2017 a Autora candidatou-se do Fundo Proder 2020, incluindo, no valor do financiamento, o custo dos trabalhos já executados pela Ré [resposta aos artigos 7º, 8º, 10º da petição inicial].
28. A candidatura não foi aprovada o que levou a Autora a desistir do projeto para a área de 6.240 m2 e do melhoramento das estufas [resposta aos artigos 11º, 12º da petição inicial].
29. Com a introdução do sistema identificado em 10), a Autora tinha a expetativa de aumentar a produção média para 20 kg/m2, o que transmitiu à sua cliente F..., Ld.ª [resposta aos artigos 32º, 132º, 161º da petição inicial].
30. Em momentos não concretamente apurados durante as campanhas de 2017 e 2018, surgiram, nos pimenteiros da exploração da Autora, doenças como oídio e botrytis provocadas por fungos [resposta aos artigos 34º, 45º da petição inicial].
31. As doenças referidas em 30) são endémicas e associadas a condições ambientais de humidade atmosférica elevada e menor radiação solar [resposta aos artigos 35º da petição inicial, 126º, 127º, 128º, 129º da contestação].
32. Aquando da plantação no início de Janeiro de 2018, a Autora detetou que os sacos de cultivo estavam húmidos [resposta ao artigo 38º da petição inicial].
33. Em Fevereiro de 2018 a Autora verificou que as plantas não estavam a desenvolver como esperava e apresentavam cor amarelada [resposta ao 39º da petição inicial].
34. No final de Março de 2018, constatando que as plantas continuavam a evidenciar o referido em 33) e que, em alguns casos, apresentavam raízes castanhas, a Autora reportou à Ré sugerindo a existência de problemas com o substrato de coco [resposta aos artigos 39º, 40º, 42º, 47º, 67º da petição inicial].
35. A Autora estabeleceu, igualmente, contacto com o gerente da C... reportando a situação [resposta ao artigo 68º da contestação].
36. Após deslocações de colaboradores e do Engenheiro identificado em 13) à exploração da Autora, a Ré contrapôs que o problema estava relacionado com a rega [resposta aos artigos 48º da petição inicial, 70º, 74º da contestação].
37. Recorrendo ao especialista identificado em 13), em 8 de Abril de 2018 a Ré entregou à Autora um manual pelo mesmo elaborado denominado “recomendação de regas de pimento em coco” com várias soluções adaptadas em frequência e tempos de rega a “coco super grosso” “coco grosso” e “coco médio” [resposta aos artigos 48º, 49º, 50º da petição inicial, 75º, 112º da contestação].
38. Verificando que o desenvolvimento das plantas não era uniforme e que algumas evidenciavam cor amarelada, em reunião com a Autora e o gerente da C..., realizada a 11 de Abril, a Ré sugeriu a recolha de amostras de sacos com plantas “boas”, “más” e de substrato nunca utilizado, o que veio a merecer a concordância dos demais intervenientes [resposta aos artigos 57º da petição inicial, 76º, 77º da contestação].
39. Na sequência de pedido formulado pela Ré no contexto da reunião referida em 38), por email de 13 de Abril de 2018 a Autora informou a C... que usava na fertirrega ferro Rexolin, nitrato de cálcio, nitrato de potássio, nitrato de amónio, MKP, sulfato de potássio, sulfato de magnésio, nitrato de magnésio todos da marca Yara, bem como ácido fosfórico, ácido nítrico, Peróxido de hidrogénio, Boro, Sulfato Manganês, sulfato de cobre, sulfato de zinco e Molibdenio [resposta ao artigo 77º da contestação].
40. Por email de 13 de Abril remetido à Autora pelas 14h43, a Ré solicitou-lhe informação sobre o conteúdo dos nutrientes que usava, especificamente nitratos e amónio, matéria orgânica e componentes - cálcio, magnésio, sódio, potássio, fósforo, cloro, sulfato, ferro, manganés -, que esclarecesse se fizera aplicação de matéria orgânica, nesse caso, qual, a quantidade, o período de aplicação e tipo usado, se usara algum ácido para desobstruir gotejadores, que outros produtos usava e respetiva qualidade, a justificação para a utilização de ácido fosfórico como fonte de fósforo, as características do peróxido que estavam a usar ou haviam usado, quais as zonas da estufas mais afetadas, quantos sacos apresentavam o problema, pedindo, também, acesso aos tratamentos realizados, às formulações do fertilizante do primeiro ano e às análises de drenagem dos primeiros meses, no meio e final da colheita, com vista a saber que elementos químicos existiam no substrato e, por fim, análises desse ano [resposta aos artigos 56º da petição inicial, 78º da contestação].
41. Na mesma data, pelas 15h39, a Autora encaminhou o email referido em 39) para a Ré, não prestando informação quanto aos restantes elementos pedidos [resposta aos artigos 79º, 80º da contestação].
42. Com o pedido de informações referido em 40) a Ré tinha em vista a realização de análises de amostras da drenagem e avaliar se os produtos usados pela Autora na nutrição e tratamento das plantas tinham relação com o problema observado [resposta aos artigos 80º, 84º, 85º da contestação].
43. A Autora impediu a recolha de amostras da drenagem [resposta ao artigo 84º da contestação].
44. No período de transição do final de uma cultura anual para o início da seguinte, as boas práticas de produção indicam que, antes de fazer a última colheita no final do ciclo produtivo, o agricultor deve deixar de regar, devendo deixar as plantas nos sacos de forma a que absorvam a água ainda existente no substrato e sequem [resposta ao artigo 94º da contestação].
45. Só depois da secagem das plantas as mesmas são retiradas do substrato que está pronto para os procedimentos de preparação da nova campanha, designadamente, para a respetiva hidratação com a solução nutritiva [resposta ao artigo 95º da contestação].
46. O procedimento referido em 44) e 45) é importante para estimular o desenvolvimento de novas raízes [resposta ao artigo 97º da contestação].
47. As temperaturas baixas características do mês de Janeiro, aliadas à plantação em substrato húmido, são fatores suscetíveis de prejudicar o desenvolvimento radicular dos pimenteiros, com impacto negativo no crescimento e na produção [resposta ao artigos 98º, 101º da contestação].
48. A abundância de água no substrato, por deficiente drenagem e/ou por rega com tempos e frequência desajustados à temperatura, humidade e radiação solar é suscetível de produzir o efeito referido em 47) [resposta aos artigos 100º, 101º da contestação].
49. A plantação nas circunstâncias referidas em 32) é suscetível de afetar o bom desenvolvimento das plantas [resposta ao artigo 97º da contestação].
50. Em 13 de Abril de 2018 a Autora solicitou à C... que lhe fornecesse a ficha técnica do substrato denominado “coco super grosso” [resposta aos artigos 52º, 53º da petição inicial, 138º da contestação].
51. Enviada a ficha técnica referida em 50), constava da mesma a seguinte informação:
- condutividade elétrica: ˂ 0,5 mS/cm;
- pH na relação 1:1,5: 5,7 – 6,7;
- porosidade total: 88-91%;
- porosidade de aeração: 32-37%;
- retenção de humidade: 32-37%;
- densidade aparente: 62-67 gr/l;
- partículas maiores que 4 mm: 40-45% do peso;
- partículas entre 1-4 mm: 40-45% do peso;
- partículas entre 0,5-1 mm: 5-7,5% de peso;
- partículas inferiores a 0,5 mm: inferior a 1%;
- fibra: 30-35% de peso [resposta aos artigos 54º, 55º, 65º da petição inicial].
52. Em 24 de Abril de 2018 a Autora levou a cabo pesquisa no site da C... encontrando uma ficha técnica do substrato denominado “coco super grosso” com a seguinte informação:
- condutividade elétrica: ˂ 0,5 mS/cm;
- pH na relação 1:1,5: 5,7 – 6,5;
- porosidade total: 85-88%;
- porosidade de arejamento: 36-39%;
- retenção de humidade; 35-38%;
- densidade aparente: 57-60 gr/l;
- partículas maiores que 8 mm: 15-20% do peso;
- partículas entre 4-8 mm: 50-55% do peso;
- partículas entre 1-4 mm: 10-15% do peso;
- partículas entre 0,25 e 1 mm: 2,5-5% de peso;
- partículas inferiores a 0,25 mm: inferior a 1%;
- fibra: 30-35% de peso [resposta ao artigos 54º, 55º, 65º da petição inicial].
53. Definido o método de recolha das amostras, a mesma foi concretizada a 24 de Abril e, subsequentemente, aquelas foram remetidas à Universidade do Algarve para realização das análises com vista a apurar as causas das diferenças no desenvolvimento das plantas [resposta aos artigos 58º, 59º, 60º da petição inicial].
54. Por email de 3 de Julho de 2018 a Ré remeteu à Autora o relatório analítico [resposta ao artigo 62º da petição inicial].
55. O relatório referido em 54) detetou que a capacidade de arejamento do substrato era de 1,6% para as plantas “normais”, de 4,3% para as plantas pequenas e de 7,93% para substrato não utilizado [resposta ao artigo 63º da petição inicial].
56. A nível de granulometria, foram detetadas partículas com as seguintes dimensões em milímetros e percentagem:
plantas normais plantas pequenas não usado
entre 10-16 0,8% 0,3%
0%
entre 5- 10 2,5% 0,5%
1,3%
entre 1-2 33,2% 36,6
33,7%
entre 0,5-1 24,4% 26%
26%
entre 0,25-0,5 21,6% 23%
22,6%
entre 0,125-0,25 3,9% 4,7%
4,6%
inferior a 0,125 0,9% 0,7%
0,7% [resposta aos artigos 64º, 65º, 66º, 68º da petição inicial].
57. As partículas de dimensão inferior a 1 mm são aquelas que retêm mais água de drenagem difícil [resposta aos artigos 67º, 77º, 108º da petição inicial].
58. A ficha técnica de produto “fibra de coco super grosso” da marca D..., indica:
- condutividade elétrica: ˂ 0,85 mS/cm;
- pH na relação 1:1,5: 5,7 – 6,7;
- porosidade total: 88-91%;
- porosidade de arejamento: 32-37%;
- retenção de humidade: 32-37%;
- densidade aparente: 62-67 gr/l;
- partículas maiores que 4 mm: 70-75% por peso;
- partículas entre 1-4 mm: 20-25% do peso;
- partículas entre 0,25-1 mm: 2,5-5% de peso;
- partículas inferiores a 0,25 mm: inferior a 1%;
- fibra: 30-35% [resposta ao artigo 70º da petição inicial].
59. Em 27 de Julho de 2018 a Autora enviou missiva à Ré, que recebeu, comunicando que mediante o relatório referido em 54) verificara que as características físicas e técnicas não correspondiam ao que encomendara, constatando que o fornecimento dos sacos pusera em causa a campanha anterior e a que estava em curso e que aquelas eram a causa das quebras de produção, afirmando que, caso não dessem solução ao problema, seria forçada a reclamar todos os prejuízos sofridos [resposta aos artigos 84º, 123º da petição inicial].
60. Em data não apurada anterior à referida em 54), a C... propôs à Autora o fornecimento, com 50% de desconto, de novos sacos de substrato de coco para substituição daqueles onde se encontravam as plantas com fraco desenvolvimento [resposta ao artigo 152º da contestação].
61. Em 2015 a produção total de pimentos pela Autora atingiu 126.410 kg, assim discriminados:
- Junho: 16.356 kg;
- Julho: 39.195 kg;
- Agosto: 24.430 kg;
- Setembro: 20.269 kg;
- Outubro: 9.369 kg;
- Novembro: 11.078 kg;
- Dezembro: 5.713 kg [resposta ao artigo 89º da petição inicial].
62. A produção referida em 61) correspondeu a uma faturação de € 77.634,56 [resposta ao artigo 89º da petição inicial].
63. Por referência à área identificada em 3) a) a produção correspondeu a 14,47 kg/m2 [resposta ao artigo 90º da petição inicial].
64. Em 2016 a produção de pimentos da Autora cifrou-se em 105.395 kg, assim discriminados:
- Maio: 2.127 kg;
- Junho: 13.721 kg;
- Julho: 13.994 kg;
- Agosto: 25.846 kg;
- Setembro: 16.382 kg;
- Outubro: 19.826 kg;
- Novembro: 9.754 kg;
- Dezembro: 3.745 kg [resposta aos artigos 91º, 104º da petição inicial].
65. A produção referida em 64) correspondeu a uma faturação de € 88.044,15 [resposta ao artigo 91º da petição inicial].
66. Por referência à área identificada em 3) a) a produção de 2016 correspondeu a 12,06 kg/m2 [resposta ao artigo 92º da petição inicial].
67. Com a implementação do sistema hidropónico e a plantação de pimentos no final de Janeiro de 2017, durante essa campanha a produção da Autora cifrou-se em 125.442 kg, assim distribuída:
- Maio: 10.590 kg;
- Junho: 31.244 kg;
- Julho: 12.314 kg;
- Agosto: 23.234 kg;
- Setembro: 24.401 kg;
- Outubro: 16.893 kg;
- Novembro: 6.766 kg [resposta aos artigos 93º, 94º, 95º, 96º, 131º da petição inicial].
68. Por referência à área identificada em 3) a) a produção de 2017 correspondeu a 14,36 kg/m2 [resposta ao artigo 96º da petição inicial].
69. A produção referida em 67) correspondeu a uma faturação de € 112.112,45 [resposta ao artigo 132º da petição inicial].
70. Em 2018 a produção correspondeu a 78.918 kg assim distribuídos:
- Maio: 6.009 kg;
- Junho: 11.018 kg;
- Julho: 7.354 kg;
- Agosto: 18.303 kg;
- Setembro: 14.711 kg;
- Outubro: 16.229 kg;
- Novembro: 550 kg;
- Dezembro: 4.744 kg [resposta aos artigos 76º, 81º, 130º da petição inicial].
71. Por referência à área identificada em 3) a) a produção de 2018 correspondeu a 9,03 kg/m2 [resposta ao artigo 103º da petição inicial].
72. A produção referida em 70) correspondeu a uma faturação de € 69.663,50 [resposta ao artigo 103º da petição inicial].
73. Em 27 de Julho de 2018 a cliente da Autora referida em 29) enviou-lhe um email chamando a atenção que a mesma se comprometera a fornecer 70 toneladas de pimento até ao final de Julho, o que não estava a cumprir, pelo que iria contactar outros fornecedores para colmatar o produto em falta e reclamaria o prejuízo caso viesse a ter constrangimentos na execução das encomendas se não conseguisse fazer o suprimento através de outros fornecedores [resposta aos artigos 152º, 153º, 161º da petição inicial].
74. Em Dezembro de 2018, a Autora adquiriu 6.550 sacos de fibra de coco “golden Grow HP Balance” da marca “E...”, pelo preço de € 12.608, acrescido de € 773,94 de IVA para substituição dos referidos em 5) [resposta aos artigos 86º, 124º da petição inicial].
75. A ficha técnica do produto identificado em 74) apresenta as seguintes características:
- partículas entre 10-15 mm: 19%;
- partículas entre 6-10 mm: 12,5%;
- partículas entre 4-6 mm: 15,75%;
- partículas entre 3-4 mm: 9,25%;
- partículas entre 2-3 mm: 26%;
- partículas entre 1-2 mm: 8%;
- partículas entre 0-1 mm: 9,5%;
- densidade aparente seca: 85 g/l;
- porosidade 95%;
- índice de contração 10,75%;
- capacidade de arejamento: 30%;
- água facilmente disponível: 17,20%;
- água de reserva: 6,10%;
- água dificilmente disponível: 41,70%;
- retenção total de água 65% [resposta ao artigo 86º da petição inicial].
76. Com a utilização dos sacos referidos em 74) na campanha de 2019, a Autora logrou uma produção assim distribuída:
- 30 de Abril: 3.088 kg;
- Maio: 27.289 kg;
- Junho: 22.342 kg;
- Julho: 34.273 kg;
- Agosto: 32.771 kg;
- Setembro: 33.160 kg;
- Outubro: 21.935 kg [resposta aos artigos 125º, 139º da petição inicial].
77. No período decorrido até ao final de Junho de 2019 a Autora faturou o montante de € 52.372,10 [resposta aos artigos 126º, 139º da petição inicial].
78. Para atingir bons níveis de produção de pimentos é essencial a conjugação de substrato com boa capacidade de drenagem e de arejamento, gestão dos tempos e frequência das regas em função de condições ambientais como temperatura, níveis de humidade e radiação solar, solução nutritiva em conformidade com o estádio de evolução e da fase da planta e com o resultado de análises do produto da drenagem [resposta ao artigo 108º da contestação].
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E deu como não provados os factos seguintes:
“a) a Autora decidiu montar um conjunto de estufas para a produção de pimentos;
b) para tanto e no sentido de obter o máximo de rentabilidade, solicitaram informação ao Eng. FF sobre a melhor e mais adequada forma de produção;
c) o Engenheiro identificado em b) informou que seria através do sistema referido em 10) e em simultâneo aconselhou a Ré para o fornecer e montar;
d) para a escolha do substrato a Ré informou a Autora que teria de escolher os sacos com o compósito de coco mais grosso de entre as variedades coco super grosso, coco grosso, coco médio, coco fino, fibra curta;
e) a Autora seguiu à risca o manual de recomendações que lhe foi entregue pela Ré;
f) as doenças identificadas em 30) não eram expetáveis com o método de produção e, a surgirem, seria aceitável que eventualmente acontecessem nos meses após Outubro;
g) a existência de partículas inferiores a 1 mm está em linha com o aparecimento de doenças como o oídio e a botrytis;
h) os problemas de crescimento radicavam na incapacidade de drenagem dos sacos;
i) com condições climatéricas mais húmidas, doenças como o oídio e a botrytis atacaram os pimenteiros, sobretudo a nível radicular, levando a quebras abruptas na sua produção;
j) em 2017 devido ao referido em i) a Autora estava desesperada por uma explicação para o que estava a acontecer;
k) em 2015 e 2016 a Autora não tinha implementado um sistema de produção diferenciado e cientificamente sustentado;
l) foi a humidade excessiva associada às partículas com granulometria muito fina que levou a que as plantas não se desenvolvessem;
m) foi a humidade excessiva referida em l) que levou ao desenvolvimento de oídio e botrytis afetando as plantas a nível radicular;
n) foi a humidade excessiva referida em l) que impediu o desenvolvimento são e escorreito da planta;
o) a produção anual de 2019 correspondeu a 182.725 kg;
p) as produções fracas que a Autora verificou levaram a perda de confiança dos seus clientes, quer dos efetivos, quer dos potenciais;
q) a imagem comercial da Autora ficou degradada;
r) o prestígio de que a Autora gozava e que necessitava de melhorar foi seriamente abalado.
*


IV – MOTIVAÇÃO DE DIREITO

1) Nulidade da sentença
O artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo, no que para o caso interessa, que:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…).”.
É unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Entende a Autora/Recorrente que a sentença proferida é nula porque foram dados como provados determinados factos, por valoração enquanto confissão das declarações de parte do legal representante da recorrente, quando este não admitiu nenhum dos factos em causa, nem os reconheceu, pelo que a sentença conheceu de factos de forma que lhe estava vedada, sendo a sentença nula por excesso de pronúncia, se bem entendemos.
Ora, um dos vícios da sentença que configura a respetiva nulidade é a omissão ou excesso de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
Vejamos.
Como já referido, é nula a sentença, entre outros, e no que para o caso interessa, quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (última parte da al. d), do nº 1, do art. 615.º).
Assim, a nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, só ocorre quando o julgador conheça de alguma questão de que não podia conhecer, nomeadamente, por não ter sido submetida à sua apreciação pelas partes e não ser de conhecimento oficioso pelo Tribunal.
Tal como foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-03-2024, Processo 4553/21.1T8LSB.L1.S1 (disponível em dgsi.pt), “I- As nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa. (…) III- A nulidade por excesso de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal conheça de matéria situada para além das “questões temáticas centrais”, integrantes do thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções. (…)”.
A nulidade por excesso de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído na segunda parte do nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz se ocupa/pronuncia sobre «questões» que não foram pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.
Podemos dizer que o que releva é a decisão que incide sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; o excesso ou omissão de pronúncia refere-se ao concreto objeto que é submetido à apreciação do tribunal, correspondendo aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir e não aos motivos ou às razões alegadas, como não se refere à decisão da matéria de facto, a qual pode constituir erro de julgamento, mas não a nulidade da sentença.
Ou, como se decidiu no acórdão do STJ, de 11-11-2022, processo 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, “O conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes.”.
Ou, ainda, como se diz no acórdão do STJ, de 08-02-2024, processo 995/20.8T8PNF.P1.S2, “O Supremo Tribunal de Justiça tem declarado, constantemente, que deve distinguir-se as autênticas questões e os meros argumentos ou motivos invocados pelas partes, para concluir que só a omissão de pronúncia sobre as autênticas questões dá lugar à nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.”.
Ora, como resulta dos pedidos formulados pela autora e pela ré/reconvinte, e levando em conta as causas de pedir invocadas, a decisão recorrida decidiu as diversas questões colocadas e apenas essas, pelo que, se afigura evidente que não incorre em qualquer nulidade por excesso de pronúncia.
Caso se apure que foram dados como provados factos que não o deviam ser por não ter sido produzida prova suficiente sobre a sua verificação, então, estar-se-á perante uma situação de erro de julgamento de facto, e não de nulidade da sentença.
Não ocorre, pois, a nulidade da sentença.

2) Erro de julgamento da matéria de facto
No seu recurso veio a recorrente requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados e/ou não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
O art. 640.º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que a apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indica a prova a reapreciar, bem como a decisão que sugere, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396.º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607.º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.
Posto isto.
A recorrente, atendendo às conclusões das suas alegações, entende que deve ser dado como não provado o facto provado 25; alterado o facto provado 26; que devem ser desconsiderados como provados com base na confissão do seu legal representante, os factos provados 43, 44 e 45, bem como os factos provados 14, 24, 25, 26, 32 e 37; e, ainda, devem dar-se como provados os factos não provados h), l) e n).
Vejamos.
Consta do facto provado 25 que “25. Os técnicos da Ré que ali se deslocaram constataram que havia gotejadores bloqueados por uma substância gelatinosa, que indiciava a utilização de matéria orgânica na solução nutritiva das plantas, não adaptada ao sistema hidropónico.”.
A sentença recorrida refere na fundamentação da decisão de facto que a fixação do ponto 25 se baseou nas fotografias correspondentes ao documento 4 da contestação que evidenciam problemas em gotejadores; em conjugação com a valoração confessória das declarações de parte do legal representante da Autora e do depoimento da testemunha GG.
Analisado o documento referido e ouvida a prova gravada, impõe-se dizer que, em termos objetivos, resulta das fotografias juntas que os gotejadores se mostravam bloqueados por uma substância gelatinosa.
Acresce que a testemunha GG, engenheiro técnico agrário e consultor agrícola, referiu que foi funcionário da ré, desde 2017 a 2020, na altura em que instalaram o sistema nas instalações da autora, onde se deslocou, na sequência de queixas, por três vezes. Esclareceu que a solução nutritiva usada no cultivo das plantas deve estar de acordo com o estado da produção e que o entupimento dos gotejadores deve ter sido consequência de algum produto à base de matéria orgânica, tendo dito não ser normal acontecer os gotejadores entupirem, explicando, ainda, que apenas entupiram alguns porque pode ter havido injeção com maior concentração nos primeiros gotejadores.
Ou seja, o depoimento da testemunha confirma o facto dado como provado.
Mas também as declarações de parte de CC, legal representante da recorrente, acabam por confirmar o que do facto consta, quando, quanto aos gotejadores, admite o que se vê nas fotografias, embora referindo não saber de que substância se trata, admitido que possam ser algas. Deste modo, embora não confirmando totalmente o que consta do facto, admitiu o entupimento e disse que substituíram os gotejadores afetados, o que acaba por confirmar o que foi dado como provado no facto 26.
Ainda quanto ao facto provado 25, e quanto aos depoimentos das testemunhas que a recorrente indica, afigura-se que não têm interesse para a decisão, desde logo, porque no facto em questão não se diz que o aí referido foi o motivo do entupimento, mas apenas o que foi constatado pelos técnicos da ré que aí se deslocaram e a opinião desses técnicos que disseram que a substância em causa “indiciava” a utilização de matéria orgânica (…). Trata-se, a nosso ver, de um facto sem importância na decisão, mas que objetivamente resultou da prova produzida, pelo que se mantém.
Refere a recorrente que o facto provado 26 (A Ré forneceu gotejadores destinados à substituição dos que estavam bloqueados cujo preço a Autora custeou) deve ser alterado para do mesmo ficar a constar o número de gotejadores que foram substituídos e os que foram instalados.
Tendo em conta o objeto do litígio, tal factualidade não tem qualquer interesse para a decisão, pelo que, nos termos do art. 130.º do CPC, que proíbe a prática de atos inúteis, não nos pronunciaremos sobre a pretendida alteração, mantendo-se o facto tal como consta da matéria provada, até porque o legal representante da recorrente, confirmou que substituíram os gotejadores entupidos.
Ainda em relação à matéria de facto, pretende a recorrente que os factos provados 43, 44 e 45, e, ainda, os factos provados 14, 24, 25, 26, 32, 37, sejam desconsiderados como provados, enquanto confissão através das declarações de parte do legal representante da recorrente.
Se bem entendemos a pretensão da recorrente, a mesma quer que os factos referidos sejam retirados da matéria de facto provada, por não terem sido objeto de confissão por parte do seu legal representante e por, ainda que tivesse havido confissão, a mesma não poder ser considerada por não ter sido seguido o formalismo previsto no art. 463.º do CPC, aplicável às declarações de parte por via do disposto no art. 466.º, nº 2 do mesmo diploma legal.
Ora, no que diz respeito à confissão feita em audiência de julgamento, o art. 463.º do CPC, prevê efetivamente que o depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão, passando, após ser seguido o procedimento legal, a confissão a ter força probatória plena.
Contudo, no caso de não ser seguido o procedimento legal, as declarações prestadas não deixam de poder ser consideradas, devendo sê-lo, tal como qualquer outro depoimento, segundo a livre apreciação da prova pelo tribunal (neste sentido, cfr. Ac. Tribunal da Relação de Évora, de 12-04-2018, processo 1004/16.7T8STR.E1; Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-11-2009, processo 126/07.0TbPNH.C1; Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, de 19-01-2023, processo 3244/21.8T8VCT-C.G1, entre outros).
Posto isto, diz a recorrente que compulsadas as declarações de parte prestadas pelo seu legal representante, CC, não se vislumbra rasto de confissão dos factos provados 43, 44 e 45, mas também dos factos 14, 24, 25 26, 32 e 37.
Mas sem razão.
Desde logo, como já referido, ainda que não possa ser considerada a confissão, por não ter havido assentada das declarações prestadas, essas mesmas declarações podem ser livremente valoradas pelo tribunal, juntamente com as demais provas que incidiram sobre os factos em causa.
E o certo é que da fundamentação de facto não resulta que os factos mencionados tenham sido considerados como provados apenas com base na confissão do depoente.
Aliás, em relação aos factos 25 e 26, já nos pronunciámos, pelo que nada mais haverá a acrescentar, mantendo-se como tal.
O facto provado 43, “A Autora impediu a recolha de amostras da drenagem”, foi, ao contrário do que a recorrente refere, admitido pelo seu legal representante, o qual nas suas declarações de parte disse que questionou a forma de recolha para análise quanto a amostras da drenagem, e admitiu que não a permitiu porque não lhe disseram o que iam analisar, sendo que, como não recebeu um protocolo de recolha, não permitiu a mesma. Ou seja, resulta do seu depoimento que não permitiu a recolha, apesar de ter sido marcado dia para o efeito, nesse dia, não foi permitido fazer a recolha da drenagem, apesar de estar acordada. Embora tenha tentado justificar a sua atitude, referindo que não deixou fazer a recolha porque não estavam enumerados os procedimentos corretos, o certo é que também não sugeriu os procedimentos a seguir. Aliás, existem emails juntos em audiência de julgamento, que confirmam que não foi permitida a recolha das amostras de drenagem.
Mantém-se, pois, o facto 43 como provado.
Os factos 44 e 45 não são sequer factos que devessem ser objeto de confissão. Trata-se de factos objetivos que descrevem como deve ser feita a cultura e que resultam de documentos que constam dos autos, como é referido na fundamentação de facto, onde se diz “no documento junto 22 com a petição inicial, ao qual faltam as páginas 1 e 3, a que apenas tivemos acesso na versão integral através daquele que foi junto a 29 de Setembro de 2022, da autoria de FF, datado de 8 de Abril de 2018, “recomendação de rega de pimentos”, prevendo várias tipologias de substrato de coco (super-grosso, grosso e médio, partindo da necessidade de consumo diário por planta (0,75l), o número de horas de sol (12h00), o volume diário de rega por saco (6000) e de drenagem (1500), especifica para cada um o número (duração e intervalos) e tempo de regas em condições “normais” e em situações com necessidade de redução de humidade ou condições ambientais desfavoráveis, assim como, por referência a períodos do dia e a drenagem expetável; apresenta recomendações relacionadas com o cultivo no Inverno e o tipo de tratamento do substrato no período pós-colheita (deixar as plantas nos sacos para que consumam toda a água existente, chamando a atenção sobre as dificuldades de instalação das novas culturas e de gestão nutricional das plantas em condições de elevada humidade); sustentou a fixação dos pontos 37), 44), 45) da fundamentação de facto”.
Nada há, pois, a alterar, até porque a respetiva prova não resultou da confissão do legal representante da recorrente, o que vale igualmente para o facto provado 37.
Restam os factos 14, 24 e 32, os quais têm a seguinte redação:
14. Autora e Ré acordaram entre si o fornecimento, por esta, dos sacos de cultivo de fibra de coco que iam ser o substrato de suporte das plantas, produzidos pela empresa espanhola C..., mediante o pagamento da quantia de € 1,95/saco [resposta aos artigos 15º, 18º da petição inicial].
Este facto resultou dos emails juntos com a contestação, não se baseando na confissão do legal representante da recorrente.
O facto 24 (Em junho de 2017 a Autora reportou à Ré um problema com gotejadores que instalara na sua exploração) foi admitido pelo legal representante da recorrente nas suas declarações que podem ser livremente valoradas, como referido supra.
Por sua vez, o facto 32 (Aquando da plantação no início de janeiro de 2018, a Autora detetou que os sacos de cultivo estavam húmidos), também foi referido pelo legal representante da recorrente.
Ou seja, a factualidade referida e impugnada foi efetivamente confirmada pelo legal representante da recorrente, sendo que, ainda que tais declarações não possam ser valoradas como confissão, podem ser apreciadas livremente como qualquer outro meio de prova, ao que acresce que as declarações de parte não foram o único meio de prova valorado para dar tais factos como provados, pelo que nada há a alterar na decisão dos factos provados.
Finalmente, alega, ainda, a recorrente que devem dar-se como provados os factos não provados h), l) e n), os quais têm o seguinte teor:
h) os problemas de crescimento radicavam na incapacidade de drenagem dos sacos;
l) foi a humidade excessiva associada às partículas com granulometria muito fina que levou a que as plantas não se desenvolvessem;
n) foi a humidade excessiva referida em l) que impediu o desenvolvimento são e escorreito da planta.
Ora, quanto a estes factos, o certo é que existem dúvidas sobre a causa concreta para os problemas de crescimento das plantas. Basta analisar os depoimentos das testemunhas BB e GG, mencionadas pela recorrente, dos quais resulta que foram apresentadas várias explicações para tal situação, desde um problema no substrato até excesso de rega.
E se resultou da análise feita na Universidade do Algarve que a capacidade de arejamento dos sacos não seria a ideal, o certo é que não foi possível fazer análises da drenagem, porque a autora não permitiu a respetiva recolha (facto provado 43).
Aliás, o Prof. AA, autor das análises referidas, em esclarecimentos prestados, e como se refere na decisão recorrida, afirmou que o substrato de coco em causa não era ideal para a produção de pimentos (devido à necessidade de arejamento e a sua sensibilidade relativamente à secura e ao excesso de água, que é causa de doenças radiculares – designadamente hipoxia, que afeta a capacidade de absorção dos nutrientes – e de falta de oxigénio na raiz), mas referiu que houve algo mais do que o substrato para explicar as diferenças de crescimento das plantas que visualizou nas fotografias a que teve acesso; salientou a necessidade de adaptação da frequência e dotação das regas às condições climatéricas e tamanho da planta e o controlo da humidade dentro do substrato de forma mais rigorosa através da colocação de sondas por entender que as formas empíricas (designadamente a recolha e medição da drenagem) não serem 100% fiáveis, na medida em que, se houver muita água, satura rapidamente e drena, podendo a planta sofrer por falta de água com uma rega muito intensa, apontando também a necessidade de observação da planta; colocada a questão de saber o que causa o amarelecimento das plantas apontou várias causas como a falta ou o excesso de água, a falta de azoto ou de outros nutrientes, luz excessiva e doenças radiculares; no caso do substrato em causa seria necessário ter cuidado no modo como rega, designadamente, menos tempo de cada vez.
Mais uma vez, foram apresentadas várias razões, pelo que, na dúvida, os factos foram corretamente dados como não provados, tendo em conta as regras do ónus da prova.
Improcede, assim, o recurso sobre a matéria de facto.


3. Recurso de Direito

Na sentença recorrida, a senhora juíza a quo julgou improcedente a ação e procedente a reconvenção.
Vejamos.
O art. 1207.º do Código Civil define a empreitada como "o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço".
Pelo teor do contrato celebrado entre recorrente e recorrida a tendo em conta a atividade de cada uma (factos provados 1 e 2), a recorrida atuou como empreiteiro, e a recorrente como dono da obra, no que diz respeito ao fornecimento e montagem do sistema de cultivo descrito nos autos (facto provado 3), em relação ao qual, contudo, nenhuma questão se coloca, já que a autora nenhum incumprimento a esse nível imputa à ré/recorrida.
No entanto, para além da referida empreitada, o acordo celebrado entre as partes incluía o fornecimento, pela ré à autora, de 6 600 sacos de cultivo de fibra de coco, que eram comercializados por C..., SL, os quais iam ser o substrato de suporte das plantas, sendo sobre esta parte do contrato que versa a ação e, agora, o recurso.
De acordo com a factualidade provada, em outubro de 2016, a Ré procedeu à encomenda dos sacos de cultivo destinados à Autora e outros para si, beneficiando do preço e condições de pagamento atribuídos pela C... aos distribuidores (facto provado 19); a Ré pagou à C... o montante de € 1,49 por saco (facto provado 20); Autora e Ré acordaram entre si o fornecimento, por esta, dos sacos de cultivo de fibra de coco que iam ser o substrato de suporte das plantas, produzidos pela empresa espanhola C..., mediante o pagamento da quantia de € 1,95/saco (facto provado 14); na sequência do acordo com C..., a Ré diligenciou pelo desalfandegamento e pelo transporte dos sacos destinados à exploração da Autora no final de dezembro de 2016 e início de janeiro de 2017, suportando os respetivos custos e ficando com os restantes para incluir noutros projetos (facto provado 22).
Entretanto, iniciando a plantação de pimento, em janeiro de 2017, a autora veio a verificar problemas no desenvolvimento das plantas, que provocaram quebras de produção e que imputa ao facto de as características dos sacos de cultivo não corresponderem ao que encomendou.
A primeira questão que se coloca é saber se foi a ré/recorrida quem vendeu à autora os sacos de cultivo em causa, o que aquela nega, dizendo-se mera intermediária. Mas sem razão.
Como se diz na decisão recorrida, os efeitos essenciais do contrato de compra a venda estabelecidos no art. 879.º do Código Civil, encontram-se presentes na relação comercial estabelecida entre a autora e a ré, já que foi a ré quem negociou com a autora o preço de cada saco de cultivo, quem fez a encomenda ao fabricante (beneficiando de um preço inferior e condições de pagamento reservadas ao distribuidores), e incluiu o preço dos sacos com os respetivos impostos, nas faturas que emitiu à autora.
E assim sendo, foi celebrado entre a autora e a ré um contrato de compra e venda dos sacos de cultivo em causa, conforme definição desse tipo de contrato – art. 874.º do Código Civil, já que o fornecimento dos sacos, embora o respetivo preço tenha sido incluído nas faturas, não era um elemento do contrato de empreitada referido, não constituindo a realização de qualquer obra ou parte da obra contratada.
Podemos, pois, concordar com a decisão recorrida, quando refere que foi celebrado entre as partes um contrato misto com componente de empreitada e compra e venda, o que é permitido pelo disposto no art. 405.º, nº 2 do Código Civil.
Pode definir-se o contrato misto como um negócio cujos elementos essenciais combinam diferentes tipos de contratos.
Como se diz no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21-10-2021, Processo 4691/16.2T8BRG.G1, “I - As partes dentro dos limites da lei podem celebrar contratos diferentes dos típicos, modificar os tipos legais incluindo neles as cláusulas que lhes aprouver e misturarem no mesmo contrato regras de dois ou mais tipos.
II - Em lugar de realizarem um ou mais dos tipos ou modelos de convenção contratual incluídos no catálogo da lei (contratos típicos ou nominados), as partes, porque mais ajustados aos seus interesses, podem celebrar contratos com prestações de natureza diversa.
III - Para que os diversos elementos contratuais distintos façam parte de um único contrato, é necessário que se integrem num processo unitário e autónomo de composição de interesses, o que deverá ser aferido com base em dois critérios essenciais: um centrado na unidade ou pluralidade da contraprestação, outro alicerçado na unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação.
IV - O contrato misto pode resultar da combinação de dois contratos, neste caso denominado de contrato combinado, em que a prestação global de uma das partes se compõe de duas ou mais prestações integradoras de contratos (típicos) diferentes, enquanto a outra se vincula a uma contraprestação unitária.
É o que sucede no caso dos autos, em que a recorrida se compromete a uma prestação que se compõe das prestações que integram a empreitada e a compra e venda, enquanto que a recorrente se compromete ao pagamento do preço unitário correspondente às duas prestações.
Estando em causa um contrato misto, importa apurar o regime a aplicar ao caso concreto.
No âmbito dos contratos mistos, para a fixação do regime aplicável, perfilam-se três teorias: a teoria da absorção, que postula que haverá que individualizar o elemento preponderante do contrato e aplicar-se a todo o contrato o regime do contrato típico em que esse elemento preponderante se integra; a teoria da combinação, que defende a combinação das normas das diversas espécies contratuais que compõem o contrato misto, criticando a teoria da absorção por, em certas situações, não ser possível determinar o elemento preponderante do contrato; e a teoria da aplicação analógica, nos termos da qual é ao juiz que compete fixar o regime, de harmonia com os princípios válidos para o preenchimento das lacunas do contrato.
No caso não há dúvidas, face ao que foi contratado, de que a empreitada se apresenta como o fim principal do contrato celebrado entre as partes, até tendo em conta a atividade da ré/recorrida, bem como o valor que cabe a cada uma das prestações, da empreitada e da compra e venda, pelo que o regime a aplicar ao contrato no seu todo, deveria ser o da empreitada.
Contudo, não podemos deixar de ter em consideração que a autora nenhum incumprimento imputa à ré no que diz respeito à prestação correspondente à empreitada.
E sendo assim, não se justifica, na situação concreta em apreciação, seguir o regime da empreitada, devendo, antes, ser aplicado o regime da compra e venda.
Posto isto, nos termos do disposto no art. 879.º do Código Civil, o vendedor e o comprador estão, respetivamente, obrigados a entregar a coisa e a pagar o preço respetivo.
Acresce que, cabe ao vendedor entregar a coisa vendida sem vícios que a desvalorizem ou impeçam a realização do fim a que é destinada, e com as qualidades asseguradas ou necessárias para a realização daquele fim, conforme prevê o art. 913.º do diploma legal referido.
Aqui chegados, não podemos deixar de concordar com a decisão recorrida, à qual nada temos a apontar, pelo que nos dispensamos de estar aqui a tecer outras considerações, dando-se por reproduzido o que na sentença foi dito pelo Tribunal a quo, nomeadamente:
“Podemos concluir que o substrato fornecido não tem as características que determinaram a escolha pela Autora, nem corresponde àquelas que a produtora fez constar da ficha técnica enviada após solicitação, o que significa que estamos perante uma venda defeituosa.
A compra e venda defeituosa implica a aplicação:
- das regras gerais de cumprimento defeituoso, na previsão dos artigos 798º e seguintes do Código Civil;
- das regras que se encontram previstas para a venda de bens onerados, por força do nº 1 do artigo 913º;
- do regime particular previsto nos artigos 914º e seguintes.
A aplicação das regras gerais da responsabilidade contratual determina a repartição do ónus da prova do seguinte modo: o comprador tem de demonstrar a existência do defeito e o vendedor que esse defeito não lhe deve ser imputado, uma vez que neste domínio funciona a presunção de culpa prevista no artigo 799º.
Nesse contexto, defende-se que o vendedor tem de provar que a causa do defeito lhe é completamente estranha, o que sucede em três situações: força maior, atitude negligente da contraparte e facto de terceiro.
Confrontado com a existência de defeitos, o comprador pode lançar mão de vários mecanismos:
- exercer o direito de anulação do contrato por erro ou dolo conquanto as circunstâncias da sua celebração permitam o enquadramento nos requisitos previstos nos artigos 251º e 254º do Código Civil, respetivamente;
- exercer o direito de redução do preço quando as circunstâncias da celebração do contrato permitam concluir que teria adquirido os bens por preço inferior, não fora o erro ou o dolo;
- solicitar uma indemnização relativa ao interesse contratual negativo – cumulável com os direitos referidos anteriormente;
- exigir do vendedor a reparação da coisa ou a sua substituição quando tal se revele necessário e esta tenha natureza fungível, atento o disposto no artigo 914º do Código Civil;
- rejeitar a prestação do vendedor – legitimado pelo disposto no artigo 763º do Código Civil que, não obstante aludir à desconformidade quanto à quantidade acordada, deve ser visto como um princípio geral que obriga ao cumprimento da integralidade da prestação;
- recusar, ele próprio, a sua prestação – pagamento do preço – ao abrigo do disposto no artigo 428º.
Existe uma relação de precedência entre a reparação e a substituição quando a prestação se reporta a coisas fungíveis, uma vez que esta última está dependente da excessiva onerosidade para o vendedor em confronto com o proveito do comprador. Uma e outra podem ser oferecidas pelo vendedor estando o comprador compelido a aceitar em nome do princípio da boa fé. Se ambas se frustrarem por impossibilidade da sua realização ou excessiva onerosidade, o comprador pode exigir a redução do preço e, se este meio não for satisfatório, existe a faculdade de resolver o contrato.
Neste contexto, deve referir-se que estes são os meios jurídicos facultados ao comprador para reagir contra a existência de defeitos nas coisas objeto do contrato – eliminação do defeito, substituição, redução do preço e resolução – e que em nenhum caso podem ser substituídos por uma indemnização, a qual, neste domínio, tem em vista, somente, compensar danos não ressarcidos através da reparação, substituição, redução do preço ou mesmo da restituição do que foi prestado que decorre da resolução.
Trata-se, pois, duma atribuição patrimonial que acresce aos mecanismos normais de sanação do defeito e não uma alternativa a estes.
A Ré invocou a qualidade de mera intermediária na venda para se escusar às pretensões deduzidas pela Autora.
Embora, como vimos, tenha resultado que foi celebrado entre as duas litigantes um contrato de compra e venda, existe um dado indesmentível: a Ré não é a produtora do substrato de coco, pelo que não tinha controlo sobre a sua qualidade ou a conformidade com as características que a ficha técnica da fabricante indicava; por outro lado, tal circunstância, associada ao fornecimento em sacos fechados e como tal usados no cultivo, implica a sua ignorância não culposa, o que afasta a presunção de culpa estabelecida no artigo 799º do Código Civil, já que as divergências apontadas têm de ser imputadas ao produtor.
No mesmo sentido, temos o reforço dos artigos 914º e 915º do mesmo diploma quando estabelecem, respetivamente, que o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela, assim como indemnização por danos emergentes do contrato, salvaguardando que estas obrigações que não existem, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece.
No contexto, tratando-se de vício originário que não é da responsabilidade da Ré, não pode a Autora exercer contra ela qualquer direito indemnizatório, nem tão pouco invocar a exceção de não cumprimento do contrato.
(…).
Diremos, também, que seria direito da Autora obter a substituição do substrato mediante a entrega de sacos com o conteúdo que especificamente escolhera, e não, obter uma indemnização correspondente ao custo de substrato de coco que decidiu adquirir à E..., concorrente da C....
Finalmente, ao impedir a realização de análises da drenagem destinadas a aferir se os produtos que usava na nutrição e tratamento das plantas tinham relação com o problema observado e, ao desconsiderar o pedido de informação sobre se fizera aplicação de matéria orgânica, em tal hipótese, a respetiva quantidade, o período de aplicação e tipo usado, se usara algum ácido para desobstruir gotejadores, que outros produtos usava e respetiva qualidade, a justificação para a utilização de ácido fosfórico como fonte de fósforo, as características do peróxido que estavam a usar ou haviam usado, quais as zonas da estufas mais afetadas, quantos sacos apresentavam o problema, o acesso aos tratamentos realizados, às formulações do fertilizante do primeiro ano, às análises de drenagem dos primeiros meses, no meio e final da colheita e as análises desse ano, a demandante impediu a possibilidade de ser estabelecido o nexo de causalidade entre o vício do substrato, as quedas de produção e, consequentemente, a perda de rendimentos da produção de pimentos nos anos de 2017 e 2018.
Impõe-se concluir pela improcedência da ação e pela procedência da reconvenção.”
Como referido, nada temos a apontar a esta fundamentação de direito e à consequente decisão, pelo que nos resta concluir pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.

*


V - DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).








Porto, 2025-11-27

Manuela Machado

Ana Luísa Loureiro

Álvaro Monteiro