Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
722/14.9PAVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: REENVIO
NOVO JULGAMENTO
IMPEDIMENTO DO JUIZ
NULIDADE
Nº do Documento: RP20180117722/14.9PAVNG.P2
Data do Acordão: 01/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 745, FLS 14-17)
Área Temática: .
Sumário: Estando em causa o reenvio, na realização do novo julgamento (ainda que parcial), o juiz que interveio no primeiro está impedido de intervir nos termos do artº 40º CPP, e tendo-o feito a consequência é a nulidade de todos os actos omitidos e dos actos praticados pela magistrada em causa, e a sua repetição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 722/14.9PAVNG.P2
Secção Criminal
Conferência
Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
a) Por sentença proferida a 17 de Maio de 2016, no processo comum com intervenção de Tribunal Singular, n.º 722/14.9PAVNG, da então denominada Instância Local de Vila Nova de Gaia – Secção Criminal-J2, agora Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia-J2, da Comarca do Porto, foi, além do mais e no que ao caso interessa, condenado o arguido B... na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, em resultado do cúmulo jurídico que englobou as seguintes penas parcelares de, respectivamente, 5 (cinco) anos de prisão e 20 (vinte) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de roubo agravado, previsto e punível pelo art. 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), e de 1 (um) crime de sequestro, previsto e punível pelo art. 158º, n.º 1, ambos do Cód. Penal.
b) Discordando, o arguido interpôs recurso que veio a ser apreciado nesta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido a 22 de Fevereiro de 2017, e por via do qual, julgando-se verificada a existência do vício previsto no art. 410º, n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Penal, consubstanciado em contradição insanável da fundamentação e desta com a decisão no tocante à incriminação/forma de com(participação) do recorrente nos crimes imputados, se decretou, nos termos dos arts. 426º, n.º 1, parte final, e 426-A, do mesmo diploma legal, o reenvio do processo para novo julgamento restrito às questões assinaladas, anotando-se que “o julgamento compete ao mesmo tribunal ficando, porém, impedido o juiz que participou no anterior – art. 40º, al. c), do Cód. Proc. Penal”.
c) Remetidos os autos os Tribunal a quo foi proferido, pela M.ma Juíza que presidira ao julgamento anterior, despacho a designar data para a leitura da sentença com o argumento de que “o reenvio ordenado visa apenas a eliminação das apontadas contradições da sentença”.
d) Antes da data designada, o arguido apresentou requerimento suscitando a questão dos autos terem sido reenviados para novo julgamento, embora parcial, e o impedimento da Ex.ma Juíza titular dos autos, o qual não foi objecto de apreciação.
c) Proferida nova sentença, datada de 15/5/2017, foi mantida nos precisos termos a condenação do arguido.
f) Novamente inconformado, o arguido interpôs recurso onde, entre o mais, suscita a questão do tribunal a quo não ter cumprido o determinado por este Tribunal da Relação no tocante ao reenvio para julgamento parcial e a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. a), do Cód. Proc. Penal, senão mesmo a inexistência jurídica, porquanto a decisão foi proferida por quem, no caso, carecia de jurisdição.
g) Admitido o recurso, por despacho de fls. 1807, respondeu o Ministério Público sem, contudo, abordar as referidas questões.
h) Neste Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, aduzindo não vislumbrar qualquer nulidade da sentença, nomeadamente por violação do anteriormente decidido por este TRP.
i) Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, respondeu o arguido reiterando a sua tese.
j) Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância das formalidades legais, nada obstando à decisão.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1. É jurisprudência constante, perfeitamente estabilizada e pacífica (cf., entre outros, Acórdão do STJ de 24/3/1999, CJ-STJ, Ano VII, Tomo I, pág. 247 e segs. – especialmente fls. 248, último parágrafo), aliás em consonância com o preceituado no art. 412º n.º 1, do Cód. Proc. Penal, que o objecto e âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Porém, no caso sub judice, detectam-se nos autos certas particularidades que impõem prévio esclarecimento e apreciação por se apresentarem numa relação de prejudicialidade no tocante à própria validade da sentença impugnada.
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2. QUESTÃO PRÉVIA
2.1. Das nulidades insanáveis
Sendo consabido que em matéria de nulidades vigora o princípio da tipicidade, é ponto assente que estas apenas podem ser invocadas e declaradas caso estejam previstas nos arts. 119º e 120º, do Cód. Proc. Penal, ou noutras disposições legais relativas ao processo penal, conforme estatui o art. 118º n.º 1, do referido diploma legal.
Por seu turno, aqueles poucos actos que se entendeu afectarem de forma grave e irreversível os fundamentos e princípios do sistema processual penal ou os direitos liberdades e garantias, foram elevados à categoria de nulidades insanáveis, invalidando o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e que aquelas puderem afectar, devendo ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento – v. corpo do art. 119º e art. 122º n.º 1, ambos do Cód. Proc. Penal.
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2.2 Da violação da composição do tribunal
§1º Conforme ressalta do já exposto, no âmbito do recurso inicialmente interposto pelo arguido B..., foi proferido acórdão neste Tribunal da Relação do Porto onde se decidiu pelo reenvio (parcial) do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426º-A, do Cód. Proc. Penal.
Tal desfecho foi determinado pelo facto de se ter considerado existir o vício da contradição insanável da fundamentação e desta com a decisão, previsto no art. 410º n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Penal, insusceptível de reparação pelo tribunal ad quem visto patentearem-se na sentença proferida duas realidades distintas no tocante à incriminação e forma de comparticipação do arguido, carecidas de recolha e esclarecimento da matéria de facto provada e não provada e consequente harmonização dos segmentos conexos.
Dispõe o art. 426º n.º 1, do Cód. Proc. Penal, que: “Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 410º, não for possível decidir a causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.”
E adianta o n.º 3, do mesmo normativo que: “3 - No caso de haver processos conexos, o tribunal superior faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns deles para efeitos de novo julgamento quando o vício referido no número anterior recair apenas sobre eles”.
É por demais evidente que estando em causa a figura do reenvio a consequência é a realização de novo julgamento, ainda que no caso restrito a determinadas questões, como patenteia a simples leitura do acórdão proferido – vejam-se as numerosas referências a “novo julgamento” e também a exposição sobre a natureza dos vícios previstos no art. 410º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, assinalando-se que “podem inquinar, total ou parcialmente, o próprio julgamento, se não puderem ser colmatados no tribunal de recurso” (fls. 1620, parte final, e início de fls. 1621) - e das normas legais citadas.
Por seu turno, a competência para o novo julgamento foi consagrada no art. 426º- A, do mesmo diploma legal, nos seguintes termos:
“1 – Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no art. 40º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas à do tribunal que proferiu a decisão recorrida.
2 – Quando na mesma comarca existirem mais de dois tribunais da mesma categoria e composição, o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição”.
Acresce que o referido art. 40º, na sua alínea c), estabelece que nenhum juiz pode intervir em julgamento relativo a processo em que tiver participado em julgamento anterior, conforme também ficou anotado no anterior acórdão proferido (fls. 1625) e foi contrariado pelo tribunal a quo por razões que se desconhecem.
Assim, as divergências jurisprudenciais, anteriormente sentidas, a propósito da possibilidade do mesmo juiz poder participar no segundo julgamento, foram resolvidas pela reforma operada em 2007 ao Código de Processo Penal (Lei n.º 48/2007, de 29/8), sendo agora claro que o que interessa não é o diferente Tribunal/instituição mas antes o diferente julgador.
Nesta conformidade, seria competente para o novo julgamento o Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia-J2, caso aí já não exercesse funções a magistrada que presidira ao anterior ou se não fosse ela a sua única titular.
Caso contrário seria competente um dos outros juízos aí existentes que viesse a resultar da distribuição.
§2º Do enunciado que antecede extrai-se facilmente que, para além da M.ma Juíza a quo ter ignorado o requerimento de declaração do seu impedimento, oportunamente apresentado pelo arguido, tramitou o reenvio do processo, motivado pela existência de vício do art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, como se de mera nulidade da sentença se tratasse a carecer de reforma pelo juiz que a elaborara, desprezando a realização de julgamento a que, aliás, nunca poderia presidir, pois que a composição do tribunal ou juízo em caso de impedimento resulta de consagração legal, sendo os respectivos termos igualmente regulados na lei.
Consequentemente, a decisão em causa, para além de desrespeitar frontalmente o acórdão deste Tribunal da Relação, anteriormente proferido, mostra-se inquinada por nulidade insanável, de harmonia com o preceituado no art. 119º a), do Cód. Proc. Penal, ou, para quem entenda que tal inciso regula unicamente a questão da composição do tribunal colectivo[1], de nulidade decorrente do impedimento da Ex.ma Juíza que a elaborou, por força das disposições conjugadas dos arts. 426º-A, n.º 1, 40º, n.º 1, al. d) e 41º, n.ºs 2 e 3, 1ª parte, do Cód. Proc. Penal, devendo realizar-se os actos omitidos (julgamento) e ser repetidos os actos nulos [todos os praticados pela magistrada impedida após recebimento dos autos, na sequência do acórdão deste Tribunal da Relação, proferido a 22 de Fevereiro de 2017, e no tocante ao arguido aqui recorrente].
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em declarar nulos todos os mencionados actos praticados nos autos pela Ex.ma Juíza legalmente impedida de intervir em novo julgamento do arguido B... e no que a este dizem respeito, especialmente a sentença proferida nos autos a 15 de Maio de 2017, por violação do disposto nos arts. 426º-A, n.º 1, 40º, n.º 1, al. d), 41º, n.ºs 2 e 3, 1ª parte, e 119º, al. a), todos do Cód. Proc. Penal, cabendo o novo julgamento que se impõe ao tribunal que vier a ser competente nos precisos termos previstos no art. 426º - A, do Cód. Proc. Penal.
Sem tributação.
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP[2]]

Porto, 17 de Janeiro de 2018
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
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[1] V. Ac. desta RP, de 28/10/2009, Proc. n.º 506/05.5PBMAI, relator Joaquim Gomes, in dgsi.pt.
[2] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por vontade da relatora.