Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5784/12.0TBMTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
PRECLUSÃO DE DEFESA
Nº do Documento: RP202010265784/12.0TBMTS-B.P1
Data do Acordão: 10/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Deve ser rejeitado por extemporâneo o articulado superveniente deduzido em audiência de julgamento que, estribando-se no depoimento de uma testemunha, dele retirou um facto inócuo para, de seguida, com base nele vir invocar a excepção da prescrição do título cambiário (livrança) dada à execução quando, na petição dos embargos que deduziu, não o havia feito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº5784/12.0TBMTS-A.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Execução da Maia–J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que o Banco B…, S.A., com sede na Avenida…, nº ..., …, …, intentou contra C…, com domicílio na …, …, e D…, com domicílio na Rua…, nº …., …, Maia, veio este deduzir os presentes embargos de executado e oposição à penhora, pedindo a final que os mesmos fossem julgados procedentes por provados, conhecendo-se das questões invocadas, na inexistência dos títulos executivos e ordenando-se consequentemente o levantamento da penhora.
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Tendo o processo seguido os seus regulares termos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento na qual o embargante deduziu articulado superveniente nos termos que aí constam e que o tribunal recorrido, por despacho exarado em acta, não admitiu por ser extemporâneo.
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Não se conformando com o assim decidido veio o embargante interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
I– Andou mal o tribunal “a quo” ao indeferir o articulado superveniente apresentado pelo ora recorrente, considerando que o mesmo é manifestamente extemporâneo em virtude dos factos invocados serem anteriores à audiência final, resultando do processo que o embargante teve conhecimento dos mesmos em data anterior à realização da mesma.
II– Ora dos autos resulta precisamente o contrário.
III– No artigo 9º da contestação, o Banco Embargado, aqui recorrido, refere peremptoriamente que para além da missiva enviada pelo Ilustre Mandatário, e que consta dos autos, o embargado interpelou o embargante para o pagamento comunicando-lhe a resolução do contrato e o preenchimento da, previamente ao preenchimento da livrança. Ónus que sobre si recaía.
IV– Em sede de audiência final a testemunha arrolada pelo Embargado, veio a afirmar que a interpelação efectuada tinha sido só através da carta simples remetida pelo Ilustre Mandatário, ou seja, só na audiência final e na sequência da inquirição da única testemunha apresentada pelo embargado, é que o embargante tomou conhecimento que lhe não tinha sido dirigido qualquer comunicação para além da dita missiva (que diga-se foi remetida para morada que não é a morada do embargante).
V– No imediato à dita inquirição e ainda no decurso da audiência final apresentou requerimento invocando o facto de que ali tinha tido conhecimento.
VI- Na verdade o recorrente apenas teve conhecimento de que não tinha havido interpelação/ comunicação do vencimento ao “pré-avalista”, por parte do Banco embargado, como seria seu ónus, só foi constatada aquando do depoimento prestado em sede de audiência final pela testemunha arrolada pelo mesmo.
VII- Nesta medida não assiste razão ao Tribunal “ a quo” quando rejeita o articulado superveniente apresentado por manifestamente extemporâneo, uma vez que os factos nele alegados, só advieram ao conhecimento do embargante em sede de audiência final.
VIII- Só nesse momento ficou o embargante conhecedor dos mesmos e de os pode invocar para o efeito pretendido, uma vez que se trata de factos subjectivamente supervenientes.
IX- Diga-se em abono da verdade, que ao rejeitar o articulado superveniente, o tribunal a quo privou o embargante de invocar uma excepção que, a proceder, teria a virtualidade de extinguir o direito do Embargado.
X- Efectivamente ao proferir despacho liminar nos termos em que o fez o tribunal “ a quo” preteriu e violou o disposto no artigo 588º do CPC, mormente o seu nº 3 alínea c).
XI- Não tendo decidido no sentido defendido nestas alegações, o despacho proferido pelo tribunal “a quo” violou o direito de cada uma e de todas as disposições legais e jurisprudenciais invocadas, o que deve determinar a sua revogação e substituição por outro que, admita o articulado superveniente apresentado pelo Embargante por tempestivo.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o articulado superveniente foi, ou não, deduzido tempestivamente.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O quadro factual a ter em conta para decidir a questão colocada é que consta do relatório supra e que aqui se dá por reproduzida.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a) - saber se o articulado superveniente foi, ou não, deduzido tempestivamente.
A admissibilidade do articulado superveniente prende-se com razões de economia processual e decorre do facto da lei, no artigo 611.º, nºs 1 e 2 do CPCivil, determinar que a sentença tome em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos produzidos até ao encerramento da discussão, desde que segundo o direito substantivo aplicável possam influir na existência ou conteúdo da relação controvertida.
Daqui decorre, face à previsão do artigo 588.º, nºs 1 e 2 do CPCivil, que a lei permite que qualquer das partes possa alegar, em articulado posterior ou em novo articulado, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, que sejam supervenientes.
Consideram-se factos supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos dos articulados (superveniência objectiva), como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência (superveniência subjectiva) (cfr. artigo 588.º, nº 2 do CPCivil).
Nos termos do artigo 588.º, nº 4 do CPCivil o articulado superveniente pode ser liminarmente rejeitado, com fundamento em extemporaneidade ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa.
Como se evidencia do despacho recorrido o Sr. juiz do processo não admitiu o articulado por o mesmo ser extemporâneo, estribado na circunstância de que os factos dele constantes eram anteriores à audiência de julgamento e ainda que o embargante deles teve conhecimento em data também anterior.
Quid iuris?
O embargante recorrente após o termo do depoimento da testemunha E… arrolada pelo exequente embargado, veio alegar que só com este depoimento é que teve conhecimento de que não tinha havido interpelação/comunicação do vencimento da livrança ao “pré-avalista”, por parte do Banco embargado antes da missiva a que faz alusão no artigo 9º da sua contestação.
Ora, é com base neste depoimento que formulada o articulado superveniente onde o desiderato único é, como dele se retira e sem margem para qualquer tergiversação, a invocação da prescrição do título cambiário dado à execução.
Acontece que, salvo o devido respeito, não se vê qual a relevância do citado facto -“falta de interpelação do avalista do subscritor”-para efeitos da invocação da prescrição do título cambiário.
Como se sabe no âmbito de uma título cambiário (livrança, letra) em branco (como é o caso em apreço), a jurisprudência maioritária vai no sentido da desnecessidade da referida interpelação, a menos que ela resulte do respectivo pacto de preenchimento.[1]
Mas ainda que assim não se entenda, não se descortina como essa falta de interpelação do avalista, possa ter obstaculizado a invocação da prescrição do título cambiário logo em sede de petição de embargos por parte do recorrente.
Efectivamente, a jurisprudência, tem vindo a perfilhar, de forma que cremos ser unânime, o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70.º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.[2]
A ser assim, como é, torna-se evidente que tendo o embargado sido citado para os termos da acção executiva era conhecedor do requerimento executivo e do título dado à execução e, portanto, os factos em que agora pretende estribar (cfr. artigo 2º do articulado superveniente deduzido) a invocação da excepção da prescrição são anteriores à audiência final.
Aliás, em bom rigor não se pode falar aqui em factos (extintivos) supervenientes nos termos sobreditos, pois que eles não são posteriores aos articulados (superveniência objectiva), antes são contemporâneos deles, nem de superveniência subjectiva já que o embargante, como supra se referiu, deles logo teve conhecimento com a citação para a execução.
Por outro lado, em nenhures da contestação aos embargos a exequente recorrida afirma que houve qualquer outra interpelação para além da que é indicada no artigo 9º da mesma peça.
Na verdade o que o exequente afirma no antecedente artigo 8º é que o recorrente já havia tomado conhecimento da dívida quer no invetário/partilha quer no âmbito do processo de insolvência, bem como na missiva através da missiva que se refere no artigo 9º, ou seja, nada se diz sobre qualquer outra interpelação que tenha existido nos moldes referidos pelo recorrente.
Aliás, o que o exequente refere no requerimento executivo é que o montante inscrito na livrança resulta do não pagamento da quantia em dívida do contrato de crédito nº ……….., contrato esse que refere ter sido resolvido e comunicada a sua resolução ao embargante recorrente, ou seja, nada se refere sobre qualquer interpelação relativa ao preenchimento e vencimento da livrança exequenda.
Daqui decorre, que não pode o embargante alegar que a exequente afirmou, em qualquer dos seus articulados, a existência dessa interpelação, o que significa que nada tendo a mesma dito a esse respeito e não tendo o embargante na sua posse a comunicação dessa mesma interpelação, podia, logo na petição na petição de embargos, alegar a sua falta e deduzir a excepção da prescrição do título cambiário.
O que perpassa do articulado superveniente deduzido é que o embargante quis utilizar um facto inócuo e de que devia ter conhecimento, resultante do depoimento de uma testemunha arrolada pelo exequente embargado, para depois invocar um facto extintivo (prescrição da acção cambiária) que só por culpa sua não deduziu em momento oportuno.
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Diante do exposto nada temos a censurar à decisão recorrida que, por ser manifestamente extemporâneo, rejeitou o articulado superveniente.
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Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pelo recorrente e, com elas, a respectivo recurso.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo recorrente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 26 de Outubro de 2020.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
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[1] Cfr. por todos Ac. do STJ de 28/09/2017 in www.dgsi.pt.
[2] Cfr. entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 12/11/2002 (proc. nº 3366/02), de 30/09/2003 (proc. n.º 2113/03), de 29/11/2005 (proc. nº 3179/05), de 09/02/2012 (proc. n.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1), de 19/10/2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1) e o recente acórdão proferido, em 19/06/2019 todos consultáveis em www.dgsi.pt e ainda do T. R. P. de 29.1.2019, relatado por Lina Baptista, e de 7.1.2019, relatado por Jorge Seabra-confirmado por Ac. do STJ de 19/06/2019-, do T. R. G. de 28.2.2019, relatado por Fernando Freitas, e de 25.10.2018, relatado por Raquel Tavares, e ainda do T. R. E. de 23.3.2017, relatado por Isabel Imaginário, todos consultáveis em www.dgsi.pt.