Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
667/20.3T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO DE PROPRIEDADE
COLISÃO DE DIREITOS
Nº do Documento: RP20240305667/20.3T8PNF.P1
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Numa situação de colisão entre direitos de personalidade (de repouso, sono) e o direito de propriedade (aproveitamento das utilidades do seu prédio) e o de livre exercício da iniciativa privada (exploração de atividade económica), deverá implementar-se uma solução de compressão possível, razoável e proporcional dos direitos em conflito, em ordem à sua co-existância, não obstante a preponderância dos direitos de personalidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 667/20.3T8PNF.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Penafiel



REL. N.º 841
Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira
2º Adjunto: Juíza Desembargadora: Dra. Maria Eiró

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

AA e esposa BB, residentes na Travessa ..., ..., Penafiel, intentaram a presente ação em processo comum, contra CC e esposa DD, residentes na Avenida ..., ..., Penafiel, pedindo a condenação dos RR a fecharem as janelas do respectivo prédio voltadas para o seu, ou a substituírem os vidros por vidros foscos que impeçam as vistas, bem como a transmissão de ruídos provocados pela serralharia que os RR. mantêm em funcionamento no seu prédio. Mais pedem a condenação dos RR. a absterem-se de exercer e/ou manter ali a atividade industrial de serralharia e a absterem-se de provocarem ruído, além de, solidariamente, lhes pagarem a quantia de €22.647,60 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes vêm causando com esses ruídos, a acrescer como o mais a liquidar em execução de sentença. Ou, subsidiariamente, que os réus sejam condenados a realizar obras de insonorização de forma a eliminar os ruídos que são sentidos na propriedade e residência dos Autores e no mais compatível com os pedidos supra, seguindo-se dos ulteriores termos até final.
Alegaram, em síntese, que são proprietários de um prédio que confronta a poente com um prédio pertencente aos Réus, sendo que o Réu marido, desde há dois anos, passou a exercer, de forma clandestina, uma atividade de serralharia no seu prédio, que provoca ruído excessivo, audível em casa dos Autores, perturbando as horas de descanso dos mesmos.
Acresce que, por volta dessa altura, os Réus iniciaram obras de remodelação da sua casa, tendo aberto janelas para a casa dos Autores, a menos de 1,50 metro de distância e sem que estes lhe tenham dado autorização.
As condutas dos Réus, violadoras quer do direito ao sossego, quer do direito de propriedade dos Autores, causam-lhes danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, na qual arguiram diversas exceções e impugnaram os factos alegados pelos Autores.
Foi elaborado despacho saneador, no qual foi afirmada a plena validade e regularidade da instância, tendo sido decidas e julgadas improcedentes as exceções arguidas. Foi fixado o objeto do litígio e enunciaram-se os temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou os Réus CC e DD, solidariamente, a pagarem a cada um dos Autores a quantia de €7.000 (sete mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, e a absterem-se de provocarem ruído e exercerem a atividade de serralharia no respectivo imóvel. No mais, foram absolvidos os Réus.
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É desta decisão que vem interposto recurso, pelo executado AA, que o termina formulando as seguintes conclusões:
i. Os Autores/Apelados intentaram acção fundada na responsabilidade civil extracontratual emergentes dos danos causados pelos Réus/Apelantes aos direitos de personalidade dos Autores/apelados em consequência dos ruídos produzidos na sua oficina, pretendendo que os Réus/Apelantes efectuem o pagamento de uma indemnização aos Autores/Apelados pelos danos alegadamente sofridos, assim como solicitam que aqueles realizem obras no seu prédio de forma a encerrar portas e janelas.
ii. Os aqui Recorrentes, discordam da Douta Decisão do Tribunal a quo, na parte em que na mesma se entende que assiste razão aos Autores/Apelados quando sustenta que os alegados danos sofridos pelos Autores merecem a tutela do direito e bem como o seu ressarcimento, condenando os Réus/Apelantes a absterem-se de exercer a actividade de serralharia no seu imóvel.
iii. Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. a) e art.º 638.º, n.º 7, art.º 647.º, n.º 1, 645.º, n.º 1 al. a) do Código de Processo Civil, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 27/10/2023, que julgou a acção parcialmente procedente.
iv. Os Apelantes impugnam a decisão da matéria de facto dos pontos 10, 11, 12, 15, parte do 16 e 17 dos factos julgados provados, e do ponto G) dos factos não provados, que enfermam de relevantes erros de julgamento, com origem numa deficiente análise crítica das provas produzidas.
v. Funda a discordância:
vi. Na deficiente apreciação do relatório pericial e ainda de onde não é possível extrair a prova de nenhum dos pontos impugnados;
vii. b. Na deficiente apreciação conjugada dos primeiros depoimentos das testemunhas dos EE, FF e GG uma vez que todas as testemunhas arroladas pelos AA. e pelo Réu, aquelas interessadas no desfecho da causa, ofereceram no essencial, e em singelo, as suas percepções e opiniões subjectivas sobre o alegado ruído produzido pela actividade desenvolvida pelo Réu/apelante na sua oficina.
viii. Porquanto do conjunto dos documentos e das “percepções” e “opiniões” transmitidas ao Tribunal pelas testemunhas, é totalmente impossível formar uma convicção minimamente segura sobre um conjunto de circunstâncias essências e indispensáveis para a decisão a proferir sobre a matéria de facto, a saber:
ix. se os Réus têm uma actividade industrial de serralharia que produz ruído audível no interior da habitação dos Autores de tal forma que afecta o repouso, o descanso e a tranquilidade daqueles.
x. O Douto Tribunal recorrido mais não teve do que os relatos, percepções e opiniões subjectivas das testemunhas inquiridas, todas elas sem qualquer conhecimento de causa, por não morarem com os Autores, por terem morado em data à qual os Autores não traduzem relevância ao ruído ou simplesmente por não teres conhecimento dos factos, sendo assim depoimentos absolutamente incompatíveis e inconciliáveis.
xi. A sentença recorrida considera que dos autos resultou demonstrado que os Apelados em virtude do ruído produzido pela serralharia do Recorrente marido não conseguem descansar, repousar e dormir em consequência andam irritados, ansiosos e perturbados, situação que se mantém pelo menos desde 2018.
xii. Assim, tais danos merecem a tutela do direito, pelo que, nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º1 e 3 do Código Civil, entendendo adequado e equitativo fixar em 7.000 (sete mil euros) a compensação a atribuir a cada um dos Autores/Apelados por tais danos.
xiii. A sentença recorrida considera que estando em colisão a tutela dos direitos de personalidade dos Autores/Apelados, (direito ao sossego, repouso e descanso) e o direito do Réu marido ao exercício da sua actividade numa pequena oficina de serralharia, deve prevalecer o primeiro, fundando-se nos termos do disposto no art.º 335.º do Código Civil.
xiv. Permitem-se os aqui Recorrentes, discordar da Douta sentença, na parte em que a mesma entende e dá como provado, que os aqui Autores/Apelados provaram a ocorrência de ruído por parte dos Réus/Apelantes susceptível de causar lesão aos seus direitos ao descanso, sono e repouso.
xv. E, nem podem os aqui Recorrentes concordar ainda com a posição assumida pelo Tribunal recorrido quando considera que se encontram preenchidos os pressupostos necessários para a obrigação de indemnizar por parte dos Réus.
xvi. A prova produzida em sede de audiência e julgamento não foi correctamente julgada o que impõe uma decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo.
xvii. De acordo com a prova produzida a mesma não permite ao Tribunal a quo concluir que se verifique ruído produzido pela laboração na oficina do Apelante marido e que este ruído seja susceptível de causar danos dignos de serem compensados monetariamente.
xviii. Pelo que, os Recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto prevista nos pontos 10.11.12. parte do 16. e 17. dos factos provados e a circunstância de considerar como factos não provados a matéria factual designadamente o ponto G). dos factos não provados.
xix. A decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo, deve ser alterada na medida em que na sentença em apreciação se tomaram como provados factos que careciam de fundamento probatório, e se ignoram provas (designadamente o relatório pericial e os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em audiência de julgamento) que consubstanciam factos provados que por serem importantes para a boa decisão da causa, teriam de ser considerados, e por consequência seja aplicado e interpretado aos factos ao direito.
xx. O Douto Tribunal recorrido ao dar como provado os pontos 10.11.12. parte do 16. e 17. dos factos provados e a circunstância de considerar como factos não provados a matéria factual designadamente o ponto G). dos factos não provados, desconsiderou totalmente o relatório pericial e os esclarecimentos do perito substancialmente contraditórias com as declarações das testemunhas que o Tribunal recorrido deu como verosímeis.
xxi. Assim, salvo o devido respeito, por opinião contrária, a matéria de facto provada, ou, no caso, os depoimentos, os indícios, os elementos recolhidos e os documentos juntos aos autos são prova manifestamente suficientes para se decidir em sentido contrário com ao decidendo.
xxii. Designadamente que os Recorrentes, em concreto o aqui Réu marido/Apelante, com a sua actividade não provoca ruído audível do interior da habitação dos Autores e em consequência estes não demonstram a existência de qualquer dano sofrido e passível de ser indemnizável – e ainda que se considere indemnizável nunca poderia ser pelo valor aquilatado pela sentença que ora se recorre.
xxiii. A matéria de facto supra indicada deveria ser dada como não provada designadamente pela circunstância do relatório pericial dos autos dar como provado que o ruído provocado pela oficina de serralharia não é audível do interior da habitação dos Apelados, sendo que os níveis de ruído só são ultrapassados quando a porta da oficina ou da habitação dos Apelados se encontra aberta.
xxiv. Ora, tal relatório pericial porque se trata de avaliação realizada por equipa especializada e cujos conhecimentos técnicos devem ser considerados pelo Douto Tribunal estão em total contradição com os depoimentos das testemunhas que não confirmam o exposto no relatório pericial e que resultam contraditórios e pouco verosímeis na razão de ciência do conhecimento que detém dos factos, em confronto com o que resulta dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito HH, gravado em CD 1 ao minuto 10:19:59 até ao min. 10:49:34, gravado em suporte digital no dia 14.02.2023, conforme depoimento prestado desde as 00:00:09 às 00:00:50, e ainda os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito II do min. 10.49.35 ao min. 11.15.54.
xxv. Ou ainda do depoimento gravado do Autor AA, gravado em CD 1 ao minuto 11:20:34 até ao min. 12:20:51, gravado em suporte digital no dia 14.02.2023, conforme depoimento prestado desde as 00:00:22 às 00:09:34.
xxvi. Não podendo dar-se relevância aos depoimentos das testemunhas pela circunstância das mesmas não poderem como é normal confirmar as declarações dos Autores – uma vez que as horas que os Autores se dizem incomodados na sua habitação, designadamente as seis da manhã ou as dez da noite – as testemunhas ouvidas nos autos não confirmaram esses horários e nem as mesmas vivem na casa dos Autores que possam ter percepção de uma realidade invocada pelos Recorridos – e que com o devido respeito não se vê concretizada.
xxvii. Nenhuma das testemunhas ouvidas vive com os Autores para poderem confirmar se a oficina dos Réus/apelantes provoca ou não ruído que incomode os Autores e que o impeçam de descansar ou dormir.
xxviii. O depoimento da testemunha EE é de tal forma pouco realista e inverosímil que não se pode admitir como circunstanciador dos factos alegados pelos Autores, nem as suas declarações são prestadas de forma isenta e verídica.
xxix. Vejamos a mesma não reside na residência dos pais desde 2018, tal como a mesma o admite no seu depoimento , cfr. registo áudio pelo gravado em CD 1 ao minuto 15:03:58 até ao min. 15:33:33, gravado em suporte no dia 23.05.2023, conforme depoimento prestado desde o min. 00:01:10 ao min. 00:02:29. Pelo como considerar se quer que a mesma tem qualquer conhecimento dos factos alegados pelos Autores.
xxx. Não poderia o Douto Tribunal recorrido, com o devido respeito, considerar que a aqui testemunha EE – filha dos Autores – tivesse confirmado a versão dos Recorridos de forma isenta e verosímil. Pois resulta do seu depoimento um discurso contraditório comprometido com a realidade e não sustentado inclusive as alegações dos Autores.
xxxi. Aliás veja-se que a testemunha não afirma que a Autora/Apelada sofra de qualquer depressão ou perturbação provocada por este alegado incómodo do ruído, pelo não se pode considerar, ao contrário do que fez a Douta decisão recorrida, que os Autores/apelados sejam detentores de qualquer dano que possa ser indemnizado - cfr. registo áudio pelo gravado em CD 1 ao minuto 15:03:58 até ao min. 15:33:33, gravado em suporte digital no dia 23.05.2023, conforme depoimento prestado desde o min. 00:11:00 ao min. 00:13:49, e ao min. 00:20:50 ao min. 00:27:60.
xxxii. E, em igual circunstâncias prestam o seu depoimento a testemunha a Sra. FF, cujo depoimento foi prestado em 23.05.2023, gravado em CD 1 conforme depoimento prestado desde as 00:01:20 às 00:06:07, bem como ao min. 00:07:14 ao min. 00:08:21, não confirma qualquer facto alegado pelos Autores e ainda,
xxxiii. O depoimento prestado pela testemunha GG, cfr. Depoimento registado digital com início da gravação CD1 às 16:00:18 e fim da gravação 16:36:04, em 23/05/2023, não resultou, como não podia resultar verosímil, que tivessem os Réus/Apelantes com o seu trabalho esporádico na oficina de pequenas dimensões com características de serralharia provocar aos Autores a violação do seu direito ao sono e ao descanso.
xxxiv. Pelo que dos depoimentos das testemunhas supra indicadas e consideradas credíveis pelo Tribunal recorrido, por demonstrar sérias incoerências tendo em conta as regras da experiência, da lógica e da razão, deveriam ter sido desvalorizados pelo Tribunal de primeira Instância.
xxxv. Ora, o tribunal a quo no julgamento da matéria de facto, salvo o devido respeito por posição contrária, deveria ter respeitado a averiguação de factos, a ocorrência da vida real, os eventos materiais e concretos, as circunstâncias do mundo exterior, o estado e qualidade ou situação real das pessoas e coisas.
xxxvi. Pelo que sem prejuízo do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no Art.° 607.°, n.º 5, do CPC, a verdade é que essa livre apreciação, e a formação da convicção do julgador dela decorrente, deve ser feita à luz das regras gerais da experiência, do raciocínio e da lógica, e, salvo o devido respeito, caso essas regras tivessem sido atendidas pelo Mmº Juiz a quo na apreciação e ponderação de todos os elementos de prova existentes nos autos, de per si e conjugados entre si, o mesmo teria forçosamente de concluir que os mesmos não sustentam nem fundamentam os factos dados como provados na decisão da matéria de facto sob os pontos 10.11.12., parte do 16. e 17. E o ponto G). dos factos não provados relevantes para a boa decisão da causa.
xxxvii. Pelo que os aqui Apelantes, ao abrigo do disposto no actual Art°. 640°, nº1, al. a), do C.P.C., desde logo impugnam especificadamente aqueles pontos da decisão da matéria de facto, devendo ser considerados tais pontos como não provados e o ponto g) da matéria de facto não provada ser considerado como provado.
xxxviii. Dúvidas não restam que os elementos de prova indicados na decisão da matéria de facto para fundamentar e sustentar a decisão de julgar provados os factos nela aduzido sob os pontos 10.11. 12., parte do 16 e 17, designadamente as declarações de parte dos Recorridos e o depoimento das testemunhas EE, FF e GG, são manifestamente insuficientes para tal.
xxxix. Os referidos depoimentos, pelas razões já aduzidas nas alegações e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, não constituem elementos de prova bastante que permitam concluir que ruído produzido pela oficina dos Recorrentes é audível na habitação dos Autores e que este provoca danos e incómodos designadamente perturba o sono, descanso dos Autores de forma a merecer a tutela do direito.
xl. Sendo certo que não foram produzidos outros elementos de prova nos autos que, por si ou conjugados com aqueles, permitam suportar tal decisão do Tribunal a quo, pelo que, não tendo sido produzida prova clara, inequívoca e bastante para considerar tais factos como provados, deve, em consequência, e ao abrigo do disposto no Art°. 662°, n°1, do C.P.C., ser alterada a decisão de julgar provados os factos aduzidos naqueles pontos 10.11.12., parte do 16 e 17, máxime no sentido de os julgar "Não provados”.
xli. Por se encontrarem em total desacordo com a prova pericial produzida em audiência.
xlii. Pelas razões aduzidas nas alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, atenta a alteração da decisão da matéria de facto nos termos supra expostos, não restam dúvidas que os factos dados como provados não consubstanciam a verificação dos pressupostos legais do, consignados na respectiva noção legal do Art°. 483°, nº1, do Código Civil, factos que constituem o Recorrido na obrigação de indemnizar os Apelados nos montantes aquilatados pela decisão recorrida.
xliii. Não estando comprovada nos autos matéria factual que permita suficientemente apurar a intensidade da pretensa lesão causada (desconhece-se, designadamente, quantas vezes foram os AA. perturbados no seu descanso, tranquilidade e sono, e quantas vezes tal alegada perturbação impediu um repouso reparador), mas sendo evidente que durante mais de 20 anos não houve por parte dos AA. qualquer reacção à actividade desenvolvida pelo Réu, é curial presumir uma lesão de intensidade reduzida, pelo que é manifestamente excessiva a condenação dos Réus no pagamento das indemnizações de € 7.000,00 a cada um dos Autores.
xliv. Não se conhecendo os critérios objectivos que presidiram da indeminização pelo que a douta sentença recorrida, nesta parte, é nula por violação do art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, por ser obscura e não permitir a inteligibilidade da decisão.
xlv. Assim, e pelo exposto, deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgando a acção totalmente improcedente, e absolva os Recorridos tudo nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 346.º e 1305º do Código Civil, o artigo 13.º do Regulamento Geral do Ruído (e a Directiva 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Junho de 2002) e os direitos constitucionais à propriedade privada (art.º 62.° da CRP) e de livre iniciativa económica privada (art.º 61.º, n.º 1 da CRP) e princípio da proporcionalidade (art.º 18.º, n.º 2 da CRP); A douta sentença recorrida viola ainda o art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o art.º 25.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
xlvi. A douta sentença recorrida viola os arts. 414.º e 615.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC, o arts. 346.º e 1305º do Código Civil, o artigo 13.º do Regulamento Geral do Ruído (e a Directiva 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Junho de 2002) e os direitos constitucionais à propriedade privada (art.º 62.° da CRP) e de livre iniciativa económica privada (art.º 61.º, n.º 1 da CRP) e princípio da proporcionalidade (art.º 18.º, n.º 2 da CRP).
xlvii. A douta sentença recorrida viola ainda o art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o art.º 25.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
xlviii. Disposições legais que a sentença ora recorrida violou ao julgar de forma diferente, o que constitui também fundamento bastante para o presente recurso de apelação - Art°. 639°, n°.2, al. a), do Código de Processo Civil.
xlix. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente por provado e, em consequência:
l. Ao abrigo do disposto no Art°. 662°, nº1, do C.P.C., deve ser alterada a decisão da matéria de facto nos termos aduzidos nas conclusões deste recurso;
li. Deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgando a acção totalmente improcedente, absolva os Recorridos nos termos peticionados pelos Apelantes, assim fazendo V.Exª. a habitual Justiça».
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Os AA. juntaram resposta ao recurso, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi depois recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.

Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo de eventuais questões que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, a questão a resolver, extraída de tais conclusões, traduz-se em decidir:
1 – da alteração da decisão sobre a matéria de facto, quanto aos itens 10, 11, 12, 15, parte do 16 e 17 dos factos julgados provados, e do ponto g) dos factos não provados;
2 – do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil dos RR., designadamente para efeitos de proibição do exercício da actividade do réu marido e da indemnização de danos não patrimoniais;
3 – da falta de justificação para o montante indemnizatório fixado e eventual nulidade da decisão daí decorrente;
4 – da ofensa da decisão a diversos preceitos constitucionais e outros;
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Decisão sobre a matéria de facto, constante da sentença:
Dos autos resultam provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, freguesia ..., sob o n.º ...74, o prédio urbano composto de casa de dois pavimentos e quintal, com a área coberta de 50m2 e descoberta de 30m2, a confrontar do norte com caminho, do sul e poente com JJ e do nascente com KK.
2. A aquisição de tal prédio encontra-se registada a favor do Autor AA casado com BB no regime de comunhão de adquiridos pela ap. ...46, de 2019/03/18.
3. Por contrato de compra e venda, outorgado em 9 de março de 2019, GG declarou vender e AA declarou comprar, o prédio urbano, composto por casa de dois pavimentos e quintal, sitona Travessa ... (anterior lugar ...), freguesia ..., concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º ...74.
4. Os Autores residem há mais de 20 (vinte) anos na Travessa ..., com o código postal ... na freguesia ..., concelho de Penafiel.
5. O Réu é dono e legitimo proprietário de um prédio sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, inscrito na matriz sob o artigo ...97 que confronta do nascente com o prédio identificado em 1.
6. O imóvel situa-se em aglomerado habitacional.
7. O Réu marido, em parte do rés-do-chão do imóvel identificado em 5 tem uma serralharia, onde trabalha materiais em ferro, como portas, janelas e realiza as respetivas pinturas.
8. O Réu marido, desde pelo menos 2018, exerce tal atividade, em horário diverso, tanto de manhã cedo, com início as 6 horas, como após as 20 horas, quer à semana quer ao fim de semana e feriados.
9. No exercício dessa atividade de serralharia, o Réu marido provoca ruído que é produzido pelas máquinas de trabalhar o ferro.
13. Os Autores apresentaram diversas queixas contra o Réu marido à GNR e outras entidades, conforme teor dos documentos juntos como n.º 5 a 24 com a petição inicial.
14. Foi aberto um processo crime que corre termos pelo DIAP de Penafiel contra o Réu marido, sob o n.º 77/19.5GBPNF, bem como uma ação administrativa de impugnação de ato administrativo, a correr termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, sob o n.º 419/19.3BEPNF.
15. O ruido produzido pela atividade de serralharia priva os Autores de descansar, dormir e repousar.
16. O Autor marido exerce a atividade de eletricista de baixa e média tensão, trabalhando em regime de escalas e devido ao ruído provocado pelo Réu marido na serralharia não consegue descansar.
17. O referido em 14 provoca nos Autores um estado de nervosismo e ansiedade permanentes, com insónias.
18. Em 2019, os Réu procederam a obras de alteração, construção e demolição no seu prédio.
19. Na sequência das obras que os Réus levaram a cabo, na parede do seu prédio que confronta com o prédio dos Autores fecharam duas janelas e mantiveram as duas restantes, com 80 cm por 1 metro em cada janela, com menos de um metro e meio de intervalo entre os prédios.
20. O Réu marido, por vezes, senta-se no peitoral da sua janela que deita para o prédio dos Autores a fumar.
21. Os Autores são vizinhos dos Réus há mais de 20 (vinte) anos.
22. Os Autores conhecem a oficina do Réu marido há mais de 35 anos, pelo menos desde 1970.
23. Os Autores sempre foram apoiantes da ideia do Réu marido perpetuar a atividade de serralharia naquele local já que a mesma tinha sido pertença do avô do aqui Réu.
24. Autores e Réus e respetivas famílias sempre foram pessoas de boas relações, caraterizadas por laços de amizade e de convívio próximo entre si.
25. Os prédios em discussão nestes autos situam-se numa freguesia rural que dista a cerca de 6km da cidade de Penafiel.
26. Existindo campos cultivados pelos agricultores, criação de animais para consumo doméstico e pequenos negócios.
27. São estas atividades que permitem aos seus proprietários fazer face aos hábitos e necessidades de alimentação da família.
28. A oficina do Réu marido tem uma utilização esporádica.
29. O Réu marido realiza pequenos trabalhos de pintura e soldagem e só esporadicamente realiza trabalhos em portas e janelas.
30. O Réu marido trabalha sozinho, não tendo funcionários.
31. Os imóveis em causa nestes autos situam-se numa área predominantemente habitacional consolidada ou a consolidar, do tipo C4, correspondendo a zonas de baixa densidade ou moradia.
32. A referida oficina existe desde 1970.
33. O prédio dos Réus tem as janelas, com cerca de 80 cm por um metro, dotadas de armação de alumínio, e deitam vistas exatamente para os mesmos espaços que em 1970.

Factos não provados com interesse para a decisão da causa:
a) O imóvel identificado em 5 dos factos provados está descrito sob o n.º 614;
b) A atividade de serralharia identificada em 7 tenha tido inicio em 2018;
c) O Réu marido realiza habitualmente pinturas a pistola de ar livre de ferro trabalhado, com tintas altamente poluentes;
d) Antes da fixação desta atividade, a zona onde os Autores residem apresentava um ambiente salubre, calmo e amistoso;
e) O Réu marido realiza as pinturas na via pública e acaba por danificar os veículos ali estacionados;
f) Em virtude do ruído sentido, a Autora mulher ficou em estado depressivo, tendo-lhe sido receitado Triticum, e Sedoxil;
g) O Réu marido apenas utiliza a oficina de serralharia entre as 8h da manhã e as 21 horas da noite;
h) A serralharia do Réu marido se encontre licenciada para o efeito;
i) Os Autores despenderam a quantia de €147,60 (cento e quarenta e sete euros e sessenta cêntimos) no polimento do seu veículo.”
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Os ora apelantes impugnam a decisão quanto aos pontos 10, 11, 12, 15, parte do 16 e 17 dos factos julgados provados, e do ponto G) dos factos não provado.
Especificam o sentido da decisão alternativa que pretendem e apontam os meios de prova que devem justificar uma diferente decisão, concretizando suficientemente, quanto aos depoimentos gravados, os segmentos a merecerem diferente julgamento.
Cumprem, em suma, o regime processual estabelecido no art. 640º do CPC, pelo que se deve conhecer da impugnação oferecida.
Os arts. 10º, 11º e 12º referem-se à emissão de ruído pela serralharia e sua repercussão na casa dos autores e na sua envolvência.
Os arts. 15º, 16º e 17º referem-se aos efeitos que a situação provoca nas pessoas: perturbação do descanso, do sono, nervosismo e ansiedade permanentes.
E pretendem que se dê por provado que a serralharia só é usada entre as 8h. e as 21h. (al g) dos factos não provados).
Na análise desta impugnação, é pertinente atentar em que não estão controvertidos os factos descritos nos pontos 28 a 30, confessados pelos AA., onde se enuncia que a oficina do Réu marido tem uma utilização esporádica, que ele ali realiza pequenos trabalhos de pintura e soldagem e só esporadicamente realiza trabalhos em portas e janelas e que trabalha sozinho, não tendo funcionários.
Mas também se constata não estar impugnada a matéria dos itens 7, 8 e 9, onde se descreve que n serralharia, o réu marido trabalha materiais em ferro, como portas, janelas e realiza as respetivas pinturas, que exerce tal atividade, em horário diverso, tanto de manhã cedo, com início as 6 horas, como após as 20 horas, quer à semana quer ao fim de semana e feriados e que provoca ruído, designadamente por causa das máquinas de trabalhar o ferro.
Neste contexto processual, quanto à matéria dos arts. 10º, 11º e 12º, tal como o tribunal refere na motivação da sua decisão, é de primordial relevo a prova pericial produzida, sobre os níveis de ruído verificados, dada a natureza técnica da matéria a averiguar e dos métodos a usar para a sua medição, tanto mais que nenhuma reserva é referida em relação à isenção deste meio de prova.
Recorde-se, então, que a perícia, com resultados traduzidos no relatório junto aos autos em 7/9/2022, complementada pelos esclarecimentos dos peritos HH e II, Engºs Técn. Civis, em audiência, propiciou a conclusão de que, estando o portão da serralharia fechada, no exterior da habitação dos autores o nível de ruído verificado é de 65db, sendo que o máximo permitido é de 63 db. Porém, com o portão fechado, o nível já se compreende dentro do limite máximo, pois ascende a 57db.
No que respeita ao critério “Incomodidade”, funcionando a serralharia com o portão fechado, dentro da habitação dos autores o nível de ruído compreende-se dentro dos limites admissíveis, o mesmo acontecendo até no exterior da habitação. Se o portão estiver aberto, o limite só é ultrapassado no exterior da habitação, já que no interior esse limite é cumprido (estão expostos a 25db). Tais limites levam em consideração que a zona em que se situa a habitação dos autores não tem ainda classificação acústica, não podendo ser tratada como zona sensível, isto é, de cariz eminentemente habitacional. Assim, os valores de referência são aferidos quanto a uma zona não classificada.
Verifica-se, assim, que, apesar de os peritos, em resposta aos quesitos formulados pelos autores, afirmarem que o ruído de funcionamento da serralharia é perceptível no imóvel dos autores, apenas destacam a sua relevância no pátio exterior da habitação e quando o portão da serralharia fica aberto. Enunciam os correspondentes resultados numa tabela que resume os resultados das medições.
Sem prejuízo de informarem que a serralharia não tinha trabalhos que exigissem o seu funcionamento em condições de normalidade, durante os momentos de realização da perícia, que foram vários, também se asseguraram de que as medições fossem efectivadas durante a execução de “operações típicas de serralharia, nomeadamente corte de ferro e rebarba de peças metálicas”.
É, assim, relevante a declaração do relatório nos termos da qual “… não se verifica que os limites legais sejam excedidos pelo que não se detectou a necessidade de incrementar o isolamento sonoro existente, desde que o portão da serralharia esteja fechado durante o funcionamento da serralharia.”
Tal afirmação é, por fim, coerente com uma outra conclusão que enunciam: só em relação ao pátio exterior da habitação dos autores e na medida em que se classifique esse espaço como uma zona de lazer, é que se pode identificar que a serralharia, e só se em funcionamento com o portão aberto, produz ruído superior ao admissível.
Não se nos afigura que os resultados alcançados pela perícia devam ser superados por quaisquer relatos de percepções subjectivas, como as descritas nas declarações de parte ou no depoimento da filha dos AA.
Assim, na ponderação deste meio de prova, complementado pelos esclarecimentos dos peritos, e na consideração de que foi nele que o próprio tribunal se baseou para apreciar a factualidade em questão, entendemos não poder ser mantida a descrição fáctica tão singelamente levada ao elenco dos factos provados, na sentença.
Cumpre que tal factualidade traduza não apenas o ruído emitido e percepcionado, mas a respectiva relevância objectiva, o que se alcança com uma redacção mais explicativa da matéria em questão.
Assim, os itens 10, 11 e 12 passarão a ter a seguinte redacção:
10. A atividade de serralharia produz ruído que é projetado para a habitação dos Autores, sendo audível no interior desta, alcançando um nível de ruído que não ultrapassa, dentro da habitação, os 25 db Lar/nt.
11. Sendo audível ainda em toda a envolvência da habitação dos Autores, sendo que, com o portão da serralharia fechado, o nível de ruído produzido não ultrapassa 56 db Lar/nt.
12. O que é agravado quando o portão de tal serralharia se encontra aberto, situação em que o nível de ruído atinge 67 db Lar/nt.
De seguida, importa sindicar a decisão sobre a matéria dos itens 15 a 17. Em especial, no item 15, refere-se que os AA. ficam impedidos de descansar, dormir e repousar, que o A. marido não consegue descansar devido ao ruído provocado e que isso induz nos autores um estado de nervosismo e ansiedade permanentes, com insónias.
As declarações de parte dos autores revelam-se claramente parciais, materializando o conflito existente com os RR.
O depoimento de EE, filha dos AA., ausente de casa dos pais desde 2018, mas onde regressa nas suas folgas, refere que o vizinho trabalha até às 10 da noite e que chegou a acordar às 6 da manhã, acordando com o barulho de ferros a bater. E refere as denúncias que foram fazendo a várias entidades. Mas o seu depoimento traduz uma inequívoca parcialidade, não apenas tendente ao favorecimento da tese dos pais, mas também de animosidade contra o réu, por não conseguirem que este corresponda á sua vontade de não serem incomodados.
Também FF revela a mesma animosidade, dizendo que tem medo do réu e que ele já a insultou. Assim, acaba por ter pouca eficácia descritiva a narração que faz do barulho que ouve, proveniente da serralharia, quando está no exterior. Tal como pouca credibilidade assume a sua conclusão de que a autora mulher, sua irmã, ficou com uma depressão, por andar a tomar medicação. Detectam-se, nesse depoimento, respostas óbvias às questões colocadas, mas sem eficácia de convencimento sobre a matéria em discussão. Assim, relatou que a irmã ficava sem dormir, andando nervosa durante meio ano, sendo que a situação melhorou desde há mês e meio.
GG, irmã do autor marido, prestou idêntico depoimento. Admitindo que a oficina já existe há muito tempo, descreveu que o réu marido fez obras e pôs aquilo muito maior e é desde então que começaram os barulhos incómodos. Mas não consegue descrever a existência de ruídos à noite, a não ser pelo que se lhe queixaram. O seu depoimento resulta inconsistente, quanto à matéria em discussão, por falta de conhecimento directo.
Igualmente inconsequente, para firmar uma convicção do tribunal, resulta o depoimento de LL, sobrinha dos AA., que referiu ter vivido em casa dos AA. entre 2015 e 2016, daí resultando o seu conhecimento. Depois, só ocasionalmente visita a casa. Ora os AA. , tal como as testemunhas EE e GG referem que os problemas só surgiram depois de 2018, depois das obras feitas pelos RR. Acresce que as suas respostas são excessivamente voluntariosas e claramente pouco isentas, inequivocamente determinada são favorecimento da tese dos AA.
Assim, por exemplo, pouco credibilidade pode merecer a sua afirmação de que o seu tio chegava a casa e não conseguia descansar, quando os próprios autores admitem que os trabalhos do réu marido são esporádicos, irregulares. De resto, a formulação das próprias perguntas, pelo Il. Advogado dos autores, descrevendo a situação sobre a qual pretendia obter pronúncia da testemunha motiva que as respectivas respostas tenham menor eficácia probatória.
Desprovido de valor deve também ser entendido o depoimento de MM, vizinho, que tanto cuidado colocou a explicar que só no Verão, muito ocasionalmente, quando decidia ir passear pelo local, depois da ceia, ouvia o réu a trabalhar com uma rebarbadeira, que isso nenhum relevo pode ter para a caracterização da actuação imputada ao R. marido.
Trata-se, pois, de um acervo probatório muito pouco eficaz, tal o voluntarismo e a parcialidade demonstrada pelas testemunhas referidas.
Neste contexto, a decisão sobre a matéria constante dos itens 15, 16 e 17 deve ter uma congruência lógica com a matéria que antes se apurou, designadamente quanto ao nível de ruído objectivamente verificado dentro e fora da habitação, com o portão da serralharia fechado e com o mesmo portão aberto, e com atenção a que o conflito instalado entre as partes, após as obras realizadas pelos RR. no seu prédio, é de per si apto a determinar a ansiedade e o nervosismo que as testemunhas relacionadas com os AA., por laços de parentesco, relataram.
Por outro lado, também se atentará em que se mostra provado, sem que seja controvertido, que a serralharia tem uma utilização esporádica e que ali se realizam sobretudo trabalhos de pintura e soldagem e só esporadicamente trabalhos em portas e janelas, sendo que as testemunhas foram referindo que os trabalhos ruidosos são os das rebarbadeiras. Acresce que não se demonstrou que os autores tenham de observar especiais rotinas de vida, apesar do trabalho do autor marido, o que motivará a ponderação, segundo regras de experiência comum, que o período de descanso dos autores se processará entre as 21 h. da noite e as 8h. do dia consecutivo.
Assim, tudo ponderado, concluímos que os itens em questão devem passar a ter a seguinte redacção, que é a única passível de sustentação pela prova produzida:
15. O ruido esporadicamente produzido pela atividade de serralharia priva os Autores de descansar e dormir, quando o portão da serralharia se encontra aberto e os trabalhos são executados antes das 8h. ou depois das 21h.
16. O Autor marido exerce a atividade de eletricista de baixa e média tensão, trabalhando em regime de escalas.
17. O referido antes e o conflito mantido com o réu marido provoca nos Autores um estado de nervosismo e ansiedade.
No que se refere à matéria da al. g) dos factos não provados, não se pode ter a mesma por adquirida porquanto as declarações das testemunhas EE e FF são suficientes para, mesmo não sustentando a versão dos autores, porem em dúvida a versão dos rr, quanto à observância escrupulosa de um horário de trabalhos na serralharia que não transcenda os limites das 21h. e das 8h.
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Decidida a impugnação oferecida às matéria de facto, passam a elencar-se os factos provados fixados definitivamente:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, freguesia ..., sob o n.º ...74, o prédio urbano composto de casa de dois pavimentos e quintal, com a área coberta de 50m2 e descoberta de 30m2, a confrontar do norte com caminho, do sul e poente com JJ e do nascente com KK.
2. A aquisição de tal prédio encontra-se registada a favor do Autor AA casado com BB no regime de comunhão de adquiridos pela ap. ...46, de 2019/03/18.
3. Por contrato de compra e venda, outorgado em 9 de março de 2019, GG declarou vender e AA declarou comprar, o prédio urbano, composto por casa de dois pavimentos e quintal, sitona Travessa ... (anterior lugar ...), freguesia ..., concelho de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º ...74.
4. Os Autores residem há mais de 20 (vinte) anos na Travessa ..., com o código postal ... na freguesia ..., concelho de Penafiel.
5. O Réu é dono e legitimo proprietário de um prédio sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Penafiel, inscrito na matriz sob o artigo ...97 que confronta do nascente com o prédio identificado em 1.
6. O imóvel situa-se em aglomerado habitacional.
7. O Réu marido, em parte do rés-do-chão do imóvel identificado em 5 tem uma serralharia, onde trabalha materiais em ferro, como portas, janelas e realiza as respetivas pinturas.
8. O Réu marido, desde pelo menos 2018, exerce tal atividade, em horário diverso, tanto de manhã cedo, com início as 6 horas, como após as 20 horas, quer à semana quer ao fim de semana e feriados.
9. No exercício dessa atividade de serralharia, o Réu marido provoca ruído que é produzido pelas máquinas de trabalhar o ferro.
10. A atividade de serralharia produz ruído que é projetado para a habitação dos Autores, sendo audível no interior desta, alcançando um nível de ruído que não ultrapassa, dentro da habitação, os 25 db Lar/nt.
11. Sendo audível ainda em toda a envolvência da habitação dos Autores, sendo que, com o portão da serralharia fechado, o nível de ruído produzido não ultrapassa 56 db Lar/nt.
12. O que é agravado quando o portão de tal serralharia se encontra aberto, situação em que o nível de ruído atinge 67 db Lar/nt.
13. Os Autores apresentaram diversas queixas contra o Réu marido à GNR e outras entidades, conforme teor dos documentos juntos como n.º 5 a 24 com a petição inicial.
14. Foi aberto um processo crime que corre termos pelo DIAP de Penafiel contra o Réu marido, sob o n.º 77/19.5GBPNF, bem como uma ação administrativa de impugnação de ato administrativo, a correr termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, sob o n.º 419/19.3BEPNF.
15. O ruido esporadicamente produzido pela atividade de serralharia priva os Autores de descansar e dormir, quando o portão da serralharia se encontra aberto e quando os trabalhos são executados antes das 8h. ou depois das 21h.
16. O Autor marido exerce a atividade de eletricista de baixa e média tensão, trabalhando em regime de escalas.
17. O referido antes e o conflito mantido com o réu marido provoca nos Autores um estado de nervosismo e ansiedade.
18. Em 2019, os Réu procederam a obras de alteração, construção e demolição no seu prédio.
19. Na sequência das obras que os Réus levaram a cabo, na parede do seu prédio que confronta com o prédio dos Autores fecharam duas janelas e mantiveram as duas restantes, com 80 cm por 1 metro em cada janela, com menos de um metro e meio de intervalo entre os prédios.
20. O Réu marido, por vezes, senta-se no peitoral da sua janela que deita para o prédio dos Autores a fumar.
21. Os Autores são vizinhos dos Réus há mais de 20 (vinte) anos.
22. Os Autores conhecem a oficina do Réu marido há mais de 35 anos, pelo menos desde 1970.
23. Os Autores sempre foram apoiantes da ideia do Réu marido perpetuar a atividade de serralharia naquele local já que a mesma tinha sido pertença do avô do aqui Réu.
24. Autores e Réus e respetivas famílias sempre foram pessoas de boas relações, caraterizadas por laços de amizade e de convívio próximo entre si.
25. Os prédios em discussão nestes autos situam-se numa freguesia rural que dista a cerca de 6km da cidade de Penafiel.
26. Existindo campos cultivados pelos agricultores, criação de animais para consumo doméstico e pequenos negócios.
27. São estas atividades que permitem aos seus proprietários fazer face aos hábitos e necessidades de alimentação da família.
28. A oficina do Réu marido tem uma utilização esporádica.
29. O Réu marido realiza pequenos trabalhos de pintura e soldagem e só esporadicamente realiza trabalhos em portas e janelas.
30. O Réu marido trabalha sozinho, não tendo funcionários.
31. Os imóveis em causa nestes autos situam-se numa área predominantemente habitacional consolidada ou a consolidar, do tipo C4, correspondendo a zonas de baixa densidade ou moradia.
32. A referida oficina existe desde 1970.
33. O prédio dos Réus tem as janelas, com cerca de 80 cm por um metro, dotadas de armação de alumínio, e deitam vistas exatamente para os mesmos espaços que em 1970.
É irrelevante o elenco dos factos não provados, pelo que não se transcrevem de novo.
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Fixada que está a matéria de facto, importa averiguar se podem manter-se as condenações impostas aos réus, que agora se recordam:
- absterem-se de provocar ruído e de exercerem a actividade de serralharia no respectivo imóvel;
- pagaram 7.000,00€ a cada um dos AA., a título de indemnização por danos morais.
Com relevo para a apreciação das questões que se sediam no âmbito da primeira condenação, alterou-se a factualidade dada por provada na sentença, importando agora considerar os seguintes elementos, que constituem a essência do que se apurou:
- O Réu marido, em parte do rés-do-chão do seu prédio, tem uma serralharia, onde trabalha materiais em ferro, como portas, janelas e realiza soldaduras e pinturas.
- Exerce tal actividade, em horário diverso, tanto de manhã cedo, com início as 6 horas, como após as 20 horas, quer à semana quer ao fim de semana e feriados.
- Essa actividade de serralharia produz ruído que é projetado para a habitação dos Autores, sendo audível no interior desta, alcançando um nível de ruído que não ultrapassa, dentro da habitação, os 25 db Lar/nt.
- O ruído é audível em toda a envolvência da habitação dos Autores, sendo que, com o portão da serralharia fechado, o nível de ruído produzido não ultrapassa 56 db Lar/nt.
-O que é agravado quando o portão de tal serralharia se encontra aberto, situação em que o nível de ruído atinge 67 db Lar/nt.
- O ruído é produzido esporadicamente e priva os autores de descansar e dormir quando o portão da serralharia se encontra aberto e os trabalhos são executados antes das 8h. ou depois das 21h.
- Estas circunstâncias, incluindo o conflito assim mantido, provocam nos Autores um estado de nervosismo e ansiedade.
A situação que acaba de se descrever, consubstanciando um típico conflito entre vizinhos, é repetidamente trazida aos tribunais. Nela se identifica uma colisão de direitos, sendo que os que lhe estão subjacentes e se apresentam em tensão são o direito de propriedade e de livre iniciativa económica, por um lado, e os direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade, enquanto emanação de direitos fundamentais de personalidade, à integridade moral e física (cfr. Ac. do TRG de 18/3/2021, proc. nº 2641/19.3T8GMR.G2, em dgsi.pt), por outro.
Assim, por um lado, os RR. têm o direito a desenvolver uma utilização do seu prédio segundo a sua vontade e dele colhendo o aproveitamento económico que lhes convier, sem prejuízo de limitações administrativas que se lhes imponham, mas que não vêm ao caso. É isto o conteúdo pleno do direito de propriedade, estabelecido no art. 1305º do C. Civil, a que se associa o direito à livre iniciativa económica, consagrado no art. 61º, nº 1 da CRP.
Por outro lado, os AA. têm igual direito ao gozo do seu próprio prédio, designadamente nele habitando, descansando, vivenciando-o em termos que lhes garantam o direito ao repouso, à saúde e a um ambiente saudável, enquanto revelação dos seus direitos de personalidade, que devem ser tutelados contra qualquer agressão, nos termos do art. 70º do C. Civil.
Na apreciação da actividade do R. marido, é útil ter presente que a mesma não revela um cariz ilícito quer quanto à actividade exercida no local, quer quanto ao nível de ruído produzido, salvo, quanto a este – mas a um nível meramente perfunctório, como veremos - nas situações em que a actividade do réu marido se desenvolve com o portão da serralharia aberto e com limitação da afectação do espaço exterior da habitação dos autores.
Com efeito, segundo o Regulamento Geral do Ruído (RGR, DL n.º 9/2007, de 17 de Janeiro) e atentando em que os prédios em causa se inserem em zona não qualificada como zona sensível ou mista, para efeitos de verificação do valor limite de exposição, aplicam-se aos receptores sensíveis (edifícios habitacional ou espaço de lazer, com utilização humana – art. 3º, al. q) os valores limite de L(índice den) igual ou inferior a 63 dB(A) e L(índice n) igual ou inferior a 53 dB(A) – art. 11º, nº 3 do DL cit.
Acontece que, no prédio dos AA., tais valores só se mostram ultrapassados no logradouro do prédio e quando a actividade do réu marido é executada com o portão da serralharia aberto. Acresce que, mesmo para que se considere esse valor como excessivo importaria qualificar aquele logradouro como espaço de lazer, o que não se pode ter por adquirido, pois que nada o revela entre a factualidade provada.
Todavia, a não infracção do RGR, tal como a não qualificação da actividade do réu marido como ilícita, não implica necessariamente a conclusão de que nenhuma censura se lhe deve impor.
Com efeito, também se apurou que, mesmo nessas circunstâncias e ainda que esporadicamente, o réu marido acaba por produzir ruídos com os trabalhos que executa na sua oficina de serralharia, os quais, quando o portão se encontra aberto e quando os trabalhos são executados antes das 8h. ou depois das 21h. priva os autores de descansar, de dormir, induzindo-lhes nervosismo e ansiedade por terem de os suportar e em face da situação conflitual subjacente.
Ora, como se refere no Ac. deste TRP de 13-1-2022 (proc. nº 15750/17.4T8PRT-A.P1, em dgsi. pt) “Se determinada actividade comercial produz um nível de ruído inferior ao limite estabelecido no Regulamento Geral do Ruído, em princípio a exploração dessa actividade é legítima e não constitui a prática de um facto ilícito gerador de responsabilidade civil. Não será assim quando e na medida em que o ruído produzido pela actividade prejudicar o repouso, a tranquilidade, o sono e a saúde de terceiros, representando uma violação dos direitos de personalidade destes.”
Conclui-se, assim, que a actividade desenvolvida pelo réu marido redunda numa actuação ilícita sempre que resulta na violação de direitos de personalidade dos autores.
Nestas circunstâncias, a questão que se coloca é a da determinação de uma solução para um tal conflito de direitos, pois que, como vimos, a contra face da agressão aos direitos de personalidade dos autores é o exercício legítimo do direito de propriedade do réu sobre o seu prédio e o desenvolvimento livre de uma actividade económica a que se dedica. É sobre essa situação jurídica que dispõe o art. 335º do C. Civil, nos seus nºs 1 e 2:
“1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.”
A este propósito, refere o Acórdão deste TRP que acima se citou, solidamente sustentado em doutrina e jurisprudência que aqui seria excessivo reproduzir: “Também se tem entendido que não obstante o direito ao repouso, descanso e saúde, enquanto dimensões do direito de personalidade, terem um valor superior ao direito de propriedade da ré e ao direito económico de exercer e explorar a sua actividade - e deverem por isso prevalecer sobre estes últimos -, tal não significa que não se deva procurar uma solução que, ainda assim, equacione os direitos inferiores (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2016, proc. n.º 1219/11.4TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt).
(…)
Para esse efeito, importa proceder a uma concreta e casuística ponderação judicial, usando como critério o princípio da proporcionalidade e tomando como referência a intensidade e relevância da lesão do direito de personalidade, designadamente para apurar se a prevalência dos direitos de personalidade não estabelece no caso concreto uma desproporção intolerável com os demais direitos em conflito, sendo certo que o sacrifício e compressão do direito inferior apenas deverá ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante (Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-03-2007, proc. n.º 07B585, e de 19-04-2012, proc. n.º 3920/07.8 TBVIS.C1.S1, www.dgsi.pt).”
No mesmo sentido, cfr. Ac. do TRG já citado, de 18/3/2021, de que se transcreve parte do respectivo sumário: “III- Porém, importará sempre aquilatar se a prevalência dos direitos relativos à personalidade não resulta em desproporção intolerável, face aos interesses em jogo, quando é certo que o sacrifício e compressão do direito inferior (no caso o direito da livre iniciativa privada) apenas deverá ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante. IV- Assim, estando em causa o conflito efetivo e relevante entre direitos de personalidade (de repouso, sono e tranquilidade) em contraposição com o direito do livre exercício da iniciativa privada (de exploração de atividade económica), caberá sempre ao tribunal, designadamente à luz do disposto no art. 335º, do C. Civil, avaliar, em concreto, a solução mais razoável e proporcional à coexistência dos direitos em conflito.”
No caso, entendemos que a salvaguarda dos direitos de personalidade dos AA. que aqui estão em causa não exige a supressão dos direitos dos RR. em colisão com aqueles, v.g. os inerentes ao desenvolvimento da actividade de serralharia pelo réu marido no prédio de ambos, como determinado na sentença em crise.
Diferentemente, o direito ao repouso, ao sono, à saúde e a um ambiente de vida salutar dos AA., que se não materializa com idêntica densidade ao longo de todo o dia, mas essencial e naturalmente à noite, poderão ser salvaguardados por uma correspondente limitação a impor à actividade do réu marido, o que se revela tanto mais suficiente quanto se considere a dimensão esporádica dos seus trabalhos na oficina, maxime daqueles que resultam na emissão de ruídos. A isto acresce a redução de ruído sentida no prédio dos AA. que ocorre no caso de o portão da serralharia se manter fechado, que se revela como condição adequada a facultar a continuação da actividade no prédio do réu, dados os efeitos positivos que isso propicia na afectação dos direitos dos autores.
Entendemos, assim, que uma adequada aplicação do regime do nº 2 do art. 335º do C. Civil ao caso em apreço se concretizará por via da imposição, aos réus da proibição de que na oficina de serralharia existente no seu prédio sejam desenvolvidas quaisquer actividades passíveis de produção de ruído, entre as 21,00h. de cada dia e as 8,00h. do dia seguinte, devendo sempre e em qualquer caso executar quaisquer trabalhos com o respectivo portão fechado.
Haverá de proceder nestes termos a pretensão dos AA., na sequência do parcial provimento da presente apelação.
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Mais impugnam os RR. a sua condenação no pagamento de uma indemnização aos AA., fixada em 7.000,00€ para cada um, para compensação dos danos não patrimoniais identificados. Invocam, a esse respeito, a falta de justificação do montante fixado, a redundar em nulidade da sentença, nessa parte.
A este propósito, a sentença afirma a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, subsume a situação ao regime do art. 496º, nºs 1 e 3 do C. Civil e invoca a equidade para a fixação do montante indemnizatório. Rejeita-se, assim, que se verifique falta ou ininteligibilidade da fundamentação enunciada e, assim, a ocorrência da nulidade prevista nas als. b) ou c) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Diferente questão é, porém, a da qualidade da fundamentação ou, a montante disso, a da conclusão pela presença dos requisitos de responsabilização dos RR.
Dando por adquirido – por não se justificar tal discussão, como veremos – que a ambos os RR. poderia ser imputada um actuação ilícita e culposa determinante de danos na pessoa de cada um dos autores, assim se tendo por preenchidos os pressupostos do art. 483º do Código Civil, dispõe o art. 496º do mesmo código que os danos de natureza não patrimonial só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Deu-se por provado que, dada a actividade produtora de ruídos que o réu marido por vezes desenvolve, os AA. ficam privados de descansar e dormir. Tal situação, a que é inerente uma situação de conflito com o réu, provoca-lhes um estado de nervosismo e ansiedade.
Porém, também se provou que tal perturbação do sono ocorre quando o portão da serralharia se encontra aberto e quando os trabalhos são executados em período nocturno; que a oficina ali existe há mais de 35 anos; que a oficina só tem uma utilização esporádica e que o réu marido ali executa pequenos trabalhos de pintura e soldagem e só esporadicamente trabalha com portas e janelas, o que tem por implícito que só esporadicamente executa trabalhos de corte mais ruidosos, sendo que trabalha sozinho, isto é, sem quaisquer funcionários.
Nestas circunstâncias, e apesar do conflito existente, de que a presente acção, diversas queixas na GNR e um processo crime e um processo no tribunal administrativo são evidências, que não são alheios à ansiedade e ansiedade que os AA. sofrem, entendemos que os ruídos esporadicamente produzidos e sentidos pelos autores, no interior de sua casa, num nível inferior ao legalmente estabelecido como limite, e que lhes chegam a perturbar o sono e o descanso não assumem um grau de gravidade tal que, à luz do art. 496º, mereçam uma tutela indemnizatória.
Concluímos, pois, pela ausência de fundamento para a atribuição aos AA. de qualquer indemnização por danos não patrimoniais, o que implica, por via do provimento do recurso nesta parte, a revogação da sentença recorrida no segmento correspondente.
Ficam, por isso, prejudicadas as demais questões suscitadas pelos apelantes.
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Resta concluir pelo provimento parcial da presente apelação, cumprindo revogar a decisão recorrida, a substituir por outra nos termos da qual, julgando a acção parcialmente procedente, se condenam os réus a não desenvolverem, na oficina de serralharia existente no seu prédio, quaisquer actividades passíveis de produção de ruído, entre as 21,00h. de cada dia e as 8,00h. do dia seguinte, devendo sempre e em qualquer caso executar quaisquer trabalhos com o respectivo portão fechado. No mais, se julga a acção improcedente, cumprindo absolver os RR. de tudo o mais que contra si vinha pedido.
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Sumariando (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento à presente apelação, em razão do que revogam a decisão recorrida, que substituem por outra nos termos da qual, julgando a acção parcialmente procedente, condenam os réus a não desenvolverem, na oficina de serralharia existente no seu prédio, quaisquer actividades passíveis de produção de ruído, entre as 21,00h. de cada dia e as 8,00h. do dia seguinte, devendo sempre e em qualquer caso executar quaisquer trabalhos com o respectivo portão fechado. No mais, julgam a acção improcedente, absolvendo os RR. de tudo o mais que contra si vinha pedido.
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Custas por apelantes e apelados, na proporção de 50% por cada uns.
Reg. e not.





Porto, 5 de Março de 2024
Rui Moreira
Alberto Taveira
Maria Eiró