Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
449/11.3TBARC-R.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: FORMA DE PROCESSO
SEPARAÇÃO DE BENS DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RP20160929449/11.3TBARC-R.P1
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 70 FLS. 253-259).
Área Temática: .
Sumário: I - A forma de processo adequada à pretensão do autor depende do pedido concretamente formulado por este, independentemente da defesa oferecida pelo réu, não cabendo na análise dessa adequação qualquer juízo sobre a viabilidade do pedido, quanto a dever ser outra a forma de obter a sua tutela jurisdicional, quanto a deverem ser outras as partes demandadas.
II - O pedido de separação de bens da massa insolvente deduzido no decurso do prazo fixado para a reclamação de créditos segue a forma de processo especial prevista nos artigos 128.º a 140.º do CIRE, mas o pedido de separação ulterior de bens segue a forma de processo comum nos termos do artigo 148.º do CIRE.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 449/11.3TBARC-R.P1 [Com. Aveiro/Inst. Central/O. Azeméis/Sec. Comér.]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B…, Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede em …, …, Arouca, instaurar na Instância Local de Arouca da Comarca de Aveiro acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra o Banco C…, S.A., pessoa colectiva n.º … … …, com sede em Lisboa, a Massa Insolvente de D…, Lda., representada pela Administradora de Insolvência, a D…, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede em …, Arouca, e os Credores da Massa Insolvente de D…, Lda..
Na petição inicial então apresentada formulou os seguintes pedidos: a) declarar-se que a autora é … legítima proprietária do veículo automóvel … Toyota…, matrícula ..-LH-; b) declarar-se válido o contrato de compra e venda da referida viatura ... celebrado entre a autora e a 1ª ré em 02.08.2011; c) condenar-se os 2º, 3º e 4ºs réus a entregar/restituir a referida viatura …, com as respectivas chaves, o certificado de matrícula, e ainda o documento de inspecção periódica à autora; d) condenar-se os 2º, 3º e 4ºs réus, conjunta e solidariamente, a pagar à autora a quantia global de €38.037,34 a título de indemnização, bem como na que se vier a apurar pelos lucros cessantes em consequência da apreensão e privação da referida viatura, e bem assim, na que se vier a liquidar, à razão diária de €100,00, desde a apresentação em juízo desta petição até à efectiva entrega da viatura à autora, acrescidas dos respectivos juros desde a data da citação.
Para o efeito, alegou que no dia 2.08.2011, comprou à 1.ª ré a viatura Toyota … matrícula ..-LH-.., pelo preço de €29.500,00, tendo efectuado o registo de propriedade em 20.09.2011, e desde então passou a utilizar a viatura diariamente, usando-a como sua dona, ininterruptamente à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém. Porém, no dia 17.11.2015, o representante legal da autora, quando conduzindo esse veículo, foi interceptado pela PSP que procedeu à apreensão do veículo “por haver pendente um pedido de apreensão no âmbito do processo n.º 449/11.3TBARC-B que corre termos na Comarca de Aveiro, Oliveira de Azeméis”. Esta apreensão ofende o direito de propriedade da autora e causa-lhe prejuízos que devem ser indemnizados.
Por despacho liminar foi entendido que a acção devia correr por apenso ao processo de insolvência onde foi ordenada a apreensão mencionada na petição inicial e decido julgar a instância local onde a acção foi instaurada incompetente em razão da matéria, remetendo-se o processo para 2ª Secção do Comércio da Instância Central de Oliveira de Azeméis da Comarca de Aveiro.
Apensados os autos ao processo de insolvência, foi proferido despacho convidando a autora a «clarificar o meio processual que pretende […] porque, o pedido de restituição de bens no âmbito do CIRE obedece a várias tramitações, consoante o direito que se pretenda exercer, meio processual relevante na medida em que a sua definição determinará a forma de citação dos credores da insolvente».
A autora esclareceu que «o meio processual para o efeito deverá ser a forma de processo comum de declaração», e para efeitos de aperfeiçoamento da petição inicial indicou os legais representantes da 3.ª ré e especificou os credores demandados como 4.os réus.
Foi de seguida proferido novo despacho, no qual se mencionou que os meios de reacção contra a apreensão de bens para a massa insolvente são três – a) a reclamação de créditos, no prazo estabelecido na sentença se a apreensão ocorrer nesse período, aplicando-se o processado relativo à reclamação e verificação ulterior de créditos, nos termos previstos pelo artigo 141º do CIRE, através de requerimento dirigido ao AI, organizando-se posteriormente o apenso respectivo, nos termos do artigo 132º; b) por requerimento, apensado ao processo principal, nos termos previstos pelo artigo 144º, para os casos em que a apreensão ocorre após o termo do prazo das reclamações, a apresentar no prazo de 5 dias posteriores à apreensão; c) através de acção proposta contra a massa insolvente, a insolvente e os credores, em verificação ulterior, seguindo-se a tramitação prevista pelos artigos 146º e seguintes do CIRE – e se convidou a autora «pela última vez… a aperfeiçoar a sua petição inicial, nos termos supra expostos, clarificando o meio processual que pretende instaurar e rectificando a petição inicial nessa conformidade, nomeadamente quanto à identificação de quem tem a legitimidade processual passiva».
Em resposta a autora esclareceu que considera que para a sua pretensão não é adequado nenhum dos três meios referidos no despacho mas sim a acção de reivindicação, cumulando aos pedidos de reivindicação o pedido de indemnização, para o que o meio processual idóneo é a acção declarativa sob a forma de processo comum, escolhida pela autora.
Em simultâneo requereu a junção de uma petição inicial aperfeiçoada na qual reduziu os réus ao (1.º) Banco C…, S.A., pessoa colectiva n.º ………, com sede em Lisboa, e à (2º) Massa Insolvente de D…, Lda., representada pela Administradora de Insolvência, reduziu os pedidos das alíneas c) e d) ao 2.º réu, e manteve o restante conteúdo da petição inicial apresentada de início.
A seguir foi proferido despacho no qual se considerou que os autos enfermam de erro na forma do processo e se decretou o «indeferimento liminar do presente processo, por procedência da nulidade decorrente do erro da forma do processo – artigos 193º e 590º, n.º 1 do CPC
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1 - O Tribunal “a quo” decidiu na Sentença Recorrida, determinar o indeferimento liminar do presente processo, por procedência da nulidade decorrente do erro da forma do processo;
2 - Salvo o devido respeito, que é muito, a forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão formulada pela autora e não em referência à pretensão que devia ser por ela deduzida ou por alegados vícios do lado passivo;
3 – A Autora, formulou, na sua petição inicial, os seguintes pedidos: A) – Ser reconhecida a Autora como dona e legítima proprietária do veículo automóvel marca Toyota, modelo …, matrícula ..-LH-..; B) - Declarado válido o contrato de compra e venda da referida viatura matricula ..-LH-.. celebrado entre a Autora e a 1ª Ré em 02.08.2011; C) - Condenar a 2ª Ré a restituir a referida viatura matricula ..-LH-.., com as respectivas chaves, o Certificado de Matricula, e ainda o documento de Inspeção Periódica à Autora; D) - Condenar a 2ª Ré, a pagar à Autora a quantia global de 38.037,34€ a titulo de indemnização, bem como na que se vier a apurar pelos lucros cessantes em consequência da apreensão e privação da referida viatura, e bem assim, na que se vier a liquidar, à razão diária de 100,00€, desde a apresentação em juízo desta petição até à efectiva entrega da viatura à Autora, acrescidas dos respectivos juros desde a data da citação;
4 - Pedidos que não se coadunam apenas com a obtenção da restituição do bem apreendido em favor da massa e em simultâneo, obter a condenação da massa insolvente no pagamento de uma indemnização – dívida da massa, como refere o Tribunal “a quo”;
5 - Pois que, a acção para separação e restituição de bens tem como fundamento a apreensão de bens para a insolvência que se revela ilícita porquanto, designadamente, estes são da exclusiva propriedade de terceiro;
6 - Ora, a pretensão da Autora visa, desde logo, o reconhecimento judicial da sua propriedade sob a viatura ..-LH-.. e a declaração de validade do contrato de compra e venda da referida viatura matricula ..-LH-.. celebrado com o Banco C…, S.A., com a consequente restituição da referida viatura matricula ..-LH-.., e, cumulativamente, a condenação da Massa Insolvente no pagamento de uma indemnização;
7 - A qual se subsume na acção de reivindicação, nos termos do disposto no artigo 1311º do C.C. (reconhecimento do direito de propriedade e restituição da coisa), e, cumulativamente, o pedido de indemnização, pela privação do uso da viatura, por ter sido inibida de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, o que constitui uma perda patrimonial que deve ser considerada, cujo meio processual idóneo é a acção declarativa sob a forma de processo comum.
8 - E, como todos sabemos, a norma do art.º 1311.º do Código Civil possibilita ao proprietário do bem, exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence – é o direito natural de sequela;
9 - Tal acção pressupõe uma situação material incompatível com o direito, que se analisa na circunstância de a coisa se encontrar, não na posse do seu proprietário, ou de quem a detenha com permissão deste, mas na de terceiro, sendo, pois, proposta pelo proprietário não possuidor, contra o detentor ou possuidor, não proprietário;
10 - Cujo pedido, próprio desta acção, é o do reconhecimento judicial da propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e a consequente restituição do que lhe pertence, sendo que a causa de pedir, emerge dos factos concretos de que decorreu a aquisição pelo reivindicante do domínio sobre a coisa;
11 - Isto é, o ponto essencial é a existência ou não de um direito de propriedade da Autora sobre o bem (viatura), que justifique a procedência do peticionado – a reivindicação dos bens apreendidos a favor da Massa – e não a existência de qualquer pretérito crédito perante a insolvente – questão relevante, mas que, é aqui meramente instrumental;
12 - Assim, ao ter indeferido liminarmente a petição inicial, invocando erro da forma do processo, e procedente a excepção dilatória, violou o Tribunal “a quo” o disposto no artigos 193º e 590º do C.P.C. e o artigo 1311º do C.C.
13 - Mais errou o Tribunal “a quo” na qualificação e na subsunção dos pedidos formulados pela Autora.
Nestes termos … deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal Recorrido e, em sua substituição seja proferido Douto Acórdão que, admitindo liminarmente a petição inicial deduzida pela Autora, ordene o prosseguimento dos autos sob a forma de processo comum, com as demais consequências legais.
Não foi apresentada resposta.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se existe erro na forma de processo que rege o presente processo.

III. Os factos:
Os factos processuais que relevam para a decisão a proferir constam do relatório que antecede.

IV. O mérito do recurso:
Na decisão recorrida manifestou-se o seguinte entendimento:
«[…] declarada a insolvência, ordenada a apreensão de bens e fixado o prazo para as reclamações de créditos (…) quem se sinta ofendido na sua posse e/ou direito de propriedade em consequência da apreensão, tem ao seu dispor os seguintes mecanismos legais:
a) Através de reclamação de créditos, no prazo estabelecido na sentença de insolvência e se o acto de apreensão ocorrer nesse período, aplicando-se o processado relativo à reclamação e verificação ulterior de créditos, nos termos previstos pelo artigo 141º do CIRE, através de requerimento dirigido ao AI, organizando-se posteriormente o apenso respectivo, nos termos do artigo 132º;
b) Por requerimento, apensado ao processo principal, nos termos previstos pelo artigo 144º, para os casos em que a apreensão ocorre após o termo do prazo das reclamações, a apresentar no prazo de 5 dias posteriores à apreensão;
c) Através de acção proposta contra a massa insolvente, a insolvente e os credores, em verificação ulterior, seguindo-se a tramitação prevista pelos artigos 146º e seguintes do CIRE.
Da mesma forma que o credor que não tenha reclamado os seus créditos no prazo previsto pelo artigo 128º do CIRE, o pode fazer ulteriormente, também o requerente do direito de separação ou restituição o pode, e sem o limite temporal que o artigo 146º impõe ao primeiro. Se pretende exercer direitos contra a massa – dívidas da massa - aplica-se o disposto no artigo 89º do CIRE (e não o artigo 146º), impondo apenas que as mesmas corram por apenso (prevendo, no entanto, um período de carência de três meses em relação às acções executivas e ressalvando as execuções por dívidas de natureza tributária).
No caso em apreço, apesar dos convites ao aperfeiçoamento efectuados, a autora apresentou três petições iniciais, em todas elas demandou réus diferentes.
Não é possível ao tribunal “escolher” a petição, porque todas elas apresentam vícios do lado passivo e perante a clara escolha da autora em considerar que pretende instaurar uma acção com processo comum.
O meio processual em causa não é o meio adequado para obter a separação e restituição do bem apreendido em favor da massa e em simultâneo, obter a condenação da massa insolvente no pagamento de uma indemnização – dívida da massa.
Não pode a autora, através de uma acção instaurada apenas contra a massa (na terceira versão) obter a restituição de um bem apreendido num processo de insolvência.
Estamos perante um erro da forma de processo, previsto pelo artigo 193º do CPC que importa a anulação de todo o processado, não podendo os articulados serem aproveitados, pelas razões já expostas
Esta questão já foi decidida pelo aqui Relator no Acórdão de 10.12.2015 proferido no processo n.º 444/13.8TBVLC.P2 com contornos similares, pelo que iremos seguir a posição que aí manifestámos.
A forma de processo é o modo específico como o legislador definiu o modelo e os termos dos actos a praticar e dos trâmites a observar pelas partes e pelo tribunal com vista à aquisição adequada dos elementos de facto e de direito que permitem decidir uma determinada pretensão, podendo assim definir-se como a configuração da estrutura de actos e procedimentos a que deve obedecer a preparação e julgamento de determinado litígio.
No processo declarativo, existe a forma do processo comum, que é única (artigo 548.º do Código de Processo Civil) e existem diversas formas de processo especial (artigo 549.º do Código de Processo Civil).
O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei, o processo comum aplica-se a todos os casos a que não corresponda processo especial (artigo 546.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Por esse motivo, para saber qual é a forma do processo adequada à pretensão a deduzir, o caminho passa por determinar se esta se ajusta ao objecto de algum dos processos especiais previstos na lei, cabendo-lhe a forma de processo especial cuja finalidade seja precisamente essa pretensão ou a forma do processo comum se a pretensão não estiver compreendida nas finalidades específicas de nenhum processo especial.
O elemento da acção fundamental para determinar a forma do processo é o pedido. O processo deve seguir a forma em cuja finalidade se integre o pedido formulado pelo autor. Como referia Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 288, “e como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial”.
No mesmo sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.01.2004, relatado por Fernando Samões, in www.dgsi.pt, afirmando que «é em face da pretensão deduzida que se deve apreciar a propriedade ou inadequação da forma da providência solicitada. É o pedido formulado pelo autor ou requerente e não a causa de pedir que determina a forma de processo a utilizar em cada caso, conforme jurisprudência dominante ou até uniforme (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 14/11/94, in http://www.dgsi.pt/jstj00025880)». Admitimos, no entanto, que complementarmente, mas apenas para melhor compreender e situar o pedido formulado, nos casos em que tal se mostre necessário, pode atender-se à causa de pedir para apurar qual deve ser a forma do processo.
Exactamente porque é o pedido que determina a forma do processo e esta deve ser indicada pelo autor logo na petição inicial para permitir a correcta distribuição do processo, a forma do processo não depende da defesa que o réu venha a apresentar, das excepções que venha a alegar. Importa, por isso, não confundir a circunstância de poder resultar da defesa do réu que o autor devia formular outra pretensão, por outra via ou noutra sede, com a circunstância de a pretensão efectivamente deduzida pelo autor corresponder a uma forma de processo distinta da que escolheu. Neste caso estaremos perante um erro na forma de processo, no outro caso poderemos quando muito estar perante uma excepção (inominada) que conduzirá à improcedência do pedido do autor, não ao erro na forma do processo.
Cabe referir que se encontram dispersas pela ordem jurídica referências a tipos de acção, como a acção de reivindicação (artigo 1311.º do Código Civil), a acção de cumprimento (artigo 817.º do Código Civil) a acção de impugnação pauliana, a acção de preferência ou a acção de anulação. Este modo de designar acções que possuem um objecto específico não se confunde nem equivale a definir a respectiva forma de processo, porquanto se o pedido formulado em qualquer dessas acções não se ajustar às finalidades próprias de uma das formas de processo especial previstas, a forma que lhes corresponde é a forma do processo comum, independentemente do modo como a acção é designada e sem que a mera designação tenha qualquer relevo para efeitos de conformação dos trâmites a observar na acção.
Cabe ainda referir que a forma do processo comum e a maioria das formas de processo especiais estão reguladas no Código de Processo Civil, mas existem outros Códigos e diversa legislação adjectiva avulsa que consagram diversas formas de processo, totalmente autónomas ou decalcadas, total ou parcial, da forma do processo comum do Código de Processo Civil que, no fundo, é a matriz do sistema processual civil português.
Essa circunstância gera, por vezes, a dificuldade de saber se estamos perante uma forma do processo comum ou perante uma forma de processo especial, uma vez que parece poder entender-se que nem todo o processo comum tem de observar a totalidade dos actos e trâmites previstos no Código de Processo Civil para esta forma de processo (o próprio juiz goza de poderes adequação processual que lhe permitem conformar diferentemente a forma do processo para o caso concreto), mas também que não é porque no caso concreto, por determinação especial, o processo apresenta alguma singularidade na sua tramitação que nos encontramos já, sem mais, perante um processo especial, independentemente da dimensão ou relevo dessa inovação em relação à configuração do processo comum.
No caso, em função dos pedidos que formulou de reconhecimento do direito de propriedade e restituição da coisa ilegalmente apreendida, pode concluir-se que a autora instaurou uma acção de reivindicação tal qual a mesma é definida pelo artigo 1311.º do Código Civil, pois as acções de reivindicação são aquelas em que ao lado dos factos constitutivos da aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel o proprietário invoca ainda um comportamento dos réus que se traduz na retenção ilícita do bem objecto de domínio. A autora cumulou com esses pedidos, um pedido de indemnização pelos danos que lhe foram causados pela apreensão da coisa que reivindica.
Sendo assim parece que a forma de processo comum escolhida pela autora para deduzir em juízo os pedidos que formulou é a correcta. Para a apreciação dos pedidos de que se declare que a autora é proprietária de um bem, que se lhe restitua o bem e se indemnizem os danos causados pela retenção ilícita do bem, não existe, consabidamente, qualquer forma de processo especial, pelo que lhe corresponde a forma do processo comum que foi a escolhida e indicada pela autora.
Esta conclusão não é, a nosso ver, afastada pelo facto de a pretensão dos autores corresponder materialmente a uma reivindicação de bem apreendido em processo de insolvência e de já se ter esgotado o prazo para a reclamação de créditos no processo de insolvência, situação que constitui a singularidade do caso e que esteve na génese da decisão recorrida.
Com efeito, mesmo que se entenda que a autora deve recorrer ao processo previsto nos artigos 146.º e seguintes do CIRE, este não constitui uma forma de processo especial que afaste o recurso ao processo declarativo comum. Explicaremos porquê.
Determina o artigo 149.º do CIRE que uma vez proferida a sentença declaratória da insolvência se deve proceder à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente. A competência para fazer a apreensão cabe ao administrador de insolvência que deve realizá-la mediante arrolamento ou por entrega directa através de balanço (artigo 150.º do CIRE), juntando depois aos autos o auto do arrolamento e do balanço e elaborando um inventário dos bens e direitos integrados na massa insolvente.
Escreve Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito da Insolvência, 2013, 5ª edição, pág. 248, que a massa insolvente «destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo», pelo que pode ser definida como «o conjunto de bens actuais e futuros do devedor, os quais, a partir da declaração de insolvência, formam um património separado, adstrito à satisfação dos interesses dos credores». A mesma autora acrescenta, mais à frente, que «a identificação dos bens do insolvente que integram a massa insolvente resulta da aplicação de três preceitos fundamentais, a saber: o art. 601.º do CCivil, o art. 46º, nº 2, do CIRE e o art. 821.º do CPCivil, que veiculam a mesma ideia. Assim, o art. 60.º do CCivil consagra o princípio de que “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora. Por outro lado, o art. 46.º, n.º 2, do CIRE, só admite a integração na massa insolvente dos bens isentos de penhora se o insolvente os apresentar voluntariamente (isto é, renunciar ao carácter impenhorável). (…) Finalmente, nos termos do art. 821.º, n.º 1, do CPCivil, “estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”…».
Não integram pois a massa insolvente os bens pertencentes a terceiros, ainda que estes bens de terceiro estejam vinculados à garantia do crédito e possam, consequentemente, ser objecto por parte do credor de acções destinadas a obter a satisfação do crédito através deles, acções essas que são distintas e autónomas da insolvência (artigo 818.º do Código Civil). Pertencendo o bem a terceiro que não o insolvente o bem não deve pois ser apreendido para a massa insolvente por não fazer parte desta.
Pode, não obstante isso, o administrador de insolvência proceder à apreensão para a massa de bens de terceiro por ter elementos para crer que os mesmos pertencem ao insolvente ou se encontrarem registados em nome deste. Verificada a apreensão de bens de terceiro, o seu titular pode requerer a separação do bem que lhe pertence da massa insolvente. O CIRE dispõe de normas específicas sobre a forma de requerer essa separação que correspondem aos artigos 141.º a 148.º.
O CIRE distingue consoante o pedido de separação dos bens da massa é apresentado dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência para a reclamação dos créditos ou é apresentado depois de terminado esse prazo, ulteriormente.
No primeiro caso, a reclamação destinada à separação dos bens segue a forma de processo prevista nos artigos 128.º a 140.º para a própria reclamação de créditos, com as adaptações do artigo 141.º do CIRE. Nessa situação haverá ainda que ter em conta a possibilidade de a apreensão do bem para a massa ter sido feita depois de findo o prazo para a reclamação de créditos, caso em que o direito de separação do bem pode ser exercido nos cinco dias posteriores à apreensão, por meio de requerimento, apensado ao processo principal (artigo 144.º), seguindo-se depois os termos da reclamação normal com as especialidades do n.º 2 do artigo 144.º do CIRE.
Findo o prazo das reclamações (ou o prazo de 5 dias referido por último), o direito à separação do bem pode ainda ser exercido e a todo o tempo, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor. É a chamada separação ulterior, que se encontra prevista nos artigos 146.º a 148.º.
Neste caso já não se aplicam as disposições processuais previstas para os casos em que a reclamação é feita dentro do prazo das reclamações, estabelecendo o artigo 148.º do CIRE, precisamente sob a epígrafe “forma aplicável”, que as acções ulteriores seguem, qualquer que seja o seu valor, “os termos do processo sumário”, ou seja, presentemente, por força do artigo 2.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho[1], que aprovou o Código de Processo Civil, os termos do processo declarativo comum.
Temos assim que a separação de bens deduzida dentro do prazo da reclamação de créditos tem uma forma de processo especial, que entre outras particularidades consagradas nos artigos 129.º a 140.º do CIRE, se caracteriza por uniformizar no mesmo processo e tramitar de forma conjunta todas as reclamações apresentadas dentro desse prazo, independentemente da ausência de relação entre os reclamantes ou entre os fundamentos pelos quais cada um deles reclama a separação do respectivo bem (artigo 132.º).
Ao invés, na separação ulterior, a pretensão já tem de ser deduzida através de uma acção autónoma cuja forma de processo é a forma comum declarativa, como resulta do disposto no artigo 148.º do CIRE. A simples circunstância de o artigo 146.º do CIRE definir quem são as partes com legitimidade para serem demandadas nesta acção e determinar que a citação dos credores é feita por éditos de 10 dias, não é bastante para conferir a esta acção a natureza de processo especial.
É essa também a posição de Carvalho Fernandes e João Labareda, quando em anotação ao artigo 148.º in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, escrevem: “A particularidade da situação decorrente das reclamações deduzidas nos termos do art. 146.º, relativamente à que ocorre nas reclamações apresentadas de acordo com os art.os 128.º e 141.º, reflecte-se na diversidade da tramitação processual a que aquelas estão sujeitas. Aplicam-se aqui as regras do processo sumário, sem quaisquer adaptações ou modificações”.
Parece ser diferente o entendimento do Acórdão da Relação do Porto de 12.06.2012, relatado no processo n.º 198/12.5TVPRT.P1 por Anabela Dias da Silva, in www.dgsi.pt. A posição ali defendida é a de que pretendendo a autora, em termos substantivos, accionar a reivindicação do seu imóvel, o processo ao seu dispor para o efeito é o processo especial de separação de bens, previsto no art.º 141.º do CIRE, tendo em consideração que a alegada violação do seu direito de propriedade deriva do acto do administrador da insolvência ao fazer a sua apreensão para a massa insolvente, pelo que ao lançar mão do processo previsto no Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8.06, incorreu em erro na forma do processo.
Sucede, contudo, que lendo o aludido Acórdão não é possível perceber se no caso aí decidido a acção tinha sido instaurada durante o prazo fixado na sentença declaratória da insolvência para a reclamação de créditos ou depois de esgotado esse prazo. Não havendo no Acórdão uma única referência ao artigo 148.º do CIRE ou à distinção que o CIRE faz entre o procedimento da reclamação deduzida dentro daquele prazo e a acção de separação ulterior parece poder deduzir-se que na mente dos seus autores estava apenas a situação regida pelo artigo 141.º (única mencionada) e não a situação regida pelo artigo 146.º do CIRE.
Se assim for, não pode deixar de se concordar com o aludido Acórdão uma vez que efectivamente para a reclamação de separação de bens da massa deduzida no decurso do prazo da reclamação de créditos (ou nos 5 dias subsequentes à apreensão de bens feita tardiamente: artigo 144.º) existe um procedimento específico que assume a natureza de forma de processo especial e, portanto, a opção pela forma do processo comum (ou, no caso, pelo processo experimental em vigor na comarca onde a acção foi instaurada) traduzia um erro na forma de processo. Já na acção de separação ulterior, como vimos, ainda que a acção deva correr por apenso à insolvência, a forma de processo que lhe corresponde é, por expressa indicação da lei, a comum, pelo que não existe erro na forma de processo quando o autor indica para a acção a forma de processo comum.
Aplicando este entendimento ao caso que nos ocupa, dever concluir-se pela não existência de erro na forma do processo. Mesmo que se entenda que a única via processual de a autora pedir a declaração judicial do seu direito e a restituição do bem era a instauração, por apenso ao processo de insolvência, da acção prevista no artigo 146.º do CIRE e que o objecto material da acção instaurada pela autora corresponde ao definido no aludido artigo, terá de se concluir que a forma de processo escolhida era a adequada.
Por outro lado, não se podem confundir o erro na forma de processo com a eventual ilegitimidade dos réus demandados.
Ao contrário do que se menciona na decisão recorrida, não existem na acção três petições iniciais, das quais houvesse que escolher uma e cuja escolha tivesse sido deixada para o tribunal. A partir do momento em que foram dirigidos à autora convites para esta esclarecer a sua pretensão e a forma de processo que adoptou (aspecto que sempre esteve absolutamente claro nos diversos requerimentos da autora) e a autora acedeu aos mesmos, apresentando petições corrigidas, cada nova petição inicial substituiu a anterior de modo que a final, para efeitos processuais, só existe a última petição inicial apresentada e só a esta o tribunal se deve reportar nas decisões a proferir.
Caso exista ou existisse nesta petição inicial qualquer deficiência na escolha dos réus demandados geradora de uma situação de ilegitimidade, caberá ou caberia ao tribunal providenciar pelo convite à autora para sanar a ilegitimidade uma vez que na legitimidade plural a ilegitimidade é sanável e o juiz tem o dever de providenciar pelo seu suprimento (artigo 590.º do Código de Processo Civil).
Procede assim o recurso.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos segundo a forma de processo escolhida pela autora.
Custas pela parte vencida a final (tabela I-B).

Porto, 29 de Setembro de 2016.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto 297)
Inês Moura
Paulo Dias da Silva
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[1] Cuja redacção é: «1 - As referências, constantes de qualquer diploma, ao processo declarativo ordinário, sumário ou sumaríssimo consideram-se feitas para o processo declarativo comum.»