Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0854446
Nº Convencional: JTRP00041692
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: JUROS COMERCIAIS
JUROS CIVIS
Nº do Documento: RP200810060854446
Data do Acordão: 10/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 351 - FLS. 55.
Área Temática: .
Sumário: Com o DL n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro, o campo de aplicação do art. 102.º do C. Comercial sofreu uma significativa limitação na medida em que este veio excluir do regime especial dos juros de mora pelos atrasos nos pagamentos os contratos celebrados com os consumidores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4446/08
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Nos autos de acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinária, nº …../04.9TBPNF, do 4º Juízo do Tribunal de Penafiel, que B…………… move a C………….., pediu o Autor a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 16.281,26, acrescida de juros moratórios, contados desde a data da propositura da acção e até e efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que, a pedido do R., prestou a este diversos serviços de carpintaria e fornecimentos da sua especialidade no valor total de € 14.451,17, a ser pago a pronto pagamento.
Acrescentou que do montante que deveria pagar ao Autor, o Réu somente liquidou a quantia de € 1.321,12.

O Réu apresentou contestação, na qual, se defendeu por excepção, referindo que, nos termos do art. 317, al. b) do CPC, se presume realizado o pagamento da dívida em causa, pagamento esse que, de resto, foi efectuado na totalidade.
No mesmo articulado, defendeu-se por impugnação.
Concluiu pedindo a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

Na réplica, o Autor respondeu à matéria de excepção, concluindo como na petição inicial.

Por acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, que revogou a decisão proferida na 1.ª instância, foi julgada improcedente a excepção da prescrição presuntiva alegada pelo Réu na contestação, determinando-se o prosseguimento dos autos.

Fixou-se a matéria de facto assente e organizou-se a base instrutória.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação das provas oralmente produzidas.

Foi proferida sentença, em que se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 13.130,05, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa legal aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais.
Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.

Inconformado, o Réu apelou de tal sentença, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões (transcrição):
1 - Cabia ao A o ónus de provar que os materiais e serviços prestados pelo A ao R consistiram naqueles que alega na PI.
2 - O Mto Juiz a quo motivou a decisão da matéria de facto, no que concerne às circunstâncias em que ocorreu a execução do contrato celebrado entre A. e R., no depoimento das testemunhas D………….. e E…………...
3 - Do depoimento destas e de todas as testemunhas arroladas pelo A., constata-se que nenhuma assistiu à celebração do contrato e que apenas uma presenciou parte da execução do mesmo.
4 - A testemunha D……………, emitiu as facturas juntas aos autos com base nas instruções e documentos internos do A. que não foram juntos aos autos, não assistiu à obra e nunca entrou dentro da habitação do R., não podendo afirmar com propriedade quais os materiais que foram fornecidos e aplicados e o trabalho desenvolvido.
5 - A testemunha E…………, única que trabalhou e acompanhou parte da obra, revela, involuntariamente, o embuste que é a factura n. 767, já que referindo-se a mesma, na tese do A., exclusivamente às obras realizadas no rés-do-chão da habitação do R., muito menos extensas que as realizadas no 1.° andar, a que na mesma tese se reporta a outra factura junta aos autos por não ter tantas portas, soalho em madeira e outros trabalhos de carpintaria, aparece com cerca de seis vezes mais horas de trabalho e mais materiais fornecidos e aplicados que naqueloutra.
6 - A mesma testemunha além de não ter acompanhado a obra até ao fim depôs de forma absolutamente com prometida com a tese do A. tendo no seu depoimento sugerido ter trabalhado entre 800 a 900 horas na obra em causa, quando a sorna das horas de todos os outros trabalhadores nas duas facturas e relações anexas não se aproximam sequer do limite mínimo das horas que afirma ter trabalhado.
7 - Decorreram dois anos desde a conclusão dos trabalhos até à data da emissão das facturas presentes nos autos, quando urna delas, na tese do A., estava paga há os mesmos dois anos.
8 - Perante os citados depoimentos, os documentos, a análise crítica que dos mesmos se impõe, as regras da experiência comum que obviamente devem ser avocadas àquela, não existe nenhuma certeza sobre a realidade dos factos constantes do quesito 1° da B.I., subsistem, isso sim, todas as dúvidas.
9 - Por isso, e no cumprimento do previsto no art. 516° do C.P.C., impunha-se e impõe-se decisão de facto diversa da proferida, ou seja, a resposta negativa ao quesito 1° da B.I.
10 - Ao decidir, como decidiu, dando resposta positiva, ainda que restritiva àquele quesito 1° da B.I. o Mto Juiz a quo errou no julgamento da matéria de facto.
11 - O A. alega na P.I. que no exercício da sua actividade comercial, a pedido do R., prestou-lhe serviços de carpintaria e forneceu-lhe materiais, o que se mostra vertido na alínea B) da M.F.A.,
12 - No mesmo articulado, o A. invoca que da quantia constante da factura n. 0767 o R. pagou-lhe a quantia de € 1.321,12 - art. 6° da P.I. - .
13 - Já o R. alegou que contratou com o A. a prestação de diversos serviços de carpintaria e fornecimentos da sua especialidade, pelo preço total de Esc.:2.350.000$00 - € 11.721,75 - e que nada deve ao A. em virtude de ter pago o montante total de todos os trabalhos e fornecimentos que este lhe prestou.
14 - O R. impugnou assim a factualidade inserta no artigo 6° da P.I..
15 - Da réplica resulta a existência de dois serviços e fornecimentos prestados e efectuados pelo A. ao R., sendo que, na tese do A. a quantia supra referida em 13, se destinou ao pagamento do primeiro dos serviços referidos.
16 - Em face disso, não podia o Mto Juiz a quo ter dado corno assente no despacho saneador a matéria dele constante na alínea C) .
17 - E também por isso, não podia ter respondido como respondeu ao quesito 4° da B.I..
18 - Nas teses do A. e do R., a alínea B) da M.F.A. reporta-se a todos os serviços prestados e materiais fornecidos pelo primeiro ao segundo e os quesitos 1° e 3°, a uma parte deles apenas, aquela a que se reporta a factura 0767 em causa nos autos e a verdade é que o R. pagou ao A. não € 1.321,12, mas Esc 3.000.000$00.
19 - É manifesto o erro na inclusão na alínea C) da M.F.A. da respectiva factualidade e evidente a contradição entre a matéria de facto assente, os quesitos 1° e 4°, as respostas a estes quesitos e entre estas.
20 - Existe matéria de facto alegada, absolutamente essencial à boa decisão da causa que não foi e devia ter sido levada à B.I., posto que dela devia constar toda e não apenas parte da factualidade alegada pelo A. e pelo R., de sorte a poder-se discernir se os trabalhos e materiais prestados e fornecidos pelo A. ao R. foram os que constam de ambas as facturas juntas aos autos, só de uma delas, ou outros.
21 - Justifica-se assim a anulação das respostas aos quesitos 1° e 4° e ampliação da matéria de facto.
22 -Os juros devidos pela prestação dos serviços e fornecimento de materiais em causa não são os comerciais, mas sim civis, atenta a natureza civil da relação em causa.
23 - Além de errar no julgamento da matéria de facto, a douta sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do Direito e viola os arts. 341° e ss do C.C. e 510° e ss 516° do C.P.C. e os art. 805 e 806.° do C.C. e Portarias 1105/04 de 31.08 e 597/05 de 19.07 e art. 102.° do C.Com.

Nas contra-alegações, a parte contrária pugnou pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Estão dados como provados os seguintes factos:
1 – O A. dedica-se ao comércio de materiais de construção e carpintaria (al. A) da matéria assente).
2 – No exercício dessa sua actividade, a pedido do Réu, o A prestou-lhe serviços de carpintaria e forneceu-lhe materiais (al. B) da matéria assente).
3 – O R. já entregou ao A. € 1.321,12 para pagamento do referido no nº anterior (al. C) da matéria assente).
4 – Os materiais fornecidos e serviços prestados pelo A ao R. consistiram em: 3 tubos de silicone, 3 litros de bondex, 1 trincha, 20 vidros 49x39, 8 vidros 50x39, 4 vidros 49x39 castanhos, 4 vidros 45x40 lisos, 20 vidros 50x40, 4 vidros 30x40, 4 vidros 49x40, 4 vidros 49x17, 4 vidros 49x17, 4 vidros 44x40, 4 vidros 45x40, 2 trinchas, 2 litros de bondex, 9 horas de trabalho, 1 litro de bondex, 8 portas maciças de 100x100, 5 litros de bondex, 6 lixas, 4 tubos de massa, 5 litros de diluente, cola, 126 horas de trabalho, 6 lixas de madeira, 48 parafusos de latão, 1 vidro 50x30, 119 horas de trabalho, 81 horas de trabalho, 12 vidros das portas, 11 espelhos, 15 lixas, 2 litros de bondex, 2 vidros, 5 litros de diluente, 1 kg de palha de aço, 5 litros de verniz, 5 litros de diluente, 4 lixas, 10 litros de bondex, 2 litros de bondex, 2 tubos de massa, 44 parafusos, 72 horas do Luís, 8 vidros de 0,80x0,17, 1 vidro de 1,34x0,21, 2 vidros de 1,34x0,21, 10 litros de bondex, 2 trinchas, 2 vidros de 1,35x0,21, 48 horas do Teixeira, 2 litros de bondex, 1 litro de diluente, 2 tubos de massa, 158 horas de …… Ferreira, 1 roupeiro de 2,70x1,90, 1 roupeiro de 2,70x2,80, 1 roupeiro de 2,30x2,70, 1 porta do quadro de 0,60x0,60, 1 porta do quadro de 0,70x0,60, 1 janela de 1,00x1,20, 7 janelas de 1,00x1,25, 4 portas interiores tapadas, 1 porta de vidro de 2,00x0,80, 3 portas de vidro de 2,00x1,00, 4 portas exteriores de 2,00x1,00, 2 portas armário de 0,75x0,65, 2 portas armário de 0,70x0,90 e 1 porta armário de 0,80x0,90, pelos preços referidos nas fls. 7 e 8, no valor total de 14.451,17 Euros, tendo o A. emitido a factura nº 0767, em 30.05.2002 (resp. ao quesito 1º).
5 – Durante a execução dos trabalhos, o R. pediu ao A a execução de três armários embutidos, cujo valor total de 544.000$00 se mostra incluído na factura mencionada no nº 4 (resp. ao quesito 3º).
6 – Para pagamento do referido nos nºs 2, 4 e 5, o Réu entregou ao Autor a quantia mencionada no nº3 (resp. ao quesito 4º).

Delimitado o recurso pelas conclusões das alegações do recorrente (arts. 684, n.º 3 e 690, n.º 1 do CPC), entremos na apreciação das questões que se colocam.

Quanto à matéria de facto:
Defende o recorrente que foi incorrectamente julgado o ponto n.º 1 da base instrutória, em que se perguntava: “Os materiais fornecidos e serviços prestados pelo autor ao réu consistiram em…”?
A que foi respondido: “Provado, excepto que o A tivesse remetido ao R a factura em apreço e tivesse acordado com este que era a pronto pagamento”. A factualidade dada como provada foi a que consta do ponto 4 dos factos descritos como provados na sentença.
Para o recorrente, a resposta a este ponto de facto devia ter sido negativa.
Indicou os meios probatórios, em que se funda a sua discordância quanto á apreciação da prova feita na 1.ª instância, tendo especificado os depoimentos das testemunhas do Autor, D…………. e E………….
Incorporou, nas suas alegações de recurso, transcrição dos depoimentos gravados de todas as testemunhas do Autor (só deste).
Todavia.
Após termos lido atentamente os depoimentos transcritos com as alegações de recurso, conjugados com a análise dos documentos constantes dos autos, não vemos motivo para a pretendida alteração das respostas dadas à matéria de facto.
Na decisão que recaiu sobre a matéria de facto foi efectuada circunstanciadamente a análise critica das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do tribunal (como determina o art. 653, n.º 2 do CPC).
Sendo a nossa análise essencialmente coincidente com a que foi feita em tal decisão,
De resto, sempre importa ter presente que a modificabilidade da decisão de facto prevista no art. 712 do CPC não pode significar a subversão do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 655 do CPC.
Como se entendeu no Ac. do STJ de 14 de Março de 2006, CJ Acs. STJ Ano XIV, Tomo I, p. 130:
"A reapreciação da matéria de facto, pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 712 do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente à sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova" (Sumário). Veja-se, no mesmo sentido, entre outros, o Ac. da RC de 24-10-2006, de que foi Relator o Ex. m.º Juiz Desembargador Dr. Cardoso Albuquerque, em www.dgsi.pt.

Defende, ainda, o recorrente que, por ter sido impugnado, na contestação, do facto alegado no art.6 da petição inicial não podia ter sido seleccionado como assente, como foi, o constante da al. C), ou seja, que: “O R já entregou ao A € 1.321,12 para pagamento do referido em B”.
Sendo que, na al. B) dos factos assentes, se fez constar que: “No exercício da sua actividade, a pedido do réu, o autor prestou-lhe serviços de carpintaria e forneceu-lhe materiais”.
Também, não devendo responder-se, como se fez, ao ponto 4 da base instrutória, em que se perguntava:
“Para pagamento do referido em B, 1 e 3, o réu entregou ao autor as quantias de:
_ 2.000.000$00, através do cheque n.º …
_ 500.000$00, através do cheque…
_500.000$00, através do cheque…
que obtiveram provisão”?
E a que se respondeu:
“Provado apenas que para pagamento do referido em B, 1 e 3, o réu entregou ao autor a quantia mencionada no ponto C da matéria assente”.
Para o recorrente, o caminho a seguir seria, agora, o de anular as respostas aos pontos 1 e 4 e ampliar a matéria de facto, para desta constar toda a factualidade alegada por ambas as partes.
Parece-nos, salvo o devido respeito, não haver motivo para a pretendida anulação da decisão de facto.
Senão vejamos.
Há acordo, entre as partes, nos articulados, sobre os factos alegados nos arts. 1 e 2 da petição inicial, condensados nas als. A) e B) dos factos assentes.
O facto constante da al. C), ou seja, que o R entregou ao A para pagamento dos serviços de carpintaria e dos materiais fornecidos, a quantia de € 1.321,12 (entenda-se, ao menos de) encontra-se, assim, justificadamente entre os factos assentes: é o próprio Autor a aceitar que lhe foi efectuado pelo Réu o pagamento desse montante; por outro lado, a al. C), limita-se a reportar o pagamento desse montante ao que genericamente consta da al. anterior.
É só na resposta ao ponto n.º 4 da base instrutória que vem a estabelecer-se a relação entre a quantia de € 1.321,12, mencionada na al. C) e a dívida para cujo pagamento (parcial) foi destinada: a derivada dos serviços, fornecimentos e trabalhos referidos nas respostas aos pontos 1 e 3 da base instrutória (correspondentes aos pontos n.º 4 e 5 dos factos descritos como provados na sentença).

Improcede, pelo exposto, a critica à decisão da matéria de facto.

Quanto à matéria de direito:
Na sentença, considerou-se, em face da matéria de facto provada, terem as partes celebrado um contrato misto de prestação de serviços e compra e venda, assumindo o Autor a posição de prestador e vendedor e o Réu a qualidade de beneficiário de tais serviços e comprador dos respectivos bens (arts. 874 e 1154 do C. Civil).
Tendo ficado provado que o Réu liquidou ao Autor apenas a quantia de € 1.321,12 (no que está em causa nos autos), pelo que está em dívida o montante de € 13.130,05.
Por fim, considerou-se que sobre tal quantia recaem juros de mora contados desde a citação, em 18.06.2004 (uma vez que não se provou que tivesse sido acordado que o pagamento seria devido desde a emissão da factura), à taxa legal vigente relativa a créditos de que são titulares empresas comerciais, até integral pagamento (arts. 102, 3 do C. Comercial, 805, n.º 1 do C. Civil e Portarias 1105/04, de 31.08. e 597/05, de 19.07).

Sustenta o recorrente que os juros devidos são de natureza civil e não de natureza comercial.

É verdade que estamos perante uma figura contratual, que só reveste natureza comercial do lado do Autor, não do lado do Réu.[1]
O que nos remete para a aplicação do “regime dos actos de comércio unilaterais” previsto no art. 99 do C. Com.
Mas, se bem interpretamos esta disposição, o caso dos autos parece enquadrar-se na regra que naquela se estabelece, segundo a qual, “embora o acto seja mercantil só com relação a uma das partes será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contraentes”, não se configurando a situação excepcional da segunda parte do preceito (“salvas as que só forem aplicáveis àquele ou àqueles por cujo respeito o acto é mercantil”). [2]

Por força do art.102, § 3 do C. Comercial, os créditos de que sejam titulares sujeitos detentores de empresas comerciais (sejam eles comerciantes em nome individual, sejam sociedades comerciais ou outras entidades) para os quais resulte da lei o vencimento de juros de mora ou que, por convenção, estejam sujeito a um juro sem determinação da taxa ou quantitativo, beneficiam de uma taxa de juro especial, fixada em Portaria conjunta dos Ministérios das Finanças e da Justiça. [3]
Assim, provado que o Autor se dedica ao comércio de materiais de construção e carpintaria (al. A) e que no exercício dessa actividade, a pedido do Réu, prestou a este serviços de carpintaria e forneceu materiais (al. B), o crédito do Autor beneficiaria da taxa dos juros comerciais, em face do citado art. 102, § 3 do C. Com.

Sucede que, com o DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, o campo de aplicação do art. 102 do C. Com parece ter sofrido uma significativa limitação, na medida em que este veio excluir do regime especial dos juros de mora pelos atrasos nos pagamentos os contratos celebrados com os consumidores (cfr. art. 2, n.º 2 al. a) do mencionado diploma legal). [4] /[5]

Levanta-se, deste modo, um problema de aplicação da lei no tempo, a resolver à luz do disposto no art. 12 do C. Civil.
Em princípio, seria de considerar a lei em vigor à data da feitura do contrato em causa, o que, como vimos, nos levaria à aplicação ao caso dos juros comerciais.
No entanto, inclinamo-nos a considerar que deve ser aplicada ao caso dos autos a lei nova, ou seja, o regime jurídico resultante do citado DL n.º 32/2003 (em vigor, à data da constituição em mora do Réu). [6]
Como se entendeu, entre outros, no Ac. do STJ de 30/6/98, BMJ n.º 478, p. 410, “a mora traduz-se numa situação objectiva de carácter duradouro, do tipo das previstas no art. 12, n.º 2, parte final, do CC, pelo que, na determinação do concreto valor dos juros moratórios deverá atender-se às diversas taxas sucessivamente fixadas durante o período da mora” (ponto 3 do respectivo Sumário).
É a tese de Baptista Machado, o qual, na sua obra “Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, a p. 115, escreve que:
“Tratando-se não de direito de exigir um juro moratório, mas da taxa deste juro, a qual está em relação com o rendimento médio e normal dos capitais em certo período, é bem de ver que o prejuízo do credor que se trata de reparar é aquele que para ele resultou da privação do seu capital e que corresponde à taxa de juro no momento em que esta privação se verifica”.
No nosso caso, não está, efectivamente, em causa, o direito ao juro devido pela mora.
Mas, apenas, se a taxa aplicável deve ser a resultante da lei civil ou a resultante da lei comercial.
Assim, tendo em atenção que o DL n.º 32/2003 teve, nesta matéria, a preocupação de tutelar a parte “mais fraca” (o consumidor), deverá, segundo julgamos, ser aplicado o regime que dele resulta, ou seja, a lei nova. [7]
O que, nos conduz à aplicação, no caso concreto, dos juros civis.

Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em, na procedência parcial da apelação, revogar a sentença recorrida, em matéria de juros moratórios, condenando o Réu C…………… nos juros de mora civis, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
No mais, mantendo a decisão recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, na proporção do vencido.

Porto, 06 de Outubro de 2008
Joaquim Matias de C. Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome
_____________
[1] Acerca da comercialidade da compra e venda rege o art. 463 do C. Com.
[2] Sobre a interpretação desta norma, que suscita reais dificuldades, v., entre outros, Luís Brito Correia, Direito Comercial, 1.º volume, p. 42 e ss; Filipe Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, volume I, p. 131 e ss.
[3] O § 3 foi aditado ao art. 102 do C. Com. pelo DL n.º 262/83, de 16/6, na sequência do qual, foi publicada a Portaria n.º 807-U/83, de 30-7.
A redacção actual do § 2, 3 e 4 do art. 102 do C. Com. é a estabelecida pelo art. 6 do DL n.º 32/2003.
[4] É este, segundo cremos, o entendimento de Ana Isabel da Costa Afonso, em monografia que publicou, sob o título “A obrigação de juros comerciais depois das alterações introduzidas pelo decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”, em Separata de Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 12, 2007, p. 173 e ss.
Como aí se escreve, na p. 196, “Com efeito, se a transacção entre uma empresa comercial e um consumidor caía no domínio de aplicação do regime especial da lei comercial, fica hoje excluída daquele em virtude do disposto no art. 2, n.º 1 al. a) do Decreto-lei n.º 32/2003, e da intencionalidade que lhe está subjacente _ a protecção do consumidor, tratado como parte mais fraca do contrato. A obrigação de pagamento do consumidor ao comerciante é remetida para o regime geral da lei civil, devendo o consumidor apenas pagar os juros de mora decorrentes do art. 559, CC, actualmente fixados em 4% pela Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril. Parece-nos, efectivamente, ser esta a intenção da Directiva consagrada pelo nosso diploma no art. 2, n.º 2 al. a)”.
[5] Sobre a definição de “consumidor”, v.. p.e., o art. 2, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor).
[6] Dispõe o art. 9 do DL n.º 32/2003 que: “O presente diploma aplica-se ás prestações de contratos de execução continuada ou reiterada que se vençam a partir da data da sua entrada em vigor”.
Por sua vez, o art. 10 do mesmo decreto-lei preceitua que:
“1-O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, sem prejuízo do disposto no número seguinte;
2-Os artigos 7 e 8 do presente diploma entram em vigor no 30.º dia posterior ao da sua publicação”.
[7]Entende A. Santos Justo, em Introdução ao Estudo do Direito, p. 377, que “a aplicação imediata da LN deve ser tida em consideração se o interesse social determinar a tutela das categorias sociais “mais fracas”. Cita, em nota (3) da mesma página, Baptista Machado e Oliveira Ascensão.