Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6041/17.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
ACORDO ALCANÇADO QUANTO Á MATÉRIA DE FACTO
NÃO PRONUNCIA DAS PARTES SOBRE FACTUALIDADE RELEVANTE
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RP201909236041/17.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º298, FLS.83-93)
Área Temática: .
Sumário: I - Entre as causas de nulidade da sentença previstas no artigo 615º nº 1, do Código Processo Civil, prevê-se na alínea d) do mesmo artigo, a omissão de pronúncia, que se verifica quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
II - A arguição de tal nulidade, segundo o disposto no artigo 615º, nº4 do Código de Processo Civil, deve ser feita perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário e caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
III - Tendo os autos sido conclusos para prolação de decisão final, impunha-se ao Tribunal a quo que constatando terem as partes deixado de se pronunciar sobre factualidade relevante, no âmbito do acordo alcançado quanto à matéria de facto, designasse nova data para continuação da audiência de julgamento e complemento da matéria de facto acordada entre o Autor e a Ré ou, não existindo consenso sobre tal factualidade, proferisse decisão de facto relativamente à mesma e na sentença conhecesse do pedido formulado pelo Autor a esse respeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6041/17.1T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 2
Recorrente: B…
Recorrida: C… S.A.
4ª Secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares
2ª Adjunta: Desembargador Domingos Morais
1. Relatório:
B… instaurou a presente ação de processo comum emergente de contrato de trabalho contra C…, S.A., pedindo que se declare o direito do Autor a ver integrado no cálculo das retribuições de férias e de Natal, vencidos desde 1991 até 2003, o valor das prestações variáveis que auferia com caracter de regularidade (subsídio de turno, subsídio de condução, subsídio de trabalho noturno), e se condene a Ré a pagar ao Autor as diferenças salariais apuradas, no valor de €6.070,71 (seis mil e setenta euros e setenta e um cêntimos), acrescido dos juros de mora vincendos do montante em dívida, calculados às taxas legais, perfazendo o montante de €7.800,00 (sete mil oitocentos euros) e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alegou para tal que trabalha para a Ré desde 1991, tendo a categoria de TEP- Técnico de Equipamento Postal, sendo que, a Ré procedeu ao pagamento diversas prestações, com carater de regularidade, periodicidade e constância não as integrando nos subsídios de férias, Natal e retribuição de férias.
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Convocada a audiência de partes, as mesmas não chegaram a acordo.
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A Ré apresentou contestação, arguindo a ineptidão da petição inicial, a prescrição dos créditos relativos aos anos de 1991 a 1992 e ainda a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos.
Alegou ainda que algumas das prestações em causa, pela sua natureza, não podem configurar-se como retribuição e outras não são dotadas da regularidade e periodicidade exigida para tal efeito.
Foi ordenada a correção da PI e posteriormente saneado o processo, não tendo sido fixada base instrutória.
Foi realizada a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, julgo parcialmente procedente por provada a presente ação e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor a média anual de retribuição correspondente a trabalho noturno, suplementar, subsídio de turno e complemento especial, não paga pela Ré ao Autor nos meses de férias, respetivos subsídios de férias e subsídio de natal de 1991 a 2003, com as exceções referidas, calculados nos termos acima mencionados, a liquidar em execução de sentença, acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor reportados às quantias mencionadas e a vencer desde as datas em que cada verba deveria ter sido posta à disposição do Autor, contabilizados até integral e efetivo pagamento.
No demais, vai a Ré absolvida.
Custas pelo Autor e Ré, na proporção das sucumbências.
Notifique e registe.”.

O Autor inconformado, interpôs recurso desta decisão,
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A Ré não contra alegou.
Por despacho proferido em 28.02.2019, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo perante a nulidade suscitada, pronunciou-se nos seguintes termos:
“Conforme resulta da ata de julgamento de 17 de outubro de 2018, as partes declararam prescindir das respetivas testemunhas arroladas bem como de proferir alegações, por terem chegado a acordo quanto à matéria de facto, matéria que fizeram constar na ata (fls. 378 a 385).
Foi com base nesses factos acordados que se proferiu a sentença de fls. 386 a 404, não se vislumbrando da mesma a invocada nulidade e não incumbindo ao Tribunal, acordada que foi a matéria de facto, e prescindidas que foram as testemunhas e a prolação de alegações, reabrir a audiência.
Nestes termos, entende-se não verificada a invocada nulidade.”.

O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.

Subidos os autos a esta Relação, nos mesmos foi formulado parecer pela Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta no sentido do recurso ser julgado improcedente,
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Foram dispensados os vistos ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06., aplicável “ex vi” artigo 87º, nº1, do Código de Processo de Trabalho.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- nulidade da sentença;
- apreciar se assiste ao Autor o direito de ver reconhecido como parte integrante da retribuição relativa a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal entre os anos de 1991 e 2003 e de subsídio de natal dos anos de 2003 a 2011, as prestações pagas ao Autor, com carácter de frequência e regularidade, mais de seis meses no ano, a título de trabalho nocturno, trabalho suplementar e complemento especial.
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2.1.2. Nulidade da sentença:
No requerimento de interposição do recurso a Apelante veio invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia do Tribunal a quo sobre o pedido do Autor reportado à reclamação de valores entre os anos de 2003 a 2011, para efeitos de cálculo de subsídio de Natal nesses anos, sendo que logo no início da sentença, o Tribunal a quo “baliza” erradamente o pedido do Autor nos anos de 1991 a 2003, reportando-se a um esquecimento do Tribunal a quo na análise dos quadros e recibos face aos vários pedidos e que se traduziu na não pronúncia sobre os pedidos aduzidos na alínea c) da petição inicial e para cuja apreciação as partes acordaram na apresentação e integração dos quadros e recibos pelo Autor de 2003 a 2011.
Mais refere que assim nem sequer se pode entender que absolve a Ré do pedido na generalidade da expressão “No demais, vai a Ré absolvida”.
Por seu turno, a Ex.ª. Procuradora Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de que não há lugar à nulidade arguida, remetendo para o teor do despacho (supra transcrito) proferido pela Mmª Juiz a quo a respeito da invocada nulidade.
Vejamos:
Entre as causas de nulidade da sentença previstas no artigo 615º nº 1, do Código Processo Civil, prevê-se na alínea d) do mesmo artigo, a omissão de pronúncia, que se verifica quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A arguição de tal nulidade, segundo o disposto no artigo 615º, nº4 do Código de Processo Civil, deve ser feita perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário e caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
No caso em apreço, o Autor arguiu a nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso.
Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil, o juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Atento o teor dos artigos 73º, 74º e 75º da petição inicial (apresentada na sequência do convite de aperfeiçoamento), o Autor reclamou, nomeadamente, as diferenças salariais, no valor de €4.242,55, devidas a título de férias, subsídio de férias e de natal (anos de 1991 e 2003), bem como as diferenças salariais de €1.478,16 que deveriam ter sido pagas a título de subsídio de Natal (anos de 2004 e 2011), correspondentes às remunerações variáveis pagas nesses mesmos anos, diferenças salariais essas que alegadamente não foram pagas.
Relativamente aos diferenciais de subsídio de Natal que a Ré não pagou ao Autor, nos anos de 2004 a 2011, correspondentes às remunerações variáveis pagas, reportam-se ainda os artigos 53º, 55º, 56º, 66º e 67º da petição inicial (apresentada na sequência do convite de aperfeiçoamento).
No pedido que o Autor formulou no final do mesmo articulado de petição inicial, é solicitada a condenação da Ré nas quantias descriminadas nos artigos 70ª, 71º e 73º, no valor global de €6.070,71.
Dúvidas se não nos suscitam assim, de que foi expressamente formulado na petição inicial o pedido cuja omissão de pronuncia é apontada à sentença.
Resulta do teor da ata da sessão da audiência de julgamento, ocorrida em 17.10.2018 (fls. 378 a 385) que ambas as partes acordaram quanto à matéria de facto, consubstanciada nos termos que da mesma ata se fizeram constar, aí não incluindo, nomeadamente, o que foi pago a título de subsídio de Natal pela Ré ao Autor, em cada um dos referidos anos de 2004 a 2011.
Dito de outro modo, ambas as partes não acordaram que fosse de considerar como matéria assente factualidade com base na qual o Autor formulou o pedido que em sede recursiva vem apontar ao Tribunal a quo ter deixado de se pronunciar.
Com efeito, ao acordarem quanto à matéria de facto, as partes tomaram posição expressa sobre o manancial de factos a considerar pelo Tribunal a quo. No entanto, não aferimos que não tendo nos mesmos factos ficado incluída a factualidade com base na qual o Autor formulou o pedido de condenação da Ré no pagamento dos diferenciais de subsídio de Natal, correspondentes às remunerações variáveis pagas, diferenciais esses que alegadamente a Ré não pagou ao Autor, nos anos de 2004 a 2011, tal factualidade, no entendimento das partes, não era factualidade a atender pelo Tribunal.
Mesmo tendo as partes prescindido do depoimento das testemunhas e da prolação de alegações, impunha-se ao Tribunal a quo que junto de ambas obtivesse o esclarecimento a propósito da posição das mesmas relativamente a tal factualidade, ou seja se quanto à esta estavam também acordadas e em que termos ou não sendo esse o caso, proferisse decisão sobre tal factualidade e considerasse a mesma decisão na subsunção ao direito da sentença.
No relatório da sentença não é mencionado explicitamente o mesmo pedido. Ainda assim, aí é referenciado o pedido de declaração a que se reporta a alínea a) do pedido inicial mas também o pedido de condenação da Ré formulado pelo Autor no mesmo articulado, ou seja de que seja a Ré condenada “a pagar ao Autor as diferenças salariais apuradas, no valor de € 6.070,71 (seis mil e setenta euros e setenta e um cêntimos (…)”, valor acrescido de juros de mora (alíneas b) e c) do pedido inicial).
Ora, atento o alegado pelo Autor no articulado de petição inicial, no valor de €6.079,71 incluem-se os diferenciais de subsídio de Natal, correspondentes às remunerações variáveis pagas nos anos de 2004 a 2011, diferenciais esses que alegadamente a Ré não pagou ao Autor.
Não obstante, na subsunção ao direito efectuada na sentença lê-se “O Autor apenas vem peticionar o pagamento das diferenças salariais – resultantes do incorrecto pagamento das retribuições de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal – relativas ao período compreendido entre 1991 a 2003”, (sublinhado nosso).
Daí que quando no dispositivo da sentença se refere “No demais, vai a Ré absolvida”, não vemos como seja possível se entender que o Tribunal a quo se pronunciou sobre o pedido relativamente ao qual é apontada a omissão de pronúncia.
Não tendo sido manifestada desistência desse mesmo pedido por parte do Autor, impõe-se que sobre a matéria de facto alegada relativamente ao mesmo, como se adiantou já, fique esclarecida a posição das partes.
Em síntese, mesmo tendo os autos sido conclusos para prolação de decisão final, impunha-se ao Tribunal a quo que constatando terem as partes deixado de se pronunciar sobre factualidade relevante, no âmbito do acordo alcançado quanto à matéria de facto, designasse nova data para continuação da audiência de julgamento e complemento da matéria de facto acordada entre o Autor e a Ré ou, não existindo consenso sobre tal factualidade, proferisse decisão de facto relativamente à mesma e na sentença conhecesse do pedido formulado pelo Autor de condenação da Ré no pagamento das diferenças salariais de €1.478,16 que no seu entender deveriam ter sido pagas a título de subsídio de Natal (anos de 2004 e 2011), correspondentes às remunerações variáveis pagas nesses mesmos anos.
Em conformidade, considera-se que se verifica a nulidade em apreciação não tendo na sentença sido conhecido aquele pedido, cuja omissão de pronúncia é apontada em sede recursiva, impondo-se como tal a respetiva revogação.

2.1.3. Face ao decidido em 2.1.2. considera-se prejudicado o conhecimento da segunda questão objecto do presente recurso.
3. Decisão:
Em conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação da Ré, revogando-se a sentença recorrida, devendo o Tribunal a quo designar nova data para continuação da audiência de julgamento e complemento da matéria de facto acordada entre o Autor e a Ré ou, não existindo consenso sobre a factualidade a que se reportam os artigos 53º, 55º, 56º, 66º, 67º, 73º, 74º, 75º da petição inicial, não incluída na factualidade já considerada assente por acordo, proferir decisão de facto relativamente à mesma factualidade e na sentença conhecer do pedido formulado pelo Autor de condenação da Ré no pagamento das diferenças salariais de € 1.478,16 que no seu entender deveriam ter sido pagas a título de subsídio de Natal (anos de 2004 e 2011), correspondentes às remunerações variáveis pagas nesses mesmos anos.
Custas da apelação a cargo da Ré.

Porto, 23 de Setembro de 2019.
Teresa Sá Lopes
Fernanda Soares
Domingos Morais