Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
341/10.9SMPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RICARDO COSTA E SILVA
Descritores: ENGENHO EXPLOSIVO CIVIL
PETARDO
ARMA PROIBIDA
Nº do Documento: RP20111012341/10.9SMPRT.P1
Data do Acordão: 10/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: A conduta do adepto que, num estádio de futebol, arremessou um “petardo” para junto da bancada dos adeptos da equipa adversária – petardo que rebentou com grande estrondo, mas não causou danos físicos – consubstancia uso ilegal de explosivo civil – na forma de artifício pirotécnico -, que preenche o elemento objetivo do tipo-do-ilícito previsto no artº 86º al. a) da Lei 5/2006 de 23/02.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 341/10.9SMPRT.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto,

I.

1. Por sentença, proferida, em 2010/06/01, no processo sumário n.º 341/10.9SMPRT, do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, foi, no que à presente decisão interessa, decidido condenar o arguido B…….., com os demais sinais dos autos:
a) pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.os 132.º, n.º 2, al. l), 143º, n.º 1, e 145º, n.os 1, al. a), e 2 do Código Penal (CP), na pena de 3 (três) meses de prisão;
b) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.os 2.º, n.º 5, als. m), n) e q) e 86.º, n.º 1, al. a), da Lei 5/2006, de 23/02, alterada pela Lei 17/2009, de 06/05, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
c) em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas nas alíneas anteriores, nos termos do art. 77.º n.os 1 e 2 do CP, na pena única de 25 (vinte e cinco) meses de prisão, pena esta que, de acordo com o disposto no art. 50.º, n.os 1 e 5 do CP, se suspendeu na sua execução pelo período de 25 (vinte e cinco) meses;
2. Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido condenado.
Rematou a motivação de recurso que apresentou, com a formulação das seguintes conclusões:
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Terminou com o pedido de revogação da decisão recorrida e de absolvição dele, arguido recorrente, ou, não se entendendo assim, que se lhe reduza a pena.
3. Notificado do recurso, o Ministério Público (MP) apresentou resposta no sentido de lhe ser negado provimento.
4. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-geral-adjunto (PGA) juntou aos autos parecer em que se pronunciou por dever o recurso improceder.
5. Cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente respondeu ao parecer, mantendo, no essencial, as posições afirmadas no recurso.
6. Realizado o exame preliminar, não havendo obstáculos ao conhecimento do recurso e devendo este ser julgado em conferência, determinou-se que, colhidos os vistos legais, os autos fossem remetidos à conferência. Realizada esta, dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.
II.
1. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, definem o seu objecto, o recurso versa sobe matéria de facto e de direito e as questões nele postas são as seguintes:
– Da existência, na sentença recorrida, dos vícios da decisão contemplado no art.º 410.º, n.º 2, als. a), b) e c), do CPP;
– Da impugnação da matéria de facto provada, por incorrectamente julgada e da não observância do princípio in dubio pro reo;
– Da não integração pelos factos provados dos elementos típicos dos crimes imputados ao arguido.
2. É a seguinte a fundamentação de facto da sentença recorrida:
«II – Fundamentação de facto.
«Realizada a audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos:
«1. No dia 02.05.2010, pelas 21:30 horas, no interior do “Estádio do C…..”, sito na Rua ……, no Porto e durante o jogo de futebol entre as equipas do D……. (D..) e do E……. (E..), o arguido, que ali se encontrava na qualidade de espectador e adepto do E…., arremessou um dispositivo pirotécnico (petardo) para junto da bancada dos adeptos do D…, petardo esse que rebentou, com grande estrondo, junto destes adeptos, não tendo, no entanto, provocado qualquer dano físico;
«2. Face a esta atitude, os agentes da PSP F……. ([1]) e G……. abordaram o arguido, com o intuito de o identificarem;
«3. Ao aperceber-se de que os referidos agentes o pretendiam identificar, o arguido encetou uma fuga, subindo as bancadas do Estádio, tendo sido agarrado numa perna pelo agente F……, altura em que ambos (agente e arguido) caem ao chão;
«4. Já caído no chão, o arguido desferiu dois pontapés no agente F……., um na perna esquerda e outro no abdómen, não tendo, no entanto provocado qualquer ferimento no agente devido ao equipamento de protecção que este envergava na altura;
«5. Ao agir da forma descrita no ponto 1., o arguido tinha a vontade livre e a perfeita consciência de estar detendo o referido dispositivo pirotécnico explosivo (petardo), sem para tal se achar autorizado, fora das condições legalmente estabelecidas e em contrário das prescrições das autoridades competentes;
«6. Sabia ainda o arguido que estava a utilizar o mesmo petardo, arremessando-o e fazendo-o explodir junto de uma bancada onde se encontravam adeptos do D…… que, como o arguido, assistiam àquele espectáculo desportivo, por forma adequada a, como ocorreu, criar perigo para a integridade física dos mesmos e dos demais intervenientes naquele espectáculo desportivo;
«7. Ao agir da forma descrita no ponto 4., o arguido sabia que estava a agredir corporalmente um agente da PSP em exercício de funções, o que quis;
«8. O arguido sabia serem as suas condutas proibidas e punidas por lei;
«9. O arguido não tem antecedentes criminais;
«10. O arguido tem 21 anos de idade, frequenta o 2º ano do curso de Relações Internacionais, é solteiro, reside com a mãe e o padrasto e recebe uma mesada no valor de 50,00 €.
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«Factos não provados, com relevância para a decisão da causa, não os há.
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3. Das questões postas:
3.1. Os vícios da decisão da previsão do art.º 410.º, n.º 2, do CPP.
O recorrente argui a decisão de enfermar dos três vícios contemplados nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, a saber: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; e erro notório na apreciação da prova.
Mas sem qualquer razão:
Dispõe o art.º 410.º, do CPP o seguinte:
«Artigo 410.º
(Fundamentos do recurso)
«1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter corno fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
«2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vido resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
«a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
«b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
«c) Erro notório na apreciação da prova.
«3) O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.»
Os vícios da decisão, do n.º 2, do art.º 410.º, do CPP, são defeitos da decisão, que, uma vez verificados, permitem ao tribunal de recurso, mesmo se limitado ao conhecimento de questões de direito, poder julgar de facto, no âmbito da decisão transcrita
Como o próprio texto desse normativo refere, tais vícios são apenas detectáveis e cognoscíveis com base no texto da decisão recorrida. Qualquer dos vícios de decisão – seja “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, seja a “contradição insanável da fundamentação ou ente a fundamentação e a decisão, seja, por fim, o “erro notório da apreciação da prova”, respectivamente, das alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP – para serem invocados, têm de ser concretamente referidos à decisão recorrida e concretamente identificados no seu texto.
Têm de resultar "do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum", por conseguinte, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou depoimentos exarados no processo, nem podem basear-se em documentos juntos ao processo (cfr., neste sentido, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., Lisboa, 2002, pág. 71 os quais salientam "que não se pode ir fora da decisão buscar outros elementos para fundamentar o vício invocado, nomeadamente ir à cata de eventuais contradições entre a decisão e outras peças processuais, como por exemplo recorrer a dados do inquérito, da instrução ou do próprio julgamento”; no mesmo sentido Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, p. 324 e a jurisprudência do STJ, citada naquela primeira obra).
Haver Insuficiência da matéria de facto provada "significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão de ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a decisão desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2006, processo n.º 363-06 – 5.ª Secção.
Ou seja, a insuficiência reporta-se à qualificação e funciona nos casos em que um tipo se considera realizado sem matéria de facto bastante (...); a insuficiência impõe correcção ampliativa (ou conduz a juízo absolutório, se não houver ampliação possível, já que actua sobre o que não chega e sobre o que não há) – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/7/1991 (in BMJ409/421).
Não são constitutivas do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada as omissões taxadas por lei com nulidade, nomeadamente a omissão do exame crítico das provas, a omissão de pronúncia sobre questões que o Tribunal devesse apreciar, a omissão de diligências probatórias essenciais ou necessárias para a descoberta da verdade e a nulidade do art.º 379, n.º 1 al. a) e n.º 3, primeira parte.
Também o não é insuficiência de prova para a decisão de facto proferida. Esta é uma questão que respeita ao recurso da matéria de facto ([2]).
Por seu turno, o vício de “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” consiste em coexistirem na decisão “duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade” ([3]).
Para relevar como vício da decisão da previsão da alínea b) do n.º 2 do art.º 410.º, a contradição deve ser insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada.
A existência de contradição insanável da fundamentação verifica-se se, passada pelo crivo de um raciocínio lógico, a fundamentação conclui ao contrário do que devia ou se ela não é esclarecera dos seus próprios termos, em função da colisão entre os fundamentos invocados.
As contradições insanáveis que a lei considera para efeitos de ser decretada a renovação da prova são somente as contradições “intrínsecas da própria decisão considerada como peça autónoma”. Não são de considerar eventuais contradições entre a decisão e o que do processo consta em outros locais, designadamente no inquérito ou na instrução.
Finalmente, o "erro notório na apreciação da prova" é a desconformidade com a prova produzida em audiência, ou com as regras da experiência por se ter decido contra o que se provou ou não provou ou por se ter dado por provado o que não podia ter acontecido (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Lisboa/S.Paulo, 1994, pág. 327, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., Lisboa, 2002, pág. 65 a 69, estes últimos com amplas referências jurisprudenciais).
Confiram-se, a este propósito, v. g., as seguintes decisões:
– O erro notório previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, é um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio. As provas revelam claramente um sentido e a decisão extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial (Ac. do STJ de 3-06-1998, processo n.º 272/98);
– O erro notório na apreciação da prova — art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP - não tem nada a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido proferida pelo próprio recorrente (Ac. do STJ de 1-07-1998, processo n.º 548/98);
– O erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro dado de facto positivo ou negativo (Ac. do STJ de 9-07-1998, Processo n.º 1509/97);
Como resulta do exposto, o recorrente não arguiu a existência de qualquer vício concretamente identificado no testo da decisão recorrida, limitando-se a nomeá-los, como se tal bastasse!
3.2 O que o recorrente fez, sim, foi impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, com recurso à gravação da prova oralmente produzida em audiência de julgamento. Mesmo isto com deficiências, porquanto não indicou, como exige o disposto no art.º 412.º, n.º 3, al. a), do CPP, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
Apesar disso, porque das conclusões formuladas é possível deduzir tal indicação – cfr. o disposto no art.º 417.º, n.º 3, do CPP –, é possível a este tribunal apreciar a questão suscitada.
Pretende o recorrente que há contradições nos depoimentos das testemunhas de acusação F…… e G….., quanto ao arremesso do petardo pelo arguido, mais exactamente, quanto ao sítio exacto onde caiu, até porque o arremesso propriamente dito foi confessado pelo próprio arguido.
E quer ainda, com base nos depoimentos das testemunhas por si arroladas, que se conclua que ele não atingiu o ofendido F……, tal como consta do ponto “4.” dos factos provados.
Finalmente põe em causa que ele, recorrente, soubesse que se tratava de um engenho explosivo. Isto com base nas suas próprias declarações.
Não tem razão quanto a nenhum dos aspectos.
Os depoimentos das testemunhas F….. e G…… são consistentes e harmónicos, se confrontados um com o outro, tendo em conta o sentido geral de cada um deles e o modo como deles flui o relato dos factos ocorridos.
A existência de pequenas discrepâncias entre depoimentos convergentes constitui uma circunstância que ocorre inevitavelmente, pois não há duas mentes que consigam reconstituir uma cadeia de acontecimentos vividos exactamente da mesma maneira. O ponto é que as contradições encontradas comprometam a estrutura do depoimento, ferindo a sua credibilidade, o que não se passa com os depoimentos, aqui em causa, das testemunhas F….. e G…...
Do seu teor resulta que ambos estavam presentes e a olhar para o lugar onde o arguido agiu e que o viram fazê-lo, lançando o petardo. E que ambos intervieram junto do arguido no sentido de o identificar a sancionar e, em consequência, viveram directamente os acontecimentos que se sucederam e foram dados como provados.
Os seus depoimentos são, no essencial coincidentes, e são também consistentes, convencendo quanto à veracidade do neles relatado.
Assim os considerou também o tribunal recorrido, que gozando do privilégio da imediação – de que nós, Relação, não dispomos – os tomou por isentos, seguros, coerentes e coincidentes entre si.
Não abala este resultado o factos de terem sido produzidos, pelas testemunhas arroladas pela defesa depoimentos que, em parte os contradizem. Na escolha da prova em que funda a sua convicção, sempre que não faça dela uma valoração absurda, por contrária às regras da experiência, o tribunal que julga o factos não tem está sujeito a qualquer limitação ou hierarquia da prova.
Não temos, por isso, qualquer motivo válido para pôr em causa a convicção que o tribunal manifestou na motivação de facto da decisão recorrida.
Resumindo, tendo o tribunal a quo decidido a matéria de facto com base em prova efectivamente produzida – caso dos dois depoimentos em referência – e tendo-o feito em obediência às regras da experiência comum, está ele ao abrigo da sindicância do tribunal superior, porquanto a lei lhe reserva a prerrogativa de apreciar a prova segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, tal como dispõe o art.º 127.º do CPP.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem insistentemente recordado – pelo visto com pobres resultados – que o recurso não supõe a realização de um novo julgamento do facto já apreciado, mas tão só um remédio para as ilegalidades eventualmente cometidas no julgamento de que se recorre. Onde o tribunal prolator da decisão recorrida tenha feito uma correcta utilização das suas atribuições funcionais, não há porque ou como censurá-lo.
Uma última nota: à margem dos depoimentos, o recorrente quer ainda convencer de que o tribunal a quo apreciou deficientemente os factos relativos à sua atitude interna, e que ele, recorrente, teria agido sem consciência da ilicitude, ao não saber que o que tinha na mão era um petardo explosivo. Nas sua declarações em julgamento, o arguido, confessando o arremesso do petardo, quis mesmo afastar o dolo afirmando que “pretendia apenas livrar-se daquilo, o petardo. Inteligentemente, esta posição não foi retomada no recurso porque um argumento anula o outro: Se não sabia que era um petardo explosivo, porque querer livrar-se dele?
A afirmação do recorrente de que não sabia que o que arremessou era um petardo, essa sim, contraria as regras da experiência. Tudo, desde o historial das “claques”, dos seus confrontos e dos seus métodos, passando pelo referente situacional em que o arguido actuou, de lançamento de outros objectos ofensivos e de outros petardos explosivos, que rebentaram, até à atitude física do recorrente – descrita, esta, na motivação de facto da sentença recorrida – tudo, repetimos, examinado à luz da experiência comum, é gerador de uma forte convicção de que o arguido sabia muito bem o que estava a atirar.
Finalmente a referência do arguido ao princípio in dubio pro reo e às presunções de facto.
Não vemos qualquer motivo para se invocar o princípio in dubio pro reo. Como dissemos, o tribunal a quo formou a sua convicção com base em prova produzida e nada de substancial nos aponta para que ele tivesse duvidado, ou que devesse ter duvidado, por haver ponderosos motivos nesse sentido.
Quanto às presunções de facto, convém lembrar que tais presunções só intervêm para suprir os hiatos causados pela ausência de prova directa. Ora, neste caso, o tribunal apreciou e valorou relatos baseados na observação presencial, prova directa, portanto!
E que presunção de facto invocaria o recorrente? A de que jovens educados e sofisticados não cometem desacatos? Basta lembrarmo-nos dos “motins” ocorridos, no Verão de 2011, nas cidades inglesas e de alguns tipos sociais de jovens intervenientes, devidamente identificados e catalogados ([4]), para que a pretensa presunção se esfume. Infelizmente, alguns jovens – felizmente não todos os jovens e, mais que provavelmente, nem sequer a maioria dos jovens – a coberto da multidão, cometem actos de vandalismo. E não é possível determinar o seu tipo, com base em extracto social, educação, situação económica ou qualquer desses parâmetros de ordem sociológica.
3.3. O crime de ofensa à integridade física.
3.3.1. O recorrente ataca a qualificação jurídica dos factos relativos ao crime de ofensa à integridade física qualificada.
Fá-lo com dois argumentos: não há crime porque não houve ofensa no corpo do ofendido; a haver crime não se verifica especial perversidade ou censurabilidade na conduta dele, pelo que a circunstância qualificativa do n.º 1 do art.º 145.º não se verifica.
Quanto ao primeiro argumento:
A verificação de lesões ou dores não é elemento típico do crime de ofensa à integridade física.
Anota, a este título, Paulo Pinto de Albuquerque ([5]), que:
«4. Não é condição da relevância típica a provocação de dor ou mal-estar corporal, incapacidade da vítima para o trabalho, aleijão ou marca física (acórdão do plenário das secções criminais do STJ de 18.12.1991, que teve por objecto uma bofetada).
«5. Mas é condição dessa relevância típica que o ataque assuma um grau mínimo de gravidade, descortinável segundo uma interpretação do tipo à luz do critério de adequação social. (…)»
E para nós não há dúvidas de que uma agressão a pontapé, a um polícia em exercício de funções de manutenção de ordem pública, consistente em atingi-lo com dois pontapés, um numa perna e o outro no ventre, integram o crime de ofensa à integridade física, independentemente de tal agressão não ter provocado ferimentos no ofendido, por este estar equipado com protecções contra elas.
O facto de os agentes policiais estarem, em certas situações, equipados com equipamento anti-motins, não autoriza os cidadãos a agredi-los impunemente até que lhes provoquem dores ou ferimentos.
Os pontapés desferidos contra as pessoas são adequados a provocar ofensas corporais e, já por isso, os agentes policiais, em intervenções com risco físico, vão equipados contra eles e agressões quejandas. Tal circunstância não pode ser pretexto para um up grade do limiar da gravidade da conduta ofensiva. Por exemplo – que só se dá para ilustração por absurdo –, passarem a ser puníveis as agressões cometidas contra eles com paus, pedras ou barras de ferro, porque só essas teriam capacidade vulneradora para superar a eficácia das protecções defensivas.
3.3.2. A circunstância qualificativa do tipo do art.º 145.º, n.os 1, al. a), e 2, conjugado como o disposto no art.º 132.º, n.º 2, ambos do CP..
É verdade que as circunstâncias do art.º 132.º, n.º 2, do CP, não são de aplicação automática. Construídas segundo a técnica dos exemplos-padrão elas permitem, quanto ao aqui agora em causa, que o tribunal rejeite a subsunção ao tipo qualificado de uma situação de vida formalmente subsumível a alguma das alíneas dos referidos número e artigo, mas que não revela a especial censurabilidade pressuposta pela qualificação ([6]).
Todavia, a circunstância da alínea l), aqui em causa, refere-se ao tipo de ilícito, traduzindo um aumento a ilicitude – arrastando um aumento correlativo da culpa – e, como tal, pertence ao tipo objectivo de ilícito.
Relativamente a circunstâncias desta natureza o poder vinculativo dos exemplos-padrão é praticamente intransponível.
Na qualificação da alínea l) do n.º 2 do art.º 132.º do CP o aumento da ilicitude deriva da protecção acrescida de que é necessário revestir certas entidades em exercício de funções, nem tanto por elas como pela salvaguarda do bem público.
Não está em causa, aqui, a especial perversidade do agente, mas sim a especial censurabilidade que resulta de o crime ser dirigido contra essas entidades, com afectação da dignidade e do fim social da função que exercem.
Ora, sem pretender especular com as razões ou circunstâncias concretas que, relativamente a esta circunstância qualificativa, poderiam operar no sentido da desvinculação da conduta do âmbito normativa do exemplo-padrão que se lhe refere, há que convir que aquelas teriam de ser muito cuidadosamente determinadas e muito ponderosas. Porém o recorrente não adiantou nenhuma. Limitou-se a alegar a não aplicação automática dos exemplos-padrão e a não aplicação da circunstância qualificativa da al. l) do n.º 2 do art.º 132.º ao seu caso.
Mas não há qualquer razão válida para ser assim, estando o tipo legal de crime bem qualificado pela alínea referida.
3.4. O crime de detenção da arma proibida.
O recorrente foi condenado pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2.º, n.º 5, als. m), n) e q), 86.º, nº 1, al. a), da Lei 5/2006, de 23/02, alterada pela Lei 17/2009, de 06/05.
Dispõem as referidas disposições legais.
«Artigo 2.º
«Definições legais
«Para efeito do disposto na presente lei e na sua regulamentação e com vista a uma uniformização conceptual, entende-se por:
«(…)
«5. Outras definições.
«(…)
«m) Engenho explosivo civil» os artefactos que utilizem produtos explosivos cuja importação, fabrico e comercialização está sujeito a autorização concedida pela autoridade competente;
«n) Engenho explosivo ou incendiário improvisado» todos aqueles que utilizem substâncias ou produtos explosivos ou incendiários de fabrico artesanal não autorizado;
«(…)
«q) «Recinto desportivo» o espaço criado exclusivamente para a prática de desporto, com carácter fixo e com estruturas de construção que lhe garantam essa afectação e funcionalidade, dotado de lugares permanentes e reservados a assistentes, após o último controlo de entrada;
«(…)»
«Artigo 86.º
«Detenção de arma proibida e crime cometido com arma
«1 – Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
«a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear," arma de fogo automática,"explosivo civil,' engenho explosivo ou incendiário improvisado"' é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
«(…)»
Disse o MP, na resposta que apresentou ao presente recurso:
«(…) Cumpre-nos (…) reafirmar a correcção da classificação do petardo («bomba de arremesso», artefacto carregado de substâncias ou produtos explosivos e destinado a rebentar com estrondo por contacto físico ou choque provocado por anterior arremesso à distância, de fabrico em princípio não permitido nos termos do disposto na alínea e do artigo 15º do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos aprovado pelo Decreto-Lei n° 376/84, de 30/NOV/1984, e de fabrico, venda e lançamento apenas excepcionalmente autorizável, sujeito a licenciamento prévio e para uso restrito à realização de fins não lúdicos, designadamente na defesa de produções agrícolas ou florestais ou, ainda, para o exercício autorizado da caça de batida, em locais projectados que não impliquem perigo ou prejuízos para terceiros e em quantidades devidamente justificadas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 22°, n° 6, e 31º, n° 6, do mesmo Regulamento – e não, manifestamente, «foguete.. de pirotecnia» - peça de fogo de artificio, integrada por uma cana, à qual estão ligadas bombas ou outras matérias explosivas, e dotado de um pavio para iniciar a combustão, cujo início provoca a ascensão do engenho, que após a mesma explode violentamente no ar) em causa como integrando a previsão das alíneas m e n do n° 5 do artigo 2° da Lei n° 5/2006, de 23/FEV relativa a "Engenho explosivo civil" - "...artefactos que utilizem produtos explosivos cuja importação, fabrico e comercialização está sujeito a autorização concedida pela autoridade competente" e a "Engenho explosivo...improvisado" - "...aqueles que utilizem substâncias ou produtos explosivos...de fabrico artesanal não autorizado",
«E da consideração da actuação do arguido relativa ao mesmo demonstrada e dada como provada na audiência de discussão e julgamento, dolosa e com consciência da ilicitude, como integrando (além do mais, cfr. designadamente artigos 89°, da mesma Lei n° 5/2006, e e 3°, alínea m, 31° e 35°, da Lei n° 39/2009, de 30/JUL) a previsão das disposições conjugadas da alínea n do mesmo n° 5 daquele artigo 2°, da alínea a do n° 1 do artigo 86° e da alínea a do n° 1 do artigo 91°, do mesmo diploma, relativa à detenção e uso, não autorizado, fora das condições legais, em contrário das prescrições da autoridade competente e em recinto desportivo («espaço criado exclusivamente para a prática de desporto, com carácter fixo e com estruturas de construção que lhe garantam essa afectação e funcionalidade, dotado de lugares permanentes e reservados a assistentes, após o último controlo de entrada»), de explosivo civil ou engenho explosivo improvisado,
Aquilo que o arguido arremessou no C….. era um objecto, que rebentou com estrondo.
Os factos provados não nos disponibilizam qualquer descrição morfológica do mesmo e das suas características: dimensões, potência, materiais de que era feito e tipo de matéria explosiva que continha.
Nem nos dizem se o rebentamento foi provocado pelo simples choque do objecto contra o solo, ou se ele tinha integrado qualquer tipo de dispositivo para o fazer rebentar, o que poderia ser, v. g., uma mecha ou pavio.
Nos mesmos factos assentou-se em que se tratava de um “dispositivo pirotécnico (petardo)” – facto provado 1.
A própria denominação petardo preenche um ror de acepções possíveis.
Encontra-se o termo “petardo” na terminologia militar – artilharia –, há petardos de uso ferroviário e possivelmente, haverá outros, mas onde a palavra encontra o seu sentido mais comum é, se não erramos, com o significado de artefacto pirotécnico, como “peça de fogo-de-artifício que produz um estampido ao arrebentar”.
É relativamente comum tais objectos serem usados pelas claques de futebol, apesar de a sua introdução nos estádios não ser permitida. São extremamente incomodativos e perturbadores da actividade desportiva e do bem-estar dos espectadores e não se exclui que, se rebentarem demasiado perto de uma pessoa, lhe possam causar danos ou lesões ([7]), nomeadamente no aparelho auditivo.
O historial do uso de tais artefactos em recintos desportivos, que já é longo, mostra que a sua utilização é perigosa, ainda que possamos duvidar de que tal perigosidade seja do mesmo grau da de certas armas ([8]), como tal classificadas ([9]).
E se justificará uma incriminação pelo art.º 86.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 5/2006, de 17/02, a que corresponde a moldura penal de dois a oito anos de prisão, sendo certo que na referida alínea se prevê e pune a detenção de armas proibidas tais como: material de guerra, armas biológicas, armas químicas e armas radioactivas (…). Este mero enunciado remete-nos para o mais elevado grau de perigo, com menção de armas cuja utilização corresponde por regra, ainda que não necessariamente, a actividades de alta violência, que, no plano criminal se associam a crime organizado e terrorismo. Sobretudo se se pensar que apenas na alínea c), dos mesmos número e artigo, surge a generalidade das armas de fogo – exceptuam-se as de guerra e as automáticas – a cujo uso e detenção correspondem pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias.
Donde, partindo da figura do ”legislador prudente” nos causa, prima facie, certa estranheza o enquadramento da detenção e uso de “petardos”, no âmbito da previsão da al. a) do art.º 86.º, em causa, a coberto das expressões “explosivo civil” ou “engenho explosivo ou incendiário improvisado”.
Posto isto.
Como já dissemos, o regime jurídico das armas e suas munições – Lei n.º 5/2006, de 06/05 – não classifica petardos como armas. Daqui resulta que a designação “petardo” é, em si mesma, irrelevante para efeito da incriminação da detenção de um objecto como tal designado, com relação do referido normativo. É pelas características do objecto em causa, que se poderá subsumi-lo a qualquer das previsões do diploma em causa.
Ora, do elemento objectivo dos tipos p. e p. na al. a) do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006, de 06/05, por referência a explosivo civil e a engenho explosivo ou incendiário improvisado faz parte, quanto ao primeiro, que os fabrico, comércio, transferência, importação e utilização da substância ou produto explosivo estejam sujeitos a autorização pela entidade competente (art.º 2.º, n.º 5, al. l)) e, quanto ao segundo, que nele se utilizem substâncias ou produtos explosivos ou incendiários de fabrico artesanal não autorizado (art.º 2.º, n.º 5, al. n)).
Há que pôr de lado a figura do engenho explosivo ou incendiário improvisado, porque nada sabemos, em concreto, quanto ao medo de fabrico do engenho que o arguido lançou e fez explodir no C…..
Já quanto ao “explosivo civil” as coisas se passam diferentemente.
O legislador, por diversas vias, manifestou a preocupação com a detenção e uso de certas substâncias e apetrechos explosivos, de uso necessário – desde a indústria até às actividades lúdicas – mas que constituem um perigo potencial, agravado logo que sejam desviados do estrito âmbito das actividades a que se destinam. Nesses casos licenciou a sua detenção e uso, sujeitando-as a controlos apertados, e puniu a sua detenção e uso fora das condições de licenciamento. Certamente porque, fora dessas condições, o perigo da sua utilização fica totalmente fora de controlo.
Assim, v. g. nos termos dos 22.º, n.º 6, e 31.º, n.º 6, do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 376/84, de 30 de Novembro, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.° 474/88, de 22 de Dezembro que alterou aquele decreto-lei, a venda de bombas de arremesso só pode ser feita a pessoas, maiores de dezoito anos, que exibam, no momento da compra, o documento comprovativo de terem obtido das autoridades competentes a autorização para a sua aquisição e lançamento, para fins não lúdicos, nomeadamente defesa de produções agrícolas ou florestais ou exercício autorizado de caça de batida.
Constando do preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 474/88, o seguinte:
«Todos os anos são noticiados inúmeros acidentes provocados pela utilização das chamadas «bombas de Carnaval».
«As vítimas de tais acidentes, alguns de reconhecida gravidade, são, na sua grande maioria, crianças em idade escolar.
«Em face do exposto, a que se acresce o ruído, particularmente perturbador do sossego, provocado pelo uso daqueles explosivos nas brincadeiras carnavalescas de crianças e adolescentes, impõe-se a tomada de medidas que ponham termo a esta situação.
«Sendo certo que as conhecidas «bombas de Carnaval» são apenas um tipo das tecnicamente designadas «bombas de arremesso» ([10]), espécie de fogos-de-artifício, considerados produto explosivo, torna-se necessário integrar sistematicamente as soluções normativas a adoptar no quadro dos pertinentes instrumentos jurídicos em vigor, nomeadamente os aprovados pelo Decreto-Lei n.° 376/84, de 30 de Novembro.
«Com o presente diploma, a venda e o lançamento das bombas de arremesso e, designadamente, das chamadas «bombas de Carnaval» ficam sujeitos a licenciamento prévio, susceptível de concessão, apenas, a maiores de 18 anos, restringindo-se o seu uso à realização de fins não lúdicos, caso da defesa de produções agrícolas ou florestais, e ainda ao exercício da caça de batida.
Sendo que, neste padrão de preocupação com o controlo da detenção e uso de explosivos, por motivos de segurança de vária ordem, se compreende melhor um acréscimo de severidade da censura penal estabelecida para as situações de detenção e uso ilegal desses materiais.
E o alargamento do tipo objectivo do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006, de 22/02, para cobrir uma ampla gama de tais situações.
Vejamos:
O art.º 2.º, n.º 5, al. l), da Lei n.º 5/2006, de 22/02, define como explosivo civil «todas as substâncias ou produtos explosivos cujo fabrico, comércio, transferência, importação e utilização estejam sujeitos a autorização concedida pela autoridade competente».
Por seu turno, o Anexo I, do Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 474/88, de 22 de Dezembro, define como produtos explosivos:
a) Substâncias explosivas: pólvoras (físicas e químicas), propergóis (sólidos e líquidos) e explosivos (simples e compostos);
b) Objectos carregados de substâncias explosivas: munições, espoletas, detonadores, cápsulas, escorvas, estopins, mechas (rastilhos), cordões detonantes, cartuchos e outros de natureza ou uso equiparados;
c) Composições pirotécnicas ([11]): luminosas, incendiárias, fumígenas, sonoras e tóxicas;
d) Objectos carregados de composições pirotécnicas: artifícios pirotécnicos (inflamadores, brinquedos pirotécnicos, fogo-de-artifício e artifícios de sinalização) e munições químicas
Já o n.° 2 do artigo 4.° do regulamento de segurança dos estabelecimentos de fabrico e de armazenagem de produtos explosivos, aprovado pelo de Decreto-Lei n.º 139/2002, de 17 de Maio, na sua redacção actual, define e caracteriza como produtos e substâncias explosivas:
a) Matérias explosivas: matérias sólidas ou líquidas (ou misturas de matérias) susceptíveis, por reacção química, de libertar gases a uma temperatura, a uma pressão e a uma velocidade tais que podem causar danos nas imediações;
b) Matérias pirotécnicas: matérias ou misturas de matérias destinadas a produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno, ou uma combinação destes efeitos, na sequência de reacções químicas exotérmicas auto-sustentadas não detonantes;
e) Objectos explosivos: objectos que contêm uma ou várias matérias explosivas e ou matérias pirotécnicas;
d) Matérias e objectos não mencionados nas alíneas anteriores e que são fabricados com vista a produzir um efeito prático por explosão ou com fins pirotécnicos.
Acresce que o art.º 15.º, al. e), e 22.º , n.º 5, ambos do Regulamento sobre o Fabrico, Armazenagem, Comércio e Emprego de Produtos Explosivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30/12 dispõem, respectivamente, que
«Artigo 15.º
«(Fabricos proibidos)
«Não são permitidos os fabricos de:
«(…)
«e) Artifícios pirotécnicos que possam detonar por choque ou por meio de detonador.»
«Artigo 22.º
«(Venda de produtos explosivos)
«(…)
«5- Não é permitida a venda de produtos explosivos cujo fabrico esteja proibido nos ermos do artigo 15.º.»
Do que fica dito, não resultam dúvidas de que o recorrente teve na sua posse e usou, fora das condições legais, explosivo civil – na forma do artifício pirotécnico designado por “petardo” – caindo, assim, tal conduta, sob a previsão do elemento objectivo da previsão do artigo 86.º, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23/02.
Quanto ao elemento subjectivo, vale o que acima dissemos a propósito da impugnação da matéria de facto, não se pondo em causa que a acção do recorrente se caracteriza por ter sido com dolo directo.
Temos, em conclusão, que ele está bem condenado pelo indicado crime.
3.5. A medida da pena.
O recorrente pede uma redução da pena, sem fundamentar tal pedido.
Seja como for, sempre se lembrará que a pena concreta pelo crime de detenção de arma proibida foi fixada no mínimo aplicável e que a pena pelo crime de ofensa à integridade física qualificada foi fixada em três meses de prisão, numa moldura abstracta que ia de um a 48 meses de prisão. O que considerando a culpa do arguido e as exigências de prevenção, nomeadamente de prevenção geral positiva, além de todas as demais circunstâncias atendíveis, em que avultam a gravidade do facto e o dolo directo com que o arguido agiu, tem de considerar-se uma pena estabelecida com muita benevolência.
O mesmo critério benevolente foi seguido na fixação da pena única, em que, entre um mínimo de 24 e um máximo de vinte e sete meses de prisão, se fixou a pena a aplicar em 25 meses de prisão.
Não tem qualquer razão, portanto, o pedido do recorrente para que lhe seja diminuída a pena, que, aliás, como é sabido, foi suspensa na sua execução.
Termos em que o recurso deve improceder.
III.
Atento todo o exposto,
Acordamos em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente no pagamento de 3 UC de taxa de justiça.

Porto, 2011/10/12
Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
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[1] Há nesta referência À testemunha um evidente lapso de escrita: a testemunha chama-se Barros (F……. de …) e não Bastos.
[2] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, [Lisboa 2008], pp. 1054/55
[3] Cfr M. Simas Santos/ M. Leal-Henriques, Código De Processo Penal Anotado, II Volume, Editora Rei dos Livros, [Lisboa] 2000, pp. 739/ 740.
[4] Queremos dizer, conhecendo-se a referência dos extractos sociais de origem.
[5] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª Edição Actualizada , Universidade Católica Editora, [Lisboa 2010], pág. 439.
[6] Ibidem, pág. 400
[7] São referidos, com alguma regularidade, acidentes com petardos. Por exemplo, o jornal Record, on line, noticiava, em 2010/11/21, que um adepto que, nesse Domingo, assistia ao jogo Sporting – Paços de Ferreira, se tinha ferido com gravidade – esfacelamento do polegar e indicador – em consequência do rebentamento de um petardo. O órgão noticioso tratava o assunto como “acidente”, sendo que, aparentemente, o petardo tinha rebentado na mão do seu possuidor.
[8] No célebre caso do “very-light”, em que, na final da “Taça de Portugal” de 1996, morreu um espectador e que constitui o paradigma de acontecimentos trágicos em recintos desportivos nacionais relacionados com lançamentos de objectos, o projéctil disparado era de natureza totalmente diferente.
[9] A Lei n.º 5/2006, de 17/02 não classifica directamente ”petardos” como armas.
[10] Negrito e sublinhado nossos.
[11] Composição pirotécnica é a substância ou mistura de substâncias destinadas, após iniciação, a produzir um efeito sonoro e/ou produção de gás.