Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2835/24.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
COMUNICAÇÃO INCORRETA À CENTRAL DE RESPONSABILIDADES DE CRÉDITO DO BANCO DE PORTUGAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202511242835/24.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 11/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não concorre para o dano ou para o seu agravamento o titular de conta indevidamente bloqueada pela instituição bancária que não paga as quantias em dívida, pese embora o seu reduzido valor e o facto de lhe terem sido enviadas referências multibanco que lho permitiriam fazer.
II - A comunicação de informação incorreta à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal é suscetível de ofender a honra e o bom nome da pessoa visada por poder pôr em causa a confiança que nela pode ser depositada para cumprir as suas obrigações.
III - É razoavelmente elevada a censurabilidade da conduta da instituição bancária, que, por duas vezes, erroneamente, comunica à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal a existência de incumprimento, que insiste na tese da justeza do bloqueio da conta e que responde de forma padronizada e sem relação com o caso concreto.
IV - Reportando-se os factos a um período de sensivelmente oito meses, mesmo não tendo a notícia do inexistente incumprimento chegado a terceiros ao sistema, é equitativa a indemnização de € 5 000,00 enquanto compensação dos prejuízos e transtornos do titular da conta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 2835/24.0T8PNF.P1



Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Eugénia Maria Cunha
2.ª adjunto: Nuno Marcelo Araújo




Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
AA intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a “Banco 1..., S.A.”. Pede que a R. seja condenada a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais de € 10 000,00, acrescidos de juros de mora desde a citação até pagamento. Alega que a R., sem que o A. a tanto tivesse dado causa, procedeu a duas comunicações de incumprimento à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, insistindo na tese da justeza da sua conduta, o que lhe causou transtornos e desgosto.
A R. contestou, alegando que foi o A. que deu causa ao incumprimento, ao não ter procedido, após interpelação para esse efeito, à justificação dos valores depositados na conta conjunta como seus, ao não ter diligenciado pela habilitação de herdeiros e ao não ter procedido a pagamentos referentes a débito direto, para o que lhe teriam sido enviadas cartas com as referências multibanco.
Foi dispensada a audiência prévia e procedeu-se ao saneamento do processo.
Na sequência de julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação, condenando a R. a indemnizar o A. no montante de € 5 000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal civil de 4%, ou outra que, entretanto, venha a vigorar, desde a sentença até pagamento, e absolvendo a R. do demais peticionado.
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Inconformada, a R. interpôs o presente recurso, que finalizou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
(…)
*
O A. contra-alegou, rematando nos moldes que se seguem.
(…)
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II - Questão a dirimir: se a indemnização fixada é devida e, em caso afirmativo, em que montante deve ser fixada.
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III. Fundamentação
Factos provados
1 - O autor é contabilista certificado e exerce a sua atividade profissional no concelho de Paredes e ....
2 - No dia 25-10-1990, o autor e o seu irmão BB, abriram uma conta solidária na agência da ré sita em Penafiel, na Praça ..., ..., denominada conta depósito à ordem com o n.º ...30, sendo eles os seus únicos titulares.
3 - BB faleceu no dia ../../2022, o que foi comunicado à ré pelo autor em data não concretamente apurada de outubro de 2022.
4 - Até ao dia 31-10-2022, o autor conseguiu movimentar a sua conta bancária e os cartões associados à mesma, sendo que, após o dia 01-11-2022, a ré procedeu ao bloqueio da referida conta.
5 - Após o bloqueio da conta bancária com o n.º ...30, a ré informou o autor que a movimentação dessa conta só ocorreria depois do desencadeamento do procedimento de habilitação de herdeiros por óbito do seu irmão.
6 - Por causa do bloqueio efetuado pela ré na conta com o n.º ...30, o débito direto relativo a um seguro efetuado pelo autor na “Fnac”, aquando da aquisição de um aparelho eletrónico, não foi pago por duas vezes, o que foi comunicado ao autor em 08-12-2022 e 06-01-2023.
7 - Devido ao não pagamento do débito direto referido em 6, a ré começou a debitar, não só na conta com o n.º ...30, mas também na conta referente ao cartão de crédito, com o número ...46, aberta em 24-04-2006, só em nome do autor, na agência de Penafiel, despesas como Imposto de Selo, Comissões de incumprimento, juros de incumprimento e comissões de utilização do cartão.
8 - Por força do bloqueio da conta com o n.º ...30, o autor viu-se obrigado a transferir para o banco Banco 2..., o pagamento por débito direto relativo à Via Verde, que estava associado à referida conta, evitando assim que lhe fossem aplicadas coimas pelo não pagamento de portagens.
9 - Devido ao não pagamento dos débitos diretos, a ré efetuou, ainda, duas comunicações de incumprimento do autor à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, a primeira em 25-11-2022 e a segunda em 27-02-2023.
10 - Com data de 12-12-2022, o autor remeteu carta à ré com o seguinte teor:



11 - A ré, com data de 14-12-2022, remeteu carta ao autor com o seguinte teor:


12 - No dia 15-12-2022, o autor respondeu à ré, através de e-mail com o seguinte teor:


13 - No dia 20-12-2022, o autor enviou novo e-mail dirigido à ré com o seguinte teor:


14 - Através de um e-mail datado de 27-12-2023 e um telefonema da mesma data, efetuados pelo gestor de uma conta de que era titular, no banco Banco 2..., o autor ficou a saber que se encontrava em incumprimento com a quantia de € 25,00, relativos a um crédito e que tinha sido comunicada essa responsabilidade de crédito ao Banco de Portugal.
15 - No dia 31-12-2022, a ré enviou ao autor um e-mail, na qual referia que se verificava em incumprimento o valor de € 68,90, relativo ao cartão de crédito do autor e que pretendia a regularização desse montante, sob pena de ser comunicado à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
16 - O autor respondeu à ré através de e-mail datado de 31-12-2022, com o seguinte teor:


17 - No dia 04-01-2023, o autor remeteu à ré e-mail com o seguinte teor:


18 - No dia 11-01-2023, o autor remeteu à ré e-mail com o seguinte teor:


19 - Por carta datada de 05-01-2023, a ré informou o autor de que se encontrava em incumprimento com o valor de € 68.90, referente a despesas/pagamentos com o cartão de crédito na conta ...46.
20 - Após a receção da carta acima mencionada, o autor enviou à ré um e-mail no dia 12-01-2023 com o seguinte teor:


21 - Perante o sucedido, o autor, no dia 19-01-2023, fez uma reclamação on line à ré com o seguinte teor:


22 - Nesse mesmo dia, a ré enviou ao autor um e-mail com o seguinte teor:


23 - Na resposta a essa comunicação, o autor, no dia 19-01-2023, remeteu e-mail à ré com o seguinte teor:


24 - No dia 14-02-2023, o autor remeteu carta à ré com o seguinte teor:












25 - No dia 01-04-2023, através de e-mail, a ré informou o autor de que se encontrava em incumprimento o valor de € 104,76 relativamente ao pagamento do valor mínimo do seu Cartão e agradeceu a sua regularização, sob pena de ser comunicado esse incumprimento ao Banco de Portugal no âmbito da Central de Responsabilidades de Crédito em situação de incumprimento.
26 - A ré enviou uma carta datada de 30-03-2023 e rececionada pelo autor apenas no dia 12-04-2023, com a indicação para que aquele se dirigisse a uma agência da Banco 1..., até ao dia 09-04-2023.
27 - O autor respondeu à ré, via carta, datada de 12-04-2023, com o seguinte teor:



28 - No dia 26-05-2023, o autor recebeu um e-mail da ré a informar que entenderam devolver os valores cobrados na Conta Cartão n.º ...46 relativos a encargos, no valor total de € 131,10 (cento e trinta e um euros e dez cêntimos), que se encontrava disponível na conta à ordem n.º ...30.
29 - A esse e-mail, o autor respondeu à ré no dia 26-05-2023, por e-mail com o seguinte teor:


30 - No dia 21-07-2023, a ré enviou uma carta ao autor com o seguinte teor:


31 - Em 29-08-2023, o autor enviou carta à ré com o seguinte teor:






32 - Em resposta a esta carta, a ré remeteu carta ao autor no dia 23-11-2023, com o seguinte teor:


33 - O autor, através da sua mandatária, interpelou a ré, via carta, datada de 11-01-2024, com o seguinte teor:



34 - E, através de carta do dia 24-04-2024, com o seguinte teor:


35 - Às cartas datadas de 11-01-2024 e 24-04-2024 o autor não obteve resposta da ré.
36 - Em consequência das comunicações efetuadas pela ré à Central de Responsabilidades de Crédito, o autor viu o seu bom nome e reputação afetados junto de operadores financeiros, sofreu transtornos, incómodos, desgaste emocional e stress.
37 - Em 18-04-2023, a ré procedeu à indisponibilização de metade do saldo existente à data do óbito do irmão do autor – ../../2022 –€ 52,35 permitindo ao autor a livre movimentação do saldo remanescente.
38 - Dos extratos remetidos pela ré ao autor em 05-12-2022 e 05-01-2023 constam referências multibanco que permitiam ao autor liquidar os valores não debitados que originaram a comunicação de incumprimento do Banco de Portugal, acrescido de juros moratórios, comissões bancárias e imposto de selo.
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Factos não provados
a - A ré procedeu ao bloqueio da conta bancária sem dar justificação ao autor.
b - Em consequência das comunicações efetuadas pela ré à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, o autor sentiu-se humilhado sempre que se deslocou ao balcão da ré para se inteirar da situação em causa e viu, junto de clientes, ser afetada a sua atividade profissional de contabilista certificado.
c - O processo de habilitação de herdeiros da conta com o n.º ...30 deu entrada, por iniciativa da viúva do irmão do autor, em 22-04-2023, tendo sido nessa data que a ré procedeu à indisponibilização de metade do saldo existente à data do óbito.
d - A ré informou o autor que, no âmbito da habilitação de herdeiros, seria, além do mais, demonstrada e comprovada a efetiva propriedade do saldo depositado na conta para, assim se poder eventualmente vir a permitir a pretendida livre movimentação por parte do autor.
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IV - Fundamentação jurídica
Está em causa a existência de fundamento para a condenação do R. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais e, em caso afirmativo, a fixação do montante.
Neste âmbito, a apelante insurge-se contra a condenação de que foi alvo no pagamento de € 5 000,00, pugnando pela não fixação de indemnização, ou, se assim não se entender, que a indemnização seja reduzida para a quantia de € 1 500,00. Defende que o A. concorreu para que tivesse havido lugar à comunicação ao Banco de Portugal e que estiveram em causa meros transtornos que não merecem ser ressarcidos.
Os factos que mais diretamente interessam à questão são os que se seguem:
6 - Por causa do bloqueio efetuado pela ré na conta com o n.º ...30, o débito direto relativo a um seguro efetuado pelo autor na “Fnac”, aquando da aquisição de um aparelho eletrónico, não foi pago por duas vezes, o que foi comunicado ao autor em 08-12-2022 e 06-01-2023.
7 - Devido ao não pagamento do débito direto referido em 6, a ré começou a debitar, não só na conta com o n.º ...30, mas também na conta referente ao cartão de crédito, com o número ...46, aberta em 24-04-2006, só em nome do autor, na agência de Penafiel, despesas como Imposto de Selo, Comissões de incumprimento, juros de incumprimento e comissões de utilização do cartão.
8 - Por força do bloqueio da conta com o n.º ...30, o autor viu-se obrigado a transferir para o banco Banco 2..., o pagamento por débito direto relativo à Via Verde, que estava associado à referida conta, evitando assim que lhe fossem aplicadas coimas pelo não pagamento de portagens.
9 - Devido ao não pagamento dos débitos diretos, a ré efetuou duas comunicações de incumprimento do autor à Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, a primeira em 25-11-2022 e a segunda em 27-02-2023.
36 - Em consequência das comunicações efetuadas pela ré à Central de Responsabilidades de Crédito, o A. viu o seu bom nome e reputação afetados junto de operadores financeiros, sofreu transtornos, incómodos, desgaste emocional e stress.
37 - Em 18-04-2023, a ré procedeu à indisponibilização de metade do saldo existente à data do óbito do irmão do autor – ../../2022 –€ 52,35 permitindo ao autor a livre movimentação do saldo remanescente.
A R. conformou-se com a decisão no segmento em que julgou verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual facto voluntário do agente, ilicitude, imputação do facto ao lesante, dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Põe, porém, em crise a ressarcibilidade do dano, quer porque entende que o A. contribuiu para dar causa ao mesmo, quer por o ter como insignificante.
Preceitua o art.º 70.º/1 do C.C. que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Definem-se tradicionalmente os danos não patrimoniais como prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 571, 6.ª ed.). Esta expressão abarca diversas realidades: dores físicas, desgostos morais, perda de prestígio ou reputação.
Os danos morais resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado, como a integridade física, a saúde, a tranquilidade, a liberdade, a honra, a reputação, bem-estar físico e psíquico, etc. (Pedro Branquinho Ferreira Dias, O Dano Moral na Doutrina e na Jurisprudência, Almedina”, 2001, pp. 23 e ss.).
No Código Civil de 1966 foi introduzida a norma genérica constante do art.º 496.º/1, declarando indemnizáveis todos os danos não patrimoniais, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Por aqui já se vê que o Código Civil não opera qualquer restrição quanto à origem dos danos de natureza não patrimonial, exigindo apenas que os danos revistam gravidade. A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade.
O número 3 do art.º 496.º do C.C. preceitua que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo infligido.
Perante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não tem por escopo a sua reparação económica, mas compensar o lesado pelo dano sofrido, proporcionando-lhe uma quantia pecuniária que lhe permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão.
A compensação por danos não patrimoniais, para responder de forma atualizada ao comando do art.º 496.º do C.C., e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Entende-se que os danos não patrimoniais em questão são de molde a merecer a tutela do direito.
Trata-se da inclusão num sistema oficial de controle do risco de crédito de uma informação falsa, segundo a qual o A., pessoa singular, tinha dívidas em incumprimento. Está ainda em causa a comunicação entre A. e R. a propósito da resolução da questão, a qualidade das informações prestadas e o lapso de tempo em que o A. se viu impedido de movimentar a conta.
É certo que o sistema de informação é sigiloso (artigos 2.º/5, 5.º/2 e 7.º/2 do decreto-lei 204/2008) e que nada se provou quanto à divulgação da informação perante terceiros (para além do Banco de Portugal e das outras instituições financeiras). Sem embargo, a potencialidade de consequências negativas para a credibilidade do visado é de tal ordem que o mero conhecimento da comunicação é suscetível de lhe causar preocupação, ansiedade e transtorno. É a esta alteração psíquica e emocional que a ordem jurídica não deve ficar indiferente.
Cremos, pois, que a presente situação se integra no âmbito daquelas que, como se dá conta na doutrina (cf. António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 6.ª edição, Almedina, p. 448), têm originado a responsabilização pelos tribunais dos participantes à Central de Responsabilidades de Crédito que indevidamente o fizeram.
Como se lê no ac. da Relação de Lisboa de 28-9-2017 (proc. 15249/15, Jorge Leal, consultável em https://www.jusnet.pt/), que refere extensa jurisprudência, as angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal, atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo art.º 496.º do C.C.
Objeta, porém, a apelante que se verifica culpa do lesado nos termos do preceituado no art.º 570.º do C.C..
Vejamos se se verifica culpa do R. que conduza à redução ou mesmo à exclusão de indemnização, por a sua conduta ter contribuído para os prejuízos verificados
A sentença recorrida atribui a totalidade da responsabilidade dos prejuízos do A. à conduta da R.. Já a R. dissente da tese do tribunal de 1.ª instância, considerando que o A. contribuiu para os prejuízos verificados. Alega a R. que o A. estava avisado do bloqueio da conta que motivou os incumprimentos participados. Bem assim que lhe foram comunicados os não pagamentos dos débitos e que foi interpelado para proceder aos mesmos. A correspondência enviada documenta a insistência da R. desde 1-11-2022 tendo inclusivamente, até 26-5-2023, sido regularmente interpelado para o pagamento dos valores alegadamente em dívida. Considera ainda a R. que mediante o pagamento do irrisório valor em dívida o A. poderia ter obstado à ocorrência das comunicações ao Banco de Portugal.
Recorde-se que a R. procedeu a duas comunicações de incumprimento do R. em 25-11-2022 e em 27-2-2023, por referência, respetivamente, aos valores de € 25,00 e de € 104,76.
Assente-se ainda em que os prejuízos invocados pelo A. não se circunscrevem aos emergentes das duas comunicações de incumprimento ao Banco de Portugal. Integram outrossim a envolvente das comunicações, a montante e a jusante.
Vejamos, em todo o caso, se é de fazer apelo ao preceituado no art.º 570.º/ do C.P.C..
Nos termos do art.º 570.º/1 do C.C., quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
O art.º 570.º/1 C.C. refere duas realidades diferentes: uma em que o facto do lesante e o facto do lesado concorrem para a produção dos danos, falando-se a esse respeito de concorrência de causas, e outra em que se verifica concorrência do facto do lesado apenas para o agravamento dos danos, verificando-se uma causalidade sucessiva.
Para a verificação do condicionalismo enunciado no art.º 570.º do C.C., a lei exige que o dano seja causado, tanto por facto praticado pelo lesante, como por facto praticado pelo lesado. Um e outro facto constituem causa adequada do dano. Há de verificar-se um nexo de concausalidade.
António Pinto Monteiro (Cláusulas Limitativas e de Execução de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985 - Separata do volume XXVIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 91.) explica que o art.º 570.º do C.C. integra uma das exceções ao critério definido pela teoria da diferença, previsto no art.º 566.º/2 do C.C.. Trata-se de situações em que com base em fundamentos especiais, se suprime ou limita a obrigação de indemnização. Uma dessas situações é precisamente aquela em que concorre a culpa do lesado, desde que o seu comportamento seja concausa do dano, da produção ou do agravamento. O dever de atenuar o dano por parte do lesado decorre, afinal, da regra geral da boa-fé.
Trata-se de avaliar se os atos do lesado merecem um juízo de censura, no sentido de este não ter adotado a conduta que lhe seria exigível, de acordo com um juízo de boa-fé, de modo a ter evitado a produção do dano ou o agravamento ou ampliação do mesmo.
No caso concreto, mercê da circunstância de a R. ter bloqueado conta do A., este entrou em incumprimento, na sequência do que a R. procedeu a comunicação ao Banco de Portugal. Os danos a considerar neste conspecto são os atinentes aos transtornos e à imagem do A. e a questão que se coloca é a de saber se o A. concorreu para que estes tenham ocorrido. Segundo a apelante, atentos os valores em causa, que qualifica de irrisórios, o A., ainda que lhe assistisse razão, deveria ter procedido ao respetivo pagamento. Assinaladamente porque lhe foram enviados extratos dos quais constam referências multibanco que lhos permitiam liquidar, ainda que acrescidos de juros moratórios, comissões bancárias e imposto de selo. A R. aceita que o bloquear da conta do A. foi indevida, pelo que as comunicações ao Banco de Portugal não deveriam ter ocorrido. Considera, porém, que o A. deveria, por outra forma, ter procedido ao pagamento dos montantes que estavam em dívida porque havia bloqueado a conta dos quais deveriam ter saído.
As questões que se perfilam consistem no seguinte: era exigível ao A. que tivesse procedido ao pagamento das quantias em dívida, nomeadamente através da utilização das referências multibanco que lhe foram enviadas pelo R.; ao omitir esse pagamento o A. desvirtuou os ditames da boa-fé, concorrendo para a produção do dano?
Afigura-se-nos que as respostas a ambas as questões não podem deixar de ser negativas. Não existe causalidade adequada entre a omissão de pagamento e a comunicação à Central de Crédito do Banco de Portugal. Pelo facto de ter optado por não pagar as quantias que deveriam ter sido debitadas da conta e que indevidamente o não foram o A. não se tornou co-responsável pela indevida comunicação. Cingiu-se a assumir os riscos da comunicação, de cujos prejuízos precisamente se pretende ver ressarcido através dos presentes autos.
Relativamente à censura da R. à conduta do A. por este não ter procedido aos pagamentos, com o que teria concorrido para as comunicações ao Banco de Portugal, é apodítico que o A. não estava obrigado a suportar o pagamento das quantias em dívida, acrescidas, diga-se, de encargos destituídos de justificação.
Conclui-se, tudo visto, inexistir motivo para isentar a R. do dever de indemnizar ou sequer para diminuir da medida da reparação.
Importa, pois, proceder à fixação da indemnização.
No que concerne ao montante indemnizatório, importa que não nos distanciemos do valor relativo das decisões jurisprudenciais. Nas palavras do ac. do Supremo Tribunal de 31-1-2012 (proc. 875/05.7TBILH.C1.S1, Nuno Cameira), o montante da indemnização deve ser fixado mediante recurso à equidade (…), o que, levando a ter que considerar as circunstâncias particulares de cada caso concreto, potencia o risco de decisões demasiadamente marcadas pelo subjetivismo dos magistrados; ora, isto não é positivo para a administração da justiça, desde logo porque os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição.
Veja-se ainda o ac. Relação de Lisboa de 23-6-2022 (proc. 14842/20.7T8LSB.L1-6, Ana Azeredo Coelho): a questão da medida da indemnização implica um exercício de superior dificuldade qual seja o de traduzir quantitativamente o que é intrinsecamente qualitativo. Em consequência, têm de procurar-se critérios que levem à determinação do “indeterminável”, ou seja, a exprimir em valor patrimonial aquilo que o não tem, por ser de outra ordem. Nestas circunstâncias, o critério de fixação da indemnização funda-se na equidade, tem em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesado e do lesante e outras circunstâncias que concorram no caso - artigos 496º, nº3, e 494º, ambos do Código Civil - bem como a atribuição de uma indemnização cujo valor patrimonial proporcione nessa dimensão patrimonial algum conforto específico.
Em casos paralelos, os tribunais têm atribuído valores que, como não poderia deixar de ser, refletem as circunstâncias concretas de cada caso, variando os valores com que nos deparámos entre € 2 500,00 e € 15 000,00 (cf. ac. da Relação do Porto de 27-5-2010, proc. 671/08.0TBPFR.P1; ac. do S.T.J. de 18-1-2011, proc. 6725/04.4TVLSB.L1.S1; ac. do S.T.J. de 19-5-2011, proc. 3003/04.2TVLSB.L1.S2; ac. da Relação de Lisboa de 15-9-2011, proc. 6771/09.1TBOER.L1-8; ac. da Relação de Lisboa, de 12-1-2012, proc. 6512/04.0TVLSB.L1-2; ac. da Relação de Lisboa de 20-5-2014, proc. 1723/10.1TXLSB.L1-1; ac. da Relação do Porto de 28-4-2015, proc. 5472/12.8TBMTS.P1; ac. da Relação de Lisboa de 28-9-2017, proc. 15249/15 e ac. da Relação do Porto de 10-3-2025, proc. 1229/23.9T8PTM.P1).
Em todo o caso, no tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade.
No caso dos autos, ressalta-se que o bloqueio da conta ocorre em 1-11-2022, que o não pagamento de débitos é comunicado ao A. em 8-12-2022 e em 6-1-2023, que a comunicação de incumprimento à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal remonta a 25-11-2022 e a 27-2-2023, que a R. dá conta ao A. de que se verifica falta de provisionamento, insistindo nessa tese, pese embora as sucessivas comunicações do A. alertando para a situação e pedindo informação, que em 18-4-2023 a R. permite ao A. a livre movimentação de metade do saldo existente na conta, que em 26-5-2023 a R. informa que irá devolver os valores cobrados a título de encargos, que em 21-7-2023 insiste na tese de que a conta foi devidamente bloqueada e que o A. pede esclarecimento sobre o fundamento do bloqueio, não obtendo resposta.
Realça-se que os transtornos gerados na esfera jurídica do A. pela comunicação do inexistente incumprimento se reportam a um período de sensivelmente oito meses e que o grau de censurabilidade da atuação da apelante é razoavelmente elevado, ora não respondendo às solicitações do apelado, ora fornecendo resposta padronizada e sempre insistindo na tese de que agiu em conformidade com os ditames legais.
Afigura-se-nos, assim, ser de manter a compensação no valor fixado em 1.ª instância de € 5 000,00.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo-se integralmente a sentença proferida.
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Custas pela apelante por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).


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Porto 24 de novembro de 2025.

Teresa Fonseca

Maria Cunha


Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo