Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22815/19.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL PAGÁVEIS COM JUROS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP2022012422815/19.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 01/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – No mútuo bancário, em que a obrigação de reembolso do capital mutuado é objecto de um plano de amortização que se traduz na fixação de determinado número de quotas de amortização que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios vencidos, originando uma prestação unitária e global, cada uma dessas prestações mensais está, por opção legislativa, sujeita ao prazo prescricional de cinco anos previsto na al. e) do artigo 310.º do Código Civil.
II - A resolução do contrato de mútuo operada pelo banco mutuante através de comunicação escrita dirigida à mutuária inadimplente cria obrigações que se traduzem na restituição do que cada um dos contraentes recebeu do outro, ou seja, via de regra, a resolução implica um regresso ao status económico-jurídico anterior à frustração contratual.
III - Resolvido o contrato de mútuo, o mutuante podia exigir à mutuária a restituição do capital que lhe entregou por força desse contrato, mais exactamente, o montante do capital que estivesse em dívida nesse momento, bem como os juros de mora e os encargos.
III – Deixando de existir o plano de pagamento escalonado que mutuante e mutuária ajustaram entre si, não pode já falar-se em prestações periodicamente renováveis de capital e juros, a pagar conjuntamente, que justifica o regime prescricional do artigo 310.º, al. e), do Código Civil;
IV - O crédito de capital mutuado (o valor que está em dívida) assume, então, a sua natureza original (obrigação unitária de restituição do tantundem) e fica sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos.
V - Os juros de mora, esses sim, continuam sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal do artigo 310.º, al. d), do Código Civil.
VI - A sentença declarativa da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor durante o decurso do processo (artigo 100.º do CIRE), pelo que, também quanto aos juros de mora liquidados no requerimento executivo, não se verifica a invocada prescrição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 22815/19.6-A.P1 - Embargos de executado
Comarca do Porto
Juízo de Execução do Porto (Juiz 6)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
Em 08 de Setembro de 2020, AA., que litiga com o benefício de apoio judiciário, veio, por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que, sob o n.º 22815/19…, correm termos pelo Juízo de Execução do Porto, Comarca do Porto, em que figura como executada e em que é exequente BB., S.A. (que antes adoptava a denominação social CC. - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A.,), deduzir oposição à execução e à penhora, com os seguintes fundamentos:
A presente dívida (ou seja, a obrigação exequenda) emerge de um contrato de crédito pessoal ao consumo, celebrado em 17.12.2008, que seria amortizado em prestações mensais.
Para garantia e segurança do cumprimento das responsabilidades assumidas, foi entregue uma livrança com o montante e data de vencimento em branco para que o Banco os fixe na data que julgar conveniente pelo montante do saldo em dívida, comissões, juros remuneratórios e de mora e outros encargos, completando o seu preenchimento.
Acontece que o direito da exequente está prescrito, nos termos previstos no artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil.
Mesmo que assim não se entenda, a obrigação cambiária estaria prescrita nos termos do artigo 70.º da LULL.
Foi declarada insolvente por sentença de 20.12.2011, mas ainda assim decorreram mais de cinco anos até à instauração da execução baseada na livrança.
Em todo o caso, assim que se verificou a revogação do despacho de exoneração do passivo restante, prontificou-se a pagar, e pagou, à exequente a quantia em dívida.
Viu penhorado o seu “saldo bancário”, mas tal penhora é «ilegítima, porquanto lhes inexiste fundamento de base».
Concluiu pedindo que seja «absolvida do pedido e, ordenado o levantamento imediato da penhora efetuada nos autos».
Foram os embargos, liminarmente, recebidos e, notificada para contestar, querendo, veio a exequente/embargada fazê-lo, alegando, em síntese:
O montante mutuado deveria ter sido reembolsado em 72 prestações mensais e sucessivas de €212,06 cada uma, mas tal não aconteceu, mesmo depois de, em 2010, a solicitação da executada, terem sido alteradas as condições de reembolso da quantia mutuada. Por isso que, em 25.07.2011, por carta que remeteu à executada e que esta recebeu, procedeu à resolução do contrato de mútuo, por incumprimento.
Nessa mesma carta, a aqui embargada informou a embargante do preenchimento da livrança pelo valor então em dívida decorrente da resolução do contrato, interpelando-a para o seu pagamento.
Com a resolução do contrato, são devidos os valores até então vencidos e não pagos decorrentes do incumprimento do contrato por falta de pagamento pontual das prestações, acrescidos dos respetivos juros de mora e bem assim os montantes vincendos que seriam devidos até final do contrato e a cujo pagamento a embargante se vinculou, pelo que o montante em dívida não se enquadra na alínea e) do art. 310.ºdo Código Civil, pois não corresponde a “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”, sendo antes uma dívida global e integralmente vencida, cujo prazo de prescrição é o prazo ordinário de vinte anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.
Em todo o caso, com a declaração de insolvência da embargante, suspenderam-se todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor e, no caso, o prazo de prescrição só voltou a correr em 15.12.2016, quando foi proferido despacho de cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante.
Nega que a embargante tenha pago a dívida exequenda.
Concluiu pela total improcedência da oposição (quer à execução, quer à penhora).
Sem oposição das partes, foi dispensada a audiência prévia e a prolação do despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova (artigo 596.º, n.º 1, do CPC). Do mesmo passo, foi fixado o valor da causa (€9732,89), proferido despacho saneador tabelar, admitida a prova oferecida (e convidadas as partes a apresentar prova, necessariamente documental, relativa aos actos praticados no processo de insolvência) e designada data para a audiência final.
Após um período em que, a pedido das partes, a instância esteve suspensa, realizou-se a audiência final em 04.05.2021, em uma só sessão, e em 10.05.2021 foi proferida sentença[1] que julgou totalmente improcedente a oposição deduzida, determinando «o prosseguimento da execução nos seus precisos termos».
Inconformada, a embargada veio interpor recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que “condensou” nas seguintes “conclusões” (transcrição integral):
«I. Vem o presente Recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª. Instância que julgou improcedente os Embargos deduzidos e determinou, consequentemente, o prosseguimento dos autos executivos.
II. Salvo devido respeito por melhor opinião, afigura-se à Recorrente que a decisão proferida não representa uma digna e correcta aplicação do direito, demonstrando-se injusta.
III. Entendeu o Tribunal a quo, sucintamente ao que se reporta o presente Recurso, que: “(…) seja qual for o prazo de prescrição, importa aplicar a prevista no art. 311º, nº. 1 do Código Civil, que prevê: O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça ou outro título executivo (…). Esta norma é plenamente aplicável ao caso vertente, pois foi proferida sentença em 29-11-2012 que reconheceu o crédito exequendo posteriormente à sua formação, pelo que não ocorreu a prescrição, pois o prazo se transformou nessa data em prescrição ordinária de vinte anos (vide art. 309, do Código Civil). Improcedendo a invocada prescrição e não provado o alegado pagamento, improcedem na íntegra os embargos.”
IV. Ora, com tal decisão e fundamentação, não pode a Recorrente concordar.
V. Verificou-se a exceção da prescrição nos presentes autos, uma vez que a prescrição in casu aplicável, é a de cinco anos, conforme previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil (doravante CC).
VI. No âmbito da sua atividade, a Recorrida celebrou com a Recorrente, contrato de crédito, cujo valor mutuado, seria pago pela Recorrente em 72 prestações mensais e sucessivas. A título de garantia, foi assinada uma livrança em branco, pela Recorrente.
VII. Decorre da natureza do contrato celebrado que, as respetivas prestações compunham-se de uma fração de capital e outra de juros, isto é, o cumprimento do mesmo obedecia a um plano de amortização, composto por uma panóplia diversa de prestações, a pagar conjuntamente, que se venciam sucessivamente.
VIII. E, quanto a isto, a jurisprudência tem sido unanime: “A este respeito, o Supremo Tribunal de Justiça, em Ac. de 27/3/2014, in Proc. nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, sendo Relator SILVA GONÇALVES, e in www.dgsi.pt, acompanhando o apontado entendimento de Ana Filipa Morais Antunes, entendeu que, existindo uma obrigação assumida compartimentada num mútuo e respectivos juros, por sua vez convertida numa prestação mensal de fraccionada quantia global, estava abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil.”
IX. E, ainda que se tenha concretizado, por parte do Credor, a resolução do contrato alegadamente incumprido, esta resolução em nada altera o enquadramento jurídico da questão aqui em crise: “O facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida” sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do art.º 310.º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no art.º 309º do C. Civil”.
X. Deve ser a favor do devedor que as normas que regem o regime da prescrição devem ser interpretadas.
XI. Devendo, neste seguimento, entender-se que a situação prevista na alínea e) do artigo 310º do Código Civil se refere também aos casos de uma única obrigação cujo cumprimento é efetivado em prestações fracionadas no tempo, como é o caso das prestações mensais sucessivas que constam de um plano de amortização, acordado entre as partes, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros correspondentes, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.
XII. Assim, a obrigação exequenda aqui reclamada pela Recorrida está prescrita, por força do disposto na alínea e) do artigo 310º do CC, e pela interpretação unânime deste normativo acolhido pela doutrina e pela jurisprudência.
XIII. Sucede que, entendeu o Tribunal a quo que, esta questão, a da prescrição, - de cinco ou vinte anos -, nem seria de apreciar nestes autos, uma vez que: “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça ou outro título executivo (…). Esta norma é plenamente aplicável ao caso vertente, pois foi proferida sentença em 29-11-2012 que reconheceu o crédito exequendo posteriormente à sua formação, pelo que não ocorreu a prescrição, pois o prazo se transformou nessa data em prescrição ordinária de vinte anos (vide art. 309, do Código Civil).”
XIV. Considerou assim o Tribunal a quo, que a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 3, “(…) em 29-12-2012”, - a qual não se identifica mas supõe-se que pretenda o Tribunal a quo referir-se à sentença onde se graduou o crédito da aqui Recorrida -, consubstancia a dita “sentença passada em julgado que o reconheça” que sobreveio, e reconheceu o crédito da Recorrida contra a Recorrente; aplicando-se, consequentemente e por via disto, in casu, a prescrição ordinária de vinte anos.
XV. Discorda, profundamente a Recorrente.
XVI. Uma eventual sentença de graduação de créditos, não reconhece créditos como existentes, homologa a lista de créditos apresentada pelo Administrador de Insolvência e, gradua-os, por natureza, conforme comum, garantida, privilegiada.
XVII. No presente caso, a Recorrida reclamou o seu crédito junto do processo de insolvência da Recorrente, crédito esse já existente e que não carecia de ser reconhecido como tal, judicialmente, tão-somente, reconhecido pelo Administrador de Insolvência como passivo daquela massa insolvente.
XVIII. Assim, e neste seguimento, entende a Recorrente que, o nº. 1 do artigo 311º do CC prevê a extensão do prazo de prescrição, do mais curto para o ordinário, quando posteriormente à constituição do direito em causa, é proferida sentença que o reconheça, consolidando-o, - ou, outro título executivo.
XIX. A menção subsidiária “sentença passada em julgado que o reconheça ou outro título executivo” subentende que, é esta sentença, - ou outro título executivo -, que faz perdurar no tempo a exigência de um direito de que alguém se arrogue.
XX. Mas é essa sentença, - ou esse outro título executivo -, que tem de ser acionado para que àquele direito, a reclamar, seja aplicada a prescrição ordinária de vinte anos.
XXI. Estando prescrita a obrigação cartular – como se verificou in casu -, pode, efetivamente, a obrigação subjacente à mesma, ser exigível a título de mero quirógrafo, mas, situação diversa é, invocar-se uma sentença proferida num processo de insolvência para estender no tempo a prescrição do direito de crédito da Recorrida que, para o fazer valer, reclamando-o, usou do exato título executivo que já tinha em sua posse, antes da prolação da referida sentença.
XXII. Para que a prescrição no presente caso pudesse ocorrer somente ao fim de vinte anos, teria o crédito da Recorrida ter sido reconhecido por aquela sentença, a proferida no processo de insolvência, e não, graduado por esta.
XXIII. O título executivo apresentado na presente demanda é o mesmo que o invocado para reconhecimento do crédito reclamado em processo de insolvência.
XXIV. Não houve um efetivo reconhecimento de um direito constituído anteriormente da Recorrida na ação de Insolvência. Houve, sim, uma assunção e graduação daquele direito.
XXV. De facto, o previsto no nº. 1 do artigo 311º é, por diversas vezes, aplicado em sede de prescrição. Mas em situações em que estamos perante direitos que carecem de serem reconhecidos para poderem ser, posteriormente, reclamados, exigidos. Direitos que não estão incorporados em nenhum título executivo, não são líquidos, e carecem de ser, judicialmente, reconhecidos.
XXVI. Como são exemplos as ações executivas cujo título é uma transação obtida judicialmente, homologada por sentença; ação executiva cujo título é uma sentença que reconhece um efetivo direito a uma indemnização; ação executiva cujo título é sentença proferida em ação de regresso; ação executiva cujo título é sentença que reconhece o crédito do credor no âmbito de uma ação declarativa de condenação a pagamento.
XXVII. No presente caso, a Recorrida encontrava-se já munida de título executivo à data da sentença que admitiu os créditos reclamados e, em conformidade, os graduou.
XXVIII. Não reclamou a Recorrida um crédito na expetativa deste lhe ser reconhecido como tal, mas tão-só, para que o mesmo fosse reconhecido como dívida daquela massa insolvente, integrado no seu passivo para, posteriormente, ser ressarcida.
XXIX. Pelo que, no entendimento da Recorrente, não poderia o Tribunal a quo não se pronunciar quanto à prescrição in casu aplicável, relegando para os termos previstos pelo nº. 1 do artigo 311º, porquanto, como demonstrado, não é aplicável aos presentes autos.
XXX. Uma vez que, como demonstrado, a prescrição aplicável ao presente caso é de cinco anos e ocorreu na sua totalidade, encontrando-se, por via disso, prescrito o direito da Recorrida.
Pelo que,
XXXI. Requer a Apelante a total procedência do presente Recurso, revogando-se a sentença proferida, com as devidas e legais consequências.»

A embargada/recorrida contra-alegou, pronunciando-se, naturalmente, pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como apelação (com subida imediata, nos próprios autos de oposição por embargos e efeito devolutivo) por despacho de 08.07.2021.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Em face do teor das conclusões formuladas pela recorrente, são, apenas, questões de direito as que esta submete à apreciação deste Tribunal de recurso.
A questão a apreciar e decidir consiste, basicamente, em saber qual o prazo de prescrição do crédito da exequente, se ocorreu alguma situação com eficácia interruptiva ou suspensiva da prescrição e, por conseguinte, se a obrigação exequenda está, ou não, prescrita.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Na primeira instância, foram considerados provados os seguintes factos relevantes para a decisão[2]:
1. BB. - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., é uma instituição financeira de crédito que se dedica à concessão de crédito ao consumo de bens e serviços e é a actual denominação de CC. - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A.
2. No âmbito da sua actividade, a exequente celebrou com AA. um acordo escrito denominado “contrato de crédito pessoal com o nº …..”, mediante o qual declarou emprestar à executada o montante global de €11.821,71 (onze mil oitocentos e vinte e um euros e setenta e um cêntimos), a ser reembolsado em 72 (setenta e duas) prestações mensais e sucessivas com o valor de €212,06.
3. Para garantia do pagamento daquelas prestações, a Executada assinou e entregou ao exequente uma livrança em branco, conferindo expressamente ao exequente o direito de a preencher, apondo-lhe a data de vencimento, o local de pagamento e a importância do título pelo valor correspondente ao capital mutuado em dívida, aos juros compensatórios e moratórios convencionados e demais encargos e penalizações contratualmente estabelecidos.
4. O contrato foi celebrado em 17.12.2008, vencendo-se a primeira prestação em 05.01.2009.
5. No ano de 2010, no seguimento do solicitado pela executada, foram alteradas as condições de reembolso da quantia mutuada ao exequente, tendo esta procedido ao pagamento das prestações até à 13ª, vencida em 05/01/2010 e amortizado capital, passando as prestações mensais para o valor de €123,30 mensais.
6. O novo plano de pagamentos foi remetido à Executada em 18.01.2010.
7. A executada não pagou a 14.ª prestação nem nenhuma das subsequentes, razão pela qual a exequente declarou o mesmo resolvido, por carta enviada à executada, datada de 25.07.2011, na qual foi a mesma informada do valor em dívida àquela data, que ascendia a €7.232,36 (sete mil duzentos e trinta e dois euros e trinta e seis cêntimos)[3].
8. Nessa mesma carta foi a executada informada que iria ser preenchida a livrança pelo valor em divida supra referido.
9. Aquela livrança, emitida no Porto, em 25.07.2011, no valor de €7.232,36 (sete mil duzentos e trinta e dois euros e trinta e seis cêntimos), subscrita por AA., vencida em 27.08.2011, foi apresentada àquela a pagamento, mas não foi paga.
10. Por sentença datada de 20.12.2011, proferida no âmbito do processo n.º 10609/11…, que correu termos na Comarca …, Juízo Local Cível de …, Juiz …, foi a aqui executada declarada insolvente.
11. O aqui exequente procedeu à reclamação do crédito respectivo, o qual foi ali reconhecido por sentença proferida em 29-11-2012.
12. O processo de insolvência foi encerrado, por insuficiência da massa, em 30.04.2012.
13. Pese embora tenha sido proferido inicialmente despacho liminar de deferimento da exoneração do passivo restante, por despacho de 14.12.2016, já transitado em julgado, e por incumprimento das obrigações inerentes ao referido instituto, foi proferido despacho que julgou antecipadamente cessado o procedimento de exoneração do passivo restante nos termos dos art.s 243º, nºs 1, 2 e 3 do CIRE.
*
Não se considerou provado que, assim que se verificou a revogação do despacho de exoneração do passivo restante, a executada pagou à exequente a quantia por esta reclamada.

2. Fundamentos de direito
Não tendo a execução por base uma sentença ou requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, o executado pode deduzir oposição com os fundamentos especificados no artigo 729.º do Cód. Proc. Civil (naturalmente, na parte aplicável) e, ainda, quaisquer outros que lhe era lícito deduzir como defesa em processo de declaração (artigo 731.º do mesmo diploma legal).
Com a instauração da presente execução, pretende a exequente obter o cumprimento coercivo de uma obrigação pecuniária que tem a sua origem num mútuo («contrato de crédito pessoal», segundo o nomen que lhe foi dado) e que não foi integralmente cumprido porque a mutuária, a partir da 14.ª, deixou de pagar as prestações de amortização da dívida que foram convencionadas.
Arredada a hipótese de extinção da obrigação exequenda pelo pagamento, por não ter feito, como lhe competia, qualquer prova desse facto, à embargante restava a hipótese da prescrição do crédito exequendo para ver triunfar a sua oposição.
Como é bem sabido, a obrigação fundamental a cargo do mutuário consiste na restituição do tantundem, na restituição de outro tanto do mesmo género e qualidade do que foi recebido do mutuante.
Quer no mútuo gratuito, quer no mútuo oneroso, essa obrigação de restituição é uma obrigação unitária, se nada for convencionado em contrário, cumpre-se de uma só vez, tem por objecto uma única prestação a efectuar num determinado prazo.
Na verdade, a obrigação de restituição do capital e respectivos juros remuneratórios (se forem convencionados) constitui uma obrigação a prazo.
No entanto, se o mútuo tiver por objecto dinheiro e, sobretudo, no mútuo bancário em qualquer das suas modalidades (crédito ao consumo, crédito à habitação, crédito em conta, etc.), em regra, convenciona-se que a restituição se faça parceladamente, mediante sucessivas quotas de amortização do capital mutuado, e estaremos, então, perante uma obrigação de prestação fraccionada.
Não se confunde uma tal obrigação com as obrigações duradouras, em que a prestação é satisfeita, ou continuadamente (v.g. fornecimento de energia eléctrica), ou renova-se em prestações sucessivas ou parcelares (é o caso da obrigação de pagar juros remuneratórios do capital mutuado).
A obrigação unitária de prestação fraccionada está sujeita ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil).
As prestações periodicamente renováveis (como é a de juros) estão sujeitas à prescrição de curto prazo do artigo 310.º do Código Civil.
Acontece que, como se verifica no caso em apreço, no mútuo bancário, em que a obrigação de reembolso do capital mutuado é objecto de um plano de amortização que se traduz na fixação de determinado número de quotas de amortização que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios vencidos, originando uma prestação unitária e global, cada uma dessas prestações mensais está, por opção legislativa, sujeita ao prazo prescricional de cinco anos previsto na al. e) do artigo 310.º do Código Civil.
Este é um ponto pacífico, como se explica, de forma cristalina, nas seguintes passagens do acórdão do STJ de 29.09.2016, Proc. n.º 201/13.1 TBMIR-A-C1.S1 (Cons. Lopes do Rego)[4]:
«Note-se que efectivamente, no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.
Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310.º».
Também na doutrina este é entendimento que não suscita reservas ou dúvidas, como se colhe das seguintes passagens do estudo, recorrentemente citado, de Ana Filipa Morais Antunes “Prescrição e Caducidade”, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2014, 124 e segs:
«A previsão normativa abrange, pois, as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma, de capital e, outra, de juros, em proporções variáveis, a pagar conjuntamente».
Mais precisamente, «Na situação prevista na alínea e), não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração».
O que tem suscitado divergências é a solução a adoptar para as situações em que o mutuário devedor não cumpre o plano de amortização, deixando de pagar as prestações acordadas que se vão vencendo, como aconteceu neste caso.
Será, ainda, aplicável o regime contido no artigo 310.º do Código Civil?
Deixando de cumprir (uma só das prestações acordadas que seja), o devedor perde o benefício do prazo, pois que, como se dispõe no artigo 781.º do Código Civil, nas dívidas que podem ser pagas em prestações (duas ou mais) o incumprimento de qualquer uma implica o vencimento de todas.
Mas o vencimento não é automático: sendo o desencadeamento do vencimento antecipado de todas as prestações previsto no preceito legal por último citado uma faculdade do credor, este só a tornará efectiva se manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação.
Assim, a partir do momento em que a mutuária, aqui embargante/recorrente, não pagou a 14.ª e segs. das setenta e duas prestações de amortização acordadas, podia o banco mutuante exigir-lhe a totalidade do capital que, de acordo com o plano de pagamento convencionado, seria pago fraccionadamente, em prestações mensais.
Aliás, também a declaração de insolvência da mutuária devedora (por sentença de 20.12.2011) teria esse efeito de tornar, imediatamente, exigível o cumprimento da obrigação de reembolso do capital mutuado (artigos 780.º, n.º 1, do Código Civil e 91.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Aqui sim, o vencimento é automático, não é necessária a interpelação[5].
Em caso de vencimento antecipado das prestações de amortização da dívida, tem-se suscitado, com alguma frequência, a questão de saber qual o prazo de prescrição do crédito.
Uma corrente jurisprudencial defende que «se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos».
Argumenta-se que «o vencimento imediato das prestações restantes significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações» e que, deixando de existir a ligação entre uma parcela de capital e outra de juros, «nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional»[6].
Diverso foi o entendimento adoptado no acórdão da Relação de Lisboa de 27.10.2016 (Proc. n.º 2411/14.5 T8OER-B. L1), segundo o qual «apesar de a concreta obrigação exequenda incidir sobre quotas vencidas e vincendas - de amortização do capital pagáveis com os juros - nos termos do art.º 781.º, do C. Civil, tal não obsta à aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do art.º 310.º do C. Cível, pois que a prescrição respeitará a cada uma das quotas e não ao todo em dívida, não se impondo a aplicação do prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no artº 309º do C. Civil».
Na mesma linha de entendimento se situa o acórdão do STJ de 18.10.2018 (Proc. n.º 2483/15.5 T8ENT-A.E1.S1) em que se decidiu que «a circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição»[7].
É este o entendimento que consideramos correcto e que temos seguido[8].
O incumprimento do mútuo por parte do mutuário confere ao mutuante o direito de resolver o contrato (artigos 432.º, n.º 1, e 1150.º do Código Civil).
Mas, como se faz notar no acórdão da Relação de Évora de 08.06.2017 (Proc. n.º 2324/15.3 T8 STR. E1)[9], o mutuante credor, em vez de exercer esse direito potestativo, pode optar por não fazer cessar o contrato e proceder à cobrança da integralidade das prestações em dívida, ou seja, as quotas vencidas de amortização do capital pagáveis com os juros[10].
Nessa hipótese, só por ficção se poderá afirmar que se desfez a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios do capital mutuado e por isso não se antolha nenhuma razão válida para não continuar sujeito ao prazo prescricional de cinco anos previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
Só nesse enquadramento teria fundamento a tese da recorrente, que insiste na prescrição do crédito exequendo ao abrigo dessa disposição normativa.
Não foi essa a opção do banco mutuante que, por carta de 25.07.2011, comunicou à mutuária inadimplente a resolução do contrato e, do mesmo passo, informou-a que iria ser preenchida a livrança pelo valor em dívida, que era de €7.232,36.
A resolução é um direito potestativo extintivo, o que é dizer que a declaração resolutiva se impõe, inelutavelmente, à contraparte inadimplente[11].
A intervenção do tribunal, quando solicitada, visa exercer o controle da legalidade da resolução, limitando-se a declarar a sua existência e eficácia.
Como salienta Calvão da Silva[12], a “eventual intervenção judicial…não terá a natureza de sentença constitutiva da resolução, mas sim a de sentença de simples apreciação pela qual o juiz unicamente verifica os pressupostos e declara a existência de uma resolução nos termos da lei (sem operar ou autorizar qualquer mudança na ordem jurídica preexistente)”.
A resolução opera, em regra, por simples declaração dirigida por um dos contraentes à outra parte.
Sendo uma declaração receptícia, ela é eficaz quando chegue ao poder do destinatário, ou seja dele conhecida (n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil) ou quando, sendo enviada, só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (n.º 2 do mesmo artigo).
Não está posta em causa a validade e eficácia da declaração resolutiva e por isso importa salientar aqui os respectivos efeitos.
Como é sabido, a resolução tem uma dupla vocação, liberatória e restituitória.
Para o caso, interessa-nos a vocação reintegradora.
Sendo equiparada, quanto aos seus efeitos inter partes, à nulidade ou à anulabilidade dos negócios jurídicos (artigo 434.º do Código Civil), a resolução faz extinguir as obrigações emergentes do contrato resolvido[13]. Mas também pode criar obrigações que, em regra, se traduzem na restituição do que cada um dos contraentes recebeu do outro. Em regra, a resolução implica um regresso ao status económico-jurídico anterior à frustração contratual[14]. O princípio é o da “restituição integral”, se bem que, nos contratos de execução continuada, a resolução não afecta as prestações já efectuadas, «…a não ser que a sua interligação com a causa resolutiva legitime uma resolução plena (art. 434.º/2 do C.C.)»[15].
A recorrente alega que a resolução do contrato operada pelo credor «em nada altera o enquadramento jurídico da questão aqui em crise» (conclusão IX), mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Resolvido o contrato de mútuo, o mutuante podia exigir à mutuária a restituição do capital que lhe entregou por força desse contrato, mais exactamente, o montante do capital que estivesse em dívida nesse momento. E foi o que, realmente, fez a exequente/embargada: em execução do pacto celebrado, preencheu a livrança em branco, previamente assinada pela executada/embargante, apondo-lhe o local de emissão (Porto), a data de vencimento (27.08.2011) e o valor (€ 7 232,369), correspondente ao capital mutuado, ainda, em dívida e foi com base nesse título de crédito que instaurou a execução.
Além desse valor inscrito no título cambiário, a exequente, apenas, poderia exigir juros moratórios e o pagamento dos encargos. E foi, exactamente, isso que fez a exequente, como se vê pelo requerimento executivo: liquidou juros de mora desde a data de vencimento da livrança até 05.11.2019 (no montante de €2 .404,36) e, como encargos, o imposto de selo no montante de €96,17.
Ora, é evidente que já não se pode falar aqui em prestações periodicamente renováveis de capital e juros, a pagar conjuntamente, e que justifica o regime prescricional do artigo 310.º, al. e), do Código Civil.
Deixando de existir o plano de pagamento escalonado que mutuante e mutuária ajustaram entre si e a ligação entre uma parcela de capital e outra de juros, então sim, «nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional».
O crédito de capital mutuado (entenda-se, o valor que está em dívida) assume, então, a sua natureza original (obrigação unitária de restituição do tantundem) e fica sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos.
Os juros de mora, esses sim, continuam sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal do artigo 310.º, al. d), do Código Civil.
Como se referiu, a exequente liquidou juros de mora desde 27.08.2011 (data de vencimento da livrança) até 05.11.2019 e por isso, prima facie, haveria prescrição de parte desses juros.
É aqui que entra, como circunstância relevante, a declaração de insolvência da devedora, aqui executada/embargante, proferida por sentença de 20.12.2011.
A sentença declarativa da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo (artigo 100.º do CIRE).
Nesse processo de insolvência (que correu termos pelo Juízo Local Cível de … sob o n.º 10 609/11….), foi proferido despacho inicial de deferimento de pedido de exoneração do passivo restante, mas, por despacho de 14.12.2016, transitado em julgado, foi julgado antecipadamente cessado esse procedimento, nos termos do artigo 243.º do CIRE.
É sabido que a exoneração do passivo restante se traduz na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente.
A cessação desse procedimento antes de terminado o período da cessão (de cinco anos) implica que os credores que não tenham sido integralmente pagos no processo de insolvência possam voltar a agir contra o devedor insolvente para obterem satisfação dos seus créditos.
Quer isto dizer que, entre final do ano de 2011 e final do ano de 2016, o prazo de prescrição dos juros de mora esteve suspenso, pelo que, em Novembro de 2019, estava, ainda, logo de se esgotar o prazo de prescrição de cinco anos.
Em suma, não se verifica a prescrição, quer em relação à dívida de capital mutuado, quer em relação aos juros, pelo que a oposição à execução tinha de improceder, como se decidiu na sentença recorrida.
Mas não foi este o caminho seguido na primeira instância para chegar à mesma conclusão.
Com efeito, na sentença recorrida discorreu-se assim:
«Desde logo, porque seja qual for o prazo de prescrição, importa aplicar a prevista no art. 311º, nº 1, do Código Civil, que prevê:
O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça ou outro título executivo.
Tal como referem Antunes Varela e Pires de Lima in Código Civil Anotado vol. I, pág. 281, «a sentença, ou outro título executivo, transforma a prescrição de curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo dos vinte anos».
Esta norma é plenamente aplicável ao caso vertente, pois foi proferida sentença em 29-11-2012 que reconheceu o crédito exequendo posteriormente à sua formação, pelo que não ocorreu a prescrição, pois o prazo se transformou nessa data em prescrição ordinária de vinte anos (vide art. 309º, do Código Civil).
Improcedendo a invocada prescrição e não provado o alegado pagamento, improcedem na íntegra os embargos.»
A recorrente discorda desta argumentação e contra-argumenta alegando que «uma eventual sentença de graduação de créditos, não reconhece créditos como existentes, homologa a lista de créditos apresentada pelo Administrador de Insolvência e, gradua-os, por natureza, conforme comum, garantida, privilegiada» (conclusão XVI) e, no caso em apreço, tendo a recorrida reclamado o seu crédito no processo de insolvência e sendo um crédito já existente, «não carecia de ser reconhecido como tal, judicialmente, tão-somente, reconhecido pelo Administrador de Insolvência como passivo daquela massa insolvente» (conclusão XVII).
Mas, também aqui, não assiste razão à recorrente.
A relação dos créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE pode ser impugnada, nomeadamente pelo devedor (artigo 130.º, n.º 1, do CIRE).
Por outro lado, a lista de credores reconhecidos pelo administrador da insolvência não se impõe ao juiz.
É certo que na reclamação de créditos (cujos requerimentos são dirigidos ao administrador da insolvência) se evidencia uma desjudicialização do processo de insolvência, mas, ao contrário do que defende a recorrente, a sentença não se limita a homologar a lista apresentada pelo administrador da insolvência e a graduar os créditos.
O que pode acontecer é que haja créditos que, face aos elementos de prova que os autos já contenham, possam ser reconhecidos logo no despacho saneador, tendo este, então, «a forma e o valor de sentença, que os declara verificados e os gradua em harmonia com as disposições legais» (artigo 136.º, n.º 6, do CIRE).
A sentença com que se encerra o apenso de reclamação de créditos é uma «sentença de verificação e graduação dos créditos» (artigo 140.º, n.º 1, do CIRE).
Este conjunto normativo contraria, manifestamente, a tese da recorrente e apoia a conclusão da sentença recorrida pela improcedência da invocada prescrição.
A improcedência da oposição à penhora é consequência necessária e inelutável da improcedência da oposição à execução.
III - Dispositivo
Termos em que acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso de apelação interposto pela embargante AA. e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).
Porto, 24 de janeiro de 2022
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
____________________
[1] Notificada às partes por expediente electrónico elaborado no dia seguinte.
[2] Foram eliminadas as referências aos meios de prova que suportam os factos considerados provados.
[3] Apesar de não estar, expressamente, referido neste elenco de factos, deve considerar-se, ainda, provado que esta carta foi recebida pela executada/embargante.
[4] Acessível em www.dgsi.pt
[5] O que se discute (e tem obtido soluções divergentes na jurisprudência) é se essa consequência abrange os garantes da obrigação (fiadores, avalistas ou a quaisquer terceiros que tenham garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação).
[6] Cfr. acórdãos do TRC de 26.04.2016 (Proc. n.º 525/14.0TBMGR-A.C1) e de 12.06.2018 (Proc. n.º 17012/17.8 YIPRT.C1) e do TRG, de 16.03.2017 (Proc. n.º 589/15.0 T8VNF-A.G1).
[7] Referindo-se à prescrição de cinco anos da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
[8] Assim aconteceu no acórdão (do mesmo relator) proferido no Processo n.º 4196/14.6 TBMAI-A.P1
[9] Acessível em www.dgsi.pt
[10] Cabe aqui assinalar que, sendo o mútuo do ano de 2008, o documento particular que o titula, ao contrário do que agora acontece, constituía título executivo e podia servia de base à execução instaurada (cfr. o Ac. do TC n.º 408/2015 que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 703.º do actual CPC, quando interpretada no sentido de negar a exequibilidade de documentos particulares que reúnam os requisitos previstos no artigo 46.º, n.º 1, al. c), do CPC anterior).
[11] A resolução pode ter que operar-se por via judicial quando a lei assim o determina. Assim acontece na resolução do contrato de arrendamento.
[12] “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 323.
[13] Mais exactamente, a resolução implica “a supressão das prestações principais” (A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Tomo IV, Almedina, pág. 139). Todavia, “…mantêm-se os deveres secundários e os deveres acessórios. Uns e outros podem, aqui, ser unificados numa denominada relação de liquidação…” (Tratado…”, XII, Contratos em Especial, 2.ª parte, Almedina, 2018, pág. 987).
[14] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, Almedina, 4.ª edição, pág. 267.
[15] J.C. Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil – Do Enquadramento e do Regime, 1982, pág. 192-193.