Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1858/20.2T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO EM REGIME DE LOCAÇÃO
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO
DANOS MORAIS
REPRESENTANTE LEGAL DE SOCIEDADE
Nº do Documento: RP202203101858/20.2T8PRD.P1
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na avaliação do dano da privação do uso do veículo, em consequência de acidente de viação, usado pelo detentor/locatário na sua atividade com base num contrato de locação financeira, deve ponderar-se o valor das rendas correspondentes ao período da imobilização, mas, na falta de elementos de rigor, com recurso à equidade, também os lucros do locador, juros e encargos e, provavelmente, uma parcela de amortização do veículo que o locatário poderá adquirir no final do contrato, pagando então um valor residual.
II - A A. sociedade não pode pedir para si uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo seu representante legal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1858/20.2T8PRD.P1 (apelação)
Juízo Local Cível de Paredes – J1

Relator Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B... UNIPESSOAL, LDA, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... Porto, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra:
- W... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., NIPC ..., com sede no ..., nº ..., ... Lisboa; e
- Y... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... Porto, alegando essencialmente que no dia 16.1.2020, num entroncamento de Paredes, ocorreu um acidente de viação entre um veículo da A. e dois outros veículos, sendo estes pertencentes a donos diferentes, cada um deles seguro na 1ª R. e na 2ª R. Um destes dois veículos fez um desvio da sua trajetória para a direita por causa do outro e foi embater no veículo da A. que se encontrava imobilizado na outra estrada situada à direita junto ao sinal STOP.
Alegou que a culpa no acidente é conjunta, dos condutores daqueles dois veículos, devendo ambas as RR. responder pelas suas consequências danosas, computando os danos na seguinte forma:
- A quantia de € 1.041,47 correspondente ao valor da franquia cobrada pela X..., S.A., na sequência da participação da A. e reparação que efetuou ao seu veículo, no âmbito da cobertura de seguro contratado por danos próprios;
- A quantia de € 502,75 relativa a um tratamento da pintura e a um revestimento cerâmico que o veículo da A. tinha e deixou de ter com a nova pintura que teve na sua reparação;
- A quantia de € 3.097,74 relativa a rendas de locação financeira que a A. teve que pagar à locadora relativamente ao período de 97 dias em que o veículo esteve imobilizado para reparação;
- Na mesma proporção correspondente à imobilização do veículo, o valor do prémio anual de seguro do seu veículo de € 797,26; assim, € 227,88 (97 dias);
- € 2.600,00 pela desvalorização do veículo sofrida no acidente;
- € 551,00 por encargos acrescidos resultantes da utilização de outro veículo, pertencente ao legal representante da A.;
- € 2.000,00 por danos não patrimoniais, designadamente pela ansiedade, nervosismo e revolta sentidos pelo legal representante da A. por causa das deslocações à oficina onde o veículo estava a ser reparado e a outros locais para resolver o assunto do acidente, despendendo mais de 20 horas para o efeito, com os inerentes transtornos e incómodos.
Pediu a condenação das duas RR. na medida em que fosse feita a prova quanto ao modo como o acidente ocorreu e a responsabilidade de cada uma delas, a pagar à A. indemnização de € 10.020,84 pelos alegados danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por causa do acidente, acrescidos de juros de mora respetivos, vencidos desde a citação.
A 1ª e a 2ª RR. ofereceram as suas contestações, opondo-se à versão dos factos apresentada pela A. relativamente às circunstâncias do acidente e oferecendo a sua própria versão, afirmando a 1ª R. a culpa do segurado da 2ª R., e esta seguradora a culpa do segurado da 1ª R. na eclosão do acidente, mais impugnando, cada uma delas, a extensão dos danos alegados na petição inicial.
O tribunal proferiu despacho saneador tabelar, pronunciou-se sobre os meios de prova e programou o desenvolvimento do processo tendo em conta as limitações emergentes da situação de pandemia causada pela doença SaresCov-2.
Foi realizada a audiência final, após a qual foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
-condeno a ré Y... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à autora a quantia de € 1.237,78, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, absolvendo-a do demais peticionado;
-absolvo a ré W... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. do pedido.
Custas a suportar pela Autora e pela Ré Y... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., na proporção do respectivo decaimento – cfr. art. 527º, nº 1, do C.P.C.
(…).»
*
Inconformada, recorreu a A., de apelação, em matéria de facto e de Direito, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. O presente recurso visa impugnar a decisão sobre a matéria de facto, bem como discutir a denegação da indemnização relativamente a alguém dos danos invocados.
2. Entende a recorrente que os factos 4 a 10 dos factos dados como não provados devem merecer resposta positiva com base nas declarações do seu legal representante e das testemunhas AA, BB e CC.
3. Das assinaladas passagens das suas declarações e depoimentos decorre que o veículo da recorrente sofreu uma desvalorização, computada por defeito em € 2.600,00 e que a recorrente suportou custos acrescidos com consumo de gasóleo, no valor de € 361,76.
4. As indemnizações relativas ao pagamento das rendas do contrato de locação financeiro e do prémio de seguro do XX são devidas uma vez que este veículo foi comprado pela recorrente para o exercício da sua actividade e dele esteve privada durante 97 dias.
5. Quer isto dizer que a recorrente esteve privada da utilização do XX e foi obrigada a pagar tais encargos sem que pudesse dele retirar qualquer utilidade.
6. Tais custos só teriam justificação se o veículo circulasse, o mesmo não sucedendo quando está imobilizado por facto imputável a terceiro.
7. Destarte, são devidas as indemnizações pedidas a este título na petição inicial (€ 3.097,74 e € 227,88, respectivamente).
8. Se proceder a impugnação da matéria de facto relativa aos pontos 4 a 8 dos factos dados como não provados, e considerando também os factos 21, 22 e 28 a 31 provados, deve ser atribuída a peticionada indemnização de € 2.600,00 a título de desvalorização do veículo.
9. O mesmo se diga quanto aos encargos de utilização de outro veículo.
10. Dando-se como provados os factos 8 e 9 da matéria não provada, conjugados com os factos provados nos nºs 32 a 34 a indemnização devida à recorrente é de € 361,76 (2000 kms x 3,23 meses x 4 litros x 1,40 €).
11. Por fim, no que concerne aos danos morais a alegação do Meritíssimo Juiz “ a quo” é a de que quem sofreu danos foi o legal representante da recorrente, entendimento que, salvo o devido respeito, a recorrente não perfilha.
12. O gerente da recorrente actuou sempre em nome e representação desta.
13. O veículo é propriedade da recorrente e foi a violação de direito desta que esteve na origem do formulado pedido de reparação de danos.
14. Sendo que o legal representante da recorrente não actuou em nome próprio, nem isso vem alegado.
15. O mesmo se retira da leitura dos artigos 62º a 68º da petição inicial.
16. Além de que o facto provado 37º refere que foi o legal representante da recorrente e não o Sr. DD a título pessoal quem sofreu tal dano.
17. Deve pois ser fixada indemnização por danos morais que se computa em € 1.500,00, uma vez que nem todos os danos invocados a este título foram dados como provados.
Foram violados:
- Os artigos 154º e 607º do Código de Processo Civil
- os artigos 496º, 562º e 564º do Código Civil.» (sic)
*
A 2ª R. respondeu em contra-alegações, defendendo a improcedência total do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação da A., acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).

Somos chamados a decidir as seguintes questões:
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto;
2. A obrigação de indemnizar:
a) Pela desvalorização do veículo sofrida no acidente;
b) Pelos encargos acrescidos com combustível resultantes da utilização de outro veículo, pertencente ao legal representante da A.;
c) Pelo valor proporcional da renda relativa à locação financeira do veículo quanto ao período de 97 dias em que o veículo esteve imobilizado para reparação;
d) Pelo valor proporcional do prémio anual de seguro do veículo de € 797,26, assim, € 227,88 (97 dias);
e) Por danos não patrimoniais sofridos pelo legal representante da A.
*
III.
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
Da Petição Inicial:
1- No dia 16.01.2020, pelas 21h20m, na Rua ..., em ..., Paredes, ocorreu um acidente de viação.
2- Foram intervenientes:
- o veículo marca Peugeot, modelo ..., matrícula ..-XX-.., propriedade da Autora e conduzido por EE;
- o veículo marca BMW, modelo ..., matrícula ..-..-TI, propriedade e conduzido por FF;
- o veículo marca Renault, modelo ..., matrícula ..-JG-.., propriedade de GG e conduzido por HH.
3- No dia, hora e local assinalados no art.1º, o XX encontrava-se imobilizado no sinal STOP existente no entroncamento que a Rua ... faz com a Estrada Nacional nº ..., pretendendo mudar de direcção à direita para passar a circular por esta última, no sentido .../....
4- Por seu turno, o TI circulava na Estrada Nacional nº ..., no sentido .../..., enquanto que o JG circulava em sentido inverso, isto é, .../....
5- O TI pretendia prosseguir a sua marcha pela Estrada Nacional nº ..., enquanto que o JG pretendia mudar de direcção à esquerda, para passar a circular ela Rua ..., atentos os seus respectivos sentidos de marcha.
6- A dado momento da circulação estradal do TI e do JG, a condutora deste, quando se encontrava a cerca de cinco metros do entroncamento com a Rua ..., passou a circular pelo eixo da via.
7- No intuito de evitar a colisão com o JG que entretanto invadiu parte da faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha do TI, o condutor deste desviou-se para a direita, rodopiou e embateu, perpendicularmente ao XX, com a frente esquerda na porta e guarda lamas da frente esquerdos do XX.
8- Imobilizando-se já dentro da Rua ..., com excepção do rodado traseiro que ficou a ocupar parte da hemifaixa de rodagem direita da Estrada Nacional nº ..., atento o sentido de marcha .../....
9- No local do acidente, a Estrada Nacional ... desenvolve-se em recta plana, com duas hemifaixas de rodagem, com 2,80m de largura cada.
10- No momento do acidente era noite e chovia.
11- O piso, em alcatrão, estava em bom estado, mas molhado.
12- O condutor do XX não pode fazer evitar a colisão, dado o inesperado das manobras dos condutores do TI e do JG e de estas terem sido praticadas a cerca de cinco metros do local do acidente.
13- A Rua ... mede seis metros de largura e o XX encontrava-se antes da intersecção daquela com a Estrada Nacional ....
14- O JG prosseguiu a sua marcha sem colidir com o XX e o TI, imobilizando-se na Estrada Nacional ..., para lá do local do acidente, a cerca de três metros deste.
15- Por contratos de seguro titulados pelas apólices nºs. ......... e ......., a 1ª. e a 2ª. Rés, respectivamente, assumiram a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros e emergentes da circulação estradal do TI e do JG.
16- As Rés recusaram-se a assumir a responsabilidade dos seus segurados pela produção do acidente dos autos.
17- A Autora celebrou com a X... um contrato de seguro de responsabilidade civil cobrindo os danos próprios sofridos pelo XX, titulado pela apólice nº....
18- Contrato esse que prevê uma franquia em caso de sinistro de 2% do valor seguro do veículo, a cargo da Autora.
19- Face à posição das Rés, a Autora participou o sinistro à sua seguradora com vista a obter a reparação do veículo, o que veio efectivamente a suceder.
20- Quando comprou o XX, a Autora contratou com a Detalhe Completo um tratamento de pintura e revestimento cerâmico àquela, no valor de € 502,75.
21- O XX, por força do acidente dos autos, teve de ser reparado na capa e pintado nos componentes afectados.
22- A nova pintura não foi objecto do mesmo tratamento.
23- A Autora esteve privada do uso do XX desde a data do acidente, 16.01.2020 até 22.04.2020, ou seja, durante 97 dias.
24- Nesse período, teve de pagar as rendas devidas no contrato de locação financeira celebrado com o Banco ... para aquisição do veículo.
25- Sem que do mesmo pudesse fruir.
26- A renda mensal devida é de € 903,13.
27- O prémio anual do seguro é de € 797,26.
28- O veículo da Autora foi adquirido no estado de novo em Julho de 2019, sendo a data da sua matrícula ...........
29- O seu valor de compra foi de € 52.073,42.
30- Tinha à data do acidente seis meses de uso, 13.309 Kms e encontrava-se praticamente novo.
31- O XX sofreu um sinistro, cuja reparação orçou em € 2.952,66.
32- O XX é um veículo com motorização a gasóleo.
33-Privada da sua utilização, a Autora socorreu-se do veículo particular do seu legal representante, um Alfa Romeo ..., também com motorização a gasóleo.
34- O XX percorre, mensalmente e em média, 2.000 Kms.
35- A Autora teve de aguardar mais de três meses pela reparação do XX.
36- A Autora viu-se privada de um veículo destinado e adequado ao exercício da sua actividade.
37- O seu legal representante sentiu um estado de ansiedade, nervosismo e revolta.

Da contestação da 1ª. Ré – W... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..
38- Existe um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº ........., segundo a qual foi transferida para a ora 1ª Ré a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo ligeiro de passageiros particular, de matrícula ..-..-TI, da marca e modelo ....
39- Esta apólice encontrava-se em vigor à data da ocorrência do acidente.
40- Recebida a participação do acidente, os serviços da 1ª Ré promoveram diligências no sentido de obter elementos que lhe permitissem definir a responsabilidade pela ocorrência e se fosse o caso, regularizar o sinistro.
41- Tendo concluído, como consta no relatório de averiguações junto como documento 2, em suma que:
- O TI transitava na Rua ..., atento o sentido de marcha .../...
- Em sentido contrário, circulava o veículo JG que, com intenção de virar à esquerda atento o seu sentido de marcha, se chegou para o centro da via repentinamente, sem sinalizar a manobra atempadamente.
- Dada a largura e características da via, o TI que circulava a uma velocidade inferior a 50 Kms/hora em sentido contrário, foi obrigado a desviar-se repentinamente para a direita de forma a evitar um embata frontal com o JG.
- Como o piso se encontrava molhado o TI rodopiou e foi embater na zona da roda esquerda dianteira do XX que se encontrava parado no STOP da Rua ....
- A dimensão dos danos quer do TI mas principalmente do XX mostra que o TI circulava, de facto a uma velocidade adequada às circunstâncias de tempo e lugar.
- Se assim não fosse o resultado do embate seria de longe mais aparatoso e produziria danos muito mais graves.
- O próprio A descreve a condução da condutora do JG como desadequada ao estado da via e do tempo, a qual, conduzindo com excesso de velocidade, não anunciou a sua manobra com antecedência e cortou a linha de trânsito do TI.
- O mesmo decorre das declarações prestadas pela condutora do JG às autoridades policiais, no auto de participação de acidente.
- Não restam dúvidas que a única e exclusiva culpada pelo acidente aqui em discussão foi a condutora do veículo JG que, com um comportamento negligente e sem respeito pelas normas estradais se colocou no eixo da via, sem cuidar de antes verificar que o podia fazer em segurança para si e para terceiros, acabando por produzir o sinistro dos autos.
42- Segundo as condições de seguro por danos próprios, em caso de colisão haverá lugar ao pagamento de uma franquia correspondente a 2% do valor seguro a que se deduz um desconto de 30%.
43- Com referência a este desconto, o valor a pagar a título de franquia pela Autora será a quantia de 735,03 €.
44- A 1ª Ré declinou a responsabilidade pelo sinistro em carta enviada à Autora em 13 de Fevereiro de 2020.

Da contestação da 2ª. Ré – Y... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
45- Vigora na Ré o contrato de seguro titulado pela apólice nº....., para cobertura dos danos causados a terceiros e decorrentes da circulação do veículo de matrícula ..-JG-...
46- No dia, hora e local referidos na P.I., o veículo de matrícula JG circulava pela Estrada Nacional ..., no sentido …/….
47- Sendo conduzido por HH.
48- Na proximidade do entroncamento com a estrada que liga a referida via à localidade de ..., e porque pretendia seguir para aquela localidade.
49- (faixa por onde circulava o TI) cuja largura é de 3 metros.
50- O veículo XX, provinha de ... e pretendendo aceder à Estrada ... e aí passar a circular no sentido …/…, imobilizou o seu veículo à entrada do cruzamento.
51- Circulava, na EN ..., no sentido .../..., o veículo TI.
52- Desviando a sua rota para a berma direita.
53- Indo embater no veículo XX, que aí se encontrava imobilizado.
*
O tribunal deu como não provada a seguinte matéria:
Da petição inicial
1- O veículo marca Renault, modelo ..., matrícula ..-JG-.., era conduzido por HH, a mando, por conta e no interesse do seu proprietário detendo este a direcção efectiva do mesmo.
2- Não tendo os condutores do TI e do JG adequado a sua condução e velocidade ao estado da via e do tempo.
3- A Autora está obrigada a pagar à X... a quantia de € 1.041,47, correspondente ao valor da franquia.
4- O XX sofreu um sinistro de grande proporção.
5- Qualquer interessado na sua compra se apercebe que se trata de um carro sinistrado.
6- É que, apesar de lhe terem sido colocados componentes novos, é notória a diferença de cor entre as partes sinistradas e a restante pintura.
7- Que qualquer reparação não consegue restituir o veículo ao seu estado primitivo, porque foi intervencionado e porque essa intervenção deixa sempre mazelas para o futuro.
8- E que um potencial comprador desvaloriza o veículo por esses factos.
9- O XX consome 8 litros aos 100 Kms.
10- O Alfa Romeo ... consome mais 6 litros de gasóleo evologic por cada cem quilómetros percorridos.
11- Nesse período de tempo teve a Autora de se deslocar à oficina reparadora e a outros locais com vista a tentar resolver o assunto dos autos.
12- Despendendo mais de 20 horas.
13- Suportou por via disso incómodos e transtornos, mas também decorrentes da conduta das Rés e da sua recusa em assumirem a responsabilidade pelo sucedido.

Da contestação da Ré Y... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
14- HH fazia uma condução atenta e cuidada e em rigoroso cumprimento das regras de trânsito.
15- A condutora do JG, reduziu a velocidade imprimida ao veículo.
16- Sinalizou a manobra de mudança de direcção à esquerda que pretendia fazer.
17- Verificou que não estava a ser ultrapassada.
18- E aproximou-se do eixo da via.
19- Onde imobilizou o veículo.
20- Deixando livre a faixa de rodagem em sentido contrário.
21- O veículo TI, circulava a uma velocidade superior a 70 Kms/horários.
22- E cujo condutor, na tentativa de reduzir a velocidade que imprimia ao seu veículo, para transpor o entroncamento, acionou bruscamente o sistema de travagem do veículo TI, o que provocou, face à velocidade de que este vinha animado, que tivesse entrado em despiste.
23- A força do embate foi tal que o veículo TI acabou rodopiando sobre si mesmo.
24- Ficando com a frente virada em sentido contrário ao que seguia.
*
IV.
Ab initio est ordiendum.
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto
A A. recorrente deu cumprimento ao ónus de impugnação previsto no art.º 640º, nº 1, al.s a), b) e c) e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil.
Defende que devem ser dados como provados os seguintes pontos da matéria de facto dada como não provada:
4- O XX sofreu um sinistro de grande proporção.
5- Qualquer interessado na sua compra se apercebe que se trata de um carro sinistrado.
6- É que, apesar de lhe terem sido colocados componentes novos, é notória a diferença de cor entre as partes sinistradas e a restante pintura.
7- Que qualquer reparação não consegue restituir o veículo ao seu estado primitivo, porque foi intervencionado e porque essa intervenção deixa sempre mazelas para o futuro.
8- E que um potencial comprador desvaloriza o veículo por esses factos.
9 -O XX consome 8 litros aos 100 Kms.
10- O Alfa Romeo ... consome mais 6 litros de gasóleo evologic por cada cem quilómetros percorridos.
Para o efeito, invoca determinadas passagens do depoimento do seu legal representante e das testemunhas AA, BB e CC.
Entende-se atualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no art.º 662º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 655º do anterior Código de Processo Civil e art.º 607º, nº 5, do novo Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes[3], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelo recorrente e, se necessário, outras provas, maxime as indicadas pelo recorrido nas contra-alegações e as referenciadas na motivação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Ex.mo Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, tanto quanto possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, se necessário, a decisão em matéria de facto.
Ensina Vaz Serra[4] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto. Mas terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente que justifique a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, funcionando aquela justificação (fundamentação) como base de compreensão do processo lógico e convincente da sua formação.
Vejamos então!
A recorrida argumenta que o tribunal tem em conta toda a prova produzida e não apenas uma fração dela como agora defende a recorrente ao invocar apenas “uma pequena parte das declarações do seu representante legal e de uma pequena parte das testemunhas por si arroladas (…)”, todas elas com algum interesse na desfecho da ação.
Já o tribunal, relativamente à matéria de facto dada como não provada referiu simplesmente que “baseou a sua convicção na ausência de prova cabal quanto à mesma”, o que nos conduz à necessidade de ouvir toda a prova que foi produzida em matéria de danos, que o tribunal identifica quanto à matéria de facto que deu como provada e que ficou gravada, como sendo as prestações probatórias de EE, II, AA, BB, CC e o depoimento do legal representante da A.
Entre outros, atendeu o tribunal a quo aos seguintes documentos: Recibo do prémio de seguro e várias faturas, entre elas a fatura relativa ao tratamento de pintura de que o XX beneficiava e uma fatura/recibo relativa a uma das rendas do contrato de locação financeira que tem por objeto o veículo da A.
Foram integralmente ouvidos os depoimentos gravados do representante legal da A., DD, e das referidas testemunhas.
EE é irmão do DD, com quem convive semanalmente, era o condutor do veículo nas circunstâncias do acidente, tendo-se mostrado conhecimento dos danos no Peugeot (XX), mas não conhece pormenores de custos e despesas na reparação e se esta teve falhas.
AA, engenheiro e chefe de serviços técnicos na empresa que reparou o veículo é, de todas aquelas testemunhas, a que ocupa uma posição de maior desinteresse. O seu depoimento foi fundamentado e convincente no sentido de que o veículo sofreu um acidente ligeiro, localizado no guarda-lamas e porta do lado esquerdo da frente (lado do condutor), foi adequadamente reparado, segundo padrões de qualidade, com substituição de peças e foi entregue sem qualquer anomalia, não confirmando qualquer desvalorização. Confirmou que o veículo tinha um tratamento vitro-cerâmico na pintura que a companhia de seguros X... (que pagou a reparação) não assumiu e que, por isso, não foi reposto. Referiu inclusivamente que o seu custo se situaria em cerca de € 500,00.
BB é o cônjuge do gerente da A., DD, e funcionária na empresa (familiar e de pequena dimensão). Apesar da sua ligação à A. e ao seu gerente, o depoimento desta testemunha foi muito claro e seguro em aspetos significativos dos danos, designadamente quanto ao aludido tratamento da pintura do Peugeot e seu valor, que confirmou, mostrando, no entanto, desconhecimento das diferenças dos consumos de combustível entre aquele veículo da empresa e o Alfa Romeo ... da família que o JJ utilizou em substituição daquele durante a sua imobilização para reparação.
II presta serviços de contabilidade para a A. e faz o tratamento direto da sua documentação. Sobretudo, confirmou a existência do contrato de locação financeira e do prémio anual de seguro relativos ao Peugeot, indicando os seus valores aproximados. Mostrou nada saber quanto à diferença de consumo de combustível dos veículos em causa (substituído e de substituição).
A prestação de CC, não obstante as suas funções e ligação à empresa reparadora (coordenação comercial) revelou-se mal fundamentado em alguns pontos da matéria de facto, designadamente quanto à existência e quantificação de desvalorização concreta do Peugeot da A. e da diferença do consumo entre este o veículo Alfa Romeo ... utilizado durante o período da imobilização do primeiro, chegando a afirmar que é um veículo a gasolina (está provado que é um veículo a gasóleo). A empresa onde trabalha e a A. têm relacionamento comercial entre si, como clientes uma da outra, tendo ficado algumas dúvidas sobre a sua isenção em aspetos relevantes do depoimento, especialmente em matéria de desvalorização comercial do automóvel.
A afirmação da desvalorização do veículo feita também pelo legal representante da A. não está traduzida em qualquer defeito ou vício concreto, aparente ou oculto, naquela que foi uma reparação de dano de pouco mais do que um guarda-lamas e uma porta do veículo, tendo sido substituídas essas peças por peças novas.
Assim, tudo ponderado, os pontos da matéria de facto impugnados merecem a seguinte solução:
Ponto 4
É matéria conclusiva, tratando-se, de resto, de um dano muito localizado e de pequena dimensão (não obstante ter determinado a imobilização do veículo) que foi reparado através da substituição das peças danificadas.
Esta matéria deve manter-se como excluída dos factos provados.

Ponto 5
Não ficou provada a existência de qualquer aparência ou sinal dos danos causados. O veículo foi reparado adequadamente.
Este ponto deve manter-se como não provado.

Ponto 6
Esta matéria também não está demonstrada. A única diferença, a existir, poderá resultar da não aplicação do tratamento de pintura no âmbito da reparação.
Mantem-se este ponto também como matéria não provada.

Ponto 7
Esta afirmação, além de genérica, não se confirma relativamente ao Peugeot.
Este ponto também não sofre qualquer modificação.

Ponto 8
Em consequência, também não errou o tribunal ao dar este ponto como matéria não provada.

Ponto 9 e 10
O legal representante da A. afirmou a existência de uma diferença de consumos de 4 litros (de 8 para 12 litros) entre os dois veículos, menos que fora por ele alegado; ainda assim uma prova insuficiente à demonstração do facto, pelo interesse que o depoente tem na causa e a possibilidade fácil de aceder a documentos que comprovam o consumo dos veículos.
Com efeito, a matéria de facto impugnada está corretamente dada como não provada e não deve sofrer qualquer modificação.
Improcede a primeira questão da apelação.
*
2. A obrigação de indemnizar
Sendo da A. o ónus da prova dos danos (art.º 342º, nº 1, 483º e seg.s e 562º do Código Civil), o seu direito à indemnização afere-se em função dos prejuízos que demonstrou ter sofrido e, previsivelmente, venha a sofrer em consequência do acidente.
Quem está obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do Código Civil), sendo que a obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente (previsivelmente) não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do mesmo código).
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art.º 566º, nº 1, também do Código Civil).
Em regra, no dano patrimonial, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (a do encerramento da discussão da causa, em 1ª instância), e a que teria nessa data se não existissem danos (teoria da diferença, consagrada no nº 2 do mesmo art.º 566º, ainda daquela lei civil).
A indemnização tanto abrange os danos emergentes como os lucros cessantes resultantes do facto ilícito e da lesão, sendo que o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (art.º 564º, nºs 1 e 2, também do Código Civil).
Vejamos se ocorrem os pressupostos da responsabilidade civil relativamente a determinados pedidos indemnizatórios, agora invocados no recurso face à sua improcedência na 1ª instância.
O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos consagrado no art.º 483º do Código Civil, determina que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Há de ocorrer um facto voluntário do agente, ou seja, um facto objetivamente controlável ou dominável pela vontade.
O facto é ilícito quando viola um direito subjetivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como acontece, nesta última situação, quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respetivo titular um direito subjetivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.
A ilicitude representa a violação de valores da ordem jurídica, um agir objetivamente mal, e não depende necessariamente da direta violação de leis ou regulamentos.[5] Resulta sempre da violação de um dever jurídico, a omissão de um comportamento devido consubstanciado na prática de atos diferentes daqueles a que se estava obrigado.[6]
Depois, tem que haver um nexo de imputação do facto ao lesante (culpa). O agente tem que ser imputável (pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos seus atos e para se determinar de harmonia com o juízo que faça acerca destes, ou seja, discernimento e capacidade de determinação) e é necessário que tenha agido com culpa. A culpa exprime um juízo de reprovação pessoal da conduta do agente e pode revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou mera culpa.
Tem que haver dano.
Por último, para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha causado o prejuízo a alguém. Tem que haver um nexo causal entre o facto e o dano, ou seja, um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do Direito, que o dano é resultante da violação, pois só quanto a esse a lei manda indemnizar o lesado.
Compete ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (art.º 487º, nº 1, do Código Civil), assim como os demais referidos pressupostos da responsabilidade civil.
a) Indemnização por desvalorização do veículo sofrida no acidente
Provada a existência de vários danos emergentes do acidente, assim como a ilicitude e a culpa da condutora do veículo de matrícula ..-JG-.., devendo a 2ª R. seguradora responder pela sua reparação, por força do contrato de seguro obrigatório, não está provado que o veículo ..-XX-.. da A., em consequência do acidente, sofreu qualquer desvalorização, designadamente no seu valor comercial ou de mercado.
Faltando a prova deste dano e não havendo indemnização sem dano, não tem a 2ª R. obrigação de reparação de qualquer desvalorização comercial do veículo.
*
b) Indemnização por encargos acrescidos com combustível, resultantes da utilização de outro veículo
Durante a imobilização do Peugeot, matrícula ..-XX-.., a A. teve necessidade de o substituir por outro veículo no exercício do seu comércio. Porém, não demonstrou o alegado agravamento de encargos resultante do maior consumo de combustível pelo veículo de substituição, designadamente que o este veículo consome mais combustível do que o Peugeot em cada 100 Km percorridos, o que afasta também o direito a esta peticionada indemnização.
*
c) e d) Valor proporcional da renda relativa à locação financeira do Peugeot XX (€ 3.097,74) e valor proporcional do prémio anual de seguro do veículo (€ 227,88) relativamente ao período de 97 dias em que o veículo esteve imobilizado para reparação
Expende a apelante, na conclusão IV que “as indemnizações relativas ao pagamento das rendas do contrato de locação financeiro e do prémio de seguro do XX são devidas uma vez que este veículo foi comprado pela recorrente para o exercício da sua actividade e dele esteve privada durante 97 dias”.
A propósito escreveu-se na sentença:
Já quanto às quantias peticionadas a título de rendas pagas relativas ao contrato de locação financeira e relativas ao prémio do seguro do veículo XX, deverão tais indemnizações assim peticionadas improceder uma vez que não existe qualquer nexo de causalidade entre o seu pagamento (a necessidade e a obrigatoriedade do mesmo com o acidente dos autos) – ou seja, com ou sem o sinistro em apreço seriam quantias que a Autora teria sempre de pagar, não podendo as mesmas serem imputadas à seguradora do JG.
Alega a recorrente, no corpo das suas alegações, que o veículo foi por ela adquirido como instrumento de trabalho (ponto 36 dos factos provados) e com vista à sua utilização para esse efeito. Esteve privada da sua utilização e foi obrigada a pagar as rendas devidas no contrato de locação financeira sem que pudesse retirar do veículo qualquer utilidade. Ou seja, a recorrente suportou um custo que só teria justificação se o veículo circulasse e não quando está imobilizado por facto imputável a terceiro, como ficou provado.
Em abono da sua posição, a recorrente cita o acórdão da Relação de Guimarães de 26.2.2015[7], de onde colhemos a seguinte posição:
«(…)
De facto, caso se venha a decidir que é direito da autora ser ressarcida por eventual privação do veículo acidentado, na ponderação do valor da indemnização, deve ter-se em conta o período compreendido entre a privação (desde o momento em que o veículo ficou sem circular) e o momento em que a Autora seja indemnizada dos danos causados ao veículo, que tinha á sua disposição, por via de contrato de locação, (que necessariamente tinha um custo para a Autora) e que utilizava diariamente na sua actividade (…).
(…)
O dano produzido atinge, neste caso, a propriedade – direito que tem como manifestações, entre outras, a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela; possibilidade e capacidade que são retiradas ao proprietário durante o tempo em que, por via do dano produzido, está privado do veículo. E a perda da possibilidade de utilização do veículo quando e como lhe aprouver tem, claramente, valor económico, e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado".
(…)
Entendemos também que esta conclusão deve aplicar-se ao período em que tinha o uso e fruição do veículo por via de contrato de leasing, pois que, também nesse período ficou privado do referido veículo.
(…)».
Do acórdão da mesma Relação de Guimarães de 20.10.2016[8] extrai-se:
«(…)
Acresce que, não obstante essa relação, que se pode considerar duradoura, a recorrente, baseando-se em meras suposições acerca de uma eventual fraude ou simulação, desprovidas de qualquer fundamento, vem protelando o cumprimento da obrigação a que se encontra adstrita desde finais de 2010, indiferente aos prejuízos causados ao Autor, vinculado ao pagamento das rendas devidas como contrapartida pelo gozo de um bem de que há muito se encontra privado.
(…).»
Pois bem.
Situamo-nos no âmbito do dano da privação do uso do veículo, pelo qual, a existir, responde a 2ª R. Y..., S.A. por força da cobertura do seguro obrigatório a que se vinculou com o proprietário do veículo ..-JG-...
A privação do uso de veículo poderá constituir uma ofensa ao direito de propriedade ou à posse na medida em que o seu dono ou possuidor fica privado do uso que lhe dava. Ela é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira a sua utilização) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito.[9]
Esta posição, na jurisprudência, insere-se numa das duas correntes que vêm sendo seguidas nos tribunais, incluindo no Supremo Tribunal de Justiça, a que não tem sido alheia a influência de alguma doutrina, designadamente a que foi desenvolvida por Abrantes Geraldes[10], que se sintetiza assim:
Em vista do disposto nos art.ºs 562º a 564º e 566º do Código Civil, da imobilização de um veículo em consequência de acidente pode resultar:
a) Um dano emergente --- a utilização mais onerosa de um transporte alternativo como seria o aluguer de outro veículo;
b) Um lucro cessante --- a perda de rendimento que o veículo dava com o seu destino a uma atividade lucrativa;
c) Um dano advindo da mera privação do uso do veículo que impossibilita o seu proprietário de dele livremente dispor com o conteúdo definido no art.º 1305º do Código Civil, fruindo-o e aproveitando-o como bem entender.[11]
Citando o Prof. Gomes da Silva, refere-se no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.7.2007[12] que “o bem só interessa, quer económica quer juridicamente (...) pela utilidade, isto é, pela aptidão para realizar fins humanos”; e nos casos de perda ou deterioração de um bem, o dano consiste “no malogro dos fins realizáveis por meio do bem perdido ou deteriorado, isto é, consiste menos na perda do próprio bem do que em ser-se privado da utilidade que ele proporcionava”. No dano haverá sempre, portanto, a frustração de um ou mais fins, resultante de se haver colocado o bem, por meio do qual era possível atingi-los, em situação de não poder ser utilizado para esse efeito.
Nesta lógica de raciocínio, Abrantes Geraldes refere que “não custa a compreender que a simples privação do uso seja uma causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização”[13].
Refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.2.2008[14] que constitui “princípio assente em direito, que a privação ilícita do uso de qualquer bem constitui um dano de que o lesado deve ser compensado…, a mera indisponibilidade de um veículo, independentemente de, da mesma, terem resultado para o lesado prejuízos económicos quantificados, é passível de indemnização, a calcular nos termos prescritos no art.º 566°, nº 3, do Código Civil, como, aliás, vem sendo sufragado na doutrina” --- acrescenta aquele aresto[15].
O Supremo Tribunal de Justiça sustentou autoridade a esta interpretação também no acórdão de 8.5.2013[16] escrevendo:
Entende-se que a privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito (assim, por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 5 de Julho de 2007, www.dgsi.pt, proc, nº 07B1849, ou de 10 de Setembro de 2009, já citado); e que o cálculo da correspondente indemnização, tal como se decidiu no acórdão recorrido, há-de ser efectuado com base na equidade, por não ser possível avaliar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do Código Civil)”.
Para a determinação do valor do dano, ou se apura a concreta existência de lucros cessantes ou danos emergentes em consequência da privação ou se recorre à equidade (/art.º 566º, nº 3, do Código Civil). Na primeira situação, o lesado terá direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação. Já na segunda hipótese, a medida da indemnização terá que ser encontrada em função da impossibilidade do lesado utilizar o veículo nas suas deslocações tendo em conta os fins a que destinava o veículo designadamente profissionais, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizá-lo.
Atentemos no circunstancialismo do caso concreto.
A A. utilizava o veículo sinistrado em deslocações próprias da sua atividade comercial, na qualidade de sua locatária num contrato de locação financeira (leasing) que celebrara com o Banco ... (locador).
A locação financeira[17] tem sido entendida como a operação de financiamento através da qual uma das partes (locadora) cede a outra (locatário) o direito de utilização de um determinado bem durante um período de tempo pré-estabelecido, em contrapartida de uma retribuição (renda). No final do contrato, o locatário poderá adquirir o bem objeto de locação, mediante o pagamento do valor residual. A celebração de tais contratos visa não a integração dos bens, objeto dos mesmos, no património do locatário, mas sim disponibilizar para este instrumentos para o desenvolvimento da sua atividade produtiva.[18]
Da noção e do regime deste tipo contratual emergem os seguintes elementos constitutivos da locação financeira:[19]
A indicação, pelo locatário ao locador, previamente à conclusão do contrato, da coisa a comprar ou a construir e do respetivo fornecedor;
O dever do locador de adquirir a coisa ao fornecedor;
O dever do locador de conceder temporariamente o gozo da coisa ao locatário;
A obrigação do locatário de pagar uma renda;
A faculdade detida pelo locatário de adquirir a coisa locada no termo do contrato.
O mesmo autor conclui qualificando a locação financeira como um contrato de crédito com características específicas, em que a função creditícia se opera através da disponibilidade de um bem e em que o propósito fundamental do locador é o reembolso do valor mutuado.
É a prevalência da função creditícia que justifica que o locador financeiro não seja o proprietário económico da coisa, que não seja responsável pela entrega de uma coisa conforme e esteja isento de responsabilidade pela perda ou deterioração do bem.
Ao contrário de figuras contratuais próximas, prevalece a função de financiamento na locação financeira, onde o lucro obtido emerge da remuneração desse financiamento e não da alienação do bem, que é eventual e feita por um valor residual mínimo e pré-fixado.
Um dos autores italianos citados na obra em referência, Leo, realça de forma curial uma dupla função de financiamento realizada pela locação financeira: financiamento ao fornecedor e ao locatário. “A concessão do crédito não se destina assim só a financiar a aquisição, mas ainda a alienação correspondente.”
A opção de compra é típica e indissociável da locação financeira. Pode não ser acionada, mas não pode ser afastada.
O locatário aparece, pois, como “proprietário económico” do bem que paga integralmente, ou na sua maior parte, durante o período do contrato, e cujos riscos assume.
À prestação única do locador --- entrega da coisa (do uso da coisa) --- corresponde uma dívida única do locatário correspondente ao valor da coisa, pelo menos durante o período da sua utilização, acrescida de juros, lucros e outros encargos. Esta dívida existe desde a celebração do contrato, embora o seu reembolso seja fracionado.
Aquele valor residual está determinado no contrato ou será determinável mediante simples aplicações dos critérios fixados nele.
O preço da renda pode visar a amortização do preço do bem que o locatário poderá ou não comprar, esgotado o prazo por que vigora o contrato.
Ensina Menezes Cordeiro[20]: “Locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade – o locador financeiro - concede a outra - o locatário financeiro - o gozo temporário duma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário.
Acrescenta aquele Professor: “O esquema creditício encontra-se vertido nos moldes da velha locação: pretendendo adquirir um bem, para o qual não tenha disponibilidades imediatas, o interessado dirige-se a um banqueiro; acordam no seguinte: o banqueiro adquire o bem em causa e dá-o, ao interessado, em locação; este irá pagar uma retribuição que traduza a amortização do bem e os juros; no final, o locatário poderá adquirir o bem pelo valor residual ou celebrar novo contrato; poderá, ainda, nada fazer”.
Ao contrário do aluguer de longa duração (vulgo ALD), no final do contrato o bem não está totalmente pago; haverá um valor residual a pagar pelo locatário que pretenda adquirir o bem, o que não significa que o mesmo não tenha sido parcialmente amortizado ao longo do contrato no valor das rendas sucessivamente liquidadas.
Escreveu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 5.6.2003[21]: “a renda a cujo pagamento o locatário fica vinculado não corresponde ao valor locativo do bem, que não é a contrapartida da sua utilização, pois deve permitir, dentro do período da vigência, a amortização do bem locado e cobrir os encargos e a margem de lucro do locador por forma a facultar ao locatário, findo o prazo do contrato, a aquisição do bem pelo seu valor residual”. Mais: “na locação financeira há (economicamente) uma obrigação única do devedor, correspondente ao custo do bem, encargos e margem de lucro, com prestações fraccionadas no tempo”.
O veículo interveniente no acidente estava na detenção da A. com base num contrato de leasing, pagando ela uma renda mensal ao locador, no valor de € 903,13 pela sua utilização.
É certo que, com ou sem utilização do veículo, a A. estava e continuou a estar obrigada a pagar aquela renda, cumprindo o contrato de locação financeira. Porém, no caso, a não utilização do veículo pela A. resultou de uma ato ilícito e culposo do condutor do veículo seguro na R. que a tornou impossível em virtude do acidente que causou. Ou seja, o agente culpado inviabilizou a possibilidade da A., com a utilização do veículo que lhe era destinada, produzir o rendimento que permitiria, nomeadamente, o pagamento da renda que a A. teve que continuar a fazer, pelo que o acidente foi causal do prejuízo que consistiu no valor da contrapartida mensal paga pela A. ao locador financeiro durante o período de paralisação do veículo, sem que o pudesse utilizar.
Da análise da fatura emitida pelo locador em março de 2020, junta com a petição inicial, resulta uma renda mensal de € 903,13, havendo também alusão a um valor residual, e à existência de 39 rendas vincendas. Desde a data da celebração do contrato de locação financeira, estavam vencidas, à data do acidente, 6 mensalidades da locação.
Resulta, assim, daquele documento a prática de uma renda mensal ao longo de 45 meses (6+39), a vida do contrato, o que redunda no pagamento de uma renda total de cerca de € 40.641,00, devendo a A. liquidar um valor residual aplicável ao caso, findo o contrato, se optar pela aquisição do veículo.
A existência de valor residual não afasta a possibilidade séria de cada uma das prestações mensais (rendas) integrarem uma parcela relativa à amortização do veículo, sendo certo que, além dessas amortizações parciais e sucessivas, integram juros remuneratórios, encargos e lucros da instituição financeira locadora, no caso o Banco ....
O direito de compra, sendo uma mais-valia para a A. locatária, não pode considerar-se entre os danos ocasionados pelo acidente.
Par efeito de indemnização, contará apenas o que, em cada prestação mensal paga pela A. ao locador corresponde ao valor locativo do veículo.
Não dispomos do contrato de locação financeira e, mesmo que dele dispuséssemos, provavelmente não seria fácil ou mesmo possível descortinar o que em cada renda mensal corresponde ao valor locativo do bem para, assim, encontrar o valor da indemnização.
Havemos, pois, de recorrer à equidade considerando os elementos de facto acima enunciados e as respetivas considerações (art.º 566º, nº 3, do Código Civil).
À renda mensal de € 903,13 corresponde o valor diário de cerca de € 30,00. Admitindo que neste valor estão incluídos, muito provavelmente, lucro do locador, juros remuneratórios e encargos, e ainda valores parciais de amortização do preço, ainda que em pequena parte, havemos de os ponderar na determinação do valor locativo do Peugeot, pelo que, considerando tais valores, temos como equilibrado fixar a indemnização pela privação do seu uso na quantia de 25,00 por dia, o que, dado o tempo que durou a paralisação desse veículo, perfaz a indemnização de € 2.425,00 (€ 25,00 x 97 dias).
*
Pretende a A. receber da 2ª R. seguradora também o proporcional do prémio de seguro que pagou à sua seguradora, X..., S.A., no valor anual de € 797,26.
Entende que se trata de uma situação paralela à obrigação de indemnizar pelo valor locativo pago pela utilização do veículo sinistrado, relativamente ao tempo da sua imobilização para reparação, que acabámos de tratar. Daí que, pelos 97 dias de paralisação pretenda receber a quantia indemnizatória de 227,88.
Esta situação não é idêntica àquela.
Contrato de seguro é, na definição de José Engrácia Antunes, “o contrato pelo qual uma pessoa singular ou colectiva (tomador do seguro) transfere para uma empresa especialmente habilitada (segurador) um determinado risco económico próprio ou alheio, obrigando-se a primeira a pagar uma determinada contrapartida (prémio) e a última a efectuar uma determinada prestação pecuniária em caso de ocorrência do evento aleatório convencionado (sinistro)”.[22]
É “o contrato aleatório por via do qual uma das partes (o segurador) se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer”[23]
As partes, ao celebrarem o contrato, assumiram que em consequência de circunstâncias fortuitas, uma delas possa ganhar e outra possa perder, não podendo estas reagir contra o desequilíbrio patrimonial do contrato (ao contrário do que sucede nos contratos cumulativos), porquanto “os negócios aleatórios são negócios de risco (…), e o risco desse desequilíbrio é voluntária e conscientemente assumido, como próprio do contrato”[24].
Tal como a aleatoriedade ou contingência típica do contrato de seguro não é selecionável, também o risco próprio do contrato não é divisível, ao longo da sua duração; e não o sendo, também o prémio o não é. Não pode ser distribuível por períodos temporais. Há um risco potencial e total a todo o momento, em todo o período de vigência do contrato.
O pagamento do prémio, da totalidade do prémio, vale para o período de vigência do contrato como um todo, independentemente das vicissitudes por que passa o veículo. Não pode uma parte do prémio corresponder a um determinado período de tempo e outras partes a outros períodos de tempo, do mesmos modo que o prémio não pode ser reduzido em função de determinados dias ou noites em que o veículo está fechado numa garagem ou em situação de ausência absoluta de risco.
Decorre do exposto que a 2ª R. não deve ser condenada a indemnizar a A. pelo proporcional ou por qualquer outro valor do prémio de seguro pago pela A. à sua seguradora (X..., S.A.).
*
e) A indemnização por danos não patrimoniais
Dispõe o art.º 496º, nº 1, do Código Civil, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Nos termos do nº 3 do mesmo artigo, o montante desta indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do mesmo código.
Esta indemnização tem uma função compensadora (gravidade dos danos), e uma função sancionatória (grau de culpabilidade do agente). Os referidos critérios de indemnização dos danos não patrimoniais não devem ser confundidos com os critérios de indemnização dos danos patrimoniais, que têm na sua base a teoria da diferença. Não obstante a equidade esteja consagrada para ambas as indemnizações, a sua função é distinta. A equidade, nos danos patrimoniais, tem, como vimos já, uma função auxiliar e corretora (artigo 566º, nº 3, Código Civil).
Trata-se aqui de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro.
No caso, a discussão centra-se primordialmente no direito à indemnização.
O tribunal negou o direito com o fundamento de que a parte ativa nestes autos, a A., é a sociedade B..., Unipessoal, Lda. e não o seu legal representante, DD, a pessoa que sofreu os danos que se provaram: desgastes, incómodos, ansiedade e nervosismo com toda a situação e regularização da mesma.
No recurso, discordou a recorrente do entendimento seguido na 1ª instância, argumentando que o gerente da A. atuou sempre em nome e em representação da sociedade representada, que foi a violação do direito da sociedade que esteve na origem do formulado pedido de reparação de danos e que nunca o legal representante atuou em nome próprio.
A razão está na sentença.
Os danos que ficaram provados são danos pessoais do DD, e não danos da sociedade em nome e em representação da qual atua. As sociedades não ficam ansiosas, nem nervosas, nem revoltadas. São estados psicológicos, portanto, estados suscetíveis de afetar apenas as pessoas físicas e não pessoas coletivas de qualquer tipo.
Por outro lado, não sendo parte na causa, DD, o representante da A. sociedade, não podia agir em nome desta para pedir para ela uma indemnização a que a mesma não tem direito, por tais danos não lhe dizerem respeito, mas a pessoa diferente.
Assim, não sendo a A. sociedade a pessoa ofendida ou prejudicada com o dano não patrimonial que ficou provado, manifestamente, não lhe assiste o direito à respetiva compensação, por ilegitimidade substantiva.
Improcede esta questão do recurso.
Não há outras questões a decidir.
*
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
………………………………
………………………………
………………………………
*
V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação do Porto em julgar a apelação da A. parcialmente procedente e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando-se agora a 2ª R. Y... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., também a pagar à A. B..., Unipessoal, Lda. a indemnização de € 2.425,00 pela privação do uso do veículo durante o tempo da sua imobilização (97 dias) que mediou entre a data do acidente e a data da conclusão da sua reparação, a que acrescem os respetivos juros de mora, à taxa legal em cada momento em vigor, vencidos desde a citação, até integral pagamento.
*
As custas da apelação, assim como as custas devidas na 1ª instância, serão suportadas pela A. e pela 2ª R., na proporção do respetivo decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
Porto, 10 de março de 2022
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
_________________
[1] Por transcrição.
[2] Por transcrição.
[3] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[4] “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.2.2006, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. I, pág. 85.
[6] Pessoa Jorge, “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 69.
[7] Proc. 1797/12.0TBBCL.G1, in www.dgsi.pt.
[8] Proc. 2884/11.8TBBCL.G1, in www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16.03.2011, proc. 3922/07.2TBVCT.G1.S1 e de 08.05.2013, proc. 3036/04.9TBVLG.P1.S1, in www.dgsi.pt, citando-se, no segundo, outra jurisprudência, nomeadamente os acórdãos do mesmo Tribunal 5 de Julho de 2007, proc. nº 07B1849, e de 10 de Setembro de 2009, proc. nº 376/09.4YLSB, também publicados na referida base de dados. Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.2.2008, Colectânea de Jurisprudência do S., T. I, pág. 90, citando Direito das Obrigações do Prof. Menezes Leitão, vol. I, pág. 317, Cadernos de Direito Privado, anotação do Prof. Júlio Gomes, nº 3, pág. 62 e Temas, do Desembargador Abrantes Geraldes, vol. 1, pág. 90 e 91. E ainda acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2005, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, XIII, III, pág. 151, onde se contém vasta recensão jurisprudencial no sentido sustentado, e o acórdão desta Relação de Guimarães de 11.11.2009, proc. 8860/06.5TBBRG.G1, in www.dgsi.pt.
Não olvidamos alguma jurisprudência, designadamente no Supremo Tribunal de Justiça --- de que são exemplo os acórdãos daquele Alto Tribunal de 16.9.2008, de 30.10.2008 e de 12.1.21012, in www.dgsi.pt --- no sentido do reforço das exigências de prova dos prejuízos emergentes da paralisação do veículo.
[10] In “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, Coimbra, Almedina, 2001.
[11] A outra posição entende a essencialidade da alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo, de proceder à utilização do veículo e termos desta.
[12] In www.dgsi.pt.
[13] – In Indemnização do Dano Privação do Uso, pág.s 39-41.
[14] Colectânea de Jurisprudência do Supremo, Tomo I, pág. 90.
[15] Citando Direito das Obrigações do Prof. Menezes Leitão, vol. L, pág. 317, Cadernos de Direito Privado, anotação do Prof. Júlio Gomes, nº 3, pág. 62 e Temas do Desembargador Abrantes Geraldes, vol. 1, pág. 90 e 91; e ainda, na jurisprudência do Supremo, acórdão de 29/11/2005 (CJSTJ XIII, III, 151), onde se contém vasta recensão jurisprudencial no sentido sustentado.
[16] Proc. nº 3036/04.9TBVLG.P1.S1 – 7ª Secção.
[17] Regulada pelo Decreto-lei nº 149/95, de 24 de junho (Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira), cuja última alteração foi introduzida pelo Decreto-lei nº 30/2008, de 25 de fevereiro.
[18] F. Baptista de Oliveira, Contratos Privados, Vol. III, Coimbra, pág. 27.
[19] Fernando de Gravato Morais, in Manual da Locação Financeira, Almedina, 2006.
[20] Manual de Direito Bancário”, 3.ª Edição, 2008, Almedina, a pág. 555.
[21] Proc. 4372/2003-6, in www.dgsi.pt.
[22] Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, págs. 683-686.
[23] Pedro Romano Martinez, Direito dos Seguros – Apontamentos, 2006, pág. 51.
[24] Pedro Pais Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2007, 4.ª Edição, pág. 449.