Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4940/15.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO BANCÁRIO
CONVENÇÃO DE CHEQUE
REGIME DE COBRANÇA SIMPLES
REGIME À COBRANÇA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RP201706194940/15.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º653, FLS.142-155)
Área Temática: .
Sumário: I - A obrigação de restituir, fundada no enriquecimento sem causa, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) que haja um enriquecimento de alguém; b) que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição; c) que o enriquecimento careça de causa justificativa e, para além disso que constitua acção subsidiária ou que apresente carácter residual, no sentido de que a pretensão por enriquecimento sem causa só poderá ser exercitada quando se estiver perante uma situação de facto não regulada por qualquer norma específica (crf. artigos 473.º e 474.º do CCivil).
II - O depósito é o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante.
III - É do conhecimento geral que os bancos podem obter o pagamento de cheques emitidos sobre o estrangeiro, quer seja em regime à cobrança ou regime de cobrança simples.
IV - No regime de cobrança simples (Cash Letter), o cheque é enviado para o banco correspondente no país sobre o qual é sacado, para que este coloque o cheque no sistema de compensação, sem qualquer verificação das assinaturas pelo menos não de imediato, procedimento que implica que mais tarde, (em alguns países até 1 ano mais tarde) o sacado pode reclamar com o seu Banco, informando que a assinatura que consta no cheque não é sua e exigir ser reembolsado.
V - No regime à cobrança a conta do sacador só é creditada pelo valor líquido do cheque quando este for efectivamente cobrado, tendo sido verificados não apenas o saldo da conta como também a assinatura do sacado.
VI - Tendo o Réu recorrente procedido ao depósito, na conta domiciliada na agência da Autora, de um cheque sacado sobre o estrangeiro em regime “SBC-Salvo Boa Cobrança” a respectiva conta só seria creditada pelo valor inscrito no cheque quando este fosse, efectivamente, cobrado.
VII - Se a entidade bancária foi notificada pela sua correspondente no estrangeiro de que o dito cheque iria ser devolvido por “cheque alteration”, o depósito do seu valor nunca chegou a ocorrer.
VIII - Todavia, se por erro operacional da Autora e sem qualquer causa justificativa, inexistência de qualquer depósito por falta de correcto pagamento do cheque em causa, fez deslocar para a esfera patrimonial do Réu recorrente a quantia de €15.000,00 que ficou disponível na sua conta e que este gastou em seu proveito, a única via que aquela tinha para obter o reembolso do valor de que, por erro dos seus serviços, se viu desapossada era a acção de enriquecimento sem causa por se verificar, no caso concreto, o seu carácter subsidiário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4940/15.4T8VNG.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto-V. N. Gaia-Inst. Local-Secção Cível-J1
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
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Sumário:
I - A obrigação de restituir, fundada no enriquecimento sem causa, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) que haja um enriquecimento de alguém; b) que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição; c) que o enriquecimento careça de causa justificativa e, para além disso que constitua acção subsidiária ou que apresente carácter residual, no sentido de que a pretensão por enriquecimento sem causa só poderá ser exercitada quando se estiver perante uma situação de facto não regulada por qualquer norma específica (crf. artigos 473.º e 474.º do CCivil).
II - O depósito é o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante.
III - É do conhecimento geral que os bancos podem obter o pagamento de cheques emitidos sobre o estrangeiro, quer seja em regime à cobrança ou regime de cobrança simples.
IV - No regime de cobrança simples (Cash Letter), o cheque é enviado para o banco correspondente no país sobre o qual é sacado, para que este coloque o cheque no sistema de compensação, sem qualquer verificação das assinaturas pelo menos não de imediato, procedimento que implica que mais tarde, (em alguns países até 1 ano mais tarde) o sacado pode reclamar com o seu Banco, informando que a assinatura que consta no cheque não é sua e exigir ser reembolsado.
V - No regime à cobrança a conta do sacador só é creditada pelo valor líquido do cheque quando este for efectivamente cobrado, tendo sido verificados não apenas o saldo da conta como também a assinatura do sacado.
VI - Tendo o Réu recorrente procedido ao depósito, na conta domiciliada na agência da Autora, de um cheque sacado sobre o estrangeiro em regime “SBC-Salvo Boa Cobrança” a respectiva conta só seria creditada pelo valor inscrito no cheque quando este fosse, efectivamente, cobrado.
VII - Se a entidade bancária foi notificada pela sua correspondente no estrangeiro de que o dito cheque iria ser devolvido por “cheque alteration”, o depósito do seu valor nunca chegou a ocorrer.
VIII - Todavia, se por erro operacional da Autora e sem qualquer causa justificativa, inexistência de qualquer depósito por falta de correcto pagamento do cheque em causa, fez deslocar para a esfera patrimonial do Réu recorrente a quantia de €15.000,00 que ficou disponível na sua conta e que este gastou em seu proveito, a única via que aquela tinha para obter o reembolso do valor de que, por erro dos seus serviços, se viu desapossada era a acção de enriquecimento sem causa por se verificar, no caso concreto, o seu carácter subsidiário.
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, SA, pessoa colectiva … … …, com sede na Avenida …, .., Lisboa, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra C…, residente na Praceta …, nº … em Vila Nova de Gaia, pedindo a sua condenação do pagamento da quantia de €15.000,00 acrescida dos respectivos juros legais vencidos desde a data do recebimento da carta de interpelação em 16.05.2014 e os vincendos até integral e efectivo.
Alega para o efeito, em resumo, que o Réu, em 2/1/2014, depositou um cheque sacado sobre o estrangeiro, no valor de €15.000, na agência da Autora sita na rua …, Vila Nova de Gaia.
Nessa ocasião o Réu foi informado do regime associado, ou seja, caso o cheque viesse a ser cobrado, a Autora procederia à sua devolução.
Já no dia 15/1/2014 o correspondente da Autora em França informou-a que o cheque iria ser devolvido por se tratar de um cheque alterado.
Todavia, por lapso dos seus serviços, acabou por disponibilizar a quantia em causa na conta de depósitos à ordem do Réu, tendo este, entre 16/04 e 22/04/2014 procedido a diversos levantamentos.
A sua conta ficou, em resultado desses levantamentos, com saldo indisponível e apesar das diversas interpelações para restituir a quantia indevidamente recebida, o Réu nada fez e apropriou-se, sem causa justificativa, da quantia de €15.000.
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O Réu, citado, contestou impugnando a factualidade invocada pela Autora e deduziu pedido reconvencional, no valor de € 1.000, a título de danos não patrimoniais, porquanto em virtude do sucedido, cuja culpa atribui em exclusivo à Autora, o seu nome consta da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, pretendendo ser ressarcido dos danos por essa via causados.
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A Autora replicou pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
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Findos os articulados, foi agendada uma audiência prévia.
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Foi proferido despacho saneador e admitiu-se o pedido reconvencional deduzido.
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Fixou-se o valor da acção e definiram-se os temas de prova, quer sob a forma de factos já provados quer quanto aos factos a provar.
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Por último, tomou-se decisão acerca dos meios de prova apresentados pelas partes e agendou-se a audiência de julgamento.
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Teve lugar a audiência de julgamento que decorreu com observância do legal formalismo.
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A final foi proferida decisão que julgou a acção procedente por provado e consequentemente condenou o Réu a pagar à Autora a quantia €15.000 [quinze mil euros], acrescida de juros legais à taxa de 4%, contados desde 16/5/2014 até efectivo e integral pagamento e julgou a reconvenção deduzida pelo Réu improcedente, por não provada e absolveu a Autora reconvinda do pedido contra ela formulado.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Réu interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 23/11/2016, a fls. dos presentes autos, com a referência citius n.° 374086985, que julgou:
A)- a presente acção procedente e condenou o Réu/Recorrente a pagar a Autora/Recorrida, a Quantia de €15.000 [quinze mil euros], acrescida de juros legais à taxa de 4%, contados desde 16/5/2014 e até efectivo e integral pagamento.
B)-a reconvenção deduzida pelo Réu/Recorrente improcedente, por não provada, absolvendo-se a B…, S.A./Recorrida do pedido contra ela formulado:
2. A Autora/Recorrida fundou a sua pretensão no instituto previsto no artigo 473° do Código Civil;
3. A sentença sub judice considerou que neste caso concreto se mostram preenchidos os pressupostos do enriquecimento sem causa no que concerne ao Réu/Recorrente, verificando-se as seguintes circunstâncias:
a)- o enriquecimento do Réu, uma vez que aumentou o seu património com a referida importância de €15.000;
b)- o empobrecimento da Autora, que viu o seu património diminuído no mesmo montante;
c)-nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento, pois o enriquecimento do Réu verificou-se à custa do empobrecimento da Autora, nos termos já apurados;
d)-a ausência de causa justificativa, porque a deslocação patrimonial ocorrida baseou-se num erro dos serviços administrativos da Autora;
e)-a ausência de outra acção apropriada, pois a lei não faculta à empobrecida outros meios de reacção.
4. Quanto ao pedido reconvencional, o Exmo, Sr. Juiz a quo entendeu que nessa parte não restava ao Tribunal outra hipótese que não fosse emitir uma sentença absolutória.
5. Por duas ordens de razões: Dispõe o artigo 484° que "Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados".
6. Por outro lado, a título de danos não patrimoniais, parece ser pacífica a tese de que os mesmos são indemnizáveis, desde que sejam graves e mereçam a tutela do direito, de harmonia com o normativo inserto no artigo 496°, n° 1.
7. Ora, se é difundida uma informação que não corresponde à verdade e se por via dessa informação a imagem comercial do sujeito é afectada, com a sua inclusão na lista de pessoas com responsabilidades vencidas, em princípio haverá fundamento para condenação do autor da difusão da informação.
8. Mas, no caso dos autos, a informação que a Autora/Recorrida enviou ao Banco de Portugal, do nosso modo de ver, mais não foi que o cumprimento de uma obrigação legal decorrente do Decreto-Lei n° 204/2008, de 14 de Outubro.
9. E se assim não fosse, sempre a pretensão do Réu seria julgada improcedente em face da factualidade que alegou e que resultou provada, muito escassa para se poder considerar verificada a ocorrência de danos não patrimoniais relevantes, designadamente a afectação do bom nome, crédito e reputação.
10. Sucede que o Meritíssimo Juiz a quo não esteve bem ao aplicar o instituto do enriquecimento sem causa-artigo 473° do C.P.C.-ao caso sub judice.
11. Ao contrário do defendido na sentença recorrida, não se encontra preenchido o requisito previsto no artigo 474.° do C.P.C, (ausência de outra acção apropriada, pois a lei não faculta à empobrecida outros meios de reacção).
12. Partindo da factualidade dada como provada na sentença, mais concretamente dos artigos 13.°, 20.°, 24.° e 25.° da petição inicial, dúvidas não podem existir de que estamos perante um “erro da própria instituição bancária”, realizado pelos serviços administrativos da Recorrida.
13.E à luz dessa factualidade que a presente acção judicial deveria ter sido estruturada, e não fazendo apelo à aplicação de um instituto jurídico de carácter subsidiário, como o enriquecimento sem causa.
14. Entre a Recorrida e o Recorrente foi celebrado um contrato de depósito bancário à ordem.
15. “O depósito bancário pode caracterizar-se como o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante. O banco adquire a propriedade e a disponibilidade do dinheiro, e o depositante um direito de crédito sobre o banco”, -vide Ac. STJ de 08.05.2012, in www.dgsi.pt.
16. Por outra via, “A convenção de cheque é um contrato de prestação de serviços, mais concretamente um contrato de mandato sem representação, sinalagmático, que se caracteriza por o banco aceder a que o seu cliente, titular de um direito de crédito sobre a provisão, mobilize os fundos à sua disposição, por meio da emissão de cheques, vinculando-se o banco ao respectivo pagamento (art. 3.° da LUCH)”-vide o mesmo aresto.
17. Assim, segundo o artigo 3.° do Aviso 4/2009 do Banco de Portugal, “A informação a prestar pelas instituições de crédito no âmbito da negociação, celebração e execução de contratos de depósito deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e apresentada de forma legível”.
18. Se o banco pagar um cheque falsificado, incumpre o contrato/convenção de cheque, só se libertando de responsabilidade civil se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente o dever de verificação do documento cartular, não podia ter detectado a falsificação.
19. O que vale por dizer que incumbe sobre o banco/seus auxiliares/colaboradores actuar de acordo com as regras profissionais bancárias, decorrentes do risco inerente a tal actividade, no controle da assinatura do sacador e demais elementos essenciais que criam o título e despoletam a obrigação a seu cargo-tais como o dever de verificação da validade formal do portador nos cheques nominativos, o dever de verificação da regularidade da sucessão de endossos, o dever de verificação da validade material dos portadores dos títulos e o dever de verificação dos elementos consubstanciadores do título-enquanto depositário do dinheiro.
20. O dever de fiscalização ou de verificação significa controlar a autenticidade e regularidade do cheque, mediante exame do impresso e todos os requisitos do cheque-saque, confirmação da assinatura do cliente por semelhança com aquela que o cliente lhe confiou, e a verificação da regular sucessão de endossos (não sendo obrigado a verificar a assinatura dos endossantes-art. 35° da L.U.C.).
21. Não basta ao banco fiscalizar a autenticidade dos tais elementos por mera inspecção a "olho nu", sem alegar que meios técnicos empregaram, ou se tal tarefa foi executada por pessoa experiente e dotada de conhecimentos que, razoavelmente, lhe permitissem descobrir a falsificação.
22. Com efeito, o dever acessório de competência técnica-transversal a toda a actividade bancária-projecta-se nos cuidados e cautelas que o banco deve observar no pagamento dos cheques.
23. Devendo, pois, actuar com diligência e profissionalismo nos diversos aspectos atinentes ao manuseio dos cheques e, na dúvida, deve ser cauteloso, recusando o pagamento dos cheques menos claros ou relativamente aos quais exista um qualquer motivo de suspeita.
24. Dito isto, tendo havido incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, ao Banco incumbe provar que agiu sem culpa, que o evento danoso se deu por causa imputável ao depositante.
25. Por outras palavras, o pagamento só libera totalmente o Banco se este provar, face ao disposto no art. 799.° n.° 1 do Cód. Civil, que não teve culpa (pois se certificou da regularidade de todos os elementos constantes dos cheques), e que o pagamento foi devido a comportamento culposo da depositante, o que não se verificou "in casu".
26. A jurisprudência orienta-se, maioritariamente, para a determinação da imputação do dano decorrente do pagamento de cheque falsificado, pelos princípios da responsabilidade ex-contratu, assacando-a ora ao banco ora ao cliente, de harmonia com a sua culpa.
27. Ou seja, o dano decorrente do pagamento do cheque adulterado deve ser imputado em função da culpa que possa ser assacado ao banco ou ao sacador, assente na violação dos deveres contratuais que para um e para outro emergem da convenção de cheque que reciprocamente os vincula.
28. No nosso caso, a Recorrida só poderia subtrair-se à responsabilidade de assumir os prejuízos decorrentes do pagamento do aqui ajuizado cheque se tivesse conseguido provar que agiu sem culpa e que foi a conduta negligente do depositante que contribuiu decisivamente para o irregular pagamento verificado, o que, manifestamente, não aconteceu.
29. Segundo Fernando Correia Gomes, o banco, sobre quem impende a presunção de culpa no âmbito da responsabilidade contratual, consignada no art. 799°, n° 1 do Código Civil, só se exime à responsabilidade total pelos prejuízos sofridos pelo cliente se:
- conseguir provar que agiu sem culpa, que agiu com a diligência que lhe era exigível;
- conseguir provar a culpa exclusiva do cliente;
- provando-se negligência sua (para além da presunção de culpa), se provar, igualmente, negligência do cliente.
30. José Maria Pires é da mesma opinião na medida em que defende que “o banco depositário assume a responsabilidade pelos danos resultantes de um levantamento indevido derivado de documento falsificado, a não ser que o mesmo banco possa provar que o depositante agiu com dolo ou negligência”, caso em que a responsabilidade deve ser repartida entre depositante e o banco, segundo o grau de responsabilidade de cada um deles.
31. Também o Supremo Tribunal vem de forma persistente decidindo em idêntico sentido, como se dá nota nos acórdãos de 3/03/98, no BMJ 475°-715, 9/ 11/00 na CJ 2000-3-109, e mais recentemente de 7/05/09, Proc. n° 195/2000.C2.S1 e 3/12/09, Proc. n° 588/09.0YFLSB, desta Secção, disponíveis no ITIJ.
32. Como se sumariou no Acórdão deste Supremo de 25/10/07, Proc. n° 07B2543, disponível no ITIJ, “A confiança do cliente no Banco assenta, antes de mais, num conceito de competência técnica, que constitui um dos deveres gerais-de que emergem deveres de qualidade e de eficiência-a que se subordina a actividade do banqueiro, o qual deve adoptar, enquanto instituição, nas relações com os clientes, procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados”.
33. Também, como se sabe, em matéria de responsabilidade contratual, a culpa do devedor é apreciada nos termos gerais da responsabilidade civil (n° 2 do art. 799° do Código Civil), o que significa que vigora para a responsabilidade contratual o princípio básico de que a culpa é apreciada tendo como padrão a diligência típica de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art. 487°, nº 2 do Código Civil), “de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo”.
34. Como diz Antunes Varela “Quer isto significar que o julgador não estará vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado no meio, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento”.
35. Porque o art. 165° do Código Civil, referindo-se à responsabilidade civil da pessoa colectiva para com terceiros pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, consagra a doutrina de que a pessoa colectiva é havida como comitente e estes como comissários para o efeito da aplicação do disposto no art. 500.°, e nos termos do n.° 2 deste normativo a responsabilidade do comitente existe se o facto danoso foi praticado pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada, não importando que intencionalmente ou contra as instruções do mesmo.
36. Como refere Paulo Olavo Cunha, na sua Dissertação de Doutoramento que vimos citando, ao banco não pode ser, hoje, em pleno século XXI, exigível que actue apenas como um "bom pai de família", esperando-se dele uma actuação altamente qualificada e especializada numa bitola mais elevada que a aplicável aos negócios jurídicos comuns, devendo demonstrar que utilizou todos os meios adequados ã determinação de uma situação de falsificação.
37. Por isso, se abdica, intencionalmente ou por efeito do sistema de truncagem acordado pelo sistema de bancário a que os cheques até certo valor estão obrigatoriamente sujeitos, de exercitar os seus deveres de fiscalização e de do sacador, deverá assumir os resultados dessa omissão. “Trata-se de risco a correr por conta do sacado, que é também compensado com a poupança de custos associados a esse controlo”.
38. Com base no antecedentemente exposto, forçoso se torna concluir que a Recorrida podia e devia ter lançado mão de uma acção judicial fundamentada, não no enriquecimento sem causa, mas sim, numa eventual responsabilidade civil contratual.
39. No caso em que o enriquecimento resulta de um facto ilícito praticado com culpa, a única solução é recorrer ã responsabilidade civil dado o carácter subsidiário do enriquecimento sem causa. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Novembro de 1981, BMJ n.° 311, págs. 353 a 357).
40. Neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 30 de Novembro de 2006 que “declarou prescrito o direito do autor com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, pois sendo o pedido subsidiário, só após estar conhecida a impossibilidade de uso de outro meio de exercício do direito é que ocorre a permissão legal para o exercício do direito com base no enriquecimento sem causa”.
41. Ainda neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de Janeiro de 1998, CJ, ano XXIII, I, pág. 262 “O princípio do enriquecimento sem causa é subsidiário, não funcionando quando a lei faculta ao empobrecido outros meios de se indemnizar ou ser restituído, mas logo que estes outros meios deixem de poder ser usados ou resultarem infrutíferos, renasce o direito de acção com base naquele princípio”.
42. Com base no antecedentemente exposto, dúvidas não podem existir de que o Meritíssimo Juiz a quo também não esteve bem quando decidiu negar provimento ao pedido reconvencional formulado pelo Recorrente.
43. É que ao contrário do defendido na sentença recorrida, a informação enviada pela Recorrida ao Banco de Portugal não era, nem é verdadeira [lê-se na informação do Banco de Portugal de folhas 24 verso, que a razão da inclusão do Réu se deve a "Descobertos em depósitos à ordem"], tendo em conta que o Recorrente não praticou qualquer ato ilícito, nem estava em incumprimento que justificasse tal informação.
44. Logo, a ter sido difundida uma informação pelo Recorrido acerca do Recorrente que não corresponde à verdade, como foi o caso, a imagem do Recorrente foi injustamente afectada, sentindo-se o mesmo muito vexado com a sua inclusão na lista de pessoas com responsabilidades vencidas, pelo que todo este transtorno e vexame são fundamento mais do que necessário para a condenação do Recorrido no pagamento de uma indemnização ao Recorrente, pelo menos, por danos não patrimoniais.
45. Tanto mais que a informação enviada pela Recorrida ao Banco de Portugal, passa a estar disponível na base de dados deste último, à qual têm acesso todos as entidades bancárias e parabancárias com actividade em Portugal, pelo que sendo a mesma de carácter depreciativo, é público e notório, não carecendo, portanto, de ser alegado e provado, que o Recorrente por força dessa informação passou a ter dificuldades na concessão de crédito.
46. A sentença em mérito não aplicou de forma correta o estatuído nos artigos 165.°, 473.°, 474.°, 487.°, 500.° e 799.°, todos do Código Civil.
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Devidamente notificada contra-alegou a Autora recorrida concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir:
a)- saber se a subsunção jurídica da factualidade que se mostra assente nos autos se encontra, ou não, correctamente efectuada.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria factual:[1]
1º)-A Autora é um banco comercial, como tal considerada uma instituição de crédito, dedicando-se, no fundamental, a operações de crédito, designadamente, operações de mútuo ou empréstimos sobre numerário ou outros valores.
2º)-O Réu escolheu a Autora, através da sua Agência das Caldas da Rainha, para nela abrir uma conta de depósitos à ordem à qual coube o número …………..
3º)-A conta D.O. referida anteriormente é exclusivamente titulada pelo Réu ora Réu, através da qual podia realizar todas as operações bancárias associadas à conta, designadamente levantamentos e/ou depósitos e emissão de cheques.
4º)-Sucede que em 2/01/2014 foi negociado entre a Autora e o Réu, através da Agência da Autora sita na Rua … em Vila Nova de Gaia, a compra de um cheque sacado sobre o estrangeiro, no valor de €15.000,00 o qual foi depositado na conta referida em 2º).
5º)-Tratando-se de cheque sacado sobre o estrangeiro, foi o mesmo aceite sob o regime de SBC-Salvo Boa Cobrança, tendo o Réu sido devidamente informado que caso o cheque viesse a ser devolvido a Autora procederia à sua devolução, o que este aceitou, pela aposição da respectiva assinatura.
6º)-Sucede que em 15.01.2014 a Autora foi notificada pelo seu correspondente em França de que o dito cheque iria ser devolvido por “cheque alteration”.
7º)-Tendo ainda sido informada que a conta do cliente deveria ser debitada do valor relativo às despesas de devolução no valor total de €50,00.
8º)-A referida importância para as despesas ficou cativa na conta do Cliente e este, tendo tomado conhecimento de que tinha este cativo na conta, dirigiu-se à Agência onde depositou o cheque tendo em vista esclarecer a que se devia tal situação.
9º)-Na referida Agência foi o Réu esclarecido que o cativo se ficou a dever à devolução do cheque supra referido, e bem assim de que a Autora se encontrava a aguardar a remessa do cheque após o que lhe seria devolvido.
10º)-Quando há notícia de devolução de cheques sacados sobre o estrangeiro, o sistema informático introduz automaticamente um cativo no valor do cheque por um período de 51 dias.
11º)-No caso dos autos, foi introduzido esse cativo na conta do Réu, aguardando-se pela chegada do original do cheque para o devolver ao Cliente, cativo esse que estaria em vigor até ao dia 28.03.2014.
12º)-No entanto, o cheque em causa, por ser fraudulento, não chegou a ser devolvido pelo correspondente no prazo habitual, que é de cerca de duas semanas.
13º)-Não se tendo a Autora apercebido, por erro dos seus serviços, que o prazo do cativo dos €15.000,00 fora ultrapassado, ficou a dita quantia disponível na conta DO do Réu.
14º)-Não obstante ter sido informado pela Autora de que o referido cheque fora devolvido pelo Banco francês, quer pessoalmente na Agência quer através dos respectivos extractos de conta que recebeu.
15º)-Em 5.05.2014, data em que a Autora procedeu à regularização do cheque, a conta em causa estava com saldo indisponível, pelo que foi o cheque debitado a descoberto da referida conta que apresenta assim, um débito de €15.000,00 desde tal data.
16º)-A disponibilização do valor do cheque decorreu de erro dos serviços da Autora.
17º)-E que tais levantamentos não teriam ocorrido, por insuficiência de saldo disponível para o efeito, caso o cheque não estivesse já disponibilizado.
18º)-No entanto, o Réu foi avisado de que o cheque iria ser devolvido, e quando se apercebeu de que afinal o valor do cheque estava disponível, e sem perguntar à Autora o que se havia passado com o dito cheque, face à informação anterior, não se coibiu de proceder ao levantamento total dos valores disponíveis na conta.
19º)-Apesar de a Autora ter solicitado o respectivo reembolso do cheque e de inicialmente o Réu ter até manifestado interesse em regularizar a situação, a verdade é que até hoje o Réu nada pagou não tendo habilitado a conta para proceder a qualquer pagamento, ainda que parcial, da importância em causa.
20º)-Foi a Autora quem autorizou o levantamento das quantias referidas e melhor identificadas nos precedentes em 16º, 17º e 18º, e que se terá ficado a dever a um erro informático que a Autora não havia detectado antes.
21º)-A Autora solicitou ao Réu, extra-judicialmente, que procedesse ao pagamento da quantia indevidamente recebida, por cartas de 16.05.2014 e 5.06.2014.
22º)- A Autora apenas teve conhecimento de que o cheque não havia merecido pagamento por falta de provisão no dia 15.01.14, quando foi notificada pelo banco sacado.
23º)-Em virtude do incidente de incumprimento bancário o Réu está inscrito na Central de Responsabilidades de Crédito (Riscos) do Banco de Portugal.
24º)-O Réu nunca teve qualquer problema com nenhuma instituição bancária.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão a decidir no presente recurso e que se prende com:
a)- saber se a subsunção jurídica da factualidade que se mostra assente nos autos se encontra, ou não, correctamente efectuada.
Importa, antes demais, sublinhar que não tendo sido impugnada a matéria de facto que o tribunal recorrido deu como assente, é apenas com base nela que iremos apreciar o mérito ou demérito do recurso interposto pelo Réu.
Como se evidencia da decisão recorrida o Sr. juiz do processo subsumiu a factualidade supra exposta ao instituto jurídico do enriquecimento sem causa (cfr. artigo 473.º e ss. do CCivil) e, com base na verificação da sua factie species, julgou a acção procedente.
Deste entendimento dissente o Réu recorrente, ancorando essencialmente na circunstância de que não estavam preenchidos todos os pressupostos do referido instituto, mais concretamente a sua subsidiariedade.
Quid iuris?
Como sabemos, o enriquecimento sem causa é um evento, um facto, que se verifica quando o património de alguém é aumentado, sem causa, pelo correlativo empobrecimento do património de outrem, embora não deixe de ser um conceito jurídico, um facto jurídico sintético com complexos formados à custa de factos materiais e concretos.
Ao enquadrar-se tal facto na teoria da relação jurídica, verifica-se que ele é um facto jurídico constitutivo, porque dele deriva o direito de restituição para o dono do património empobrecido, com a correlativa obrigação de restituir por parte do dono do património enriquecido.[2]
O enriquecimento sem causa, no nosso ordenamento jurídico, acha-se previsto no artigo 473.º do Cód. Civil, onde se estatui o seguinte:
1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
A obrigação de restituir, fundada no enriquecimento sem causa, pressupõe assim a verificação cumulativa de três requisitos:
a) que haja um enriquecimento de alguém;
b) que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição;
c) que o enriquecimento careça de causa justificativa.[3]
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista (aumento de activo patrimonial; diminuição de passivo; uso ou consumo de coisa alheia; poupança de despesas).
Por outro lado para que alguém se arrogue o direito à restituição é necessário que o enriquecimento tenha sido obtido à sua custa. A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro.
Para além disso o enriquecimento carece de causa quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial.[4]
A inexistência de causa é a condição mais propriamente caracterizadora da acção de locupletamento, uma vez que pressupõe ter havido um enriquecimento injusto do réu, enriquecimento esse que, se não fosse injusto, não seria sem causa.[5]
Mas para além destes três requisitos, existe um outro, decorrente do artigo 474.º do CCivil onde se dispõe que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído (...)” que geralmente se exprime dizendo que a pretensão de enriquecimento constitui acção subsidiária ou que apresenta carácter residual.
Significa isto que o empobrecido só poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos. Sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação...) e possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência.[6]
Só depois de se apurar que as normas directamente reportadas ao litígio não garantem a tutela da situação em concreto é que poderá recorrer-se complementarmente ao instituto do enriquecimento sem causa.[7]
Conforme Diogo Leite de Campos[8] “A subsidariedade exprime a ideia de que a pretensão por enriquecimento não pode ser exercida em vez de uma outra acção cujos pressupostos também sejam preenchidos pela situação de facto verificada. Só é possível o recurso à acção de enriquecimento sem causa se não existe mais nenhuma acção”.
A subsidariedade impede também que se exerça a acção de enriquecimento sem causa quando a acção específica esteja paralisada por um obstáculo de direito (falta de prova legal, prescrição, etc.) ou por um obstáculo de facto imputável ao empobrecido.
Assim, deverá entender-se que a acção de enriquecimento sem causa só é exercitável quando não seja proponível, sequer em abstracto, outra acção, não relevando que o direito que esta visava tutelar tenha sido perdido por prescrição ou caducidade.
Com a consagração legal da subsidariedade da acção de enriquecimento sem causa teve-se em atenção o perigo que poderia constituir este instituto se começasse a ser utilizado indiscriminadamente, como forma de correcção de eventuais injustiças advindas do funcionamento do próprio ordenamento jurídico.[9]
É então de concluir que a pretensão por enriquecimento sem causa poderá ser exercitada quando se estiver perante uma situação de facto não regulada por qualquer norma específica e que integre os pressupostos daquele instituto.[10]
Feitas estas breves considerações regressemos ao caso concreto dos autos.
Entende o Réu recorrente que não está verificado o pressuposto da subsidiariedade supra referido, uma vez que a recorrida podia e devia ter lançado mão de uma acção judicial fundamentada, não no enriquecimento sem causa, mas sim, numa eventual responsabilidade civil contratual.
Não se acompanha, salvo o devido respeito, este entendimento.
Analisando.
Resulta da factualidade supra descrita que sendo a Autora recorrida um banco comercial, o Réu escolheu-a, através da sua Agência das Caldas da Rainha, para nela abrir uma conta de depósitos à ordem à qual coube o número ………….
A referida conta era exclusivamente titulada pelo Réu recorrente através da qual podia realizar todas as operações bancárias associadas à conta, designadamente levantamentos e/ou depósitos e emissão de cheques (factos descritos em 1º, 2º e 3º).
Desta factualidade decorre, sem qualquer margem para dúvida, de que entre o Réu recorrente e a Autora recorrida se celebrou um contrato de depósito bancário e poderá eventualmente ter-se estabelecido um “contrato ou convenção de cheque”.
Pese embora o nosso ordenamento jurídico não defina o contrato de depósito bancário ele caracteriza-se como “o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma determinada quantidade de dinheiro a um banco, que adquire a respectiva propriedade e se obriga a restituí-lo no fim do prazo convencionado ou a pedido do depositante”. O banco adquire a propriedade e a disponibilidade do dinheiro, e o depositante um direito de crédito sobre o banco.[11]
O depósito bancário é um contrato de crédito “sui generis” por isso que, sobre ser “bancário”, se caracteriza como depósito irregular e entra na categoria geral do mútuo (artigos 1206.º e 1142.º do CCivil).
O escopo ou causa do depósito está precisamente no fim de segurança económica: o depositante renuncia à propriedade do dinheiro, substituindo-a por um direito de crédito sobre um devedor de segura solvabilidade, que é o banco.
Na relação jurídica de depósito, o depositante é, portanto, credor e o banco devedor.
Com efeito, no depósito bancário, o banco tornando-se dono do dinheiro depositado, assume todo o risco desde o momento em que o recebeu do depositante por força do artigo 796.º, nº 1 do CCivil além de que são também de observar os princípios gerais que tornam irrelevante o pagamento feito a terceiro sem consentimento do depositante-cfr. artigos 769.º e 770.º do mesmo diploma.[12]
O depósito bancário, dada a natureza fungível das coisas que o integram ou constituem o seu objecto, assume a feição de irregular, com disciplina idêntica à do contrato mútuo, passando a integrar-se desde logo na propriedade do mutuário (depositário), ficando a cargo do depositário o risco do destino do depósito.
Poderá afirmar-se, qualquer que seja a orientação perfilhada, que se está perante um contrato real.
Igualmente se deverá entender que o banco, além de adquirir a propriedade do dinheiro recebido do depositante, assume todo o risco desde o momento em que o recebeu. Por isso, havendo falsificação de cheques, só a instituição bancária, em princípio, é que é atingida, que não o depositante que tem o direito de reaver o montante igual ao que depositou.[13]
Acresce que, neste contrato bancário “sui generis”, há quem, como o Dr. José Simões Patrício[14] tenha vindo sustentar que “pode até iludir-se a querela antiga entre as concepções como depósito e mútuo, desistindo simplesmente de qualificar o contrato e reconhecendo ao titular do depósito (ou da conta) um mero crédito sobre o banco”.
Porém, seja pela aplicação das normas civilísticas supracitadas, seja pela aplicação das normas do mútuo a obrigação nuclear do banco depositário é a de restituição da quantia depositada ao depositante.
Daí que o dr. Simões Patrício[15], naquele seu estudo, conclua que “poderá talvez legitimamente deduzir-se estar formada com razoável nitidez, na mais recente jurisprudência do nosso Tribunal Supremo, uma corrente que não se deixa prender à discussão conceitual sobre a natureza jurídica do depósito monetário, preferindo ater-se aos efeitos jurídicos do mesmo (...)”. Para rematar conclusivamente: “como vimos essa tendência harmoniza-se perfeitamente com a evolução verificada no direito comparado. E não deixa de se poder radicar naquilo que são, hoje, os efectivos contornos do "depósito" bancário onde a função de caixa dos clientes (prestação do denominado "serviço de caixa") sobreleva uma simples obrigação de disponibilizar os fundos recebidos (ou melhor, o respectivo saldo) e, muito mais ainda, a obrigação de custódia ou mera restituição dos mesmos”.
Por seu turno a convenção de cheque é um contrato de prestação de serviços, mais concretamente um contrato de mandato sem representação[16], sinalagmático, que se caracteriza por o banco aceder a que o seu cliente, titular de um direito de crédito sobre a provisão[17], mobilize os fundos à sua disposição, por meio da emissão de cheques, vinculando-se o banco ao respectivo pagamento (cfr. artigo 3.º da Lei Uniforme Sobre Cheques–LUCH).[18]
Todavia, quanto a este contrato nada nos autos se encontra provado que tenha sido celebrado entre as partes ainda que de forma tácita, já que não consta que ao Réu recorrido tenha sido entregue qualquer livro de cheques.
Admitindo-se, todavia que também tivesse sido celebrado a referida convenção de cheque, torna-se evidente que não estamos aqui, ao contrário do que refere o Réu recorrido nas suas alegações recursivas, perante um caso em que a Autora recorrida tenha pago um cheque falsificado sacado sobre a conta do Réu.
Efectivamente, respigando o quadro factual assente nos autos, o que se verificou foi que:
- em 2.01.2014 foi negociado entre a Autora e o Réu, através da Agência da Autora sita na Rua … em Vila Nova de Gaia, a compra de um cheque sacado sobre o estrangeiro, no valor de € 15.000,00 o qual foi depositado na conta referida em 2º);
- tratando-se de cheque sacado sobre o estrangeiro, foi o mesmo aceite sob o regime de SBC-Salvo Boa Cobrança, tendo o Réu sido devidamente informado que caso o cheque viesse a ser devolvido a Autora procederia à sua devolução, o que este aceitou, pela aposição da respectiva assinatura;
- sucede que em 15.01.2014 a Autora foi notificada pelo seu correspondente em França de que o dito cheque iria ser devolvido por “cheque alteration”;
- tendo ainda sido informada que a conta do cliente deveria ser debitada do valor relativo às despesas de devolução no valor total de €50,00;
- a referida importância para as despesas ficou cativa na conta do Cliente e este, tendo tomado conhecimento de que tinha este cativo na conta, dirigiu-se à Agência onde depositou o cheque tendo em vista esclarecer a que se devia tal situação.
- na referida Agência foi o Réu esclarecido que o cativo se ficou a dever à devolução do cheque supra referido, e bem assim de que a Autora se encontrava a aguardar a remessa do cheque após o que lhe seria devolvido;
- no entanto, o cheque em causa, por ser fraudulento, não chegou a ser devolvido pelo correspondente no prazo habitual, que é de cerca de duas semanas.
- não se tendo a Autora apercebido, por erro dos seus serviços, que o prazo do cativo dos €15.000,00 fora ultrapassado, ficou a dita quantia disponível na conta DO do Réu;
- não obstante o Réu ter sido informado pela Autora de que o referido cheque fora devolvido pelo Banco francês, quer pessoalmente na Agência quer através dos respectivos extractos de conta que recebeu, não se coibiu de proceder ao levantamento total dos valores disponíveis na conta.
Desta factualidade decorre, sem qualquer margem para tergiversação, que tudo se passou dentro da relação jurídica do contrato de depósito.
É do conhecimento geral que os bancos sediados em Portugal podem obter o pagamento de cheques emitidos sobre o estrangeiro, quer seja em regime à cobrança ou regime de cobrança simples.
No regime de cobrança simples (Cash Letter), o sacador acredita que o cheque recebido tem provisão, não contém erros de preenchimento, as assinaturas estão correctas, conhece e tem confiança no sacado.
Neste caso, o cheque é enviado para o banco correspondente no país sobre o qual é sacado, para que este coloque o cheque no sistema de compensação. Isto significa que as assinaturas não são verificadas pelo banco do sacado, pelo menos não de imediato. Este procedimento implica que mais tarde, (em alguns países até 1 ano mais tarde), o sacado pode reclamar com o seu Banco, informando que a assinatura que consta no cheque não é sua e exigir ser reembolsado.
No regime à cobrança o sacador porque não tem completa confiança no emissor do cheque ou por qualquer outra razão, solicita à sua agência que o cheque seja enviado em regime à cobrança, significando que a sua conta só é creditada pelo valor líquido do cheque quando este for efectivamente cobrado, tendo sido verificados não apenas o saldo da conta como a assinatura do sacado.
No caso em apreço tratando-se de cheque sacado sobre o estrangeirou foi o mesmo aceite sob o regime de “SBC-Salvo Boa Cobrança”, ou seja, a conta (Depósito à Ordem-DO) do Réu recorrente, domiciliada na agência da Autora recorrida, só seria creditada pelo respectivo valor líquido do cheque quanto este fosse, efectivamente, cobrado.
Decorre, pois, do supra exposto de que tudo se resumiu a uma operação de depósito na conta do Réu recorrente através de um cheque sacado sobre o estrangeiro, com a particularidade de que a referida conta só seria creditada pelo valor inscrito no cheque quando este obtivesse boa cobrança.
Portanto, diferentemente, do que o Réu recorrente pretende inculcar não estamos aqui no domínio de qualquer relação cartular, mais concretamente na situação de a Autora recorrida ter pago qualquer cheque adulterado (falsificado) sacado sobre a conta do Réu recorrente domiciliada na sua agência.
Por estar razão são completamente anódinas as conclusões 17ª a 37ª formuladas pelo Réu recorrente.
Com efeito, a Autora recorrida não tinha qualquer dever de controlar seja o que fosse relativamente ao cheque em questão nomeadamente a assinatura do sacado, visto que se tratava de um cheque para depósito na conta do Réu recorrente, aliás, nem teria forma de o fazer, pois que, sendo o sacado um terceiro estrangeiro, não teria como verificar a (i) regularidade da respectiva assinatura.
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Ora, situando-se a questão em termos de relação jurídica no contrato de depósito, importa agora dilucidar se o depósito do valor inscrito no título cambiário em causa ocorreu, ou não.
Como se evidencia da factualidade supra descrita, tratando-se de cheque sacado sobre o estrangeiro, foi o mesmo aceite sob o regime de “SBC-Salvo Boa Cobrança”, tendo o Réu sido devidamente informado que, caso o cheque viesse a ser devolvido, a Autora procederia à sua devolução, o que este aceitou, pela aposição da respectiva assinatura, como se retira do documento nº 2 junto com a contestação.
Significa, portanto, que a conta do Réu, domiciliada na agência da Autora recorrida, só seria creditada pelo valor constante do cheque caso este obtivesse a respectiva cobrança e disso estava ciente aquele (cfr. facto descrito em 5º da fundamentação factual).
Acontece que em 15/01/2014 a Autora foi notificada pelo seu correspondente em França de que o dito cheque iria ser devolvido por “cheque alteration”, ou seja, o cheque não iria ser cobrado, tendo o Réu recorrente sido informado, quer pessoalmente na agência quer através dos respectivos extractos de conta que recebeu, de que o referido cheque fora devolvido pelo Banco francês.
Resulta também da factualidade provada que quando há notícia de devolução de cheques sacados sobre o estrangeiro, o sistema informático introduz automaticamente um cativo no valor do cheque por um período de 51 dias, o que ocorreu no caso concreto, aguardando-se pela chegada do original do cheque para o devolver ao Réu, cativo esse que estaria em vigor até ao dia 28/03/2014.
No entanto, o cheque em causa, por ser fraudulento, não chegou a ser devolvido pelo correspondente no prazo habitual, que é de cerca de duas semanas.
Não se tendo a Autora apercebido, por erro dos seus serviços, que o prazo do cativo dos € 15.000,00 fora ultrapassado, ficou a dita quantia disponível na conta DO do Réu que posteriormente procedeu ao seu levantamento total.
Resulta, pois, do exposto que não tendo tido o cheque em causa boa cobrança o depósito do seu valor nunca chegou a ocorrer e, como tal, o Réu não podia ter procedido ao levantamento do seu valor, já que sobre a Autora não tinha qualquer crédito.
Aliás, diga-se, que tendo o Réu sido avisado de que o cheque não iria ser pago por ser fraudulento e tendo verificado, mesmo assim, que o seu valor estava disponível na sua conta, deveria ter-se abstido de o movimentar sem antes ter pedido explicações à Autora sobre a razão da existência de tal saldo, isto seria, em rectas contas, o que faria uma pessoa diligente.
Porém, não o tendo feito e tendo antes optado pela mobilização da totalidade do saldo da conta, com isso não cometeu ele qualquer acto ilícito que pudesse fundamentar qualquer tipo de responsabilidade seja contratual seja extracontratual, traduzindo-se apenas num aproveitamento de uma situação a que o Réu recorrente não teria direito (como supra se referiu o depósito da quantia em causa nunca chegou a ocorrer), mas para a qual em nada concorreu.
Na verdade, o que ocorreu foi um erro operacional que, sem qualquer causa justificativa, inexistência de qualquer depósito por falta de correcto pagamento do cheque em causa, fez deslocar para a esfera patrimonial do Réu recorrente a quantia de € 15.000,00 que ficou disponível na sua conta e que este gastou em seu proveito.
Portanto, tendo-se verificado a devolução do cheque, evidente se torna que a única via que a Autora recorrida tinha para obter o reembolso do valor de que, por erro dos seus serviços, se viu desapossada, seria a acção de enriquecimento sem causa.
Repare-se que a Autora recorrida sustentou o seu pedido num erro operacional dos seus serviços que levaram à libertação do saldo existente na conta do Réu recorrente, mas nunca o sustentou em qualquer facto ilícito, nem em nenhum ponto dos seus articulados referiu qualquer ilicitude no comportamento do Recorrente, pois que a libertação daquele saldo não estava no seu domínio e nem dependia da sua acção.
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Como assim, tendo a Autora recorrida demonstrado todos os demais requisitos do enriquecimento sem causa, como era seu ónus, e verificando-se a inexistência de qualquer outro meio pelo qual pudesse obter o ressarcimento do valor de que se encontra desapossada, apenas poderia lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa verificando-se desta forma, no caso concreto, o requisito da sua subsidiariedade a que acima se fez referência.
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Destarte, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida que fez uma correcta interpretação dos factos e acertada subsunção dos mesmos à lei, por ser o instituto do enriquecimento sem causa o único a que a Autora recorrida poderia lançar mão para se reembolsar do valor que o Réu gastou e que não lhe pertencia, não podendo, dessa forma, beneficiar do erro em que aquela incorreu ao ter disponibilizado na sua conta o referido montante.
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Improcedem, assim, as conclusões 10ª a 17ª e 38ª a 41ª formuladas pelo Réu recorrente.
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No que concerne ao pedido reconvencional também a decisão recorrida não nos merece qualquer reparo.
Com efeito, a Autora recorrida não divulgou qualquer facto falso relativamente ao Réu recorrente, antes tendo revelado a situação que dimanava da sua conta e no cumprimento de uma obrigação legal, como bem se assinala na decisão recorrida, razão pela qual não praticou a Autora recorrida qualquer ilícito que possa ser susceptível de criar a obrigação de indemnizar o Réu recorrente.
Aliás, diga-se, que neste conspecto a situação em que Réu se encontra é da sua exclusiva responsabilidade, pois que, sabendo que o cheque não iria merecer pagamento, porque tal facto lhe ter sido foi informado pela Autora, o recorrente mesmo tendo verificado que o saldo existente estava disponível, antes de o ter movimentado deveria ter questionado a Autora sobre tal situação.
Todavia, não foi essa, como sabemos, a opção do recorrente que antes preferiu mobilizar a totalidade do saldo da conta, o que levou à criação de um descoberto no valor total das utilizações.
Portanto, não só a Autora transmitiu ao Banco de Portugal um facto verídico e que corresponde integralmente à realidade, como o fez por imposição legal, sendo que tal facto apenas ocorreu por acção do Recorrente, que sabendo que não poderia mobilizar os fundos existentes na sua conta, não se coibiu do fazer, gerando assim o crédito da Autora.
A Autora não praticou, desta forma, qualquer ilícito, e o recorrente apenas se encontra na situação descrita, com reporte ao Banco de Portugal, porque não acautelou tal situação, mobilizando os valores depositados sabendo que o não deveria fazer.
*
Mas ainda que assim não se entendesse, nunca a Autora estaria ínsita na obrigação de indemnizar o Réu, já que, perscrutando a realidade factual que, saliente-se mais uma vez não foi objecto de impugnação, dela não resulta que em consequência daquela conduta da Autora o mesmo tivesse sido sofrido qualquer dano.
Na verdade, quanto ao pedido reconvencional apenas está provado que:
- Em virtude do incidente de incumprimento bancário o Réu está inscrito na Central de Responsabilidades de Crédito (Riscos) do Banco de Portugal.
- O Réu nunca teve qualquer problema com nenhuma instituição bancária.
Ora, que danos advieram para o Réu destes factos?
Nada está provado nos autos, sendo que, ao contrário do que refere o Réu, não existe qualquer facto que materialize os referidos danos e que daí se possa extrair por ser público e notório (artigo 412.º do CPCivil).
*
Por estas razões improcedem também as conclusões 42ª a 46ª formuladas pelo recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pelo Réu apelante sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
*
Porto, 19 de Junho de 2017.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
___
[1] Que o Sr. juiz do processo devia ter transcrito na respectiva decisão e não os meros artigos quer da petição inicial quer da contestação, deixando dessa forma de dar cumprimento ao estatuído no artigo 607.º, nº 4 do CPCivil.
[2] Cfr. Moitinho de Almeida, “Enriquecimento sem causa”, 2ª ed., pág. 27.
[3] Sobre o enriquecimento sem causa, cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 4ª edição, págs. 401/428; Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 11ª edição, págs. 489/503, Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 7ª edição, págs. 449/462.
[4] Cfr. Almeida Costa, ob. cit., pág. 500.
[5] Cfr. Moitinho de Almeida, ob. cit., 2ª ed., pág. 66.
[6] Cfr. Almeida Costa, ob. cit., págs. 501/2.
[7] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 16.1.2007, p. 06A4386, disponível in www.dgsi.pt.
[8] In “A Subsidariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento”, Almedina pag. 310
[9] Cfr. Diogo Leite de Campos, ob. cit., pág. 192.
[10] Cfr. Diogo Leite de Campos, ob. cit., pág. 327.
[11] Cfr. Alberto Luís in Direito Bancário, Almedina, 1985, pág. 165, e O Problema da Responsabilidade Civil dos Bancos Por Prejuízos Que Causem a Direitos de Crédito, na ROA, Ano 59, pág. 908 e ainda José. A. Engrácia Antunes in Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, pág. 492 e ss.
[12] Cfr. Acs. STJ de 12.6.74 (BMJ 238-272) e de 3.10.95 (proc. nº 16.05.69) e de 2.3.99 (CJ, VII, Tomo I-1999, pg. 134.
[13] Cfr. Moitinho de Almeida, Responsabilidade civil dos bancos pelo pagamento de cheques falsificados, pg. 108.
[14] In “A Operação Bancária do Desconto” Elcla Editora, Porto, pag. 50.
[15] Obra citada pag. 57/58.
[16] Cfr. neste sentido Fernando Correia Gomes, in Responsabilidade Civil dos Bancos pelo pagamento de cheques falsos ou falsificados, pág. 21 a 23; José Maria Pires, in O Cheque, Rei dos Livros, pág. 32 a 34; e Sofia de Sequeira Galvão, in “O Contrato de Cheque”, ed. Lex, 1992, pág. 58 e segs.
[17] Subjacente ao contrato de cheque está uma relação prévia entre o banco e o cliente, a denominada relação de provisão, que pressupõe que o primeiro tenha fundos à disposição do segundo, fundos esses que podem resultar de diversos tipos de contratos (depósitos, aberturas de crédito, empréstimos), registados em conta bancária (cfr. Fernando Correia Gomes, in loc. cit., págs. 12/13; José Maria Pires, in loc. cit., págs. 29/30; António Caeiro e Nogueira Serens, Responsabilidade do Banco apresentante e do Banco sacado pelo pagamento de cheques com endosso falsificado, na Revista de Direito e Economia, nºs 1 e 2, 1983, pág. 57; e Ac. deste STJ de 7/03/08, in www.dgsi.pt).
[18] Cfr. Paulo Olavo Cunha, in Cheque e Convenção de Cheque, 2009, págs. 441 e segs.; Sofia de Sequeira Galvão, loc. cit., pág. 35 e segs e Engrácia Antunes, obra citada pag. 548 e ss.