Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3109/21.3T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS MORATÓRIOS
Nº do Documento: RP202402203109/21.3T8VFR.P1
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Considerando o pressuposto em que assentou o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09.05.2002, ou seja, que os juros moratórios são devidos desde a data da prolação da sentença apenas na hipótese da indemnização fixada ter sido objecto de actualização nessa fase processual, importa averiguar, através da interpretação da sentença, se na fixação da compensação por danos não patrimoniais, incidiu algum índice de actualização.
II - Não se mostrando reflectido, na fixação da compensação dos danos não patrimoniais, o factor da desvalorização da moeda no período compreendido entre o evento danoso e a data da decisão, conclui-se que são devidos juros moratórios desde a citação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3109/21.3T8VFR.P1

Relatora: Anabela Andrade Miranda

Adjunta: Maria da Luz Teles Meneses de Seabra

Adjunto: Rui Moreira


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Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO

AA e BB intentaram a presente declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Condomínio do Prédio sito na Avenida ..., ... Santa Maria da Feira, aqui representado pela administradora CC pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, e em consequência condenado:

“A// A realizar as obras necessárias à impermeabilização das fachadas, coberturas e terraços do prédio, de forma a garantir a impermeabilização dessas partes comuns e assim garantir que inexiste excesso de humidade e infiltrações, delas decorrentes, na Fração L supra identificada;

B// No pagamento do custo de reparação dos danos causados pelas infiltrações e excesso de humidade na Fração L e respetivo recheio, verificados durante os anos 2019 e 2020 e advenientes da insuficiente impermeabilização das partes comuns do Prédio, que ascende a, pelo menos, ascende, Eur. 6.494,00 (seis mil, quatrocentos e noventa e quatro euros).

C// No pagamento aos Autores de uma indemnização pela privação do uso, quanto a um dos quartos, e a diminuição do uso e fruição do bem, em todas as demais divisões da Fração L, verificados em consequência das aludidas infiltrações e excesso de humidade na Fração L advenientes da insuficiente impermeabilização das partes comuns do Prédio, cujo valor deverá equivaler a Eur. 231,00 (duzentos e trinta e um euros) mensais, a pagar por cada mês que decorreu e vier a decorrer desde 13.03.2020 até à efetiva reparação da Fração L e das Partes Comuns, representando, na presente data, um total de Eur. 4.389,00 (quatro mil, trezentos e oitenta e nove euros);

D// No pagamento aos Autores de uma indemnização pelos danos não patrimoniais que estes sofreram em consequência das aludidas infiltrações e excesso de humidade na Fração L advenientes da insuficiente impermeabilização das partes comuns do Prédio, de montante não inferior a Eur. 10.000,00 (dez mil euros);

E// No pagamento de juros civis moratórios, vencidos e vincendos, contados, à taxa legal, desde a Citação do Réu até efetivo e integral pagamento”.

Para tanto, em resumo, alegaram que o condomínio não realizou obras de manutenção, razão pela qual a sua fração sofre infiltrações, danificando a mesma e impedindo o gozo de um dos quartos.


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O Réu contestou alegando, em síntese, que os Autores anteriormente intentaram uma ação contra a sociedade vendedora, alcançando aí uma transação na qual esta se comprometeu a realizar obras com vista a impedir as infiltrações na fração em causa. Sucede que as obras realizadas por aquela sociedade nunca debelaram definitivamente as infiltrações, pelo que deviam ter instaurado ação para execução daquela sentença no prazo de garantia. Não o tendo do feito por inércia, não podem agora formular pedido idêntico contra o aqui Réu, quando tal responsabilidade cabia à sociedade vendedora da fração.

Por outro lado, as infiltrações são do conhecimento dos Autores desde 2008/2009 pelo que o seu direito já prescreveu.

Por fim, alegou que vem realizando obras nas partes comuns, embora as mesmas estejam condicionadas à aprovação dos condóminos; desconhece a origem e dimensão dos danos existentes na fração dos Autores; e é excessivo o valor de 10.000,00€ peticionado a título de danos não patrimoniais.

Terminou pedido o seguinte:

“Termos no que respeita aos pedidos formulados nas alíneas a), b), c) e d), é de concluir quer pela prescrição do direito de exigir a eliminação das infiltrações, como do custo da reparação dos danos existentes no interior da habitação dos AA., como também pela prescrição dos créditos indemnizatórios - danos morais e privação do uso da fração -, devendo, consequentemente, a R. ser absolvida desses mesmos pedidos”.


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Os Autores exerceram o contraditório quanto às exceções invocadas na contestação.

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Proferiu-se sentença que julgou parcialmente procedente a acção, e em consequência, decidiu

a)Condenar o réu a realizar as obras descritas no facto provado em 11) na medida do necessário para garantir a impermeabilização devida e não permitir a infiltração de água na fração dos autores.

b)Condenar o réu a pagar aos autores a quantia de 7.150,41€ a título de danos patrimoniais e a quantia de 1.500,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora à taxa legal civil, contados desde 21 de dezembro de 2021 até integral e efetivo pagamento.

c)Absolver o réu do demais peticionado.


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Inconformado com a sentença, o Réu interpôs recurso finalizando com as seguintes

Conclusões

1- A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por errada apreciação da prova em termos de ter dado como provado, designadamente, o ponto 8. (Várias das infiltrações/patologias descritas em 7. verificaram-se no outono/inverno do ano 2019, em 2020 agravaram-se e mantêm-se) que deve ser julgado não provado por insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e falta de análise crítica das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal;

2- A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por errada apreciação da prova em termos de ter dado como não provado os pontos D. (Na fração dos autores foram efetuadas obras de conservação e reparação durante o ano 2003 que nunca debelaram as infiltrações e humidades existentes na fração dos autores) e E. (Desde pelo menos, 2008/2009 os autores sabem que as obras realizadas pela sociedade A..., Lda. não impediram a entrada de humidade na sua habitação) que devem ser julgados como provados por falta de análise crítica das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, nomeadamente por não ter sido valorizado o depoimento prestado em declarações de parte da Sra. Administradora de Condomínio e das testemunhas arroladas pelo Réu, também condóminos desde o ano 2000.

3- Tal conclusão resulta das declarações de parte da Sra. Administradora de Condomínio, CC, bem como das três testemunhas arroladas pela Recorrente, DD, EE e FF atrás transcritas;

4- Pelo que o presente recurso terá necessariamente que proceder com a consequente revogação da sentença proferida uma vez que o Recorrente não pode ser responsabilizado a realizar as obras necessárias à impermeabilização das fachadas, coberturas e terraços do prédio de forma a garantir que inexiste excesso de humidade e infiltrações na fração L, propriedade dos Recorridos por ser a empresa A... a responsável pela realização dessas mesmas obras tendo em conta o teor do acordo efetuado com os Recorridos no âmbito da ação identificada no ponto 22. dos factos provados.

5- Por outro, e alterando-se a matéria de facto nos termos acima referidos, o certo é que Recorridos tomaram consciência do direito que lhes assiste em exigir a eliminação das patologias das partes comuns, bem como o direito de solicitar o pagamento do custo das obras de eliminação das patologias existentes no interior da fração propriedade dos Recorridos como também o direito ao crédito indemnizatório por danos morais pelo menos 2008/2009, pelo que, tendo a presente ação dado entrada em tribunal a 13/10/2021, os referidos direitos já se encontram prescritos por já se encontrar ultrapassado o prazo de 03 anos previsto no artigo 498º do CC.

Todavia, à cautela, caso tal se não entenda

6- O valor arbitrado, a título de danos morais, pelo Tribunal recorrido é manifestamente elevado, pelo que impõe-se a revogação da sentença também nesta parte e substituindo-se por outra que condene o Recorrente a pagar aos Recorridos a quantia de €500,00;

7- Os juros de mora devidos pelos danos não patrimoniais fixados com recurso à equidade de forma actualista são devidos, à taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento, pelo que impõe-se a revogação da sentença também nesta parte e substituindo-se por outra que condene o Recorrente a pagar aos Recorridos os juros de mora à taxa de 4% ao ano, contados desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efectivo e integral pagamento;

8- Mostram-se violados, entre outros, o disposto nos nºs. 4 e 5 do artº 607º do Código de Processo Civil, bem como os artigos 493º, 496º, nº 1 e 4 e 566º, nº 2 todos do Código Civil.


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Os Autores apresentaram resposta concluindo da seguinte forma:

I.Salvo o devido e merecido respeito, os Recorridos entendem que a Douta Sentença não é merecedora dos reparos que lhe são feitos no Recurso apresentado pela Recorrente e que, por conseguinte, este deverá improceder in totum.

II.O ponto 8 foi corretamente dado como provado pelo Tribunal a quo, resultando evidente da Douta Sentença, que o Tribunal formulou a sua convicção, com base no princípio da livre apreciação da prova, convocando para o seu juízo as declarações prestadas pela Autora e pelas testemunhas GG, HH e II, conjugadas e corroboradas com a prova documental, a saber a missiva junta sob o Documento 13 com o requerimento de 26/04/2022 (e que a Ré condomínio, aqui Recorrente, confirmou ter recebido) e, ainda, a ata da assembleia de condóminos realizada em 07/08/2020 (junta como Documento 14 com o requerimento de 26/04/2022).

III.Ao contrário do referido no Recurso apresentado, os filhos dos Recorridos, que depuseram enquanto testemunhas, não têm qualquer interesse direto no desfecho da ação. Precisamente o que não sucede em relação à Sra. Administradora de Condomínio, que prestou declarações, nestes autos, enquanto Parte (de quem é legal representante) e das testemunhas DD, EE e FF, que são Condóminos, ou seja, aqueles que, no final de contas, terá de pagar os custos de uma condenação do Réu, ainda que de forma mediata, que será refletida nas quotas a pagar ao Réu.

IV.O Tribunal a quo deixou claro que “(…) as testemunhas DD, EE e FF, condóminos do prédio réu, referiram em Tribunal que os autores, nas assembleias de condóminos sempre vinham a reportar a existência de humidades na sua fração, mas ao que aludiram de forma genérica por ser recorrente, não tendo concretizado, em nenhum momento em que assembleias tal fora abordado, aliás, nem junta aos autos qualquer ata que o permitisse sustentar, a não ser aquela de agosto de 2020. De resto, nenhuma destas três testemunhas alguma vez entrou na casa dos autores, não tendo o menos conhecimento de quais as patologias que ali existiam ou não, e muito menos, desde quando. De modo que o depoimento destas três testemunhas não se mostrou consistente nem apto a infirmar o relatado pela autora e pelas testemunhas seus filhos, estes sim com conhecimento direto dos factos em análise”.

V.O Tribunal a quo decidiu corretamente ao não dar como provado que “[n]a fração dos autores foram efetuadas obras de conservação e reparação durante o ano 2003 que nunca debelaram as infiltrações e humidades existentes na fração dos autores” e que “[d]esde pelo menos, 2008/2009 os autores sabem que as obras realizadas pela sociedade A..., Lda. não impediram a entrada de humidade na sua habitação”.

VI.A concorrer neste sentido segue a prova a que acabou de se aludir, designadamente as declarações prestadas pela Autora e pelas testemunhas GG, HH e II, conjugadas e corroboradas com a prova documental, a saber a missiva junta sob o Documento 13 com o requerimento de 26/04/2022 (e que a Ré condomínio, aqui Recorrente, confirmou ter recebido) e, ainda, a ata da assembleia de condóminos realizada em 07/08/2020 (junta como Documento 14 com o requerimento de 26/04/2022). Esta prova – de diferente “estirpes” – corrobora-se entre si, ao invés da prova oferecida pela Recorrente, que se limita meros depoimentos vagos, não concretizados e que aludem a temas alegadamente abordados em reuniões de condomínio sem juntar qualquer acta corroborativa de tais reuniões (e do que aí se discutiu) e que, a existir, rapidamente colocaria termo à discussão (mas que, como resulta evidente dos autos, não existe e, consequentemente, a eles não foi junta).

VII.Saliente-se, aqui chegados, que estes factos integram a defesa por exceção invocada pela Recorrente na sua Contestação (concretamente a prescrição do direito dos Recorridos), sendo a esta Recorrente que competia, de acordo com as regras da distribuição do ónus da prova, (precisamente) provar que os Recorridos teriam conhecimento dos danos (e respetivo direito) naquele determinado momento. Não o tendo feito – ou até mesmo que subsistissem dúvidas sobre o momento em que tal conhecimento se dá -, o certo é que tais factos teriam de ser dados como não provados, como o foram.

VIII.Não deixa de ser relevante notar, de passagem, que se a Recorrente considerava que existiam defeitos de construção (argumento que usa para tentar sacudir a água do capote), de tal sorte que as partes exteriores (e comuns) não impermeabilizavam devidamente o Prédio (e seu interior), então impunha-se que tivesse, ela própria, reagido contra aquele construtor, o que nunca fez. Ou, pelo menos, que tivesse promovido o competente incidente de intervenção provocada, nestes autos, e tivesse exercido perante ele o direito de regresso que entendesse assistir-lhe – o que, também, nunca fez. A posição da Ré é, aliás, a de nada fazer para corrigir o problema que sabe existir nas partes comuns, a de nada exigir de ninguém no sentido de que tal seja também corrigido e, ainda, a de nada querer que se lhe exija a si.

IX.Com efeito, é a inércia do condomínio que vem, ao longo do tempo, contribuindo para que o estado do imóvel dos Recorridos se agrave e se mantenha, uma vez que, como é por demais certo, os problemas na fração autónoma dos Recorridos advêm de falhas de impermeabilização e cobertura de partes comuns do prédio (fachada e varandas), cabendo, por isso, ao condomínio realizar os atos conservatórios dos direitos relativos a estas partes, nos termos do disposto no artigo 1436.º, n.º 1, al. g) do Código Civil.

X.Também não assiste razão à Recorrente quando se insurge contra o valor arbitrado para indemnização dos danos patrimoniais. Nesse sentido, atente-se nos factos dados como provados – e que, note-se, não foram ora colocados em crise –, designadamente os pontos 6, 7, 9 e 10, que nos indicam as patologias de que sofrem quer o prédio, quer a fração dos ora Recorridos. Tais danos, alicerçados nas precauções diárias e transtornos sofridos pelos Recorridos – vide designadamente os pontos dados como provados 14, 15 e 17, que, igualmente, não foram colocados em crise com o presente recurso – não podem de todo ser considerados como “meras contrariedades e incómodos” como pretende a Recorrente fazer crer, consubstanciando, sim, uma situação completamente fora do padrão objetivo e comum das condições de habitabilidade e conforto que se associa a uma casa de morada de família.

XI.A título de mero exemplo, diga-se que o incómodo, desgosto e mágoa causados pela queda de parte do tecto num dos quartos da respetiva habitação não é uma mera contrariedade sem relevância jurídica; que a o incómodo, desgosto e mágoa causados por se dar um curto-circuito em casa não é uma mera contrariedade sem relevância jurídica; que o sentimento de desgosto e mágoa que advém aos Recorridos por terem a sua casa em tais condições – e por verem a Ré remeter-se a uma total inércia, alheamento e desinteresse pela resolução do problema – não é uma mera contrariedade que não exija a tutela do direito.

XII.Com efeito, dúvidas não poderão restar de que o quantum indemnizatório fixado pelo douto Tribunal a título de danos morais a pecar, pecaria por defeito e nunca pelo excesso, pelo que deverá igualmente improceder o Recurso nesta parte.


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II—Delimitação do Objecto do Recurso

As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto indicada, se a compensação a título de danos não patrimoniais é excessiva e desde quando são devidos os juros moratórios.


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Da Modificabilidade da decisão de facto

Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo.

Se a decisão do julgador está devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.[1]

O Recorrente manifestou a sua discordância relativamente ao decidido sobre o ponto 8 (Várias das infiltrações/patologias descritas em 7) verificaram-se no outono/inverno do ano 2019, em 2020 agravaram-se e mantêm-se) por entender que a matéria aí vertida devia ter sido considerada não provada por insuficiente fundamentação e ainda sobre a resposta negativa aos factos das alíneas D) (Na fração dos autores foram efetuadas obras de conservação e reparação durante o ano 2003 que nunca debelaram as infiltrações e humidades existentes na fração dos autores.) e E) (Desde pelo menos, 2008/2009 os autores sabem que as obras realizadas pela sociedade A..., Lda. não impediram a entrada de humidade na sua habitação.), fundamentando-se, para tanto, nas declarações da Administradora do condomínio, CC, e nas três testemunhas que arrolou.

Considerando que o Recorrente aponta ter ocorrido insuficiente fundamentação sobre os factos do ponto 8 cumpre transcrever o que foi consignado na sentença:

“Quanto ao facto provado em 8, sobre a data do surgimento das infiltrações convém desde logo referir que a autora, nas suas declarações, bem como a testemunha GG, seu irmão, mencionaram que as obras realizadas pela sociedade A... deixaram a habitação sem problemas visíveis. Já quanto às patologias reclamadas em sede da presente ação, sem prejuízo de, naturalmente, ser consabido que as infiltrações poderem ter progressão mais lenta ou mais rápida, consoante os casos, certo é que a autora, tal como as testemunhas HH e II, filhos dos autores, reconduziram a problemática em discussão nesta ação ao outono/inverno do ano 2019, que antecedeu o casamento desta última testemunha, e que se agravou no ano de 2020. Acresce que o documento 13 junto com o requerimento de 26/04/2022 trata-se de uma carta de mandatário dos autores dirigida ao réu condomínio, que este último confirmou ter recebido. Em tal missiva constata-se que os autores reportam a existência de infiltrações generalizadas na sua fração, tendo solicitado as reparações urgentes no edifício. Carta essa que tem a data de 13/03/2020, coincidente justamente com o inverno de 2020, altura em que os autores alegam que as patologias surgidas em 2019 se agravaram. Já na ata da assembleia de condóminos realizada em 07/08/2020 (junta como documento 14 com o requerimento de 26/04/2022) verifica-se que mais uma vez os autores reclamaram a existência de infiltrações na sua fração e prejuízos que invocaram terem-se acumulado no inverno antecedente. E ainda a carta datada de 06/11/2020, emitida pela B... relativa à fração dos autores e dirigida ao condomínio (junta como documento 15 do requerimento de 26/04/2022) onde aludem às infiltrações. Ou seja, estamos perante três documentos escritos, todos datados de 2020, mostrando-se compatíveis com as patologias surgidas em 2019 e agravadas em 2020.

Por outro lado, as testemunhas DD, EE e FF, condóminos do prédio réu, referiram em Tribunal que os autores, nas assembleias de condóminos sempre vinham a reportar a existência de humidades na sua fração, mas ao que aludiram de forma genérica por ser recorrente, não tendo concretizado, em nenhum momento em que assembleias tal fora abordado, aliás, nem junta aos autos qualquer ata que o permitisse sustentar, a não ser aquela de agosto de 2020. De resto, nenhuma destas três testemunhas alguma vez entrou na casa dos autores, não tendo o menos conhecimento de quais as patologias que ali existiam ou não, e muito menos, desde quando. De modo que o depoimento destas três testemunhas não se mostrou consistente nem apto a infirmar o relatado pela autora e pelas testemunhas seus filhos, estes sim com conhecimento direto dos factos em análise.”

Ao invés da crítica feita pelo Recorrente, consideramos que a análise dos meios de prova sobre a matéria de facto constante do ponto 8, como resulta da leitura da sentença, para além de exaustiva encontra-se muito bem fundamentada, pelo que não se verifica o vício apontado.

Na perspectiva do Recorrente, os factos descritos nas alíneas D) (Na fração dos autores foram efetuadas obras de conservação e reparação durante o ano 2003 que nunca debelaram as infiltrações e humidades existentes na fração dos autores.) e E) (Desde pelo menos, 2008/2009 os autores sabem que as obras realizadas pela sociedade A..., Lda. não impediram a entrada de humidade na sua habitação.) deviam ter sido dados como provados com base nas declarações da Administradora do condomínio, CC, e no depoimento de três condóminos, DD, EE e FF.

As alíneas D) e E) espelham a tese do Recorrente no sentido de que as obras são da responsabilidade da construtora-vendedora e que, apesar de esta sociedade ter feito trabalhos de reparação para eliminar as infiltrações que se verificam na fracção dos Autores, tal não teve sucesso, o que é do conhecimento dos Recorridos.

Ora, o prédio foi edificado pelo menos em 1998 e verificou-se o seguinte:

a) as fachadas e os terraços de cobertura, revestidos a material cerâmico, apresentam nas suas juntas, manchas e escorrimentos de eflorescências de carbonatação do cimento, bem como concentração de musgos, o que evidencia a existência de água a percolar na camada de base;

b) as fachadas, terraços de coberturas e cobertura encontram-se fissuradas e várias peças de cerâmica/azulejo levantaram permitindo a infiltração de águas para o interior das frações;

c) várias peças dos revestimentos cerâmicos “batem a oco” evidenciando água a percolar no seu tardoz e consequentemente a infiltrar-se no interior das frações;

d) as fachadas, terraços de coberturas e cobertura não estão a garantir a impermeabilização devida, permitindo a infiltração de água oriunda do exterior. (sublinhados nossos)

Ora, ficou provado que as patologias descritas em 7) são decorrentes de infiltrações repetidas, provenientes das fachadas e dos terraços das frações dos pisos superiores (o 5.º andar, último piso)-ponto 9.(sublinhado nosso)

Apurou-se ainda que no piso superior ao da fração dos autores existem três terraços de cobertura sobre as zonas que apresentam as patologias referidas, concretamente, sobre a lavandaria e a sala existe um terraço e sobre os quartos existem dois terraços-ponto 10.

E para reparação das patologias das partes comuns será necessário:

a) Na cobertura: a substituição da telha cerâmica existente, cuja telha nova deverá ser aplicada sobre uma subtelha, dada a inclinação muito reduzida do telhado; a substituição dos rufos dos corpos salientes da cobertura (caixa-de-escadas/elevador e chaminés), retirando os existentes que estão aplicados de forma inadequada; tratar ou substituir o revestimento dos corpos salientes e garantir que o mesmo sobrepõe os rufos de remate; substituir as telas betuminosas de impermeabilização da face interior das platibandas, que em alguns casos já se encontra remendada, bem como dos algerozes; rever a vedação entre os rufos do capeamento do coroamento das platibandas; e rever, refazer e/ou fazer a vedação dos tubos das saídas da drenagem das águas pluviais dos algerozes.

b) Nas fachadas e coberturas em terraços acessíveis: fazer o teste “ao toque” de toda a área da fachada revestida a material cerâmico; remover todos os cerâmicos que “tocarem a oco”, verificação do estado da base de assentamento e garantia da sua adesão, selar as fissuras do reboco e reaplicar novos cerâmicos. Em alternativa, em face dos custos da intervenção e da eficácia da solução, bem como os melhoramentos da eficiência energética, poder-se-á ponderar a alteração do sistema existente por um sistema de ETIC´s (vulgo capoto), caso a autarquia aprove, assim como a assembleia de condóminos; substituir a vedação das juntas de dilatação verticais entre edifícios contíguos; remover o capeamento dos muretes das varandas, executar a impermeabilização e voltar a aplicar novo material de revestimento. Em alternativa, por questões económicas e sem comprometer a eficácia da solução, poder-se-á utilizar um capeamento em peças de alumínio/inox/zinco puro subre o existente, caso a autarquia aprove, assim como a assembleia de condóminos; remover os cerâmicos existentes, refazer o sistema de impermeabilização, com a garantia de que o mesmo sobe nas paredes, até cerca de 15cm, sob o material de revestimento (das paredes das fachadas e dos muretes dos terraços); corrigir, reforçar e/ou substituir a impermeabilização das tubagens e acessórios de drenagem das águas pluviais e de lavagem dos terraços; aplicar novo revestimento cerâmico nos pavimentos dos terraços.-ponto 11.

Para reparação das patologias na fração dos autores é necessário:

a) Como trabalhos preparatórios: a deslocação e proteção de mobiliário, peças de decoração, cortinados, proteção de pavimentos, custos com gestão de estaleiro e transporte a vazadouro licenciado dos produtos demolidos; a demolição das áreas das paredes e dos tetos danificadas e sem condições de recuperação; refazer as áreas das paredes e dos tetos afetadas, com a aplicação de materiais de igual qualidade aos existentes.

b) Como trabalhos de pintura: execução de pinturas em paredes e tetos, incluindo os trabalhos preparatórios de emassamento, lixar e aplicação de primário.

c) Como trabalhos de carpintaria: a desmontagem dos dois roupeiros danificados pelas infiltrações, substituição dos módulos interiores e montagem das portas existentes, incluindo afinações.-ponto 12.

A matéria factual acima descrita não foi impugnada pelo Recorrente e como o próprio sabe, a manutenção e reparação das fachadas do edifício bem como a impermeabilização dos terraços são da sua exclusiva responsabilidade, até porque surgiram no inverno de 2019, intensificaram-se no ano seguinte e ainda se mantêm.

Por outro lado, tendo em conta o período temporal em que surgiram as mencionadas infiltrações/patologias, conclui-se que esta situação é completamente distinta das obras realizadas anteriormente pela sociedade construtora.

O depoimento da condómina DD, que se revelou credível, confirma exatamente essa realidade, apesar de no início ter dado a entender que a responsabilidade é da construtora e não do condomínio.

Concretamente, acabou por reconhecer que já tinham obtido um orçamento de valor elevado, antes da pandemia, para execução de obras no exterior do edifício. Justificou o atraso em recolher outros orçamentos com a pandemia e problemas graves de saúde da Administradora.

A condómina EE confirmou o anterior depoimento, transmitindo, no essencial, que as obras são da responsabilidade da empresa construtora. Declarou que o condomínio tinha conhecimento, desde 2001, que a fracção dos Autores tinha problemas de humidade mas nunca decidiram, pelo menos até 2019, e salvo a situação do terraço situado em cima de uma loja, fazer obras no exterior do prédio.

As condóminas DD e EE afirmaram que em praticamente todas as reuniões do condomínio era mencionado o problema de humidades na fracção dos Autores.

A testemunha FF depôs no mesmo sentido das anteriores testemunhas.

Finalmente, a Administradora CC, em síntese, justificou a oposição do condomínio no facto de entenderem que a responsabilidade não lhe pertence mas sim à construtora.

Concluindo, não se justifica qualquer alteração à decisão proferida sobre a matéria de facto que se encontra bem fundamentada em conformidade com os meios de prova produzidos e correctamente valorada à luz das regras da experiência.


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III—FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)

1. Consta registada a favor dos autores AA e BB por aquisição a A..., Limitada, registada pela ap. ... de 9 de dezembro de 1998, a fração autónoma designada pela letra “L”, que corresponde à habitação, tipologia T3, do 4.º andar direito do prédio sito na Avenida ..., ... Santa Maria da Feira, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o número .......

2. O réu é o Condomínio do sobredito prédio sito na Avenida ..., ... Santa Maria da Feira, constituído em propriedade horizontal, registada pela Ap. ... de 19 de outubro de 1998, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....

3. O prédio é integrado por 15 frações autónomas, identificadas com as seguintes letras: “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N”, “O” e “P”.

4. Desde que a adquiriram, a fração “L” constitui a morada dos autores, onde atualmente residem com a filha HH.

5. O prédio foi edificado pelo menos em 1998.

6. No prédio:

a) as fachadas e os terraços de cobertura, revestidos a material cerâmico, apresentam nas suas juntas, manchas e escorrimentos de eflorescências de carbonatação do cimento, bem como concentração de musgos, o que evidencia a existência de água a percolar na camada de base;

b) as fachadas, terraços de coberturas e cobertura encontram-se fissuradas e várias peças de cerâmica/azulejo levantaram permitindo a infiltração de águas para o interior das frações;

c) várias peças dos revestimentos cerâmicos “batem a oco” evidenciando água a percolar no seu tardoz e consequentemente a infiltrar-se no interior das frações;

d) as fachadas, terraços de coberturas e cobertura não estão a garantir a impermeabilização devida, permitindo a infiltração de água oriunda do exterior.

7. A fração dos autores apresenta as seguintes patologias:

a) No quarto pintado de azul, localizado sob o terraço da cobertura da fração do piso superior existem marcas de água nas paredes e caiu parte do teto, decorrentes de infiltrações repetidas e elevadas. E foi ainda necessário colocar um balde para recolher a água que saía pelo ponto de luz.

b) No quarto pintado de cor-de-rosa existem marcas de água na parede da fachada, decorrentes de infiltrações.

c) No quarto cor-de-laranja, a suite, existem fissuras no teto.

d) No hall dos quartos surgiram escorrimentos de água e marcas de infiltrações nos tetos e paredes concentradas na zona junta ao quarto pintado de azul.

e) Na cozinha existem escorrimentos de água pela parede, junto à lavandaria e por cima do frigorífico, além de áreas com o gesso do teto muito degradado e em alguns pontos a soltar-se da base.

f) Na lavandaria havia escorrimento de águas pela parede, zona onde se encontra uma tomada elétrica, o que provocou um curto-circuito na referida tomada elétrica.

g) No quarto pintado de azul, no hall dos quartos e na cozinha, no revestimento das paredes e tetos efetuados por pintura verifica-se o destacamento e empolamento da tinta; bem como nos tetos das varandas.

h) Nos quartos, os tetos em gesso cartonado apresentam manchas, destacamento e empolamento da tinta.

i) No quarto pintado de azul, no quarto pintado de cor-de-rosa e no hall a tinta das paredes empolou e descascou.

j) Os quartos, hall dos quartos, sala, cozinha, lavandaria e varandas apresentam fissuras, a tinta está lascada e apresentam bolor, sendo que na varanda os tetos apresentam manchas no reboco, em alguns pontos com a tinta empolada, a descascar ou já sem tinta.

k) Em dois quartos, os tetos falsos, nas zonas mais afetadas, estão podres assim como as molduras.

l) Na lavandaria, os tetos apresentam tinta, gesso e molduras podres, sendo que na zona mais afetada pelas infiltrações o gesso já se encontra muito degradado e em alguns pontos já nem existe.

m) Nos quartos azul e cor-de-laranja, a madeira dos roupeiros embutidos, nos módulos interiores, ficou danificada, sendo necessário remover e substituir.

n) Na sala, o teto no alinhamento da fachada do piso recuado da fração do piso superior foi danificado, sendo necessário repará-lo.

8. Várias das infiltrações/patologias descritas em 7) verificaram-se no outono/inverno do ano 2019, em 2020 agravaram-se e mantêm-se.

9. As patologias descritas em 7) são decorrentes de infiltrações repetidas, provenientes das fachadas e dos terraços das frações dos pisos superiores (o 5.º andar, último piso).

10. No piso superior ao da fração dos autores existem três terraços de cobertura sobre as zonas que apresentam as patologias referidas, concretamente, sobre a lavandaria e a sala existe um terraço e sobre os quartos existem dois terraços.

11. Para reparação das patologias das partes comuns será necessário:

a) Na cobertura: a substituição da telha cerâmica existente, cuja telha nova deverá ser aplicada sobre uma subtelha, dada a inclinação muito reduzida do telhado; a substituição dos rufos dos corpos salientes da cobertura (caixa-de-escadas/elevador e chaminés), retirando os existentes que estão aplicados de forma inadequada; tratar ou substituir o revestimento dos corpos salientes e garantir que o mesmo sobrepõe os rufos de remate; substituir as telas betuminosas de impermeabilização da face interior das platibandas, que em alguns casos já se encontra remendada, bem como dos algerozes; rever a vedação entre os rufos do capeamento do coroamento das platibandas; e rever, refazer e/ou fazer a vedação dos tubos das saídas da drenagem das águas pluviais dos algerozes.

b) Nas fachadas e coberturas em terraços acessíveis: fazer o teste “ao toque” de toda a área da fachada revestida a material cerâmico; remover todos os cerâmicos que “tocarem a oco”, verificação do estado da base de assentamento e garantia da sua adesão, selar as fissuras do reboco e reaplicar novos cerâmicos. Em alternativa, em face dos custos da intervenção e da eficácia da solução, bem como os melhoramentos da eficiência energética, poder-se-á ponderar a alteração do sistema existente por um sistema de ETIC´s (vulgo capoto), caso a autarquia aprove, assim como a assembleia de condóminos; substituir a vedação das juntas de dilatação verticais entre edifícios contíguos; remover o capeamento dos muretes das varandas, executar a impermeabilização e voltar a aplicar novo material de revestimento. Em alternativa, por questões económicas e sem comprometer a eficácia da solução, poder-se-á utilizar um capeamento em peças de alumínio/inox/zinco puro subre o existente, caso a autarquia aprove, assim como a assembleia de condóminos; remover os cerâmicos existentes, refazer o sistema de impermeabilização, com a garantia de que o mesmo sobe nas paredes, até cerca de 15cm, sob o material de revestimento (das paredes das fachadas e dos muretes dos terraços); corrigir, reforçar e/ou substituir a impermeabilização das tubagens e acessórios de drenagem das águas pluviais e de lavagem dos terraços; aplicar novo revestimento cerâmico nos pavimentos dos terraços.

12. Para reparação das patologias na fração dos autores é necessário:

a) Como trabalhos preparatórios: a deslocação e proteção de mobiliário, peças de decoração, cortinados, proteção de pavimentos, custos com gestão de estaleiro e transporte a vazadouro licenciado dos produtos demolidos; a demolição das áreas das paredes e dos tetos danificadas e sem condições de recuperação; refazer as áreas das paredes e dos tetos afetadas, com a aplicação de materiais de igual qualidade aos existentes.

b) Como trabalhos de pintura: execução de pinturas em paredes e tetos, incluindo os trabalhos preparatórios de emassamento, lixar e aplicação de primário.

c) Como trabalhos de carpintaria: a desmontagem dos dois roupeiros danificados pelas infiltrações, substituição dos módulos interiores e montagem das portas existentes, incluindo afinações.

13. Os trabalhos referidos em 12) encontram-se orçamentados em 7.150,41€, com IVA.

14. As situações descritas em 7) importam precauções extraordinárias como a verificação de equipamentos e tomadas elétricas devido a escorrimentos de águas, causam desconforto, reduzem a qualidade de vivência no espaço e põem em causa a salubridade da habitação.

15. Na sequência da situação descrita em 7), o quarto pintado de azul encontra-se inutilizável como quarto.

16. O quarto pintado de azul, era ocupado pelo filho dos autores, II, nas folgas de semanais do seu trabalho, tendo este casado em 31/08/2019, data em que deixou definitivamente de habitar em casa dos pais.

17. A situação descrita em 7) provoca nos autores incómodos, desgosto e mágoa.

18. Pelo menos desde 13/03/2020, o réu tem conhecimento da existência dos problemas nas partes comuns e dos prejuízos provocados na fração dos autores.

19. Desde tal comunicação, o réu não procedeu à realização de obras ou reparações nas fachadas, cobertura, terraços de cobertura e fração dos autores.

20. A presente ação foi intentada em 21 de outubro de 2021.

21. O réu foi citado em 21 de dezembro de 2021.

22. Em 18 de novembro de 2003, o autor AA intentou contra A..., Lda. uma ação sob n.º 8526/03.8TBVFR, no extinto 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria de Feira onde peticionou a condenação do réu a:

a) Reparar e eliminar as fissuras existentes nas paredes da aludida fração, bem como à respetiva impermeabilização;

b) Proceder à reparação total do interior da habitação do autor, colocando-a no estado anterior à verificação dos referidos defeitos;

c) A pagar a quantia de 10.000,00 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais e

d) Nas custas e demais encargos processuais.

23. Nessa ação foi elaborado relatório pericial que na resposta aos quesitos, além do mais concluiu:

a) que existe infiltração de água que se manifesta gravosamente no teto de dois quartos; e indícios de humidade na parede sob o peitoril das janelas;

b) que existe presença de humidade no teto da lavandaria com danificação de parte da sanca;

c) nos vários compartimentos são visíveis fissuras em paredes e tetos.

24. Em 6 de julho de 2007 foi elaborado termo de transação, homologado por sentença, em que a ali ré se comprometeu a realizar as obras propostas pelo Sr. Perito e que constam do relatório pericial; a ser efetuadas no prazo de 60 dias contados da data de homologação da transação; e que tais obras que se reputavam suficientes para a eliminação dos defeitos de construção, tendo de ser suficientes para impedir a entrada de humidades na fração referida nos autos suficiência essa que o autor terá por assegurada ao fim de dois invernos consecutivos, prolongando-se a garantia da mesma até maio de 2009.

25. Nessa sequência foram realizadas obras na fração dos autores e em partes comuns pela sociedade A... Lda..

26. Os autores não executaram a sentença referida em 24).

27. Entre os anos de 2012/2013 o réu efetuou obras de reparação da junta de dilatação do prédio.

28. No ano de 2012 o réu efetuou obras de impermeabilização dos dois terraços de cobertura do 1.º andar e no 5.º andar esquerdo traseiras.


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2. FACTOS NÃO PROVADOS

A. A fração dos autores apresenta as seguintes patologias:

a. No quarto pintado de azul, as infiltrações de água no roupeiro estragaram roupas que ali se encontravam.

b. Na casa de banho do quarto cor-de-laranja, suite, surgiram marcas de infiltrações nos tetos.

c. Na sala pingava água do teto e que manchou o tampo do móvel que ali se encontrava.

d. Na cozinha os tetos apresentam tinta, gesso e molduras podres.

e. Nos quartos azul e cor-de-laranja, a madeira roupeiros embutidos, a parte da frente ficou danificada, sendo necessário remover e substituir.

f. Na sala danificaram-se as paredes.

B. As situações descritas em 7) importam risco de segurança para as pessoas e bens da habitação e agravam o quadro clínico de rinite alérgica de que a filha dos autores padece.

C. O valor de mercado de uma renda de um apartamento idêntico ao dos autores, em Santa Maria da Feira, é de pelo menos 700,00€.

D. Na fração dos autores foram efetuadas obras de conservação e reparação durante o ano 2003 que nunca debelaram as infiltrações e humidades existentes na fração dos autores.

E. Desde pelo menos, 2008/2009 os autores sabem que as obras realizadas pela sociedade A..., Lda. não impediram a entrada de humidade na sua habitação.

F. O facto provado em 26) resultou de inércia dos autores.


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IV-DIREITO

Em consequência das infiltrações e do excesso de humidade na fração em causa, advenientes da alegada insuficiente impermeabilização das partes comuns do prédio, os Recorridos pediram ao tribunal a condenação do condomínio, Recorrente, a pagar-lhes, a título de damos não patrimoniais, a quantia de 10.000,00€.

Na sentença ponderou-se a gravidade dos danos e o lapso de tempo decorrido desde que o Recorrente tem conhecimento dos danos sem que nada tenha feito para resolver a situação, e entendeu-se justo e adequado atribuir aos Recorridos a quantia de 1.500,00€ acrescida de juros de mora à taxa legal civil, contados desde 21 de dezembro de 2021 até integral e efetivo pagamento.

Para além da questão da prescrição, cuja reapreciação ficou prejudicada pois dependia da alteração da matéria de facto, o Recorrente defende que o valor compensatório atribuído aos Recorridos é excessivo e que os juros devem ser contados a partir da sentença e não da citação.

Cabe ao lesante indemnizar o lesado dos danos decorrentes do evento, por forma a reconstituir a situação que existiria se o evento não se tivesse verificado-- v. artigos 483.º e 562.º do C.Civil.

O art. 496.º, n.º 1 do C.Civil estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

E o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º--v. n.º 4 do citado preceito legal.

O ressarcimento destes danos sempre foi enquadrado pela doutrina e jurisprudência numa vertente compensativa[2], compreendendo todos os danos que não estejam abrangidos no grupo dos danos patrimoniais, não devendo ser meramente simbólica, miserabilista, nem a sua atribuição arbitrária.[3]

A sua fixação depende de um juízo de equidade, sendo que esta, segundo o Dr. Dario de Almeida[4] não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio.., que encontra a sua finalidade especifica na (...) razoabilidade, isto é, dentro daqueles comandos ditados pelo bom senso, como expressão natural da razão.

Em todo o caso, importa abordar o ressarcimento dos danos não patrimoniais na perspectiva abrangente do seu conceito negativo (por contraposição aos danos patrimoniais), proposta por De Cupis (Il Danno, 1946, pág. 32), que o Prof. Vaz Serra secunda quando afirma que o dano não patrimonial é o que tem por objecto um interesse não patrimonial, isto é, um interesse não avaliável em dinheiro[5].

A equidade, alicerçada nos factos provados, deve ser norteada pelo princípio de igualdade, o que implica uma uniformização de critérios, desde que sejam respeitadas as circunstâncias do caso concreto.

Ora, no caso sub judice ficou provado (na parte que interessa para efeito de avaliação dos danos não patrimoniais sofridos pelos Recorridos) que no quarto pintado de azul, localizado sob o terraço da cobertura da fração do piso superior existem marcas de água nas paredes e caiu parte do teto, decorrentes de infiltrações repetidas e elevadas. Foi ainda necessário colocar um balde para recolher a água que saía pelo ponto de luz.

 No quarto pintado de cor-de-rosa existem marcas de água na parede da fachada, decorrentes de infiltrações; no hall dos quartos surgiram escorrimentos de água e marcas de infiltrações nos tetos e paredes concentradas na zona junta ao quarto pintado de azul; na cozinha existem escorrimentos de água pela parede, junto à lavandaria e por cima do frigorífico, além de áreas com o gesso do teto muito degradado e em alguns pontos a soltar-se da base; na lavandaria havia escorrimento de águas pela parede, zona onde se encontra uma tomada elétrica, o que provocou um curto-circuito na referida tomada elétrica.

Várias das infiltrações/patologias acima descritas verificaram-se no outono/inverno do ano 2019, agravaram-se em 2020 e mantêm-se, provocando nos Recorridos incómodos, desgosto e mágoa.

Pelo menos desde 13/03/2020, o condomínio tem conhecimento da existência dos problemas nas partes comuns e dos prejuízos provocados na fração dos autores e não procedeu à realização de obras ou reparações nas fachadas, cobertura, terraços de cobertura e fração dos Recorridos.

Portanto, desde o inverno de 2019 que se registam graves infiltrações de água em praticamente toda a área da fração pertencente aos Recorridos, e pese embora a ocorrência de danos que, além do mais, afetam a qualidade de vida e bem estar dos Recorridos, o condomínio não diligenciou no sentido de determinar a execução de obras de reparação das partes comuns.

Na verdade, demonstrou-se que as infiltrações de água implicam a tomada de precauções extraordinárias como a verificação de equipamentos e tomadas elétricas devido a escorrimentos de águas, causam desconforto, reduzem a qualidade de vivência no espaço e põem em causa a salubridade da habitação.

Aliás, um dos quartos, aquele que está pintado de azul encontra-se inutilizável como quarto e era ocupado pelo filho dos Recorridos, nas folgas de semanais do seu trabalho, tendo este casado em 31/08/2019, data em que deixou definitivamente de habitar em casa dos pais.

Tais danos, observou-se na sentença “manifestamente afetam a qualidade de vida dos autores, com evidente repercussão no seu bem estar habitacional e vivência diária, sendo, portanto, danos suficientemente graves para merecerem a tutela do Direito, tanto mais que se prolongam e são do conhecimento do réu, pelo menos desde 13/03/2020 até ao presente, ou seja, prolongam-se há mais de três anos.”

Perante este quadro factual, que se prolonga desde 2019, a compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelos Recorridos, da responsabilidade do Recorrente, só pecou, salvo o devido respeito, por defeito, pelo que não se altera a sentença.

Por último, apenas cumpre resolver a questão do dios a quo dos juros de mora, ou seja, saber a partir de quando devem ser contados os juros de mora: se desde a citação, como foi determinado na sentença, ou da sentença, como pretende o Recorrente.

Nesta matéria importa relembrar que os juros moratórios, nos termos conjugados dos arts. 804.º, 805.º, n.º 2 al. b) e 3 e 806.º, n.º 1 do C.Civil,  têm como função reparar os danos causados ao credor pelo retardamento culposo da prestação devida, contados desde a citação no caso de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.

Em conformidade com a teoria da diferença, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, é o que prescreve o artigo 566.º, n.º 2 do C.Civil.

O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. nº 4/2002, de 9/5/2002 (in DR, I-A de 27/6/2002), fixou a interpretação da lei no sentido de que sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do artº 566º nº 2 do Código Civil, vence juros de mora por efeito do disposto nos artºs. 805º nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º nº1 do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[6] sobre a matéria, o acórdão uniformizador assentou na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso.
Sobre a matéria, esclarece-se no Acórdão do STJ, de 04/11/2021,[7] que a “contagem de juros de mora desde a citação tem em vista a mesma finalidade que a atualização da indemnização à data da sentença: “imputar ao lesante o risco da depreciação monetária” ou da erosão do valor da moeda – porquanto, desde o início de vigência do DL n.º 200-C/80, de 24 de junho, os juros de mora têm também a função de compensar a desvalorização monetária. Interpretado à luz dos princípios gerais que regem a obrigação de indemnização e o respetivo cálculo, o preceito do art. 805.º, n.º 3, do CC, deve, pois, ser considerado como concretização da teoria da diferença. Tem por objetivo a consagração de um critério abstrato de cálculo dos danos sofridos pelo lesado, decorrentes da demora no pagamento, ulteriores à citação e anteriores à liquidação, sem afastar a teoria da diferença».
Neste sentido o Acórdão do STJ, de 14/09/2006[8], observa que “Uma decisão actualizadora da indemnização, em rigor, pressupõe que sobre algo já quantificado incida algum elemento ou índice de actualização, situação que se não reconduz necessariamente ao cálculo da indemnização com base no princípio da diferença da esfera patrimonial a que se reporta o n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil.
Assim, perfilhando as considerações plasmadas no Acórdão do STJ, de 06/06/2013[9], importa apurar, através da interpretação da sentença, se, no cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros ou na fixação da compensação por danos não patrimoniais, incidiu algum índice de actualização, situação que não se reconduz necessariamente ao cálculo da indemnização com base no princípio da diferença da esfera patrimonial a que se reporta o n.º 2 do artigo 566.º do C.Civil.
Simplesmente, a interpretação do sentido da decisão não se pode basear em presunções pois nas palavras do Acórdão proferido por esta Relação e secção, de 27/09/2022[10] “O sentido da decisão há-de ser o que resultar objectivamente da mesma, naturalmente esclarecido pela respectiva fundamentação, e esta tem ou deve ser expressa e claramente assumida.”
Nesta conformidade, tem sido maioritariamente entendido que os juros devem ser contados desde a sentença apenas na hipótese de nela ser fixada a compensação monetária com menção expressa da designada teoria da diferença, ou seja, quando seja exposta uma argumentação justificativa do cálculo actualizado a que se procedeu para esse efeito.

Nesta Relação do Porto, o Acórdão de 27/09/2018[11] concluiu “Se o juiz arbitra juros apenas a partir da data da decisão em relação à indemnização por danos não patrimoniais, tem não só de dizer expressamente como de demonstrar, na sentença, que fixou a indemnização de forma actualizada. Só assim pode aplicar a doutrina do Ac. UJ acima citado. Não se pode presumir que os danos não patrimoniais fixados na sentença são actualizados[13].

Assim, se o juiz não explica, nem demonstra, que tenha fixado a indemnização por danos não patrimoniais de forma actualizada, são devidos juros desde a citação, por aplicação das disposições conjugadas dos citados artºs 566º, nº 2 e 805º, nº 3 do CC.”

Na atribuição da compensação devida aos Autores não se atendeu, na sentença, ao factor da desvalorização da moeda no período compreendido entre os eventos e a data da decisão, razão pela qual, à luz do quadro legal aplicável e esclarecimentos da jurisprudência, os juros são devidos desde a citação.


*

V-DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.


Porto, 20/2/2024
Anabela Miranda
Maria da Luz Seabra
Rui Moreira
_________________
[1]
[2] v. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 375 e ainda Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 562 e segs., Telles, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 6.ª edição, pág. 375, Cordeiro, António Menezes, Direito das Obrigações, 2.º volume, 1990, pág. 285.
[3] É esta a orientação seguida pelo STJ, indicando como exemplo, entre muitos, o Acórdão de 24.04.2013 disponível no site www.dgsi.pt.
[4] v. Manual de Acidentes de Viação; sobre o conceito de equidade, v., entre outros, o Acórdão do STJ de 20.03.2014 disponível em www.dgsi.pt.
[5] v. BMJ, 83, pág. 69.
[6] Cfr. Acórdão de 13/07/2004 (rel Salvador da Costa) disponível in www.dgsi.pt.
[7] Rel. Maria João Vaz Tomé, citando Maria Graça Trigo, disponível em www,dgsi.pt
[8] Disponível em www,dgsi.pt
[9] Rel. Teresa Beleza, disponível em www.dgsi.pt
[10] Rel. Anabela Dias da Silva, disponível em www.dgsi.pt
[11] Rel. Deolinda Varão, e, no mesmo sentido, Ac. TRP de 10/01/2023 (rel Artur Dionísio Santos Oliveira e o nosso do TRG de 25/01/2018 disponíveis em www.dgsi.pt