Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23672/18.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: OBJECTO DO RECURSO
CONCLUSÕES DA ALEGAÇÃO DE RECURSO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DURAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2022011323672/18.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As conclusões das alegações de recurso são uma síntese destas e também o elemento delimitador do conhecimento pelo tribunal ad quem.
II - Em matéria de facto, constitui requisito mínimo indispensável da delimitação do objeto do recurso, nas respetivas conclusões, a indicação precisa, pelo recorrente, dos pontos considerados incorretamente julgados (al. a) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil).
III - Ao contrato de arrendamento celebrado em março de 2009 é aplicável o NRAU e, quanto à duração do contrato, o art.º 1094º que aquele novo regime do arrendamento introduziu no Código Civil.
IV - Se as partes nada estipularam relativamente a um possível termo certo do arrendamento, o contrato considera-se celebrado por duração indeterminada.
V - A indemnização por perdas e danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da ação ilícita e culposa do réu ou do reconvindo, fundamento da ação ou da reconvenção não se confunde com a indemnização por perdas e danos resultantes da litigância de má fé.
VI - Se, no final da lide, o juiz não dispõe de elementos suficientes para a fixação do montante desta indemnização, ouve as partes e fixa-a posteriormente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 23672/18.5T8PRT.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Central Cível – J7

Relator Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B… e cônjuge, C…, residentes na Rua…, …, freguesia de …, Porto, instauraram ação declarativa, com processo comum, contra D…, residente na Rua…, nº …, Porto, alegando essencialmente que, sendo proprietários de uma determinada fração autónoma, sita na cidade do Porto, cederam-na à R. a título temporário e gratuito, e que, tendo-a interpelado para que a restitua, a mesma nega a restituição e recusa sair daquele espaço, o que lhes tem causado prejuízos no valor de 600,00 por mês.
Concluíram o seu articulado pedindo a condenação da R.:
«a) a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre a fração B e melhor identificada no artigo 1º da petição inicial.
b) a restituir aos AA. a referida fração autónoma em causa livre e devoluta de pessoas e bens e nas exatas condições em que se encontrava aquando da cessão gratuita e temporária.
c) a pagar aos AA. a quantia de euros 600,00 a título de indemnização por cada mês de ocupação abusiva contados desde a interpelação até entrega efetiva da fração.
d) no pagamento das custas e despesas devidas.»

Citada, a R. contestou a ação ao longo de 277 artigos (!), alegando essencialmente que a ocupação que faz da fração está sustentada num contrato verbal de arrendamento --- não reduzido a escrito por exigência dos AA. --- celebrado no dia 1 de março de 2009, entre ela e os demandantes, tendo vindo a pagar pontualmente as rendas devidas, sem emissão de recibo.
Concluiu pela improcedência da ação e deduziu reconvenção, nos seguintes termos:
«Por todo o exposto,
Ora em reconvenção
Termos em que,
O presente pedido reconvencional deve ser julgado provado e procedente e, por via dele e em consequência, os AA/Reconvindos, condenados a reconhecer a posse e a ocupação do prédio urbano sito na Rua…, nº … no Porto à Ré/Reconvinte por legitimidade do mesmo, de modo,

Que seja reconhecido à Ré, aqui Reconvinte, a relação entre Reconvinte e Reconvindos, numa relação contratual em regime de contrato de arrendamento habitacional referente ao prédio Rua…, nº … Porto, em que Reconvindos são Senhorios com os termos em que, B… e C…; como senhorios do prédio referido concedem a D…, como reconvinte no contrato arrendatária em Contrato consagrado livremente e de boa-fé celebrado e reduzido a escrito, o presente Contrato de Arrendamento para Fins Habitacionais, com data de inicio a 1 de março de 2009 e com prazo incerto ou com prazo certo de 30 (trinta) anos permitidos nos por lei do prédio urbanos sito na Rua… nº … Porto, o qual terá, como contrapartida da ocupação e utilização do local arrendado, a renda mensal de 280,00€, vencendo-se a primeira renda a cada dia 8 de cada mês e cada uma das rendas subsequentes no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito, sendo o respetivo pagamento efetuado por meio idóneo e que poderá ser por deposito em conta dos AA/Reconvindos nº ………….. da E… e cuja renda referida anteriormente será atualizada anualmente mediante a aplicação dos coeficientes de atualização divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística e nos termos da lei vigente à data deste contrato, e demais condições contratuais coadjuvantes aos contratos de arrendamento em vigor segundo o legislação em vigor e em tudo o que for omisso neste contrato, aplicar-se-ão as normas constantes da legislação em vigor em Portugal, designadamente as constantes na NRAU e no Código Civil, também em vigor.”;

Para lá do maios, reconhecida uma indemnização a pagar pelos AA/Reconvindos à Ré/Reconvinte a calcular a final, mas cujo valor nunca será inferior a €5000,00€ (cinco mil euros), a título de danos patrimoniais (inclui as despesas tidas com este processo e que se irão comprovar), e não patrimoniais, resultantes do comportamento ilícito do AA/Reconvindos algo que manter-se-á enquanto durarem estes comportamentos danosos, acrescido dos juros legais vincendos desde a notificação dos AA/Reconvindos da persente pedido reconvencional, até integral pagamento.

Requer-se, ainda, a condenação do AA/Reconvindos em litigância de má fé sob os art.º 542.º e ss do CPC, nos termos em que se alega acima, quanto a possível Litigância de Má Fé;» (sic)

Os AA apresentaram réplica, onde, impugnando a matéria de facto alegada pela R., defenderam a improcedência da reconvenção, argumentando que, a provar-se a existência de um contrato de arrendamento verbal, o mesmo teria de ser declarado nulo por vício de forma.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se negou a ineptidão da petição inicial invocada pela R., após o que se definiu o objeto do litígio e se enunciaram os temas de prova.
Após várias vicissitudes, sobretudo relacionadas com a aquisição de meios de prova e com a aplicação da legislação especial relativa à pandemia da doença COVID-19, foi realizada a audiência final[1], na sequência da qual foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Em face do exposto:
A- julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a) declara-se os autores como únicos e legítimos proprietários da fracção autónoma identificada no artigo 1º, da petição inicial;
b) absolve-se a ré do demais peticionado;
c) as custas da acção serão suportadas pelos autores (cfr. art.ºs 527º, nºs 1 e 2 e 535º, nº 1, do NCPC).
B- julgo a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
a) condena-se os autores a reconhecer terem celebrado com a ré, em Março de 2009, um contrato de arrendamento para habitação, referente à fracção autónoma identificada no artigo 1º, da petição inicial, pelo prazo de 2 anos renovável e renda mensal de €280,00 (duzentos e oitenta euros);
b) condena-se solidariamente os autores a pagar à ré a quantia de €166,05 (cento e sessenta e seis euros e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios legais, contados desde a notificação do pedido reconvencional até efectivo e integral pagamento e a quantia de €1.000,00 (mil euros), acrescida de juros de mora a contar da data desta sentença até integral pagamento; absolvendo-os do restante pedido.
Custas, nesta parte, a cargo dos autores e da ré, na proporção dos respectivos decaimentos, nos termos do disposto no art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC.»
*
Inconformados, apelaram os AA., alegando com as seguintes CONCLUSÕES:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Os AA. responderam em contra-alegações que sintetizaram assim:
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………………………………
………………………………
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Colhidos os visto legais, cumpre decidir.
II.
A matéria a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (e não tenha sido decidido com trânsito em julgado) - está delimitada pelas conclusões da apelação dos RR. reconvintes, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).

Estão para a apreciar e decidir as seguintes questões:
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto;
2. Duração do contrato de arrendamento;
3. Indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais;
4. Indemnização por litigância de má fé.
*
III.
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância[2]:
1. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgada em 22.10.2004, F…, na qualidade de procurador de G… e mulher H…, declarou vender aos autores que declaram comprar, pelo preço de €70.000,00, a fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente a uma habitação no rés-do-chão, com entrada pelo nº …, do prédio urbano, sito na Rua…, nº …, da freguesia de …, do concelho do Porto, inscrita na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo ….. e descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº …./……..-., conforme documento de fls. 9 a 12 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Encontra-se registada a favor dos autores, pela Ap. ., de 2004.09.17, a referida aquisição, por compra, da fracção autónoma identificada em 1., conforme documento de fls. 8 a 8v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Por acordo verbal celebrado entre a ré e os autores, em Março de 2009, os autores cederam temporariamente à ré a aludida fracção autónoma para habitação, mediante o pagamento de uma renda, no valor mensal de €280,00.
4. Tal acordo não foi reduzido a escrito por exigência dos autores.
5. Ainda por exigência dos autores, a ré, entre Março de 2018 e Maio de 2018, procedeu ao pagamento das rendas aos autores em numerário, sem que lhe fosse emitido qualquer recibo.
6. Os autores e a ré acordaram ainda que embora os serviços água e luz referentes à dita fracção autónoma se mantivessem em nome do autor marido, era a ré quem procedia ao pagamento dos respectivos consumos.
7. Em data não concretamente apurada, mas situada em data anterior a Junho de 2018, o autor marido solicitou verbalmente à ré a entrega do imóvel.
8. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 4.06.2018, recebida pela ré no dia 7 desse mesmo mês, os autores, através de advogado, interpelaram a ré para entregar a fracção autónoma até ao final do mês de Junho de 2018, conforme documentos de fls. 12v a 14 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Em resposta, a ré enviou ao autor marido a carta datada de 8.06.2018, cuja cópia consta de fls. 42 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. A ré não entregou a fracção autónoma aos autores, tendo passado a depositar na E… a quantia mensal de euros 280,00 a título de renda, conforme documentos de fls. 135 a 139v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. O valor locativo da fracção autónoma é actualmente de, pelo menos, €500,00, por mês.
12. A ré nasceu no dia …..1934, conforme documento de fls. 609v e cujo teor se dá por reproduzido.
13. À data de 21.10.2019, a ré foi sujeita a uma Junta Médica, tendo sido considerado que a mesma é portadora de uma deficiência que lhe conferia uma incapacidade permanente global de 66,4%, conforme atestado médico de incapacidade multiuso, constante de fls. 609v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. A ré encontra-se reformada, auferindo a título de pensão por velhice o valor mensal de €448,05, conforme declaração emitida pelo Centro Nacional de Pensões constante de fls. 610 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. A ré apresenta limitação da mobilidade marcada por deformação e edemas dos membros inferiores e diminuição da acuidade do olho direito com 40% de visão e sem visão do olho esquerdo e sofre de patologia cardiovascular e de obesidade, conforme atestado de doença constante de fls. 610v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
16. Necessitando da ajuda constante que recebe dos vizinhos, família e amigos.
17. Com o objectivo da ré abandonar a fracção autónoma, em 14.07.2018, os autores procederam à mudança da fechadura da aludida fracção autónoma e afixaram na porta o aviso cuja cópia consta de fls. 43v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18. E em data não concretamente apurada, os autores ordenaram ainda o corte do fornecimento de energia e água à aludida fracção autónoma.
19. Para aceder novamente à fracção autónoma, a ré necessitou de proceder à abertura da porta e a nova mudança da fechadura, no que despendeu a quantia de €166,05.
20. Tais condutas dos autores provocaram à ré medo, desespero, desgaste e transtorno psicológico.
*
Na sentença considerou-se não provada, além do mais com interesse, a seguinte matéria[3]:
a. os autores cederam o imóvel à ré de forma gratuita com a condição de lha terem de devolver logo que fosse interpelada para tal;
b. os autores pretendem arrendar o imóvel ocupado pela ré a terceiro;
c. o autor marido disse à ré que a mesma só saía do imóvel quando ele fechasse os olhos.
*
O mérito do recurso
1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto
Embora no corpo das alegações de recurso a R. esboce a intenção de recorrer relativamente à decisão proferida em matéria de facto, designadamente no que respeita à matéria de duração do contrato de arrendamento, citando e identificando passagens de depoimentos testemunhais produzidos em audiência, as conclusões do recurso respeitam exclusivamente a matéria de Direito, incluindo a questão da duração do contrato, sem qualquer indicação de facto ou factos a alterar face aos que foram dados como provados e não provados na sentença, ou facto novos que devam ser tidos como provados, tenham eles sido, ou não, alegados pelas partes.
A falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso, a declarar desde logo pelo juiz a quo (art.º 641º, nº 2, al. b)), sem prejuízo dos poderes do relator no tribunal ad quem (art.º 652º, nº 1, al. b)).
As conclusões assumem-se como a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso e que foram desenvolvidas na fundamentação, existindo autonomia formal e material entre estas duas partes de uma alegação de recurso. São «proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação».[4] São uma forma de condensação ou sintetização dos fundamentos que as alegações contêm.
Mas elas não são apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu; são também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem. Exercem uma importante função delimitadora do objeto do recurso, como inequivocamente resulta do nº 3 do art.º 635º.[5] Escreve A. Abrantes Geraldes[6] que, “conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. (…). Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir os objectivos pretendidos.” Acrescenta o ilustre Conselheiro que “a comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no art. 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento”. E conclui assim:
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se finda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas. A tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos”.
Esta posição radica na interpretação do ónus de impugnação da decisão proferida em matéria de facto previsto pelo art.º 640º do Código de Processo Civil.
O recurso interposto tem alegações e conclusões, mas suscita-se-nos o problema de saber se as conclusões cumprem os requisitos legalmente exigidos em matéria de facto e quais as consequências do seu eventual incumprimento.
Aquela posição interpretativa, inicialmente seguida já na vigência do atual Código de Processo Civil, sofreu alguma compressão no Direito aplicado e na doutrina[7] no sentido de um menor grau de exigência ao recorrente no cumprimento dos requisitos legais relacionados com a impugnação da decisão em matéria de facto e com o conteúdo das conclusões das alegações. Se essa corrente nos influenciou, não o foi certamente ao ponto de aceitarmos um completo desvirtuamento das conclusões e da sua finalidade que permanecem como uma exigência jurídico-processual relativa ao requerimento de recurso.
Tem sido longa a discussão jurisprudencial sobre os requisitos mínimos das conclusões de recurso na impugnação da decisão da matéria de facto, parecendo-nos agora predominante a jurisprudência no sentido de que constitui requisito mínimo indispensável da delimitação do objeto do recurso, a indicação precisa, na referida síntese conclusiva, dos pontos da matéria de facto considerados incorretamente julgados (al. a) do nº 1 do art.º 640º). Já a exigência da concretização dos meios de prova e da indicação da decisão pretendida (al.s b) e c) do referido nº 1) e a indicação das passagens da gravação tidas por relevantes pelo recorrente para a alteração pretendida (al. a) do nº 2 do mesmo artigo) apenas respeita ao corpo das alegações, sendo a sua indicação dispensável nas conclusões.[8] Esta solução evoluiu da posição anterior, ainda defendida por um setor da jurisprudência, que defende como requisitos mínimos das conclusões que ali se cumprissem os requisitos previstos nas al.s a) e c) do nº 1 do art.º 640º (a concretização dos factos tidos por incorretamente julgados e, bem assim, da decisão concreta a proferir no âmbito dessa matéria)[9].
Cita-se, a título ilustrativo, o que resulta do sumário do citado acórdão de 3.3.2016:
I. No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
Aqui chegados e constatando-se que, das conclusões das alegações da recorrente não resulta concretizado, nem bem nem mal, qualquer ponto da matéria de facto a alterar, falta a delimitação do recurso em matéria de facto, não podendo este deixar de ser rejeitado, sem possibilidade de aperfeiçoamento, ao abrigo dos art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1 e nº 3, a contrario, e 640º, todos do Código de Processo Civil.
*
O recurso em matéria de Direito
2. Duração do contrato de arrendamento
Por acordo verbal celebrado entre os AA., na qualidade de proprietários de uma fração autónoma destinada a habitação, sita no Porto, e a R., no mês de Março de 2009, cederam-lhe temporariamente o seu gozo, mediante o pagamento de uma renda, no valor mensal de €280,00.
Entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento (modalidade do contrato de locação relativa a imóveis), pelo qual os AA. assumiram as obrigações principais, que também cumpriram, de entregar à R. a fração locada, assegurando-lhe o respetivo gozo para os fins a que se destinava, e, correspetivamente, a R., assumiu a obrigação de pagar uma renda (art.ºs 1022º, 1023º, 1031º, al.s a) e b) e 1038º, al. a), do Código Civil).
A negação, pelo AA., da celebração e vigência de um contrato de arrendamento, resultou assim desmentida pelos factos que lograram adesão de prova.
Demonstrado o arrendamento, não provaram os AA. que, naquele acordo verbal, ou outro, foi fixado prazo certo para a duração daquela cedência temporária da fração, destinada a habitação da demandada.
A propósito, depois de considerar existente e válido o contrato de arrendamento, escreveu-se na sentença, no âmbito da apreciação do pedido reconvencional:
Como vimos, a ré começou por pedir que se reconheça a existência do contrato de arrendamento pelo prazo de 30 anos.
Ora, de harmonia com o disposto no art.º 1094º, do CC, na redacção vigente à data da celebração do contrato em apreço, o contrato de arrendamento urbano para habitação podia celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada, sendo que no contrato com prazo certo pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada.
Na ausência de estipulação das partes, o contrato considerava-se celebrado, com prazo certo, pelo período de dois anos.
O prazo devia constar de cláusula inserida no contrato e não pode ser superior a 30 anos, considerando-se automaticamente reduzido ao referido limite quando o ultrapasse.
Atenta a factualidade apurada, é inequívoco que não resultou demonstrado qual o prazo verbalmente acordado pelas partes, e, por isso, tem aplicação o regime supletivo do art.º 1094º, nº 3 CC, vigente à data da celebração do contrato.
Tal norma previa, à data, que “No silêncio das partes o contrato considera-se celebrado pelo período de 2 anos.”.
Este prazo renovou-se automaticamente por períodos de igual duração, pois não temos notícia de que o senhorio se tenha oposto à renovação, cuja comunicação é de 120 dias (cfr. art.ºs 1096º nº 1 e 3, 1097º nº 1, b), do CC).
Ver, neste sentido, o recente ac. do STJ, de 9.03.2021, disponível in www.dgsi.pt.
Concomitantemente, procede ainda que parcialmente o primeiro pedido formulado pela ré, devendo os autores ser condenados a reconhecer a existência de um contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma identificada nos autos, pelo prazo de dois anos, renovável, e pela renda mensal de €280,00.
É contra este entendimento que se insurge a R., defendendo que o contrato de arrendamento tem duração indeterminada.
A questão está primeira e essencialmente em saber qual era a lei vigente na data em que o contrato de arrendamento foi celebrado, em março de 2009, sendo essa a lei aplicável àquele contrato, por ter sido celebrado sob a sua égide, como todos reconhecem, podendo então as partes ter optado por qualquer solução alternativa ou supletiva que a lei dispusesse sobre a duração do contrato.
O Decreto-lei nº 321-B/90, de 15 de outubro, conhecido por RAU (Regime do Arrendamento Urbano), cuja vigência se iniciou no dia 15.11.1990, revogou várias disposições do Código Civil, designadamente o art.º 1094º (cf. respetivos art.ºs 1º, 2º e 3º, nº 1, al. a)).
Em 28.6.2006 entrou em vigor a Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (conhecida por NRAU) que revogou o RAU (cf. respetivos art.ºs 1º, 60º, nº 1 e 65º, nº 2). Tendo procedido à alteração de algumas normas do Código Civil, também lhe aditou os art.ºs 1064º a 1113º (cf. respetivos art.ºs 2º e 3º).
Passou então o novo art.º 1094º do Código Civil a ter o seguinte texto:
«1 - O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.
2 - No contrato com prazo certo pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada.
3 - No silêncio das partes, o contrato tem-se como celebrado por duração indeterminada.»
Este normativo só voltou a ser alterado pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, passando a ter o teor que se segue:
«1 - O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.
2 - No contrato com prazo certo pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada.
3 - No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de dois anos.»
Depois desta alteração, sofreu apenas outra, que vigora atualmente, introduzida pela Lei n.º 43/2017, de 14 de junho, nos termos da qual:
«1 - O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.
2 - No contrato com prazo certo pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada.
3 - No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos.»
Como resulta evidente, na data em que as parte celebraram o contrato de arrendamento, no ano de 2009, vigorava a Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano, aditando ao Código Civil o art.º 1094º, de onde passou a resultar que, podendo o contrato de arrendamento ser celebrado com termo certo ou por duração indeterminada, o silêncio das partes significa que é celebrado por duração indeterminada.
Não tendo ficado provado qualquer prazo de duração do contrato de arrendamento a que se referem os factos provados, impõe-se a conclusão de que, por vontade das partes ou falta da sua manifestação, o contrato de arrendamento que celebraram tem duração indeterminada.
Já então esse prazo não podia ser superior a 30 anos, como resulta do art.º 1095º, nºs 1 e 2, do Código Civil, então também aditado pelo art.º 3º do NRAU, regime que se mantém na atual redação do mesmo preceito legal, introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, cuja vigência se iniciou a 13 de fevereiro de 2019, alterando a redação que lhe fora dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto.
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3. Indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais
A reconvinte alegou, sob os artigos 258 a 266 da contestação-reconvenção, o seguinte:
«(…)
58. A questão é que o A/Reconvindo marido por volta de março de 2018 de modo perfeitamente inesperado e incompreensível, resolveu expulsar a Ré/Reconvinte sem qualquer critério jurídico, social ou humano.
259. E não pelas vias legais e judicias.
260. Não obstante o que tem acontecido com as atitudes do A/Reconvindo marido e que é o recurso a atos que transmitem na RÉ/Reconvinte o medo, a exaustão, o desespero.
261. O que os AA/Reconvindos pretende, com tais comportamentos, é que a Ré/Reconvinte abandone a casa, sem mais.
262. Tem acontecido de tudo, desde insultos, ameaças, bloqueio da fechadura da porta de entrada da casa (como se pode constatar através dos documentos que juntamos), cortes de energia e cortes de água, ao ponto de meter a polícia no assunto (ver documento nº 8, 9 que se juntam, mais 5 fotografias, entre outros), mais os processo crime contra o A/Reconvindo marido, como já se referiu.
263. Mas nada disto tem movido a Ré/Reconvinte a sair de casa, apesar das tremendas dificuldades que tais comportamentos acarretam.
264. É claro, que toadas como estas terminando em atitudes por parte do A/Reconvindo marido que só pretendiam o que é obvio, despejar a Ré/Reconvinte da casa em que a Ré mora a qualquer preço, de modo perfeitamente ilegal e fora do contexto jurídico.
265. Tais comportamentos acabaram, como é natural, por ter os seus reflexos, quer ao nível mental provocando um completo desgaste e transtorno psicológico na Ré, quer ao nível psíquico.
266. Só com sacrifício, muita perseverança e muito apoio de todos que rodeiam a Ré/Reconvinte se tem aguentado, até hoje, a morar na dita residência, que lhe está conferida por lei.
(…)».
Com base nesta alegação que considera refletir um comportamento ilícito e culposo dos reconvindos, pediu a condenação dos mesmos numa indemnização não inferior a €5.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Qualquer indemnização, enquanto modo de reparação de danos resultante de uma conduta ilícita e culposa de outrem, designadamente por ofensa de direitos de personalidade (art.ºs 483º e seg.s e 562º e seg.s do Código Civil), só pode assentar em matéria de facto provada e não meramente alegada.
Resultou provado o seguinte:
«(…)
17. Com o objectivo da ré abandonar a fracção autónoma, em 14.07.2018, os autores procederam à mudança da fechadura da aludida fracção autónoma e afixaram na porta o aviso cuja cópia consta de fls. 43v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18. E em data não concretamente apurada, os autores ordenaram ainda o corte do fornecimento de energia e água à aludida fracção autónoma.
19. Para aceder novamente à fracção autónoma, a ré necessitou de proceder à abertura da porta e a nova mudança da fechadura, no que despendeu a quantia de €166,05.
20. Tais condutas dos autores provocaram à ré medo, desespero, desgaste e transtorno psicológico.
(…).»
A reconvinte parece confundir a reparação destes danos com a reparação dos danos resultantes de litigância de má fé.
Quanto aos primeiros, a sentença ponderou muito corretamente em quase toda a linha - diga-se desde já - os pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação e indemnizar, concluindo pela fixação de indemnizações. Fê-lo assim:
«(…)
Importa agora apurar se resultaram demonstrados os actos que são imputados aos autores como lesivos dos direitos da ré e, em consequência, a condenação daqueles em indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, conforme peticionado.
Apreciemos então se se verificam, no caso em apreço, os pressupostos legais de existência da obrigação de indemnizar, que são os seguintes: o facto voluntário; a ilicitude; a culpa; os danos; e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos – art.ºs 483º, nº 1 e 487º, nº 2, do CC, e A. Varela, Das Obrigações em geral, 9ª ed., vol. I, p. 543 e seguintes, e 7ª ed., vol. II, p. 94, M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 483 e seguintes, e I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 331 e seguintes).
Aqueles factos integradores dos aludidos pressupostos, porque constitutivos do direito à indemnização invocado pela ré, cabia a esta provar, de acordo com as regras do ónus da prova constantes do art.º 342º, do CC.
A ré alicerçou o referido pedido no facto dos autores terem mudado a fechadura do imóvel locado e mandado cortar o fornecimento de água e de energia elétrica ao local reivindicado (onde a ré vive), na vigência do acordo (contrato de arrendamento) que sustenta a defesa da ré e com vista a obter desta a entrega do dito imóvel.
Esse comportamento dos autores consta, efectivamente, dos factos provados.
Por conseguinte, no caso dos autos é inquestionável a existência do facto (a actuação dos autores referida nos pontos 17 e 18 do elenco dos factos provados tem de ser havido como facto humano voluntário, já que controlável pela vontade), da ilicitude (a violação do direito de propriedade dos autores[10]), a imputação do facto ao lesante a título de culpa (de dolo, pois que a conduta foi voluntária e querida), além de se ter verificado dano e nexo de imputação deste dano ao facto.
Apurada está assim a existência de obrigação de indemnizar.
De acordo com os art.ºs 562º e 564º, do CC, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo o dever de indemnizar não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Por outro lado, prescreve o art.º 566º do CC que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (consagração da doutrinariamente chamada teoria da diferença).
Ora, resulta provado que, para aceder novamente à fracção autónoma, a ré necessitou de proceder à abertura da porta e a nova mudança da fechadura, no que despendeu a quantia de €166,05.
Estamos perante prejuízos relativamente aos quais a actuação dos autores dada como assente nos presentes autos é, sem margem para dúvidas, causa adequada, logo indemnizáveis, no aludido montante.
Quanto à indemnização a título de danos não patrimoniais rege o disposto no art.º 496º do CC.
De acordo com o aludido normativo, os danos não patrimoniais que são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, consequência do princípio da tutela geral da personalidade (art.º 70º, do CC).
Ora, a este propósito ficou provado que as descritas condutas dos autores provocaram à ré medo, desespero, desgaste e transtorno psicológico.
Deste modo, dúvidas não há quanto à gravidade dos danos não patrimoniais apurados.
Isto posto, e aplicando os critérios aludidos no art.º 494° do CC, que o art.º 496º, nº 3 do mesmo diploma manda tomar em linha de conta na fixação da indemnização devida por este tipo de danos, nomeadamente o elevado grau de culpabilidade dos autores (como o comprova a insensibilidade com que estes impediram a ré de aceder à sua habitação e decidiram a privar de água e electricidade, com o propósito de pressionar esta a abandonar a fracção de que são proprietários, apesar de bem saberem que a tinham arrendado à ré, para esta ali habitar), a situação económica destes e a da lesada, tem-se por adequado arbitrar a favor da ré uma indemnização por danos não patrimoniais de €1.000,00, já devidamente actualizado a esta data.
Às supra aludidas quantias acrescem os juros de mora à taxa de 4%, contados desde a notificação do pedido reconvencional, no caso dos danos de natureza patrimonial, e desde a data da presente sentença, nos casos de danos de natureza não patrimonial, até integral pagamento - Portaria nº 291/03, de 8 de Abril, art.ºs 804º, 805º, nº 3, e 806º, todos do CC, e ac. STJ n.º 140/02, publicado no DR I-A Série, de 27.06.2002.»
O acerto da argumentação jurídica, da utilização do critério legal e dos montantes fixados a título de indemnização dispensam-nos de mais delongas, sendo de confirmar, nesta parte, os montantes de indemnização fixados pelo dano patrimonial e pelos danos não patrimoniais.
*
4. A indemnização por litigância de má fé
A litigância de má fé pressupõe uma conduta ilícita e culposa (dolo ou culpa grave), mas respeita à lide, ao processo, como o próprio nome indica, à conduta das parte na litigância. Já o Prof. Alberto dos Reis[11] ensinava que, se a parte “procedeu de má fé ou com culpa, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as pretensas razões, a sua conduta assume o aspecto de conduta ilícita. Demandando ou contestado em tais circunstâncias, pratica um facto ilícito, um facto contrário à ordem jurídica: daí a sua responsabilidade subjectiva, emergente precisamente do seu estado de consciência - do dolo ou da culpa”.
Esta indemnização não prossegue os mesmos fins daqueloutras. Antes visa reparar a parte contrária pelos prejuízos que sofre em resultado da má fé na litigância processual, e não em consequência dos factos ilícitos e culposos que integram os fundamentos da ação e a obrigação de indemnizar os respetivos danos. São os danos intrínsecos e outros que sejam consequência direta do procedimento doloso ou gravemente negligente que aqui se equacionam.
Daí que o art.º 543º do Código de Processo Civil se refira expressamente à possibilidade desta indemnização respeitar ao reembolso das despesas que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou dos técnicos, assim como a satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela mesma parte em consequência direta e indireta dessa má fé processual, seja ela material ou instrumental (art.ºs 542º, nºs 1 e 2, al.s a), b), c) e d) e 543º, n.ºs 1, al.s a) e b), do Código de Processo Civil).
O tribunal não fixou ainda qualquer indemnização a favor da reconvinte a este título, tendo dado cumprimento ao disposto no nº 3 do citado art.º 543º, nos termos do qual, “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte”.
Nesta matéria, resulta da sentença, além do mais, o seguinte:
«(…)
De qualquer forma, decorre do regime legal acima explanado que a ninguém é permitido deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Assim, não pode a parte, mesmo a pretexto de exercício de direito de defesa, articular contra a verdade dos factos por si sabida, verdade essa que, a ser demonstrada, a fará incorrer na sanção pecuniária imposta pela lei, cujo risco terá de assumir ao enveredar por aquela via.
No caso, e atenta matéria de facto provada e não provada e a respectiva motivação, não se pode deixar de se concluir que os autores não podiam deixar de conhecer que a ré ocupava a sua fracção autónoma, na qualidade de arrendatária. Não obstante o que fica dito, vieram os mesmos intentar a presente acção contra a ré alegando de forma infundada que tinham celebrado com a mesma apenas um contrato de comodato.
O que significa terem os mesmos alterado a verdade dos factos a fim de deduzir intencionalmente pretensão, cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer, o que integra o estatuído nas citadas alíneas a) e b), preenchendo os requisitos para se concluir pela litigância de má fé por parte dos autores.
Tal comportamento é grave, devendo ser punido em conformidade; ponderando a intensidade do dolo e a dimensão das suas consequências, impõe-se a condenação dos autores em multa, que se fixa em 5 Uc’s e em indemnização a favor da ré, cuja fixação não é, por ora possível face à ausência de elementos.
(…)
Após trânsito, notifique os autores e a ré nos termos e para efeitos do disposto no art.º 543º, nº 3, do NCPC.»
É sobre a indemnização relativa à litigância de má fé, seu fundamento e montante, e nada mais, que as partes, querendo, se pronunciarão oportunamente por determinação do tribunal. Assim se decidiu no pressuposto de que o tribunal ainda não dispõe dos elementos necessário à fixação da indemnização, concedendo também às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão.
Portanto, de momento, não está atribuída qualquer indemnização àquele título, nem tão-pouco a reconvinte formalizou um pedido de indemnização quantificado quanto às consequências da má fé na litigância, o que, aliás sempre seria prematuro, pois que a lide ainda não terminou, sendo previsível que a reconvinte não conheça ainda, ao menos na totalidade, os honorários do seu ilustre mandatário (art.ºs 1158º, nºs 1 e 2, 1161º, al. d), e 1167º, al.s b), c) e d), do Código Civil), por exemplo.
A apelação improcede também nesta parte.
Não havendo qualquer outra questão a decidir, impõe se a procedência parcial da apelação, com alteração da sentença recorrida.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, altera-se o ponto B, al. a), da sentença, nos seguintes termos:
B- Julga-se a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condenam-se os AA. reconvindos a reconhecer que celebraram com a R., em março de 2009, um contrato de arrendamento para habitação, referente à fração autónoma identificada no artigo 1º da petição inicial, por duração indeterminada e renda mensal de €280,00 (duzentos e oitenta euros).
No mais mantém-se a sentença recorrida.

Dado o decaimento parcial, as custas da apelação são suportadas pelos AA. e pela R. na proporção de metade (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Porto, 13 de janeiro de 2022
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Entre o despacho saneador e o termo da audiência final decorreram mais de 2 anos.
[2] Por transcrição.
[3] Por transcrição.
[4] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V. Coimbra Editora, 1981, pág. 359.
[5] Entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2015, proc. 677/12.4TTALM.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[6] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 118.
[7] De que é expressão máxima Miguel Teixeira de Sousa, ao comentar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2015, proc. 212/06.3TBSBG.C2.S1, blog do IPPC e o acórdão daquele Alto Tribunal de 1426/08.7TCSNT.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[8] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1, de 26.11.2015, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1de 1.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, de 3.3.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1, todos in www.dgsi.pt.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2016, proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1, e ainda, mais recentemente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.11.2020, proc. 294/08.3TBTND.C3.S1, in www.dgsi.pt.
[10] Aqui parece haver um equívoco na sentença, pois que não está em causa o direito de propriedade dos AA., mas a posse e violação de direitos da reconvinte enquanto locatária e direitos de personalidade, como o direito a uma vida tranquila e sossegada e o direito ao descanso na sua residência, sem sobressaltos ou aflições.
[11] Código de Processo Civil anotado, Vil. II, pág. 261.